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Acta Farmacêutica Portuguesa

2017, vol. 6, n.1, pp. 26-37

Estado da arte na terapêutica farmacológica da Asma e da DPOC – a


perspetiva do farmacêutico
State of the art in pharmacological therapy of Asthma and COPD - the pharmacist’s
perspective
1 1
Castel-Branco M.M. , Figueiredo I.V.
ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE
RESUMO
As doenças respiratórias crónicas atingem 40% da população portuguesa (asma 10%,
rinite 25% e DPOC 14,2% das pessoas com mais de 40 anos) e são uma das principais
causas de morbimortalidade em Portugal. Para além de um regime terapêutico adequado,
as orientações internacionais apontam para a necessidade da educação e monitorização
contínua do doente, de tal modo que só se passe para um degrau terapêutico superior
quando se tiver a certeza de que a adesão à terapêutica e a utilização dos inaladores são
as adequadas. O farmacêutico comunitário é o profissional de saúde de proximidade
que pode assumir, integrado na equipa de saúde, o acompanhamento destes doentes,
fazendo a “ponte” entre o doente que utiliza os medicamentos e o médico que os
prescreve.
Palavras-Chave: asma, dispositivos inalatórios, DPOC, farmacêutico comunitário,
terapêutica farmacológica.

ABSTRACT
Chronic respiratory diseases affect 40% of Portuguese population (asthma 10%,
rhinitis 25% and COPD 14.2% of people over 40 years) and are one of the main
causes of morbidity and mortality in Portugal. In addition to an adequate therapeutic
regimen, international guidelines point to the need for continuous education and
monitoring of the patient, so that only a higher therapeutic step can be taken when it
is certain that compliance with the therapy and the use of the inhalers are adequate.
The community pharmacist is the local health professional who can take part in the
health team to accompany these patients, bridging the gap between the patient who
uses the medicines and the doctor who prescribes them.
Keywords: asthma, inhaler devices, COPD, Community pharmacist, pharmacological
therapy.

1Laboratório de Farmacologia e Cuidados Farmacêuticos, Faculdade de Farmácia, Universidade de


Coimbra, Polo das Ciências da Saúde, Coimbra, Portugal.

Autores para correspondência: Margarida Castel-Branco e Isabel Vitória Figueiredo. Farmácia da


Universidade de Coimbra, Azinhaga de Santa Comba, 3000-548 Coimbra. Tel. 239 488400; mmcb@
ci.uc.pt; isabel.vitoria@netcabo.pt

Submetido/Submitted: 07 fevereiro 2017 | Aceite/Accepted: 10 março 2017

©Ordem dos Farmacêuticos, SRP ISSN: 2182-3340


Castel-Branco M.M., Figueiredo I.V.

DOENÇAS RESPIRATÓRIAS: ASMA turna ou matinal) e aperto torácico.


E DPOC Normalmente verifica-se obstrução
A asma, a rinite alérgica e a doença do fluxo aéreo, obstrução essa que é
pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) reversível, espontaneamente ou após
são as doenças respiratórias crónicas tratamento. Estima-se que cerca de 300
mais comuns, representando um dos milhões de pessoas sofram de asma em
maiores problemas de saúde dos nossos todo o planeta. Os custos económicos
dias. Para além do mais a sua prevalência globais associados à asma são relevantes,
tem aumentado. Afetam a qualidade de tanto os custos diretos – medicamentos,
vida e podem provocar incapacidade, hospitalizações, recursos humanos –
causando um grande impacto económico como os custos indiretos – absentismo
e social. As limitações físicas, emocionais escolar ou laboral, diminuição da
e intelectuais que surgem com estas qualidade de vida, morte prematura.
doenças, com consequências na vida do Contudo, esses custos estão em estreita
doente e da sua família, podem gerar ligação com o nível individual atingido
grande sofrimento humano. no controlo da doença, na medida em
As doenças respiratórias continuam a ser que quanto maior for esse controlo
uma das principais causas de morbilidade menor será o número de exacerbações,
e mortalidade em Portugal. As doenças situações essas que, sendo graves,
respiratórias crónicas atingem 40% da exigem uma intervenção mais es-
população portuguesa: asma 10%, rinite pecializada, muitas vezes envolvendo
25% e DPOC 14,2% das pessoas com internamento hospitalar. Deste modo,
mais de 40 anos. A situação em Portugal a asma assume-se como um problema
revela duas realidades preocupantes: real de saúde pública, onde começa a ser
por um lado, o desconhecimento de evidente que tratar custa menos do que
muitos indivíduos em relação à sua não tratar. A DPOC, sendo também uma
doença (particularmente a DPOC), doença das vias respiratórias, tem como
o que implica que não estejam a ser característica principal uma obstrução
devidamente tratados; por outro lado, persistente não completamente rever-
um número, por vezes significativo, de sível do fluxo aéreo, obstrução essa
pessoas sujeitas a terapêutica que não progressiva e associada a uma resposta
têm a doença controlada nem aparentam inflamatória pulmonar anormal às partí-
o tal bem-estar físico, mental e social culas tóxicas e aos gases. Na sua origem
que define saúde no seu sentido mais pode estar uma bronquite crónica
lato. (obstrução aérea) e/ou um enfisema
A asma é uma doença inflamatória pulmonar (destruição alveolar), sendo a
crónica das vias respiratórias que afeta DPOC uma mistura de ambas com maior
pessoas de todas as idades em todas ou menor contribuição de cada uma
as partes do mundo. Caracteriza-se delas. Para além dos efeitos respiratórios
por uma hiperreatividade brônquica a propriamente ditos – dispneia de esforço,
determinados estímulos conducente a tosse crónica, expetoração – que se
episódios recorrentes de dispneia si- traduzem numa diminuição dos débitos
bilante, tosse (predominantemente no- expiratórios, na DPOC encontram-se

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também efeitos extrapulmonares – perda de diretamente nas vias aéreas e pulmões


peso, desordens nutricionais, disfunção (local de ação), a via inalatória permite
músculo-esquelética – que conduzem a utilização de doses mais baixas de
a comorbilidades que podem diminuir fármacos, um início de ação mais rápido
bastante a qualidade de vida destes e menos efeitos adversos do que a via
doentes. Estes efeitos transformam oral ou a via endovenosa (Figura 1).
a DPOC numa doença sistémica. No entanto, para que a terapêutica
O tabaco é o maior fator de risco inalatória seja segura e eficaz, o produto
conhecido para esta doença, estimando- tem de estar adequadamente formulado em
-se que 20% das situações de DPOC aerossol (o que depende das características
ocorram em fumadores. À medida que físico-químicas dos princípios ativos), o
a idade aumenta a prevalência da DPOC estado anatomofisiológico do aparelho
também aumenta. Estima-se que cerca respiratório tem de ser adequado (tanto ao
de 25% dos indivíduos com mais de 40 nível da capacidade respiratória como do
anos tenham algum grau de limitação estado anatómico das vias respiratórias)
do fluxo aéreo. A prevalência da DPOC e tem de haver uma correta utilização
depende muito de fatores ambientais, do dispositivo inalatório por parte do
uma vez que para esta patologia são doente. O objetivo principal é sempre
conhecidos vários fatores de risco, tais o de conseguir a máxima deposição
como o fumo do tabaco, a poluição de fármaco nas vias respiratórias mais
atmosférica, o ambiente profissional distais com uma deposição mínima na
e o estado nutricional, para além da cavidade orofaríngea, no estômago e nos
maior ou menor suscetibilidade às alvéolos pulmonares.
infeções respiratórias e à hiperreatividade Corticosteroides e broncodilatadores estão
brônquica dos indivíduos. Os custos disponíveis no mercado numa grande
associados à DPOC são bastante eleva- variedade de sistemas de dispersão, que
dos, principalmente à medida que a se podem classificar em inaladores
doença progride e vai exigindo, para além pressurizados doseáveis (pMDI – Pres-
da medicação adequada ao estadio da surized Metered Dose Inhalers), inaladores
doença, cuidados médicos acrescidos e de pó seco (DPI – Dry Powder Inhalers) e
terapêutica não farmacológica, tal como inaladores de névoa suave (SMI – Soft Mist
reabilitação respiratória, oxigenoterapia Inhalers). Todos eles são considerados
de longa duração, assistência ventilatória dispositivos inalatórios simples, tendo
e cirurgia. A DPOC é, em muitos países, cada categoria aspetos positivos e ne-
uma das principais causas de morte, gativos. A deposição pulmonar do fármaco
estimando-se que em 2020 seja a 3ª depende da dimensão das partículas, da
causa de morte em todo o mundo. técnica de inalação e do tipo de dispositivo
inalatório. Da interação complexa entre
ADMINISTRAÇÃO DE FÁRMACOS estes três fatores resulta a necessidade de
POR VIA INALATÓRIA técnicas inalatórias diferentes para cada
A via de eleição para a administração tipo de inalador, sendo crucial garantir a
de fármacos na asma e na DPOC é a via escolha do inalador mais ajustado a cada
inalatória. De facto, ao colocar o fármaco doente. Por exemplo, os doentes que

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Figura 1 – Via inalatória (retirada do Color Atlas of


Pharmacology, 2000).

usam pMDIs devem apresentar uma boa revisão periódica da técnica inalatória.
capacidade de coordenação mão-pulmão De facto, quando ao doente é prescrita
e inalar de forma lenta e profunda; pela primeira vez uma terapêutica
contrariamente, os DPI exigem uma inalatória, é preciso ensiná-lo a utilizar
inalação mais rápida e não requerem corretamente o dispositivo, mas muita
capacidade de coordenação por parte do da informação é perdida na agitação do
doente. ambiente hospitalar ou de uma primeira
Tal como preconizado pelas guidelines consulta com diagnóstico associado.
internacionais é fundamental, para a Diversos estudos revelam que os
otimização da terapêutica inalatória, o doentes exibem, muitas vezes, técnicas
acompanhamento dos doentes por parte inalatórias incorretas poucos dias após
dos profissionais de saúde, fazendo parte a sua aprendizagem inicial. Neste
integrante desse acompanhamento uma contexto, o farmacêutico comunitário

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surge numa posição excelente para e migra para o núcleo onde vai estimular
educar continuamente os doentes no ou bloquear diversos processos de trans-
que respeita ao uso dos inaladores, crição genética, donde resulta a inibição
atendendo a que é o profissional de da formação, libertação e atuação de
saúde com o qual os doentes se en- diversos mediadores inflamatórios.
contram cada vez que vão adquirir A potente ação anti-inflamatória desen-
a sua medicação à farmácia. Depois cadeada na mucosa brônquica previne
do contacto com o farmacêutico é o a deterioração da função pulmonar,
momento do doente ficar a sós com o através da redução do edema (ao
seu dispositivo, pelo que a intervenção diminuir a permeabilidade vascular),
educacional deste profissional se pode da inibição da ativação e migração de
considerar determinante. células inflamatórias e da redução da
secreção de muco pelas vias aéreas, para
TERAPÊUTICA FARMACOLÓGICA além de causar uma broncodilatação
DA ASMA indireta, por aumento da sensibilidade
Assumindo-se a asma como uma doença dos recetores adrenérgicos beta-2 aos
inflamatória crónica das vias aéreas simpaticomiméticos. Naturalmente um
com crises mais ou menos exuberantes mecanismo de ação deste tipo não permite
de hiperreatividade brônquica, a sua a sua utilização em situações agudas
abordagem terapêutica passa por uma de crises de asma, onde se pretende
terapêutica de controlo e por uma um efeito terapêutico em questão de
terapêutica de alívio em situações de segundos. A doença asmática apresenta,
crise. A primeira consiste na toma diária por conseguinte, uma redução dos
de medicamentos com o objetivo de sintomas, com melhoria da qualidade de
controlar a componente inflamatória vida e da função pulmonar, diminuição
da asma, sendo os corticosteroides da hiperreatividade brônquica, redução
por via inalatória os fármacos de elei- da frequência e severidade das crises
ção; a segunda baseia-se na toma de e redução da mortalidade. Apenas os
medicamentos em SOS com o objetivo de doentes em situações de asma com
reverter rapidamente situações agudas acessos intermitentes muito espaçados
de broncoconstrição, elegendo-se para poderão não recorrer à corticoterapia.
o efeito os agonistas adrenérgicos beta- A corticoterapia por via sistémica é
-2 seletivos de curta duração de ação, reservada para situações graves de asma
também com administração preferencial crónica ou de exacerbação aguda de asma
por via inalatória. e sempre que o controlo destas situações
não é conseguido com a via inalatória
Terapêutica de controlo da asma ou pelo uso de broncodilatadores. Mas
Corticosteroides inalados os corticosteroides, se por um lado são
Os corticosteroides são anti-inflama- anti-inflamatórios muito potentes, por
tórios potentes quando administrados outro lado são responsáveis por um
em uso crónico. Uma vez na biofase, conjunto vasto de efeitos laterais, sendo
o corticosteroide forma o complexo alguns potencialmente graves. A grande
fármaco-recetor no citoplasma da célula vantagem na sua utilização na asma é a

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possibilidade de recurso à via inalatória. corticosteroides a serem administrados


Como já foi referido, se esta via for por via inalatória temos a beclometasona,
bem utilizada, a eficácia será máxima a budesonida, a fluticasona e a mometasona.
com efeitos sistémicos mínimos. Em
doses moderadas e por períodos de Antagonistas dos leucotrienos
tempo não demasiadamente prolongados Na terapêutica de controlo da asma
os efeitos adversos da corticoterapia poderão, contudo, utilizar-se outros
inalatória reduzir-se-ão a situações de grupos farmacológicos. Assim, se os
disfonia, candidíase orofaríngea e, mais corticosteroides por via inalatória –
raramente, tosse irritativa. Estes efeitos fármacos de 1ª linha que deverão ser
podem ser minimizados ou mesmo introduzidos na terapêutica de forma
evitados se, após cada administração continuada assim que for diagnosticada
por via inalatória, o doente lavar bem uma asma persistente – não estiverem
a boca com água, a fim de remover a ser efetivos (por refratariedade, cor-
o excesso de fármaco que aí tenha ticofobia ou incapacidade de utilização
ficado depositado. No que se refere do dispositivo inalador), os antagonistas
às crianças, é de realçar que crianças dos leucotrienos poderão ser usados
a tomar corticosteroides inalados em em alternativa, sendo exclusivamente
doses elevadas durante um período administrados por via oral. Estes fár-
de tempo prolongado experimentam macos estão também indicados, pre-
uma redução na taxa de crescimento ferencialmente em associação com os
até aos dez anos, podendo essa redução corticosteroides, em situações de asma
continuar durante a adolescência e tra- induzida pelo exercício, pela aspirina ou
duzir-se num atraso da puberdade, mas o após exposição a um alergeno (doentes
indivíduo acaba por chegar à altura que com rinite), com particular destaque
estava geneticamente determinada. Se para a terapêutica em crianças. Para
a toma dos corticosteroides for só por inibir a síntese de leucotrienos existe o
inalação, a perda de densidade mineral zileuton, que atua por inibição da enzima
óssea não se faz sentir nas crianças, 5-lipoxigenase, inibindo a produção quer
contrariamente ao que aconteceria se a dos cisteínil-leucotrienos quer do LTB4,
toma fosse por via oral, onde o risco de com ação quimiotáxica (não se encontra
fraturas aumenta muito. Também não comercializado em Portugal); para inibir
parece que os corticosteroides inalados diretamente a ação dos leucotrienos
causem comportamentos hiperativos, existe o montelucaste, o zafirlucaste e o
agressividade, insónia ou desconcentração pranlucaste (este último também não se
nas crianças, embora haja relatos de encontra comercializado em Portugal),
casos clínicos isolados. Candidíases antagonistas competitivos e seletivos
orais ou aftas podem aparecer em do recetor dos leucotrienos CysLT-1
crianças quando os corticosteroides (aquele que medeia o broncoespasmo, a
inalados são tomados em doses altas e inflamação da parede e a quimiotaxia).
com curtos intervalos de tempo entre O montelucaste tem a vantagem de só
as doses e quando se está a tomar exigir uma toma diária e poder ser tomado
concomitantemente antibióticos. Como independentemente das refeições (à

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noite), ao contrário do zafirlucaste, que inflamatória da asma mas contribuem


exige duas tomas diárias e tem de ser para o controlo da doença asmática,
tomado 1 h antes ou 2 h após a refeição particularmente com sintomatologia
(a sua biodisponibilidade é reduzida em noturna, quando administrados em
40% com alimentos). Ambos só podem associação com corticosteroides por via
ser tomados por via oral (muito útil inalatória. Atuam por estimulação dos
quando a via inalatória não pode ser recetores adrenérgicos beta-2 causando
usada). Apresentam uma forte ligação broncodilatação. A estimulação beta-
às proteínas plasmáticas (>99%) e são 2 também provoca um aumento da
metabolizados pelo citocromo P-450, motilidade ciliar, que geralmente se
pelo que interagem com diversos outros encontra diminuída na asma e DPOC,
fármacos. Com a administração dos e inibe a função de numerosas células
antagonistas dos leucotrienos obtém- inflamatórias, inibindo a libertação de
-se então um efeito anti-inflamatório mediadores inflamatórios e citocinas.
moderado, acompanhado de um ligeiro Contudo, estas células são muito sensíveis
efeito broncodilatador, com prevenção à dessensibilização dos recetores, pelo que
da broncoconstrição induzida pelo exer- o efeito anti-inflamatório é praticamente
cício, pela aspirina ou por exposição nulo em terapêuticas crónicas. A asso-
a um alergeno. A doença asmática ciação inalatória corticosteroides +
apresenta, por conseguinte, uma redução agonistas adrenérgicos beta-2 seletivos
dos sintomas, como o da tosse, e uma de longa duração de ação é sinérgica
melhoria ligeira da função pulmonar, e melhora a sintomatologia da asma,
tornando-se as exacerbações da asma diminui a asma noturna, melhora a função
mais espaçadas. Note-se, contudo, que pulmonar, previne o broncoespasmo
a resposta terapêutica a estes fármacos induzido pelo exercício, diminui a ne-
é muito variável, podendo dividir-se cessidade de recorrência frequente aos
os doentes no grupo daqueles que broncodilatadores de SOS, reduz o número
respondem e no grupo daqueles que de exacerbações da asma, diminui o
não respondem aos antagonistas dos número de hospitalizações por crises
leucotrienos. Estes fármacos são muito asmáticas e permite o controlo clínico da
bem tolerados, sendo as cefaleias o seu doença mais rapidamente e com recurso
principal efeito adverso. a doses mais baixas de corticosteroides.
Existem formulações para uso inalatório
Agonistas adrenérgicos beta-2 seletivos de que já trazem os dois princípios ativos
longa duração de ação inalados em combinação fixa, facilitando a vida
Na terapêutica de controlo duma asma ao doente e a sua adesão à terapêutica,
persistente moderada a grave deve bem como assegurando que o agonista
fazer-se a associação, por via inalatória, adrenérgico beta-2 é sempre usado em
do corticosteroide, na dose mais baixa associação com o corticosteroide. Os
eficaz, com um agonista adrenérgico principais efeitos adversos dos agonistas
beta-2 seletivo de longa duração de ação. adrenérgicos beta-2 seletivos são a
Estes fármacos – procaterol, salmeterol e estimulação cardiovascular (taquicardia,
formoterol – não atuam na componente palpitações, aumento do intervalo QT,

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arritmias, isquémia do miocárdio por tendo eventualmente uma ação sinérgica


estimulação beta-1), tremores (esti- com os corticosteroides. O seu efeito
mulação beta-2), estimulação do SNC terapêutico no controlo da asma e da
(ansiedade) e hipocaliémia (altas doses). DPOC deve-se principalmente à sua
Contudo, se a via usada for a via ação broncodilatadora, mas também
inalatória, os efeitos sistémicos serão à inibição da libertação de mediadores
mínimos. Nas crianças, por vezes, tem pelos mastócitos, à inibição do edema,
de se recorrer ao xarope (procaterol), o ao aumento do transporte mucociliar,
que traz menor benefício terapêutico e à melhoria da contractilidade do dia-
menor tolerabilidade. fragma, à diminuição da fadiga dos
Em alternativa pode fazer-se a associação músculos respiratórios e à estimulação
do corticosteroide com um antagonista dos centros respiratórios medulares. Só
dos leucotrienos, embora esta associação estão disponíveis por via oral.
seja menos eficaz.
Corticosteroides sistémicos
Metilxantinas Nas situações de asma persistente
As metilxantinas – teofilina, aminofilina muito grave pode ter de se recorrer à
e diprofilina – atuam como broncodilata- corticoterapia oral de forma continuada.
dores e, em doses baixas, como anti-in- Por via sistémica os efeitos adversos dos
flamatórios modestos. corticosteroides englobam situações de
A administração crónica de teofilina sob imunossupressão, redução da densidade
a forma de comprimidos de libertação mineral óssea, fraqueza muscular, ca-
prolongada, isoladamente ou em as- taratas e glaucoma, alterações do ritmo
-sociação, pode ser usada quando as cardíaco, distúrbios mentais, aumento
restantes alternativas terapêuticas não de apetite, aumento da secreção gás-
permitirem atingir o controlo desejado trica, hiperglicemia, dislipidémias, di-
da doença. O seu mecanismo de ação minuição da espessura da pele, edemas
ocorre por inibição competitiva das e hipertensão. Sempre que for preciso
fosfodiesterases, aumentando as con- recorrer a corticosteroides sistémicos
centrações intracelulares de AMP e devem-se selecionar os fármacos com
GMP cíclicos e, consequentemente, maior ação glicocorticoide, menor ação
aumentando a transdução de sinal por mineralocorticoide e duração de ação
essas vias, e por inibição competitiva curta a intermédia. Havendo necessidade
dos recetores da adenosina, um au- de utilizar uma dose de manutenção de
tacoide e transmissor de múltiplas corticosteroides por via oral deve-se
ações biológicas, entre as quais bron- usar a dose eficaz mais baixa possível e,
coconstrição e libertação de me- se possível, em dias alternados, a fim de
diadores por parte dos mastócitos. reduzir ao máximo os efeitos adversos.
Também parece atuar por ativação Para administração por via sistémica
das desacetilases das histonas a nível existem a metilprednisolona, a prednisolona,
nuclear, impedindo o “desenrolamento” a prednisona e o deflazacorte, podendo
do DNA e diminuindo a transcrição este último, que não apresenta ação
de múltiplos genes pró-inflamatórios, mineralocorticoide, ser administrado

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em gotas orais. tivos de curta duração de ação – salbu-


tamol e terbutalina – são os fármacos de
Anticorpo monoclonal anti-IgE (omalizumab) 1ª linha para a abordagem das crises de
Finalmente o omalizumab é um fármaco asma de grau ligeiro a moderado. Prefe-
biológico indicado para doentes com rencialmente devem ser administrados
níveis séricos de IgE elevados (20-700 por via inalatória. Atuam por estimulação
UI/ml) – asma alérgica – e que não dos recetores adrenérgicos beta-2 causan-
respondem aos corticosteroides por via do broncodilatação em poucos segundos.
inalatória. A terapêutica com anticorpos
monoclonais faz-se exclusivamente em Anticolinérgicos inalados
meio hospitalar, através de administração Na terapêutica de alívio da asma,
subcutânea de omalizumab cada 2 – 4 os agonistas adrenérgicos beta-2
semanas, e só em situações de asma não seletivos de curta duração de ação
controlada com a medicação convencional poderão ser substituídos por fármacos
IgE mediada relacionada com um ou anticolinérgicos, sempre que os pri-
mais aeroalergenos. Trata-se de um meiros estão contraindicados. É o ca-
anticorpo monoclonal recombinante hu- so do brometo de ipratrópio, que atua
manizado contra a IgE: a IgE ligada ao por antagonismo dos efeitos bron-
omalizumab não se pode ligar aos seus coconstritores da estimulação colinérgica
recetores nos mastócitos e basófilos, o (inibição do tónus vagal), provocando
que permite prevenir a reação alérgica a dilatação das vias aéreas centrais de
numa etapa muito inicial do processo. grande e de pequeno calibre. Usado
Como resultado, mesmo na presença por via inalatória, resulta numa fraca
do alergeno, não ocorre ativação do absorção sistémica e, por conseguinte,
mastócito e não há, consequentemente, na ausência de reações adversas ca-
libertação de histamina, triptase, LTC4, racterísticas dos anticolinérgicos. Con-
PGD2 e citocinas várias, responsáveis tudo, pode provocar xerostomia e
pela resposta alérgica. Os efeitos te- sabor desagradável. Os anticolinérgicos
rapêuticos do omalizumab são uma inalados não são aconselhados em
redução dos sintomas, uma redução crianças.
na medicação de SOS e menor número
de exacerbações numa asma moderada Aminofilina
a grave. O omalizumab está indicado A aminofilina é o sal etilenodiamínico da
para adultos e adolescentes >12 teofilina que, por ser mais solúvel, pode
anos com asma alérgica moderada ser administrado por via intravenosa,
a severa, reduzindo a dependência estando reservada para o tratamento de
dos corticosteroides e diminuindo a crises asmáticas graves a nível hospitalar.
frequência das exacerbações.
Corticosteroides sistémicos
Terapêutica de alívio da asma A corticoterapia por via sistémica pode
Agonistas adrenérgicos beta-2 seletivos de ser utilizada em situações de exacerbação
curta duração de ação inalados aguda da asma sempre que o controlo
Os agonistas adrenérgicos beta-2 sele- destas situações não é conseguido

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com a via inalatória ou pelo uso de broncodilatadores de ação curta, quando


broncodilatadores (administração oral ocorrem duas ou mais agudizações por
num período de 3 a 7 dias). ano e para incrementar a tolerância ao
exercício e a qualidade de vida, com
TERAPÊUTICA FARMACOLÓGICA redução da falta de ar e frequência das
DA DPOC agudizações, utilizam-se os agonistas
Sabendo-se que a cessação tabágica, adrenérgicos beta-2 seletivos de longa
caso se aplique, é a única medida com- duração de ação. O indacaterol é um
provadamente eficaz para retardar agonista beta-adrenérgico de ultra-longa
a deterioração respiratória, e que a duração de ação que se tem revelado
terapêutica não farmacológica – rea- bastante eficaz e seguro em terapêuticas
bilitação respiratória, oxigenoterapia de crónicas da DPOC.
longa duração, assistência ventilatória
e cirurgia – tem um relevo especial na Anticolinérgicos inalados
abordagem da DPOC, o objetivo da Os anticolinérgicos são indicados na
terapêutica farmacológica nesta doença, terapêutica da DPOC estável para uso
mais do que melhorar a função pulmonar regular quando o aumento do tónus
do doente, será o de prevenir e controlar colinérgico é um componente importante
os seus sintomas, reduzir a frequência e a na obstrução das vias aéreas. Têm efeito
severidade das exacerbações e melhorar mais prolongado do que os agonistas
o estado geral de saúde do indivíduo e a beta-2 de ação curta e têm ação sinérgica
sua tolerância ao exercício. Tal como na com eles, sendo estas associações
asma, também a terapêutica da DPOC vantajosas na DPOC. Para além do
terá de assumir duas formas distintas: brometo de ipratrópio estão indicados na
terapêutica para a DPOC estável e DPOC o brometo de tiotrópio, o brometo de
terapêutica para a DPOC agudizada. aclidínio e o brometo de glicopirrónio, este
último de ultra-longa duração de ação.
Terapêutica para a DPOC estável
A terapêutica para a DPOC estável Metilxantinas
consiste na toma de medicamentos As metilxantinas, por via oral, são
ao longo do tempo com o objetivo de indicadas na DPOC estável para controlo
manter a doença sob controlo clínico. sintomático adicional (3ª linha).

Agonistas adrenérgicos beta-2 seletivos Corticosteroides inalados


inalados Os corticosteroides inalados são in-
Inicialmente os agonistas adrenérgicos dicados na terapêutica da DPOC estável
beta-2 seletivos de curta duração nos estadios III e IV, por via inalatória,
de ação são indicados para o alívio conseguindo diminuir a incidência de
sintomático rápido e terapêutica de exacerbações. O recurso à via oral pode
manutenção (4-6 h) e para a redução ser necessário em exacerbações agudas.
da falta de ar e aumento da tolerância Normalmente surgem associados aos
ao exercício físico. Quando os sintomas agonistas beta-adrenérgicos e em do-
são inadequadamente controlados com sagens superiores às utilizadas na

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terapêutica da asma. ou só com dois destes sintomas cardinais,


desde que um deles seja o aumento da
Vacinas antigripais purulência da expetoração. Também se
As vacinas antigripais reduzem a doença deve recorrer à antibioterapia sempre
grave e morte em 50% dos doentes com que uma exacerbação grave da DPOC
DPOC e as vacinas antipneumocócicas exija ventilação mecânica. Crê-se que
reduzem a probabilidade de pneumonia 50% das agudizações da DPOC sejam
adquirida na comunidade. originadas por infeções bacterianas.

Inibidor humano da alfa-1-proteinase Mucolíticos


Em cerca de 1% das DPOC, causadas Sempre que o muco se altere química
por uma deficiência genética em alfa- ou fisicamente pode ser indicado
-1-antitripsina, o tratamento passa recorrer a mucolíticos, acompanhados
pe-la administração do inibidor humano de uma boa hidratação (exceto doentes
da alfa-1-proteinase, de administração cardíacos e renais). Estes fármacos
exclusivamente hospitalar. são indicados devido à presença de
hipersecreção brônquica de muco e
Inibidor da fosfodiesterase-4 (roflumilaste) à deficiente eliminação de secreções.
Finalmente o roflumilaste, de toma Atuam por diminuição da viscosidade
única diária, é indicado para o tra- das secreções, rompendo as ligações
tamento de manutenção da DPOC sulforadas das mucoproteínas, sem
grave (FEV1 pós-broncodilatador in- aumentar o volume das secreções. São
ferior a 50% do previsto) associada a fluidificantes específicos. A acetilcisteína
bronquite crónica em doentes adultos pode provocar náuseas e vómitos,
com historial de exacerbações frequentes enquanto que o ambroxol pode causar
como complemento do tratamento fadiga, boca seca, rinorreia, obstipação e
broncodilatador. Sendo um inibidor da dermatite de contacto.
fosfodiesterase-4, reduz a inflamação
através da inibição da degradação do O FARMACÊUTICO E O DOENTE
AMPc intracelular. COM ASMA OU DPOC
Seja qual for o regime terapêutico se-
Terapêutica para a DPOC agudizada lecionado, é importante salientar que
A terapêutica para a DPOC agudizada as orientações internacionais apon-
baseia-se na toma adicional de tam para a necessidade da educação e
medicamentos para reverter situações monitorização contínua do doente, em
de infeção – antibióticos – e diminuir a qualquer estadio da doença respiratória,
viscosidade das secreções – mucolíticos. de tal modo que só se passe para um de-
grau terapêutico superior quando se ti-
Antibióticos ver a certeza de que a adesão à terapêu-
Os antibióticos são recomendados em tica e a utilização dos inaladores são as
doentes com aumento da dispneia, adequadas (e que, por conseguinte, não
aumento do volume de expetoração e são esses os motivos do não controlo
aumento da purulência da expetoração, da doença). No caso da asma, dada a

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Castel-Branco M.M., Figueiredo I.V.

natureza reversível da sintomatologia, Princípios, Técnica de Inalação e


deve passar-se para um degrau terapêu- Dispositivos Inalatórios. Lusididacta,
tico inferior sempre que a doença se 2014.
mantiver controlada por um período de 2. Global Initiative for Chronis
tempo considerável. Obstrutive Lung Disease. Disponível em
O farmacêutico comunitário, conhecen- http://www.goldcopd.com/
do bem a fisiopatologia destas doenças 3. Global Strategy for Asthma
e a respetiva abordagem terapêutica, é Management and Prevention. Disponível
o profissional de saúde de proximidade em http://www.ginasthma.com/
que pode assumir, integrado na equipa 4. Goodman & Gilman’s The
de saúde, o acompanhamento destes Pharmacological Basis of
doentes, fazendo a “ponte” entre o Therapeutics.12th Ed., 2011.
doente que utiliza os medicamentos e o 5. Lüllmann, H. et al. Color Atlas of
médico que os prescreve. Pharmacology. 2nd Ed. Stuttgart - NY:
Thieme, 2000. p. 15.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 6. Observatório Nacional das Doenças
1. Cordeiro, M. Terapêutica Inalatória: Respiratórias 2016.

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