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Oscar Cullmann Cristologia Do Novo Testamento PDF
Oscar Cullmann Cristologia Do Novo Testamento PDF
DO
NOVO TESTAMENTO
OSCAR CULLMANN
CRISTOLOGIA
DO
NOVO TESTAMENTO
Tradução
DANIEL DE OLIVEIRA
e
DANIEL COSTA
2002
Editora Custom
© Copyright 2002 by Editora Custom
Diagramação:
Pr. Regino da Silva Nogueira
Capa:
James Cabral Valdana - (Oxxll) 9133-2349
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer forma ou meio eletrônico
e mecânico, inclusive através de processos xerográficos, sem permissão expressa da
editora (Lei n° 9.610 de 19.2.1998).
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À Universidade de Edimburgo
como testemunho de rrconhecimento
pelo título de Doctor ofDivinity honoris causa.
ÍNDICE
PREFÁCIO DO AUTOR 15
INTRODUÇÃO
O problema cristológico no cristianismo primitivo ff
1. O papel da cristologia no pensamento teológico dos pri-
meiros cristãos 17
2. Em que consiste o problema cristológico no Novo Testa-
mento? 19
3. O método a seguir 24
PRIMEIRA PARTE
Os títulos cristológicos referentes à obra terrena de Jesus. 29
Ebed lahweh 86
edlahweh no cristianismo primitivo... */
do Ebed " hweh como solução do pro _
cristológico^p^. R ^f^ri
TERCEIRAPARTE ^
Os títulos cristológicos referentes à obra presn Jesus 2^P
Pequeno Intróito ... 255
CRISTOLOGIA T>O JNOVO TESTAMENTO • 9
QUARTA PARTE
Títulos referentes à preexistência de Jesus 321
Pequeno Intróito 323
CONCLUSÃO
LUIZSAYÃO
O PROBLEMA CRISTOLÓGICO NO
CRISTIANISMO PRIMITIVO
Cf'. O. CULLMANN, LÉS premières Confessions de foi chrétiennes, Paris, 2a ed. 1948.
O KISTOl.l Hi]A l í í ) M O V O T 1:3TAMENTO 19
(>p. CÍL, p. 18ss, Outro tanto ocorre com o bati sino que, nas confissões de fé féste-
riores, figura no terceiro artigo como batismo da igreja, enquanto que na fórmula
utilizada por INÁCIO DE ANTIOQUIA (Esm. 1.1) aparece como o batismo de
.//',wti por João; da mesma forma Ef 18.2: "foi batizado a fim de purificar a água por
seu sofrimento" (cf. abaixo, p. 95 s.).
• 20 Oscar Cullmann
lado, a sua relação com Deus; por outro, a união existente entre a
sua natureza divina e a sua natureza humana. Se não quisermos
correr o risco de distorcer, desde o princípio, a perspectiva em que
se apresenta o problema cristológico no Novo Testamento, temos
que isolar estas discussões posteriores. Do ponto de vista históri-
co, temos de reconhecer por certo que, num dado momento, a igreja
encontrou-se frente à imperiosa necessidade de abordar os proble-
mas específicos que resultavam da helenização da fé, da aparição
e difusão de doutrinas gnósticas, assim como do arianismo, nesto-
rianismo etc. A igreja viu-se obrigada a abordar a questão das duas
naturezas e a tentar dar-lhe uma resposta. Verdade é que se inten-
tou resolver o problema apoiando-se nos escritos neotestamentários
voltando-se, não obstante, para uma direção que simplesmente já
não corresponde mais à maneira em que o problema é afirmado
neles.
« Com efeito, no Novo Testamento não se fala quase nunca da
pessoa de Cristo sem que se trate, ao mesmo tempo, de sua obra.
Inclusive no prólogo do Evangelho de João, onde se diz que "o
Logos estava com Deus e era Deus", se acrescenta imediatamente
que por este "Logos" "todas as coisas foram feitas"; o que signifi-
ca que ele é o mediador da criação. Além disso, se este prólogo
fala do ser do Logos é somente para poder dizer, ao longo dos
vinte e um capítulos do Evangelho, o que ele fez como Verbo encar-
nado. Quando o Novo Testamento pergunta "quem é Cristo?" isto
não significaria jamais, exclusiva e principalmente, "qual é sua
natureza?" mas, antes de tudo, "qual é a sua função?".3 Assim, as
diversas respostas que o Novo Testamento dá a esta questão e que
se expressam pelos diferentes títulos que examinaremos sucessi-
vamente se referem sempre, ao mesmo tempo, à sua pessoa e sua
oina, Isiu i'* verdade inclusive naqueles títulos que têm por objeto
0 ('nslo preexistente: Logos, t''ilho de Deus, Deus, que examina-
HMIIOS na última parle deste estudo. Veremos, portanto, que estes
hlulos esboçam, assim, implicitamenle, a questão da relação entre
1 Vtis e a pessoa e orrgem de (Visto. No entanto, mesmo aqui não
se pode lalar propriamente do problema corno se referindo a uma
questão de "naturezas".
I lá, pois, uma diierença entre a maneira em que os prrmeiros
cristãos, por um lado, e a igreja antiga, por outro, abordaram o
problema cristológico. Temos de reconhecer, entretanto, que, no
conflito que recebeu uma solução provisória no Concílio de Cal-
cedônia, Atanásio e outros defensores da ortodoxia falam da natu-
reza de Cristo para sublinhar seu alcance soteriológico, ou seja,
para mostrar que a maneira em que se fala da salvação que Ele
trouxe depende do modo em que se concebe sua natureza. Desta
maneira é que se toma em consideração sua obra; porém, em uma
perspectiva que já não é a do Novo Testamento.
A necessidade de combater os hereges levou os Pais da igreja
a subordinarem a concepção da pessoa e da obra de Cristo à ques-
tão das "naturezas". A respeito do Novo Testamento há, pois, uma
mudança no ponto de vista, justificada, sem dúvida, pela luta con-
11 a a heresia, o que não impede que a discussão sobre as duas "natu-
rezas" seja, em última análise, um problema grego e não um pro-
blema judaico e bíblico.
Para responder à pergunta: "Quem é Jesus?", os primeiros cris-
tãos podiam recorrer a certas ideias correntes no judaísmo e, em
particular, na escatologia judaica. É por isso que a questão cristo-
lógica se põe, nas origens da igreja, do seguinte modo: Em que
medida Jesus cumpriu o que nestas ideias está implícito? Em que
medida sua obra as ultrapassa? Em que pontos entra em contradi-
ção com as ideias cristológicas que o judaísmo tardio parece pos-
tular? E quando os primeiros cristãos, vivendo num meio helenísti-
co, respondem ao problema cristológico recorrendo a um título que,
já entre os gregos, designava um mediador divino, ter-se-á que
• 22 Oscar Culhnann
« 3. O MÉTODO A SEGUIR
Este método, que consiste em tomar como ponto de partida os títulos cristológicos
como tais e tentar em seguida estabelecer as diferenças mediante a análise, parece-
nos mais apropriado que aquele seguido, por exemplo, porG. SEVENSTER em sua
Christohgie van het Nieuwe Testament, 2a ed., 1948. Contudo, Sevenster se esforça
sempre em seu interessante trabalho, que trata sucessivamente da cristologia de
escritos particulares do Novo Testamento, por captar "a unidade e a diferença" nas
concepções neotestamentárias da pessoa de Cristo.
Esta maneira de ver parece impor-se hoje cada vez mais. Comparar E. KÀSEMANN,
"Das Problem des Historischen Jesus (ZThK 51.1954, p. 125 ss.);T. W. MANSON,
"The Life of Jesus. Some Tendencies in Present Day Research" (The Background of
the New Testament and its Eschatology, Mélanges C. H. DODD, 1956, p. 211 ss);
E. FUCHS, "Die Frage nach dem historischen Jesus" (ZThK 53, 1956, p. 210 ss).
C-RISTOLOGIA DO INOVo TESTAMENTO 25
Sob este aspecto, o excelente livrinho de G. BORNKAMM, Jesus, 1957, nos parece
que leva demasiadamente longe o cepticismo ao defender que o Jesus da história não
atribuiu a si mesmo função cristológica alguma.
26 Oscar Cullmann
OS TÍTULOS
CRISTOLOGICOS REFERENTES
À OBRA TERRENA DE JESUS
CAPÍTULO 1
JESUS, O PROFETA
111
H. H. ROWLEY, "The natureof the Old Testament Prophecy in the Light of Recent
Study" {The Servant of the Lorâ and Olher Essays on the Old Testament, 2a ed,
1954, p. 91 ss) dá uma visão de conjunto do problema.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO _33
" 1 Co 11.28; Ef 4..11 Al t 1127 s., 11.11 21.10; Ap 22.9; Did. 11.13.
''Cf. WHEELER ROBINSON, Old Tesutment Essays, 1927, p. 1 ss, W. F.
FLEMINGTON, The New Testament Doctrine ofBaptism, 1948, p. 20 ss; c sobretudo
G. FOHRER, "Die synnbolischeti Handlungen der Propheten" (AThANT, 25), 1953.
34 Oscar Culbnann
Lc 3.2, onde dele se diz, como dos antigos profetas se dizia: hfzvzxO
p%ia Geou k%\ 'Icoávvrrv. Falaremos, mais tarde, sobre João
Batista. No momento nos limitaremos a mostrar que em sua pes-
soa, como na do "Mestre de Justiça''' de Qumran e na de certos
taumaturgos e heróis políticos judaicos da época,13 depois de lon-
ga interrupção, um verdadeiro profeta reapareceu; o que prova,
aos olhos dos judeus, que os últimos tempos estão às portas: Deus
fala de novo pela boca de seu profeta. João Batista realiza o que
esta esperança judaica aguardava há muito tempo: o despertar
escatológico do profetismo (cf. I Mac 4.44 ss.; 14.41; SI 74.9).
Esta esperança havia tomado uma forma concreta: esperava-
se para o fim dos tempos um profeta único em quem se realizaria,
por assim dizer, toda a profecia anterior.14 Desta esperança especi-
ficamente judaica é que temos de nos ocupar aqui. O fato de que
Jesus (assim como João) foi considerado profeta, bastava para
conferir-lhe uma dignidade escatológica muito particular. Mas do
ponto de vista cristologico, o que nos interessa sobretudo, é ver
como é que se voltou para Jesus a esperança da vinda deste profe-
ta único, definitivo. Esta esperança devia ser muito generalizada
na época do Novo Testamento. Prova disso é que a João Batista os
judeus perguntaram: "És tu o profeta?" (Jo 1.21). Todo mundo
devia, pois, saber de quem se tratava.
A ideia judaica de um profeta que resume e realiza o profe-
tismo completamente tem, sem dúvida, também outra raiz, menos
escatológica e mais especulativa: a ideia de que, dado que todos
os profetas têm anunciado, no fundo, a mesma verdade divina,
não deve haver mais que um só e o mesmo profeta, que se tenha
sucessivamente encarnado em diferentes homens, cada vez com
aparência diferente.
JOSEFO, Guerra Judaica, II, 68, H, 261 s., Am. 20,97 s. Cf. ainda R. MEYER, Der
Prophet aus Galilãa. 1940, p. 41 ss.
Cf. P. VOLTZ, Die Eschatologie der judischen Gemeinde im neutestamentliclieii
Zeitalter, 2" ed., 1934, p. 193 ss.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 35
"Cf. abaixo, p. 61 s.
'" I lom. III, 20. 2, Recogn. II, 22.
" llicron; em Is 4, XI, 2, MSL 24, col. 145.
36 Oscar Cullmcmn
ressuscitado."
Porém, o que, sobretudo, se esperava era o retorno de Elias.
Trata-se de uma crença relativamente antiga. Já em Ml 4.5, Elias é
identificado com o mensageiro que deve preparar o caminho de
Iahweh, e a mesma crença se encontra no Eclesiástico24 e nos tex-
tos rabínicos:25 ele deve no final dos tempos "estabelecer" a comu-
nidade futura e sua doutrina.
18
Cf. H. J. SCHOEPS, Theologie und Geschichte des Judenchristentwnis, 1949, p. 87
ss. J. JEREMIAS, ThWbNT, IV, p. 862. Importa, ademais, notar que, ao lado de
outras passagens do Antigo Testamento, esta é citada era uma coletânea de testemu-
nhos messiânicos da seita de Qumran. Ver J. M. ALLEGRO, "Further Messianic
References in Qumran Literature" (JBL, 75, 1956, p. 174 ss.).
{>
De spec. leg., I, 65.
2
0Recogn. 1, 43: "Muitas vezes, disse Pedro, os judeus nos enviavam mensageiros para
pedir-nos que acertássemos uma entrevista entre Jesus e eles, para saberem se ele era
o profeta anunciado por Moisés."
21
Sib, V, 256 ss., assim como as passagens mencionadas mais abaixo. Cf., ademais, os
textos rabínicos (tardios) citados porP. VOLZ,O/J. c/V. 195; também: J. JEREMIAS,
art MtMXrrjç em ThWbNT, IV, p. 860 ss. A ideia de um retorno da época messiânica
no fim dos tempos deve, sem dúvida, também ser levada em consideração neste
ponto. Cf. a respeito H. GRESSMANN, Der Messias, 1929, p. 181 ss.
22
A. BENTZEN, "Messias-Moses redivivus-Menschensohn" (AThANT, 17), 1948,
p. 64 ss. Em parte ele segue a H. S. NYBERG, "Smãrtornasman" (Svensk Exegetisk
Aarsbok, 1942, p. 75 s). JáSELLIN, Mose, 1922, tinha identificado o Ebed Iahweh
com Moisés. A. BENTZEN adota esta tese, porém, rejeita a teoria de SELLIN rela-
tiva ao suposto martírio de Moisés na Transjordânia.
23
Enquanto que I. ENGNELL (Svensk Exegetik Aarsbok, 1945) tenta explicar a figura
do Ebed Iahweh pela ideologia da realeza, A. BENTZEN (op. c/V.,42ss.) faz melhor
ao considerara noção de Profeta. Cf. abaixo, p. 78, 81.
24
Eclo., 48.10 ss. Aqui o Elias ressuscitado tem a missão (que ele partilha com o Ebed
Iahweh de Is 49.6) de "restabelecer" as tribos de Israel.
25
Cf. STR.-BILLERBECK, IV, p. 779 ss.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 37
11
Cf. Mt 16.14. Nos textos judaicos não se menciona nada acerca do seu retorno;
porém, em 2 Mac 15.13 ss, se lhe atribui um papel duradouro de mediador como
''profeta de Deus".
l!
Cf. a este respeito A. MERX, Der Messias oder "Ta'eb"der Samaritaner, 1909.
3 SCHECHTER, Docwnents ofJewish Sectaries, vol. I, Fragments ofa Zadoldte Work,
1910.
11
Cf. a edição do texto hebraico por L. ROST, Die Damaskusschrift, 1933. Tradução
alemã de W. STAERK, Die jiidische Gemeinde des Neuen Bundes in Damaskus,
1922. Tradução inglesa: CHARLES, The Apocrypha and Pseudepigrapha of the
O. T.,II,1913, p. 799 ss. O melhor comentário é o deCHAIM RABIN, The Zadokite
Documents, 1954 (2aed., 1957).
CftíSTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO
Para o assunto que nos ocupa, temos que citar antes de tudo,
entre os textos publicados até aqui - além do Documento de Da-
masco, conhecido há muito tempo - o Comentário de Habacuque:ib
esta obra, graças a uma interpretação alegórica, aplica tão minucio-
samente as palavras do profeta à situação da seita que pode-se
utilizá-la como fonte para conhecer a história e a teologia desta
curiosa comunidade. Neste Comentário, o homem que pode ser
considerado o provável fundador da seita, e que é objeto da mais
alta veneração, leva o título de "Mestre de Justiça", p~ls. ÍTliQ,
título que na literatura judaica tardia é atribuído a Elias.-37 Nota-se
com razão que poderia igualmente traduzir-se por "Mestre da Ver-
dade", ou "VerdadeiroMestre".38 Segundo o Comentário de Haba-
M
Este texto foi publicado por MILLAR BURROWS, com a colaboração de J. C.
TREVER e W. H. BROWNLEE, The DeadSea ScrollsofSl. Mark's Monastery, vol.
I, The Isaiah Manuscript and the Habakuk Cominentary, 1950. Tradução francesa
de A. DUPONT-SOMMER, le "Commentaire d'Habacuc" découvert prés de la mer
morte, traduction et notes (Revue de 1'histoire des religions, 137, 1950, p. 129 ss.).
Cf. também o estudo particularmente profundo e prudente de K. ELLIGER, em sua
monografia com comentário e tradução: Studien zuni Habakukkomentar, 1953 (em
anexo o texto hebraico em uma edição de fácil manejo). Os Salmos foram publica-
dos muito mais tarde e não puderam ser levados aqui em consideração. Estes permi-
tem entrever, igualmente, as relações entre a ideia de profeta e a de servo de Iahweh.
Ver a edição do texto porE.L. SUKENIK, The Dead Sea Scrolls ofHebmw University,
Jerusalém, 1955. Tradução francesa com indicações e notas de A. DUPONT-SOMMER,
"Le livre des hymnes tlécouverts prés de la mer Morte" (I QH) {Semítica, Vil, Paris,
1956); tradução alemã deH. BARDTKE, em ThLtz, 1956,3, col. 149 ss.; 10, col. 589
ss; 12, col. 715 ss.; cf. também G. MOLIN, Lob Gottes aits der Wtiste, 1957.
' 7 LOUIS GINZBERG, Eine unbekannte judische Sekte, 1922, p. 303 ss., particular-
mente p. 316.
51
Cf. K. ELLIGER, op. cit., p. 245 (se refere a J. L. TEICHER). Segundo TH. H.
GÁSTER, The Dead Sea Scriptures, 1956, p. VI, não se trataria da designação de
uma pessoa histórica mas de uma função (como Mebaqqêr).
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 41
39
IQpHab. VII, 5; II, 9.
w
1 Qp Hab. II, 8.
41
I Qp Hab. II, 10; VII, 1 s.
42
1 Qp Hab. II, 1 s; X, 9. Acerca da relação com o "verdadeiro profeta" e o "profeta da
mentira" dos escritos pseudoclementinos, cf. O. CULLMANN, "Die neuentdeckten
Qumrantexte und das Judenchristentum der Pseudoklementinen" (Neutestamentl.
Studien fiir Rudolph Bultmann, 1954), p. 39 s.
•" 1 Qp Hab. IX, I ss.
4-5
A.s indicações contidas no Comentário de Habacuque não nos permtem responder a
esta pergunta. Não se pode, tampouco, saber se o "Mestre" estava ainda vivo no
momento da redação do Comentário. Cf, sobre o assunto, K. ELLIGER, op. cit.,
p. 202 ss.; 264 ss. Acerca desíe problema convém também examinar os Hinos (cf.
acima, p, 40, nota 36); porém, nem estes nem tampouco os fragmentos ainda não
publicados parecem apoiar a hipótese de uma execução do "Mestre".
45
Sobre este ponto as opiniões são ainda muito divergentes. S. SCHECHTER, op. cit.,
p. XII, afirmou esta identidade pelo Documento de Damasco contra STAERK, op.
cit., p. 5, que admitia a existência de dois "mestres": o fundador da seita e outro
mestre ainda por vir. As recentes descobertas têm provocado um novo exame da
questão. Com exceção de A. DUPONT-SOMMER, Nouveaux aperçus, p. 81 s., a
maior parte dos especialistas parece recusar hoje a tese da identidade.
Vl
Cf. abaixo, p. 44, nota 56 e p. 116 s.
42 Oscar Cullmann
w
Cf. STR-BILLERBECK, IV, p. 782 ss.; J. JEREMIAS, em TKWbNTW, p. 933
íl
Apoc. Eliae, éd. STEINDORFF, 1899 p. 169.
>2
C.. H. J. SCHOEPS, Aits friihchristticher Zeit, 1950, p. 126 ss.: Die jiidischen
Prophetenmorde.
"Cf. J. JEREMIAS, em ThWbNT, II, p. 944.
^J H. RIESENFELD, "Jesus ais Prophet" (Spiritits et Veritas, 1953, p. 135 ss.) cita
como passagem do Novo Testamento que atesta esta identificação popular entre o
último profeta e o Messias, aparte João 6.14 s e Mc 13.22 e par., acena na qual Jesus
é objeto de deboche por parte dos soldados que o convidam a "profetizar".
'* A escola de Upsala (ENGNELL) veria este denominador comum na ideologia do rei.
A. BENTZEN o veria antes na ideia do Filho do Homem ou do '"primeiro homem"
(Messias-Moses redivivtts-Meitschensohn, 1948, p. 41 ss.).
44 Oscar Cullmann
a) João Batista
is
Cf. STR-BILLEftBECK, IV, p. 784 ss., como TliWbNT, II, p. 933, nota 20. Em
JUSTINO, Dial. Cum Tryph. Jtiel. 8, 4 e 49, I, ele tem por função ungir o Messias.
A passagem já mencionada do Manual de Disciplina de Qumran(1QS 9, 11) também
distingue expressamente a vinda do profeta da dos dois Messias (de Aarãoe de Israel).
Cf. a este respeito K. G. KUHN, "Die beiden Messias AaronsundIsraêls"'{W5,1955,
p. 178).
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 45
Se a tese sustentada pelos sábios escandinavos (cf. acima, p. 43, nota 55) é exata,
nós deveríamos admitir que em sua origem as diversas concepções cristológicas sur-
giram de uma concepção primitiva única para diferencíar-se logo e finalmente ten-
der a fundir-se de novo.
Cf. PH. VIELHA.UER, "Das Benedictus Zacharias" (ZTIiK, 1952, p. 255 ss.).
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 47
:
Cf. O. CULLMANN, 'O òrtíoa» \io\> èpxónevoç çConiectanea Neotestamenúca in
honorem Antonii Fridrichsen, 11,1947, p. 26 ss.).
Esta é a opinião de J. HÉRING, Le royaume de Dieu et sa venue, 1937, p. 71.
Rec, l,60.
• 48 Oscar CuUmann
(cf. abaixo, p. 41). Valeria a pena, à luz dos textos recentemente descobertos, exa-
minar de perto as relações entre os mandeus e os essêmos; uma primeira tentativa foi
feita porF. M. BRAUN, "Le mandéisme et lasecteesséniennedeQumran'' (VAncien
Testament et VOriem, Louvain, 1957, p. 193 ss.): os mandeus teriam surgido do
grupo dos essênios.
'* Cf. M. LIDZBARSKI, Johannesbuch des Mandãer, 1915, p. 78.
''"' O evangelista pensa, ao mesmo tempo, na oposição entre esta "voz" e a "Palavra" de
que fala no prólogo.
•50 Oscar Cullmann
terra é terreno e fala como sendo da terra" (3.31). João Batista não
se considera, pois, como o profeta prometido.
9 Compreendemos melhor isto recordando que, para o Evange-
lho de João, Jesus é este profeta, pois resume em sua pessoa as
funções de todos os mensageiros divinos. O Batista recusa não
somente ser considerado como Messias, mas ainda como o profe-
ta escatológico, como Elias de volta à terra. Este quadro poderia
bem corresponder à realidade. Aliás, isso não entra em contradi-
ção com os sinópticos, segundo os quais João Batista, certamente,
não se fez passar nunca por precursor do próprio Deus e, talvez,
nem sequer se tenha considerado como o precursor do Messias.
O Evangelho de João dá, sem dúvida, a resposta exata ao dizer
que João Batista pura e simplesmente recusou que o chamassem
de "o profeta".
Veremos que no começo do século n, uma polemica opunha
os discípulos de João aos judeu-cristãos.70 O centro desta discus-
são se encontrava não no título de "Cristo", mas no de "profeta".
Os judeu-cristãos chamavam a Jesus "o verdadeiro profeta", e che-
gavam a fazer de João o representante da falsa profecia. O objeto
desta primeira controvérsia cristológica não era, pois, no fundo,
uma cristologia mas uma "profetologia", e os adversários em ques-
tão não eram judeus e cristãos mas discípulos do Batista e cris-
tãos. Isto mostra a importância desta noção de "profeta".
b) Jesus
Seria de outro modo se riyép6r| devesse ser tomado em um sentido mais forte c ser
traduzido por "ressuscitado". Neste caso, tratar-se-ia da crença no retorno escatológico
de antigos profetas. Porém, é pouco provável que esta tradução seja a correia.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO -3
n
"Zwei Worte Jesu" (ZNTW, 11,1910, p. 190 ss.).
74
JERÓNIMO constata em seu Comentário de Mateus: "Multide Satvatore hoc inteliegi
volunt, quod quí minor est tempore, maior JÍÍ dignitate" (PL 26, 74 A). Estfi inter-
pretação se encontra ainda em ORÍGENES (PG 17, 293 B), HILÁRIO (PL 9,981 A)
e CRISÓSTOMO (PG 57, 422).
75
Cf. meu artigo citado na p. 47, nota 62.
CRISTOLOGIA DO INOVO TESTAMENTO 55
teriam tido a ocasião de, ao menos uma vez, vê-los juntos (no
momento do batismo de Jesus) - ou, pelo menos, de terem ouvido
falar disso, o que faria com que não pudessem tomar Jesus pelo
Batista ressuscitado.
Nosso texto levou Orígenes a uma observação que carece,
certamente, de fundamento histórico; porém, que surge de uma
uma reflexão. Fala de uma semelhança física entre Jesus e João
76
(KOIVÒV irjç uopípfjç). Isto não se destaca necessariamente de
nosso texto, porém, pode se dizer, sem vacilação, que em sua apa-
rição traços comuns tenham se apresentado.77 Não há contradição
entre isto e Mt 11.18 ss., onde o povo diz que João veio como
asceta (jjrrte èaGícov, UTITE TTÍVCOV), enquanto que acerca de JJsus
diziam que era comilão e beberrão. Tal constatação da diferença
nas maneiras de viver prova que se fazia comparação entre eles; e
que deviam, por conseguinte, ser comparáveis.
5.. A ideia de que Jesus fosse o Batista ressuscitado supõe também
uma certa concepção popular da ressurreição que devia estar muito em
voga entre o povo na época de Jesus; e deste ponto de vista igualmente
convém deter-se um pouco no exame da passagem que nos ocupa.
Segundo o que Paulo diz em 1 Co 15.35 ss., ressuscitar-se-á no fim dos
tempos com um corpo espiritual (oíãuxt 7tvet)p.c(tiKÓv), não com um cor-
po carnal e terreno. A ideia popular que encontramos em Mc 6 representa
a ressurreição como revificação do corpo carnal. Não se trata, pois, como
em Paulo, da transformação de um corpo carnal em corpo espiritual.
Outro assunto está implicitamente esboçado por esta crença popu-
lar: a relação entre a ressurreição e a reencarnação. A ressurreição não
pode ser compreendida aqui como a reencarnação da alma (de João) em
outro corpo (o de Jesus). O emprego do verbo éyí]YepTca basta por si
para excluir semelhante explicação, pois este verbo supõe sempre o des-
pertar de um homem imerso no sono da morte, o retorno da alma e do
corpo à vida.™ No entanto, há uma grande diferença entre esta ideia, de
m
Lc 9.8: itpo(pf|Tr|Ç t»Ç TÔV àpxcácov àvéotr|.
•58 Oscar Cullmann
que eles "o trataram como quiseram" (Mt 17.12; Mc 9.13). Pode-
mos, pois, afirmar que, segundo os sinópticos, Jesus não se consi-
derou como o profeta esperado para o fim dos tempos; esta opi-
nião não é atribuída senão a uma parte do povo.
-•• O Evangelho de João conduz ao mesmo resultado. Nele, tam-
bém, só a multidão dá a Jesus o título de "profeta". É assim que
aqueles que participaram do milagre da multiplicação dos pães
exclamam: "Este é verdadeiramente o profeta que havia de vir ao
mundo" (Jo 6.14). É claro que não se trata aqui de um profeta
entre outros de Israel, mas do profeta esperado para o fim dos tem-
pos: ó èp%óp.£VOÇ eíç tòv KÓ0Ux>v É, por outro lado, interessante
constatar que a expressão ó èp%óp,evoç se encontra na pergunta
feita pelo Batista (Mt 11.3). Parece, pois, verossímil que tenha-
mos aqui um termo técnico que designa o profeta escatológico,
K^H em hebraico. Aqui também é, portanto, o povo quem pronun-
cia esta confissão cristológica, ou antes "profetológica". Chega-
mos, pois, à conclusão seguinte: tanto segundo os sinópticos como
segundo o Evangelho de João, uma parte do povo expressa sua fé
em Jesus dando-lhe o título de "o profeta"; termo que recupera, aliás,
tudo o que a esperança judaica encerrava. Temos que repetir aqui
que o anúncio de Jesus acerca de seu próprio retorno sobre a terra é
de certa forma prefigurado pela crença no retorno do profeta.81
Os três primeiros evangelistas não recorreram a este título
para expressar sua própria fé em Jesus. Parece, por outro lado, que
ele teve uma certa importância para o autor do Evangelho de João.
Recordemos que este insiste muito sobre a recusa para si que o
Batista fez do título de "profeta", de Elias ressuscitado; sem dúvi-
da ele quer, com os demais títulos cristológicos, reservá-lo a
Jesus. E assim que Nicodemus chama a Jesus de "o mestre vindo
de Deus" (Jo 3.2). G. Bornkamm mostrou, aliás, como a figura do
Paracleto tomou, no Evangelho de João, os traços essenciais do
profeta que deve também "conduzir-nos a toda verdade", porém,
de tal maneira que o precursor não é senão um com aquele que é
!
-G. BORNKAMM, "Der Paraklet im Johaiinesevangelium" (FestschriftR. Bidtmann,
1949, p. 12 ss.).
SJ
J. MUNCK se associa a nossa tese em sua recente obra: Pauhts und die
Heihgeschichte, 1954, p. 28 ss.
CRISTOLGGlA DO NOVO TESTAMENTO 61
S4
Reunidos porE.KLOSTERMANN,i4/wci>7?/!a II (Kl. Texto n° 8,3a ed., 1929), p. 5 s.
K;i
Cf. acima, p. 35, nota 17.
51
• Cf. a tradução alemã de H. WAITZ(H, VEIL), em HENNECKE, Neutestamentliche
Apokryphen2 2*éd., 1924, p. 153 ss. e215ss. - a qual não pôde ainda tomar por base
uma edição crítica do texto. (Porém, 3a ed. em prep.) Existe uma das Homilias, na
coleção dos Griech. Christl. Schriftsteller. Die Pseudokleinentineii. 1. Homilien,
ed. por B. REHM, 1953. Para os estudos relativos aos escritos pseudoclementinos,
cf. H. WAITZ, Die PseudoKlemertúnen, Homilien und Rekognitionen, 1904;
O. CULLMANN, Le problème litéraire et historique du rotnan psettdoclémetttin,
62 Oscar Cullmann
íB
Cf. abaixo, p. 195 s.
SJ
' A questão é tratada um pouco difere LI temente - embora a orientação seja a mesma -
na Epístola de Barnabé. Nela o autor polemiza contra os sacrifícios judaicos, refe-
rindo-se ao sentido verdadeiro dos antigos profetas. Estes já são pois "verdadeiros
profetas", pela boca dos quais o Senhor fez conhecer sua vontade.
'"'Cf. acima, p. 35, nota 17.
. 64 Oscar Cullmann
Cf. acima, p. 47 s.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 65
''•' Hom. II, 17, 1. Ele é, assim, posto no mesmo nível que os profetas cujos livros são
conservados pelo Antigo Testamento, e que são igualmente rejeitados como os fal-
sos profetas pelos Keiygmata Petrou.
11
Hom. II, 16-17; Rec. III, 61. Sobre a reconstituição da lista, cf. O. CULLMANN,Le
pruhleme historique et litéraire du roman pseudo-clétnentin, 1930, p. 89.
. 66 Oscar Cullmcmn
Cf. abaixo, p. 74 s.
(_R]STOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO
do que este também deve aparecer no fim dos tempos para prepa-
rar a vinda do Reino de Deus; à ideia joanina do Logos, que une a
obra do profeta e sua pessoa identificando-os, por assim dizer: o
próprio Jesus sendo o Verbo. Pode-se recordar a este respeito o
começo da Epístola aos Hebreus, onde se expressa um pensamen-
to análogo (embora o assunto não seja exatamente o mesmo que o
do prólogo de João): "Depois de haver em outros tempos, de muitas
maneiras e em diversas ocasiões, falado a nossos pais pelos profe-
tas, Deus, nestes últimos tempos, nos tem falado pelo seu Filho".
Aqui a ideia de profeta está ligada à de Filho de Deus. Já temos
visto também que existe um elo direto entre a noção de profeta e a
de servo, do Ebed Iahweh, sofredor, já que o sofrimento é parte
integrante da missão do profeta escatológico.
Enfim, não podemos esquecer um fato sobre o qual já temos
chamado a atenção:95 de todos os títulos atribuídos a Jesus pelo cris-
tianismo primitivo, o de profeta dos últimos tempos é o único que
permite, ao menos em princípio, falar de uma dupla vinda de Jesus
sobre a terra, que autoriza, portanto, a que se aspire o seu retomo.
Estas vantagens são incontestáveis. Há, no entanto, graves
inconvenientes em reduzir a explicação da pessoa e obra de Jesus
àquela de profeta do fim dos tempos. Pode-se classificá-las em
quatro grupos: 1) do ponto de vista da vida terrena, passada de
Jesus; 2) do ponto de vista do Cristo presente, elevado à destra de
Deus; 3) do ponto de vista do Cristo por vir, o Cristo da parusia e
4) do ponto de vista do Cristo preexistente.
Acabamos de ver que a ideia de profeta permite, em muitos
sentidos, compreender perfeitamente a vida terrena de Jesus, e
que nisto reside juáfamente sua vantagem. No entanto, mesmo deste
ponto de vista, é insuficiente quando, com efeito, insiste demasia-
do vigorosamente sobre um só aspecto desta vida: sobre a ativida-
de de Jesus como pregador escatológico, desequilibrando o papel
que os evangelhos dão ao Cristo terreno. É certo que os textos
judaicos nos falam de outras atividades do profeta: deve também
Cf. acima, p. 35 e 59 s.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO (&
VI
Não contestamos, no entanto, que a Igreja nascente tenha constatado um adiamento
posterior da parusia. Porém, afirmamos que o esquema cronológico da história
da salvação não provém desta postergação: existia desde o princípio. A Emescha-
tologisierwig consiste em diminuição da tensão entre o presente e o futuro.
E. GRÂSSER, Das Problem der Parusieverzõgertmg in deit synoptischen Evangelien
und der Apostelgeschichte(BZ.NW, 22), 1957, tenta juntar todos os textos à sua tese
segundo a qual a igreja nascente não só teria crido em uma presença então atual do
porvir escatológico pelo fato da parusia não se ter produzido. Já refutamos esta tese
em nosso artigo "Parusieverzógung und Urchristentum" (ThLZ, 83,1958, col. 1 ss).
s Cf. seu artigo em NTS, 1, 1954, p. 5 ss.
'"Cf. a este respeito nossa discussão com F. BURI no artigo: "Das wahre durch die
ausgebliebene Parusie gestellte neutestamentliche Problem" (ThZ, 3, 1947, p. 177
ss. e 422 ss.).
""'Ver a este respeito: W. G. KÚMMEL, Verheissung und Erfiillung, 2a edição, 1953.
Cf. igualmente abaixo, p. 303 s.
.72 Oscar Ctdlmann
ALBERT SCHWEITZER emitiu, como se sabe, a opinião de que Jesus havia crido,
antes de tudo, que o Reino de Deus viria durante sua vida e que só mais tarde
pensou que o advento do Reino coincidiria com sua morte. É esta uma hipótese
que deve ser levada em consideração e que tem exercido uma influência fecun-
da sobre os estudos neotestamentários. Porém, não é mais que uma hipótese e
A. SCHWEITZER é um sábio demasiado sério para não ter-se dado conta disso.
Em todo caso, hoje já nenhum especialista do Novo Testamento a defende sob a
forma que ele lha deu; e ela foi pelo menos seriamente enfraquecida, em particular
por W. G. KUMMEL, Verfteissung une! erfiilhmg, 2a ed., 1953. Porém, isto não
impede os discípulos de Berna e de Basiléa de A. SCHWEITZER, os representantes
da escatologia chamada "consequente" (entre os quais não se encontra nenhum
especialista do Novo Testamento) de aderir a ela com singular dogmatismo, acusan-
do de improbidade científica ("recurso a escapatórias") ou de tendências católicas
àqueles que não admitem esta hipótese e admitem que Jesus tenha pensado que o
Reino de Deus não viria senão depois de sua morte, mesmo se ele tivesse crido que o
intervalo não fosse de longa duração. Cf. a este respeito F. BURI, "Das Problem der
ausgebliebene Parusie" (Schweiz. Theol. Untschait, 1946, p. 97 ss.) e nossos artigos
da ThZ e da ThLZ citados mais acima, p. 45 cf. Também abaixo, p. 270 s. e 303 s.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO _T3
* * *
&' Temos visto que nem Jesus nem seus discípulos imediatos
aplicaram a noção de profeta a Sua pessoa e a Sua obra. Trata-se
antes de uma opinião popular sobre Jesus. Os elementos válidos
que ela encerra foram retomados pelo Evangelho de João e pela
Epístola aos Hebreus, para serem incorporados a outras concep-
ções cristológicas. O único sistema cristológico inteiramente fun-
dado sobre a crença no "profeta" é o dos judeu-cristãos, tal como
o encontramos nos Kerygmata Petrou - portanto, em um ramo
herético do cristianismo antigo. O futuro pertencia a outras solu-
ções. No entanto, se reservava a esta cristologia o desempenhar,
mais tarde, um papel histórico não já no cristianismo, mas, no Islã..02
Sabemos hoje que a religião muçulmana se constituiu sob a
influência do judeu-cristianismo difundida nos países sírios. A figu-
ra do "profeta" revive aí sob uma forma nova. Há ainda, no entan-
to, muitas investigações por fazer a propósito dos elos intermedi-
ários que unem a religião do Islã ao judeu-cristianismo.
NaMogmática posterior, não encontramos vestígios da cristo-
logia do "profeta", a não ser na ideia áemunus propheticum Christi.
E ainda assim, sob uma forma bem diferente.
11,1
Cf. W. RUDOLPH, Die Abhãngigkeit des Korcms von Judentum und Christentuin,
1922; A. J. WENSINCK, "Muharnmed und die Prophetie" (Acío oííenífl/iíi II, 1924);
TOR ANDRAE, "Der Ursprung des Islams und das Christentum" (Kyrkohistorisk
Arsskrift, 1923-25); J. HOROVITZ, Qoranische Untersuchungen, 1926; W.
HIRSCHBERG, Jiidische und christliche Lehren im vorund frultisla mischen
Arabien, 1939; H. J. SCHOEPS, Theologie undGeschichtedes Judenscliristeiitums,
1949, p. 334 ss.
CAPÍTULO II
^Cf. a este respeito H. H. ROWLEY, "The Servant of the Lord in theLiglit ofTliree
Decades of Criticism". The servant of the Lord and the Other Essays on the OU!
Testament, coleção de estudos, 2a ed„ 1954, pp. 1-58.
76 Oscar Cullmcmn
l(H
A. HARNACK, "Die Bezeichnung Jesu ais Knecht Gottes und ihre Geschichte in
der alten Kirche" (SB Bediner Akad. d. Wiss., 1926), p. 212 ss.
1I,S
E. LOHMEYER, Gottesknecht und Davidsohn, 1945 (reimpr. 1953).
l(ls
O. CULLMANN, "Jesus, Serviteur de Dieu" (Dieu vivant, 16, 1950, p. 17 ss..).
1117
H. W. WOLFF, Jesajct 53 im Uivhristentum, 2a ed., 1950.
m
Ttx\VbNT, tomo V, p. 636 ss. A obra de T. W. MANSON, The Servant-Messiah,
A Síitdy ofthe Public Ministry of Jesus, 1953, estuda as condições prévias da ideia
de "Servo de Deus" na vida de Jesus e contém interessantes indicações a propósito
de sua relação com a ideia que Jesus fazia de seu ministério; porém, não se ocupa
especialmente de suas relações com o Ebed lahweh do Antigo Testamento. Um
artigo de CHR. MAURER, "Kneclit Gottes uncl Sohn Gottes im Passionsbericht des
Markusevangeliums" (ZThK 50, 1953, p. 1 ss.) tenta, mediante um estudo profun-
do, mostrar a influência de uma "cristologia do Servo" sobre Marcos.
C.RJSTOLOGIA C)0 NOVO TESTAMENTO 77
mas o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de todos nós. Ele foi oprimi-
do e humilhado, mas não abriu a boca; como cordeiro foi levado ao
matadouro; e, como ovelha muda perante os seus toso,uiadores, ele não
abriu a boca. Por juízo opressor foi arrebatado, e de sua linhagem, quem
dela cogitou? Porquanto foi cortado da terra dos viventes; por causa da
transgressão do meu povo, ele foi ferido. Designaram-lhe a sepultura com
os perversos, mas com o rico esteve na sua morte, posto que nunca fez
injustiça, nem dolo algum se achou em sua boca. Todavia, ao Senhor
agradou moê-lo, fazendo-o enfermar; quando der ele a sua aima como
oferta pelo pecado, verá a sua posteridade e prolongará os seus dias; e a
vontade do Senhor prosperará nas suas mãos. Ele verá o fruto do penoso
trabalho de sua alma e ficará satisfeito; o meu Servo, o Justo, com o seu
conhecimento, justificará a muitos, porque as iniquidades deles levará
sobre si. Por isso, eu lhe darei muitos como a sua parte, e com os podero-
sos repartirá ele o despojo, porquanto derramou a sua alma na morte; foi
contado com os transgressores; contudo, levou sobre si o pecado de mui-
tos e pelos transgressores intercedeu.
' T ENGNELL,Studiesin Divíne Kútgsfiip in the Ancient Near East, Upsala 1943, p.
48; id. "The Ebed Jahwe Songs and the Suffering Messiah in Deutero-Isaiah", no
BulletinoftheJohn Ryland's Library,31,1948 (correção inglesa de um artigo: "Till
fraagan om Ebed-Jahve-saangema", Svensk Exeget. Aarsbok, 1945).
110
Cf. acima, p. 76, nota 105.
111
A. BENTZEN, "Messias, Moses redivivus, Menschensohn" (AThANT, 17), 1948,
p. 42 ss. O autor desenvolve aqui sua tese em oposição a EngneU e à crítica que este
faz de sua concepção.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 79
112
Cf. a este respeito C. R. NORTH, op. cit., p. 103 ss. - W. ROBINSON, "The Hebrew
Conception of CorporatePersonality", (BZAW, 66,1936, p. 49 ss). - A. R. JONHNSON,
The One and the Many in the hraelite Conception of God, 1942, p. 1 ss., e muito
particularmente O. EISSFELDT, Der Gottes Kttecht bei Deuterojesaja (Jes. 40-55) im
Licht der Israel. Anschauung von Gemeiítschaft und Individuam, 1933.
.80 Oscar Cullinann
113
P. 81 ss.
114
Encontrar-se-á a documentação necessária em DRIVER-NEUBAUER, The 53rd
Chapter oflsaiah According totheJewish Interpreters, vol. MI, Oxford, 1876.
115
Op. Cf/., p. 98 ss.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 81
116
Cf. K.F. EULER,Z)r<; Verkundigungvomleidenden Gottesknecht aus Jes. 53 in der
griechischeii Bibel, 1934, p. 122 ss. Pode-se perguntar, no entanto, como fazer con-
cordar esta opinião com a constatação feita por J. JEREMIAS em seu artigo rccrtç
(cf. acima, p. 76, nota 108), segundo a qual o judaísmo helenístíco, diferentemente
do judaísmo palestino, não conheceria mais que a interpretação coletiva dos cânticos
do "Servo".
117
Cf. H. W. WOLFF, op. cit., p. 42 ss. Sobre Enoque, cf., também, JEREMIAS,
ThWbNT, V, p. 686 s.
" 8 Pronunciam-se, por exemplo, porsuaorigem pré-cristã: J. JEREMIAS, em ThWbNT,
V. p. 685; G. H. DIX, "The Messiah bem Joseph" (JThSt, 27, 1926, p. 136):
J. HÉRING, Le Royaume de Dieu et TO venue, 1937, p. 67, nota 1. Porérn, não é
seguro que "a pregação celestial" se relacione a Is 53.
w
Cf. a prudente discussão das passagens em questão por W. D. DAVIES, Paul and
Rabinic Judaism, 1948, p. 274 ss.
.82 Oscar Cullmcom
também sofrer, porém, não é coisa segura que tenha sofrido o mar-
tírio. Como quer que seja, o sofrimento desempenha um papel mui-
to importante nestes textos, sobretudo nos Salmos;125 e a tese de W.
H. Brownlee,126 segundo a qual a função do Servo de Deus sofredor
teria sido confiada à própria seita para ser realizada concretamente
na pessoa do Mestre de Justiça, deve ser revada em conssderação.m
Brownlee, ademais, não identifica o Mestre com o Messias.128
No entanto, o sofrimento do Mestre de Justiça é, antes, da
mesma natureza que o do profeta; é mais uma consequência de
sua pregação que uma parte essencial de sua missão. Sem dúvida
é verdade que em Israel todo sofrimento se reveste, em maior ou
menor grau, de um caráter substitutivo.129 No entanto, há uma dife-
rença essencial entre o sofrimento expiatório e voluntário áoEbed
Iahweh e aquele imposto ao profeta pelo seu destino. João 10.17 s.
125
A. DUPONT-SOMMER, "Le livre des Hymnes découvert prés de la mer Morte"
OQH), Semítica, VII, 1957, insiste em sua introdução (p. 16 ss.) e em suas notas
especialmente sobre este ponto.
IM
W. H. BROWNLEE, "The Servant of the Lord in the Qumran Scrolls" (Bailei, of
the Americam School ofOrien.. Research, 1953, p. 8, ss: 1954, p. 33 ss.). Cf. ainda,
do mesmo autor, "Messianic Motives of Qumran and the New Testament", NTS,
1956, p. 12 ss.
I27
M. BURROWS, Les Manuscrits de la mer Morte, Paris, 1957, p. 306 s., mostra-se,
é verdade, critico com respeito a esta tese. - Seguindo DUPONT-SOMMER, M.
PHILONENKO sustenta que as pretensas Interpolações cristãs no Testamento dos
Doze Patriarcas (Diplârne dei' Ecole pratique des Hautes Etudes, Sect. des Sciences
Religieuses, 1955) provêm, na realidade, de adeptos da seita de Qumran. Se esta
tese fosse verificada, naturalmente teria importantes consequências para a questão
que nos ocupa.
1211
Cf. o artigo citado mais acima, nota 126, NTS, 1956, p. 21 ss.
12'J É o que afirma em último lugar E. SCHWEIZER, "Erniedrigung und Erhõhung bei
Jesus und seinen Nachfolgern" (AThANT, 28), I955,passiin. -Para as consequên-
cias que ele tira daí, cf. abaixo p. 99 s. Igualmente J. A. SANDERS, "Suffering as
Divine Discipline in the Old Testament and Post-Biblical Judaism" {Colgate
Rochester Divinity Schooi(Bulletin, 28,1955), por um estudo penetrante dos textos
põe em evidência o caráter expiatório que reveste, em Israel, todo sofrimento. Ver
também ED. LOHSE, Mãrtyrer und Gottesknecht. Unterstichung zur urchristliclien
Verkundiguiig vom SiihnetodJesu Christi, 1955, que sublinha, por outro lado e com
razão (p. 110), que este aspecto expiatório atribuído de uma maneira geral ao sofri-
mento nãoequivalejamaisaum perdão definitivo. Igualmente, o judaísmo ignora a
ideia segundo a qual Deus mesmo poderia encarregar-se dos pecados humanos.
'84 Oscar Cuiimann
n
"Cf. a respeito O.CULLMANN, "La significationdes textes de Qumran..." (Positions
luthêriennes. No. 4, 1956, p.5 ss) e Dieu et César, 1956, p.25.
131
P HUMBERT, "Lemessie tÍansleTargoumdesProphètes"(/?7VifVí, 43,191 l,p. 5 ss,).
152
G. KITTEL, ''Jesu Worte iiber sein Sterben" (Deutsche Theologie,9, 1936, p. 177).
13:1
P. SEIDELIN, "Der Ebed Yahve und die Messiasgestalt iin Jesajatargum" (ZNTW,
35, 1936, p. 197 ss.).
1ÍJ
H. HEGERMANN, Jesajet 53 in Hexapla, Targum und Peschitta, 1954 (chega,
assim como JEREMIAS, a conclusões diferentes das nossas).
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 85
1,5
P. SEIDELIN, op. cit., p. 207, traduz, baseando-se em outra leitura (p. 211): "Épor
isso que a gloria de todos os impérios chegará a ser objeto de desprezo e desapare-
cerá". JEREMIAS admite aqui (ThWbNT, V,p. 692 s.) indício de uma interpretação
mais antiga, que mais tarde, na segunda leitura adotada por SEIDELIN, teria sido
aplicada aos impérios. Porém, mesmo que se aceite a leitura mais frequentemente
admitida, segundo a qual o "desprezo" se aplica ao Messias, não é de nenhum modo
forçoso pensar que havia ali um indício da concepção de um Messias sofredor.
Igualmente a segunda passagem (Tg. de Isaías 53.12): "entregou sua alma à morte"
não deve ser necessariamente interpretada no sentido da morte do Messias, como o
próprio JEREMIAS o reconhece.
IM
É o que sublinha fortemente J. JEREMIAS em seu artigo publicado nos Mélanges
Goguel (cf. acima, p. 82, nota 121). Cf. igualmente ThWbNT, V. p. 693, Do mesmo
modo, antes dele, G. DALMAN, Jesus-Jeshtta, 1922, p. 156 (opinião diferente id..
Der leidenderi und der sterbende Messias der Synagoge iin ersten tiachchristHcheit
Jahrtausend, 1888, p. 43 ss.). Cf. igualmente H. HEGERMANN, op. cit., p. 121.
86 Oscar Citllmaim
opinião contrária. Parece, antes, que o fim visado pelo rabino tenha sido
a utilização messiânica positiva deste texto. Segundo J. Jeremias, se teria
reorganizado o texto original paradar-lhe um sentido anticristão; porém,
não existe prova alguma disso. Enfim, outro fato do qual teremos ainda
que falar deve ser considerado: no seio do cristianismo primitivo, a
explicação da pessoa e da obra de Cristo por Is 53 foi de curta duração,
de sorte que a existência de uma polémica a este respeito é pouco provável.
1
Cf. a este respeito o estudo profundo de P. SEIDELIN, "Das Jonaszeiclien" (Studia
Theologica, 5, 1951, p. 119 ss.).
' Assim, E. KLOSTERMANN, Das MaithãussEvangeliium, 2" ae,, ,927, ad loc; ;f.
igualmente W. G. KfJMMEL, Verheissung und Erfiillung, 2a ed., 1953, p. 61 s.
Outra solução em J. JEREMIAS, Art. 'IÍOVCÍÇ (ThWbNT, III, p. 412 s.). Pela auten-
ticidade do fragmento transmitido por Mateus (v. 40) se pronunciam entre outros:
A. SCHLAÍTTEY\,Der Evangelist Matthíius, 2a éd., 1933,adloc.; J. SCHNIEW1ND,
"Das Evangelium nach Matthaus" (NTD, 1937), ad loc; M. J. LAGRANGE,
Evangile selon saint Matthieu, 1941, ad loc; W. MICHAELIS, Das Evangelium
nach Matthaus, II, 1949, ad loc. - Cf. também A. T. NIKOLAINEN, Der
Auferstehungsglaitbe in der Bibel und ihrer Umwelt, II, 1946, p. 49.
90 Oscar Cullmann
u5
Compreender-se-ia, ademais, que em razão deste desacordo com os relatos dos evan-
gelhos se tivesse mais tarde eliminado este verso 40. LAGRANGE supõe que esta
reflexão levou JUSTINO a suprimir este versículo da citação que faz desta passa-
gem. (Dial. c. Tryph. Iud., 107, I).
,J4
Com razão E. SCHWEIZER, Erniedrigung und Erhóhiutg, 1955, p. 16, sublinha a
unidade do relato. Por esta razão não vê possibilidade de considerar a profecia da
paixão como uma adição e recusa, também, a hipótese segundo a qual toda a cena
seria desprovida de valor histórico.
u5
Sobre Mc 12.1 ss. verW. G. KUMMEL, "Das Gleichnis vondenbõsenWeingartnern"
{Mélanges M. Goguel, 1950, p. 120 ss.) e abaixo, p. 376 s.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 91
"8 É nesta 5ia6f|Kr| que se tem que pensar nas palavras da instituição da santa ceia, e
não no sangue da circuncisão que, entre os rabinos, pode também ser chamado de
"sangue da aliança" (Cf. STR.-BILLERB., I,p. 991). Pensou-se mais tarde também
em Jr 31. Porém, a menção de sangue prova que, em sua origem, essa passagem não
podia ter nenhuma relação com Jeremias 31.
""Cf. G. DALMAN, Jesus-Jeshua, 1922, p. 154; assim como H. W. WOLFF, op. cit.,
p. 65.
15l>
É lamentável que W. G. KUMMELque, diferentemente de muitos de seus colegas
alemães, não tem o hábito de executar sumariamente, sem justificação, uma opinião
oposta à sua, possa contentar-se em declarar simplesmente, em Verheissuiig und
Erfiillung, 2 a ed., 1953, p. 66 s.: "As palavras de instituição da ceia tampouco esta-
belecem a relação entre a morte de Jesus e a morte expiatória do Servo de Deus".
151
Se as palavras da instituição da Ceia se relacionam com a ideia do Ebed Ihaweh já
não é então necessário considerar toda esta cena como uma "lenda cultural etiológica".
152
Cf. Gesch. d. synopt. Tradition, 2" éd., 1931, p. 154.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 93
153
W. G. KÚMMEL, op. cit., p. 67, reconhece, também, que há ali "sem dúvida algu-
ma ideias tiradas de Is 53". Porém, então pode-se perguntar por que nas outras
palavras de lesus ele recusa a priori toda alusão a Is 53. Segundo ED. LOHSE,
Mãrtyrer und Gottesknecht. Untersuchung zur urchrisúichen Verkilndigung vom
SaímetodJesu Christi, 1955, p. 117 ss., trata-se, em nosso logion, de um elemento
da tradição palestina mais antiga.
,Í4
Cf. a este respeito: O. CULLMANN,Le baptême des enfants et la doctrine bibliqtie
du baptême, 1948, p. 16 s., tf 1; J. JEREMIAS, em ThWbNT, V, p. 699: CHR.
MAURER em ZThK, 50, 1953, p. 30 ss.
lí5
Seguindo J. JEREMIAS, ThWbNT, V, p. 677, CHR. MAURER, op. cit., p. 25 ss.,
chama particularmente a atenção sobre Sab. de Salomão 2.13-20, e crê dever tirar
daí consequências importantes para a questão do sumo sacerdote (Mc 14.55 ss.).
94 Oscar Cullmann
lífl
Cf. A. HARNACK, Studien zur Geschichte des Neuen Testanients und der Alten
Kirche, 1931, p. 127 ss.; A. LOISY, Le quatriéme EvemgHe, 2a éd., 1931, ad loc;
enfim, C. K. BARRETT, The Gospel According to St. John, 1955, p. 148 s. Cf.
também O. CULLMANN, Les sacremems dons Vevangile johwmique, 1951,p. 33.
157
E. LOHMEYER, Gottesknecht imd Davidsohn, 1945, p. 9, sublinha igualmente o
parentesco dos termos "filho" e "servo".
158Cf., para o que segue, O. CULLMANN, Le baptême des enfants et la doctrine
bibliqtte du baptême, 1948, p. 13 ss.
l,IJ
Cf. nesta mesma ordem de ideias: H. LJUNGMANN, Das Gesetz erfuUen, Mt 5.17
ff. imd 3.15 wttersucht (Lunds Univ. Arsskr. N. F, 50, 1954, p. 97 ss.).
L-R1STOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 95
'""W, G. KUMMEL{7Vi/f, 18, 1950, p. 37 ss) tenta debilitar este argumento alegando
que se pode encontrar no A.T. uma forma análoga de expressar-se. Porém, as passa-
gens frequentemente citadas em apoio desta tese (SI 42.7 s.; 69.2 s.; 69.14; Is 43.2)
dificilmente podem ser seriamente consideradas como paralelas aos textos em
questão.
'"'Cf. acima, p. 92 s.
•96 Oscar Cullmarm
62
J. A. T. ROB1NSON, 'The One eaptism as a Category of New Testamene Soieriologyg
{Scotttsh JJurnal ofTheology, y, 6,53, p. 252 ss).
" Cf. abaixo, p. 132 s.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 97
164
Cf. acima, p. 76, nota 108: "Knecht Gottes im Passionsbericht des Markusevangeliums"
(ZT/iK, 50,1953, p. 1 ss)) V. TAYLOR chega à meema conclusão em "The Origjn ol
the Marcan Passion Sayings" (NTS, I, 1955, p. 159 ss.).
165
Op. cit., p. 2.
'*6Cf. por ex. R. BULTMANN, Theologie des Neuen Ttzstaments, 1953, p. 400 s:, id.
Das Evangeliwn des Johannes, 1941, p. 293 e passim.
'*7 Cf. O. CULLMANN, Les sacrements dans l'Evaitgile johannique, p. 36 s.
CkisTOLOCii A DO Novo TESTAMENTO 99
* * *
Cf. acima p. 92 s.
1-02 Oscar Cullmann
Temos que levar aqui em consideração também, as passagens de Atos nas quais
Jesus é designado com o título d e S í m i o ç , inspirado em Is 53.11: At 3.14; 22.14e,
sobretudo, 7.52 (cf. J. JEREMIAS, ZNTW, 34, 1935, p. 119).
C o n t r a R. B U L T M A N N , Theologie des Neuen Testaments, 1935, p. 5 1 ;
E. SCHWEIZER,cy). cit., pp. 4 7 e 8 3 , temos que sublinhar aqui, com H. W. WOLFF,
op. cit., p. 86 ss., que todo o contexto indica uma relação com o Dêutero - Isaías.
Esta é, também, a opinião de J. JEREMIAS, ZNW, 34, 1935, p. 119.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 103
dele, o autor deve ter sabido, como o de Atos, que Pedro havia
aplicado regularmente a Jesus a ideia de "Servo Sofredor".
Se é exato, como afirma Papias, que a tradição oral na qual se
baseia o Evangelho de Marcos deva ser posta em relação com as
pregações de Pedro, podemos dar um passo a mais na direção da
posição de Chr. Maurer,179 que tenta demonstrar que a tradição
de Marcos está fortemente impregnada da ideia do Ebed Iahweh.
Talvez se encontre aí, outra vez, a influência do apóstolo Pedro.
Em resumo, podemos enunciar as seguintes suposições: a
cristologia do apóstolo Pedro (se nos é permitido empregar esta
expressão, apesar dos poucos dados que possuímos sobre o pensa-
mento do apóstolo) era muito provavelmente dominada pela ideia
do Ebed Iahweh. Aquele que quis desviar Jesus do caminho do
sofrimento e que até o negou no instante decisivo da Paixão, teria
sido, depois da ressurreição, o primeiro a compreender a necessi-
dade deste escândalo. Ele não podia expressar melhor esta convic-
ção senão pelo título de Ebed Iahweh, tanto mais pelo fato de que
o apóstolo devia saber da importância que o próprio Jesus havia
dispensado a esta ideia de "Servo de Deus". A posteridade, fre-
quentemente, foi injusta com Paulo ao colocá-lo à sombra de Pedro.
Porém, em relação à teologia, não temos sido injustos com Pedro,
ao colocá-lo muito facilmente à sombra da teologia paulina?
* * *
* * *
m
Cf. O. CULLMANN, Les premières Confessions de foi cltrétienne, p. 17, 36, 43.
K2
É possível, na verdade, que Paulo faça alusão à Sagrada Escritura em geral (é o que
sustenta J. HÉRING, La Première Epitre de Paul aux Corinthiens, 1949, p. 134 s.);
mas isso não é muito provável. E. LICHTENSTEIN, "Die ãlteste christliche
Glaubensformer {ZKG, 63, 1950, p. 17 ss.) admite também que Paulo tenha pensa-
do, antes de tudo, em Isaías 53.
la3
E.LOHMEYER,"Kyrios Jesus. EineUntersuchungzuPhil. 2.5-11" (SBHeidelberg,
1928) ; cf. também J. HÉRING, Le wyaume de Dieu et sa venue, 1937, p. 159 ss.
184
Cf. abaixo, p. 228 ss
185
Cf. abaixo, p. 284 s.
"6E. LOHMEYER, Gotteshtecht itndDavidsohn, 1945, p. 3 ss., sublinha, com razão,
que esta tradução é possível. Para V. TAYLOR, o emprego da expressão u.o<<pr|v
SoúXov justifica sua opinião segundo a qual Paulo, apesar de ser-lhe familiar a
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 107
ideia de Servo de Deus, teria evitado o título mesmo, por considerar que a palavra
"Escravo" não conviria para designar o Kyrios (The Atonement in the New Teswment
Teaching, 2a ed., 1945, p. 65 s.).
is? H. W. WOLFF,o/;. cit., p. 31, sublinha, seguindoG. VON RAD, "Zur prophetischen
Verkiindigung Deuterojesajas" (Verk. u. Forschtmg, 1940, p. 62) que o Dêutero-
Isaías fala dos sofrimentos e da morte do Servo de Deus, do ponto de vista de sua
glorificação.
M)8 Oscar Culhftaitn
para reconciliação (Barn. 7.6; 8.1). No cap. 5.2, ele relaciona essa ideia
com o Ebed lahweh e cita Is 53. Porém, esta passagem está isolada nesta
epístola.
* * *
presente e futura, como incluída neste título. Pode-se até dizer que
isso convinha bem à teologia cristã primitiva, para a qual a morte
de Cristo domina absolutamente a história da salvação. O rápido
desaparecimento de Pais deve-se ao fato de que o Cristo presente
determinou de uma maneira muito imediata a vida das comunida-
des cristãs primitivas, de forma que sua fé em Jesus estava mais
ligada à ideia do "Senhor" presente, do Kyrios. Ainda que a obra
histórica realizada por Jesus no passado ocupasse um lugar cen-
tral no pensamento dos primeiros cristãos, a fé nas consequências
desta obra, istoé, a fé no £jy/ms elevado à destra de Deus e reinan-
do sobre a igreja e o mundo teve, para a vida quotidiana dos cris-
tãos e para a igreja, uma importância maior ainda que a própria
obra. E ao Str\\\or presente que as orações se dirigiam, e no "partir
do pão" também a alegria de sua presença ultrapassava até a lem-
brança de sua morte. Isto nos permite compreender porque o título
de Ebedlahweh devia desvanecer-se frente a outros títulos apesar
da importância capital que a teologia continuava atribuindo à morte
de Cristo.
No entanto, este título cristológico mereceria mais atenção
que a que se lhe concede, de ordinário, a teologia moderna. Não só
por ser uma das mais antigas respostas à pergunta: "Quem é Jesus?",
mas também por remontar ao próprio Jesus. É pois por ele que
melhor podemos decifrar o segredo da consciência messiânica de
Jesus. Não seria mais exato falar de sua "consciência de ser o Ser-
vo de Deus", que de "sua consciência messiânica"? Porém, vere-
mos logo que ainda uma outra ideia tem para ele uma importância
fundamental de sorte que, tampouco para ele a noção de Ebed bas-
ta para abarcar toda a sua obra. Assim, ele atribuiu a si mesmo um
outro título que, por outro lado, vinculou ao de Ebed, a saber: o de
"Filho do Homem".
Antes nos será necessário, no entanto, falar de outro título
neotestamentário que se refere principalmente à obra terrena de
Jesus - título que ademais, só apareceu depois de sua morte e ser-
viu unicamente em certos meios para resolver a questão cristo-
lógica: o de Sumo Sacerdote.
CAPÍTULO III
""'Cf. H. SCHMIDT, Die Psalmen, 1934, p. 203; A. WEISER, "Die Psalmen" (ATD),
1950, p. 459 ss. Sobre a relação entre Melquisedeque eZadoque, cf. H. H. ROWLEY,
"Melchizedek and Zadok" (Festschrift A. Bertholet, 1950, p. 461 ss.).
1911
Esta constatação conservaria seu valor se, como o admite R. BULTMANN, Gesch.
d. synopt. Tradition,2* éd,, 1931, p. 145 s., este trecho de Mc 12.35 ss. não devesse
ser atribuído a Jesus mas à comunidade primitiva, o que, por outro lado, é pouco
provável (cf. abaixo, p. 174 s.).
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 115
vn STR-BILLFJRBECK, IV, p. 452. Para o que se segue, ver todo o excursus: "Der
110. Psalm in der altrabbinischen Literatur", IV, p. 452 ss.
v>
- Ver a este respeito, M. SIMON, "Melchisédech dans la polemique entre juifs et
chrétiens et dans la legende" (RHPR, 17, 1937, p. 58 ss.)
n3
Cf. STR-BILLERBECK, IV, p. 453 s.
l,J4
Midr. Cantique de Cantiques (100b); cf. Pesiq. 51a.
li,5
Cf. J.JEREMIAS, art.'HX(e)íccç (ThWbNT, III p. 934 s.);; também STR-B1LLERBECK,
IV, p. 462 s.
r1 6 Oscar Cuttmann
lW,
F. J. JEROME, Das geschichtUche Melcíiisedek-Blld und seine Bedeutung im
Hebrãerbrief, 1920.
is? STR-BILLERBECK, IV, p. 463 s., recorda-nos que o "Mestre de Justiça" da seita
de Qumran também é sacerdote, V. abaixo, p. 154 s.
m
Leg. Alleg., III, 79; De congr. erud.. 99.
""AMBRÓSIO, Defide, III, 11; JERÓNIMO, ep. 73; EPIFÂNIO, Haer, 55, 5; 67, 3
e 7. Em HIPÓLITO, Refut. Vil, 36; X, 24 e em outros Pais, também se trata de
"Melquisedequianos" que colocavam a Melquisedeque acima de Cristo. V. a este
respeito G. BARDY, "Melchisédec dans la tradition patristique" (Revue Biblique,
1926, p. 496 ss.; 1927, p. 25 ss.).
200
E. KÃSEMANN, Das wandernde Gottesvolk, 1939 p. 130.
201
V. sobre as especulações concernentes a Melquisedeque, além dos autores já cita-
dos: M. FRIEDLÀNDER, "Melchisédec et 1'Epitre aux Hébreux" (Rev. des Etudes
Juives, 1882, p. 188 ss; 1883, p. 186 ss.); G. WUTTKE, "Melchisédech der
PriesterKõnig von Salem. EineStudiezurGeschichte der Exegese" (BZNW, 1927);
H. STORK, Die sogenannten Melcliisedekianer, 1928: H. W. HERTZBERG,
"Die Melchisédecli traditionen" (Journ. of the Palestime Oriental Society, 1929,
p. 169 ss.); O. MICHEL, Art. MeXxioeSÉK (ThWbNT, IV, p. 573 ss.); id. DerBriefa
an die Hebriíer, 1949, p. 160. Cf. igualmente J. JEREMIAS em ThBl 1937, p. 309;
outras indicações bibliográficas em C. SPICQ, L'Epitre aux Hébreux, II, 1953,
p. 213 s.
2111
II, 8; K. ELLIGER, Studien zum Habakuk-Kommentar vom Toten Meer, 1953, p. 168.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 117
,J
Cf. também 8,11-18. J. JEREMIAS cita ainda emThWbNT, II, p. 934, nota30, toda
uma série de trechos que considera, com razão, de origem pré-cristã.
11
A. DUPONT-SOMMER, Nouveaux aperçus sur les mamtscrits de la mer Morte,
1953, p. 63 ss. A este propósito se pode mencionar que M. FRIEDLÀNDER, no
artigo já citado da Revue des éutdes juives (cf. acima, nota 201), já havia declarado
a hipótese de que as especulações relativas a Melquisedeque, e ainda à seita dos
Melquisedequianos, teve sua origem no Essenismo.
"K. G. KUHN, "Diebeiden Messias Aarons und Israels" (NTS, 1, 1955, p. 168 ss.)e
STAUFFER, "ProblemederPriestertradition" (Theol. Lit. Ztg., 1956, col. 135 ss.),
cf. abaixo, p. 143, nota 241 e p. 155.
1.18 Oscar Cullmann
como antes; ele deve pois ter tido uma atitude crítica com respeito
à perenidade da função do sumo sacerdote judaico. Se os evange-
lhos se fazem sobretudo o eco de sua polémica contra os fariseus,
não temos que tirar daí a conclusão de que ele tenha estado mais
próximo do partido sacerdotal dos saduceus. Os relatos sinópticos
do processo de Jesus - mesmo influenciados pelas tendências da
comunidade primitiva - têm conservado, incontestavelmente, a
lembrança de que os inimigos de Jesus, aqueles que queriam a sua
morte, pertenciam, sobretudo, aos meios sacerdotais. João 11.47
dá provas disso.
A atitude crítica de Jesus para com o sacerdócio não deve, no
entanto, fazer-nos recusar a ideia de que ele tenha podido integrar
a noção de sumo sacerdote à concepção de sua missão. Temos
visto que já no judaísmo, a crítica ao sacerdócio empírico seguia
paralela à esperança de um sacerdócio ideal. No Salmo 110, em
que o rei é chamado "sacerdote segundo a ordem de Melquisede-
que", ele não é só colocado acima do sumo sacerdote judaico, como
também é posto, de certo modo, como seu concorrente.
Não se descarta que Jesus tenha aplicado a si mesmo, se não
o título ao menos a ideia de um sumo sacerdote "segundo a ordem
de Melquisedeque". Pode-se dizer mais. Foram conservadas duas
palavras de Jesus nas quais aplica expressamente o salmo 110 ao
Messias. Trata-se, primeiro, da pergunta feita aos escribas a res-
peito do Filho de Davi (Mc 12.35 ss. par.). O próprio Jesus cita
aqui o Salmo que - conforme adiante206 - teve uma importância
capital para a teologia cristã primitiva. Trata-se da passagem do
Antigo Testamento citada com mais frequência no Novo. A expli-
cação dada por Jesus a este Salmo em Mc 12.35 ss. é, para sermos
francos, uma das falas mais difíceis que os sinópticos nos transmi-
tiram. De nenhuma maneira é certo que com esta fala Jesus negue
ser de ascendência davídica. Pergunta-se também se falava de si
mesmo ou se se limitava a uma declaração geral sobre o Messias.
V. abaixo, p. 292 s.
1'20 Oscar Cutimann
V. abaixo, p. 174 s.
Cf. Gesch. d. synopt. Tradition, 2a ed., 1931, p. 145 s.
CRISTOLOGIA 1X5 NOVO TESTAMENTO 121
21
2C. SPICQ, L'Epttre ctux Hèbreux, II, 1953, p. 39e/;«ísim, aproxima, por esta razão,
o teXeicDv da Epístola aos Hebreus à palavra de Jesus sobre a cruz, tetéXeoTai,
que Jo 19.30 relata.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 125
213
Porex. Ex 29.9 ss.; Lv4.5 ("enchera mão"). Cf. a este respeito (além dos comentá-
rios de WINDISCH e de MICHEL sobre Hb 5.9) o tratamento detalhado de C.
SPICQ, op.cit., p. 214 s s , na qual se encontra também uma importante bibliografia.
2H
Por ex. J. KÓGEL, "Der Begriff TÊAELOW ira Hebráerbrief' (Theol. Studienf. M.
Kàhler, 1905, p. 35 ss.).
2,5
É o que expressa com razão H. WINDISCH, Kommentar ad 5.9, p. 45.
216
Este aspecto não aparece suficientemente no estudo, mesmo assim notável, de M.
RISSI "Die Menschlichkeit Jesu nach Hebr. 5.7 und 8" (ThZ, II, 1955, p. 28 ss.).
126 Oscar Cuiimann
cia pelo que padeceu." Que o autor tenha pensado aqui no Getsê-
mani parece-nos evidentemente a explicação mais provável.3I8
As expressões "clamor" e "lágrimas" são tão concretas que devem
referir-se a um acontecimento determinado em que Jesus tenha
orado para ser salvo da morte. Esta descrição, no entanto, não se
enquadra bem na crucificação, a despeito da menção do grito de
Jesus. Só pode referir-se à terrível tentação do Getsêmani, onde a
Jesus ficava, todavia, a possibilidade de escolher outro caminho
que o da obediência que devia levá-lo à cruz.219
Tampouco compreendo como, em presença de duas possíveis tradu-
ções de eiaaKoixrfleiç àrcò xfjç eyX,aJÍ£Íccç "ouvido e livrado de sua
angústia" ou "escutado por causa de sua piedade", se possa decidir cm
favor da segunda."" Todo o contexto leva a dar a eíActpeía o sentido de
"angústia"."' Justamente aí está a tentação de Jesus, é a í que se mostra sua
ào"9évera: como todo homem, teme morrer. Porém, Deus respondeu à sua
oração já que ele superou suaangústiac pôde dizer: "não o que eu quero..."
-n Só na medida em que se leva a sério a morte, pode-se também levar a sério a ressurrei-
ção, Cf. nosso estudo: Immortalitê de i'âme ou résurrection desmorts, p. 32 ss.
CRISTOLOGIA DO NOVO .TESTAMENTO 131
Deste ponto de vista o culto cristão não c possível senão sob a con-
dição de respeitar absolutamente este é<ptxTtaS;. É verdade que é inexato
qualificar a missa católico-romana como ''repetição" do sacrifício de
Jesus, como o fazem, amiúde, os protestantes.226 Os teólogos católico-
romanos sempre recusaram esta interpretação e têm afirmado que se tra-
taria de uma "atualização" do sacrifício de Cristo. Porém, não é isto já
um ataque ao è<pcbia£ da Epistola aos Hebreus, em particular quando se
qualifica a missa de ''sacrifício"? O sacrifício, como tal, não pode ser
"atualizado". Senão, corre-se o perigo de recair ao nível do antigo sacer-
dócio judaico, no qual o sumo sacerdote deve repetidamente oferecer o
sacrifício. Um culto cristão fiel aoè(pá7tc(£ deve evitar toda tentação, por
débil que seja, de "reproduzir" este ato central em lugar de deixá-lo ali
onde o próprio Deus o Senhor dos séculos o tem colocado: em um
momento preciso do terceiro decénio da nossa era Oqueéatual operante
c eficaz em nosso culto são as consequências deste ato salvador e não o
ato em si O Senhor presente no culto é o Kyrios da igreja e do mundo
elevado à destra de Deus o Senhor que sobre a base de seu ato expiatório
continua sua obra de mediador é o ressuscitado A relação entre sua cru-
cificação e a celebração da eucaristia é indicada pelas palavras Eic tfiv
éufiv àváuvnõ"iv "em memória de mim" o que quer dizer:em lembran-
ça do ato que eu realizei em virtude do qual eu estarei no meio de vós
como o Senhor ressuscitado
* * *
" s Em INÁCIO DE ANTIOQUIA não ocorre o mesmo. Parece, com efeito, que afirma
que a perfeição pode ser encontrada pelo mártir que dá sua vida por Cristo.
"'Rm 8.29; Cl 1.18. Cf. 1 Co 15.20: ÒLiuxp%r\ tâx K£KOip<onÉvcovc
-;"> Ap 1.5.
I'36 Oscar Cullinann
:
"C.. igualmente cap. 10.13 s
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 137
•'1•'Já a expressão familiar ao Amigo Testamento, "o Deus vivo," que reaparece mui-
tas vezes na Epístola aos Hebreus (3.12; 9.14; 10.31; 12.22), indica que Deus
opera de uma maneira constante. Enquanto que o Verbo Çíyv, aplicado a Cristo no
cap. 7.8 (como em Lc 24.5 e Ap 1.18) evoca, sobretudo, a vitória obtida sobre a
morte pela ressurreição, aqui (cap. 7.25) o autor deve ter pensado na ação de
Cristo que continua.
138 Oscar Cullinann
'A ideia de um retorno sobre a terra era já familiar ao pensamento judaico antes da
morte e da ressurreição de Cristo: é o que demonstra a crença no retorno do profeta,
em particular no retorno de Elias. Cf. acima, p. 33 ss.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 139
* * *
140 Oscar Culhnann
SI 110 a Jesus. Assim, pois, pode não ter havido nenhuma depen-
dência direta.
É primordial reconhecer, contudo, que o autor do quarto evan-
gelho adere espontaneamente a esta concepção. Pensemos, antes
de tudo, no capítulo 17. Esse capítulo forma parte dos discursos de
despedida e geralmente é intitulado de "oração sacerdotal". Este
título não é tão antigo como se poderia crer. Os Pais da igreja não
o conheciam; embora, por exemplo, Cirilo de Alexandria assinala
a propósito de Jo 17.9 que Jesus opera aqui como sumo sacerdo-
te. 2 " O título, "oração sacerdotal", só foi aplicado ao conjunto
deste capítulo na primeira metade do século XVI, pelo teólogo
protestante Chytraeus, e logo se impôs, tanto na teologia protes-
tante como na católica.
Chytraeus não se equivocou ao empregar esta expressão. Com
efeito, toda esta oração não se explica senão pela consciência que
tem quem a pronuncia de realizar uma função sacerdotal. Jesus
dirige esta oração ao Pai, a fim de que santifique aos seus e os
torne capazes de recolher os frutos do sacrifício que ele, jesus, vai
oferecer. A oração pela santificação dos seus (17.17) e por sua
separação do mundo (17.11 ss.) é uma oração tipicamente sacer-
dotal, com a diferença de que no Antigo Testamento tinha um
caráter cultual enquanto aqui deve entender-se num sentido moral,
já que Jesus cumpriu o sacerdócio israelita. Como o próprio Cris-
to foi santificado pelo Pai (10.36), da mesma maneira os seus
devem ser santificados. Pe. Spicq faz notar, com razão,2-58 que a
mesma ideia de santificação se encontra em Hb 10.10.
Porém, é principalmente o segundo aspecto da cristologia da
Epístola aos Hebreus que se desenvolve nos discursos de despedi-
da: a ideia de que Jesus em sua qualidade de "iniciador" (àp^iryóç)
e "precursor" (7tpóôpou.oç) precede os seus e continua assim no
presente seu ofício sacerdotal de mediador. Este é o sentido da
passagem da oração sacerdotal em que Jesus pede que aqueles que
17
MPG, 74, col. 505. Cf. C. SPICQ, op. cit., p. 261, nota 4.
,K
UEptire aux Hébreux, I, 1952, p. 122 s
Ij)2 Oscar Cuiimaim
o Pai lhe tem dado estejam com ele onde ele estiver (17.24). Igual-
mente a palavra relativa à "preparação das moradas na casa do
Pai" (14.2 ss.) corresponde, como mostrou Spicq, à "preparação
da cidade celestial" em Hb 11.16.
Os escritos joaninos também são os que, com a Epístola aos
Hebreus, mais insistem na ausência de pecado em Jesus: "Quem
dentre vós me convence de pecado?" (Jo 8.46); "nele não há peca-
do" (1 Jo 3.5).2-19
Porém, é a ideia de Paracleto a que mais nos parece estar em
relação com a de sumo sacerdote. Tem-se advertido, muito justa-
mente, sobre o caráter jurídico do Paracleto.240 No momento, este
caráter está em relação com o papel de mediador do sumo
sacerdotete: "Se, todavia, alguém pecar, temos um rcccpáioliitoç,
advogado, junto ao Pai, Jesus Cristo, o justo" (1 Jo 2.1). A função
de Jesus é descrita da mesma maneira em Hb 7.25 e 9.24. Segundo
as passagens do Novo Testamento que citam o SI 110, Jesus segue
operando atualmente como aquele que está à direita de Deus. Igual-
mente, o Evangelho de João afirma que Ele sustenta aos seus na
terra pelo Paracleto. Jesus parece inclusive resumir todas as ora-
ções que dirige ao Pai e, portanto, toda sua função sacerdotal,
pedindo a Deus que envie aos seus outro Paracleto, a fim de que
permaneçam eternamente com Ele (Jo 14.16). É este Paracleto que,
de agora em diante na terra, tem de "santificar" aos crentes; é ele,
"o Espírito de verdade, a quem o mundo não pode receber", o que
conduzirá em toda verdade aqueles que pertencem a Cristo. Ade-
mais, se Jesus, em seus discursos de despedida, recomenda a seus
discípulos dirigirem-se a Deus "em seu nome", indica com isso
que continuará, uma vez glorificado, sua função sacerdotal, encar-
regando-se, ele próprio, de apresentar a Deus suas orações. Tal é o
sentido da fórmula com que os cristãos terminam suas orações:
8ux 'Iricot) Xpiccoí).
* * *
241
A distinção feita por HIPÓLITO entre o Messias de Judá e o de Levi, unidos na
pessoa de Jesus, é sumamente interessante. Esta distinção é importante também
porque os textos de Qumran, o Documento de Damasco, e o Testamento dos Doze
Patriarcas, falam de uma esperança de dois Messias (Messias de Aarãoe Messias de
Israel) (cf. acima, p. 116 s.) L. MARIÈS, "LeMessieissudeLevíchezHíppolytede
Rome" (Mélanges j . Lebreton, \,Rech. Sc. Rei, 1951, p. 381 ss.) provou que Hipólito
devia conhecer a tradição referida pelo Testamento dos Doze Patriarcas. Ver tam-
bém, J. T. MILIK (Revue Biblique, 1953, p. 291).
SEGUNDA .PARTE
OS TÍTULOS CRISTOLOGICOS
REFERENTES À OBRA FUTURA
DE JESUS
PEQUENO INTRÓITO
1
Cf., igualmente, os complementos <jue ele fez a este texto em seu artigo "Messiejuif
et Messie chrétien" (RHPR, 18, 1938, p. 419 ss.) Uma tese análoga foi defendida
por A. VON GALL.
CAPÍTULO I
JESUS, O MESSIAS
(XpiGTÓÇ)
1. O MESSIAS NO JUDAÍSMO244
O particípio mâschiach significa o "Ungido"; é empregado
ne.ste sentido para designar em particular ao rei de Israel, a quem
se chama "O Ungido de Iahweh" - alusão ao rito da unção real
(1 Sm 9.16; 24.7). Porém, este título não se reserva unicamente ao
rei: todo homem de Deus, encarregado de uma missão para com
seu povo, também pode tê-lo. É assim que em Ex 28.41 o sacerdo-
te é chamado o "Ungido", mâschiach; e, segundo I Reis 19.16,
Eliseu deve ser "ungido" como profeta. Mesmo um rei estrangeiro
e pagão pode receber este título quando o Senhor o encarrega de
uma missão particular, ou seja, quando é instrumento do plano
divino de salvação. É assim que em Is 45.1, o próprio Ciro é cha-
mado de "Messias", ungido.245
Para dizer a verdade, no período monárquico o enviado espe-
cial de Deus é o rei de Israel e a expressão o "Ungido de Iahweh"
geralmente indica o rei. O rei tem um caráter divino; a realeza
israelita é, pois, de "direito divino". São-lhe atribuídos, como sinó-
nimos de "Ungido do Senhor", títulos que expressam a origem
divina de sua função: 2 Sm 7.14, por exemplo, o chama "Filho de
Deus". Na base destas invocações se encontra a ideia de ser Iahweh
o verdadeiro rei de Israel; e o rei terreno, seu lugar-tenente que
exerce esta função divina.
246
E J. FOAKES JACKSON e K. LAKE, op. cíi. (cf. p. 150, nota 243), p. 356, subli-
nham o fato de que a palavra "Messias" aparece aqui pela primeira vez em seu
sentido propriamente escatológico. No entanto, mesmo que a cronologia dos textos
de Qumran não esteja ainda estabelecida de forma segura, agora temos de levar em
consideração os trechos em que eles falam do Messias.
247
Ed 7.26 ss.; 11-14 ; Ap. Baruque 29; 30; 40; cf. ainda Sanh. 96 b ss.
CwsTOLOGIA DO Novo TESTAMENTO _155
2. JESUS E O MESSIAS
Jesus considerou a si mesmo como o Messias? Este é um dos
grandes problemas no estudo de sua vida como de sua doutrina.
Quando se fala da consciência messiânica de Jesus, geralmente se
dá a este adjetivo uma acepção muito ampla, e não a restrita dos
Salmos de Salomão, por exemplo. Porém, neste capítulo, é este
sentido preciso e limitado o que adotamos ao indagar em que me-
dida Jesus aplicou a si mesmo, ou recusou, as ideias particulares
que no judaísmo estavam associadas ao título de Messias.
A este respeito temos de examinar três textos sinópticos:
Mc 14.61 s. par.; 15.2 ss. par. e 8.27 ss. par. Em Mc 14.61 s. a
questão se põe com toda clareza. Trata-se do processo de Jesus.
Caifás pergunta a Jesus: "És tu o Messias, o filho do Deus bendi-
to?"251 Evidentemente, quer jogar-lhe um laço a fim de compro-
metê-lo, em qualquer que seja a sua resposta. Indubitavelmente
esperava uma declaração afirmativa, já que estimava que Jesus
havia exercido seu ministério com pretensão messiânica. O sumo
sacerdote necessita de uma declaração messiânica pronunciada
pelo próprio Jesus, para poder substanciar a acusação preparada
contra ele e denunciá-lo aos romanos como agitador político. Pois
pretender o título e a função de Messias, significaria que Jesus
quer restabelecer o trono de Davi; portanto, estabelecer um
v
A variante GX> èutocc çõi KTX., ,testadd asmente eor rlggns ma mt se ri tos, ,eve eer
lido por origem uma tentativa de harmonização com Mateus. Muitos exegetas (por
exemplo LOHMEYER, TAYLOR) no entanto crêem dever atribuir-lhe a priorida-
de, porque graças a ela os textos de Mateus e de Lucas se explicariam mais facil-
mente. Neste caso, Marcos também teria conhecido a existência de urna resposta
evasiva de Jesus.
158 Oscar Cullmann
Mí
Na obra que vamos citar, A. MERX não toma por ponto de partida nosso trecho,
mas a resposta de Jesus à pergunta de Judas durante a última ceia: "Mestre, sou eu?
(Mt 26.25). Ai, também, uma resposta evasiva de Jesus ("És r« quem o dizes"), que
se harmoniza, notavelmente, com o contexto.
254
Segundo BLASS-DEBRUNNER,GroJ/i«i. D. neutest. Griechisch,!* ed., 1943, par.
449, em Mateus e Lucas: "no entanto, não obstante"; em Paulo: "em todo caso".
Cf. também W. BAUER, Wõrterbuch, 4a ed., 1952, ad voe.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 159
'^ Esta interpretação pode também ter sido favorecida em Marcos pelo fato de que, no
plano geral de seu evangelho, a declaração messiânica de Jesus, nessa passagem
ocupa um lugar importante: depois de haver sido reconhecido como Messias pri-
meiro pelos demónios e logo depois pelos discípulos, eis aqui que, no ponto culmi-
nante de sua vida, seus inimigos lhe reconhecem como tal. - Sobre este plano de
conjunto, comparar a obra instrutiva de J. M. ROBINSON, "Das Geschichtsverstãndnís
iles Markus-Evangeliums" (AThANT, 30), 1956.
16() Oscar Cuilmann
•"* Sobre o papel dos romanos no processo de Jesus, cf. nosso estudo, Dieit et César,
1956, p. 27 ss.
,162 Oscar Cullma/m
2W
Em nosso estudo já citado, Dieit et César, p. 15 ss., mostramos como Jesus tinha
constantemente que lidar com a questão dos zelotes.
2M1
Sobre a históriadas explicações desta traição, cf. K. LUTHI, Judas Iscariot in der
Geschichte der Auslegung von der Reformation bis in die Gegenwart, 1955.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMEÍ^TO 165
1M
E. PERCY, op. cit., p. 272, está de acordo com WREDE em recusar a opinião
expressa aqui. Seus argumentos são de um caráter geral e, por conseguinte, pouco
convincentes. Segundo cie, Jesus, em geral, não se guia por considerações de pru-
dência. Porém, é sobretudo o argumento seguinte que - em relação aos textos cita-
dos acima - parece-me dificilmente compreensível: "a gente se pergunta, com
WREDE, por que Jesus não diz simplesmente que ele não tem nada que ver com o
Messias político". E, no entanto, é o que Jesus deu a entender de uma maneira
inequívoca e não somente segundo o Evangelho de João. Se não recusou expressa-
mente o título de Messias, é porque o título não está necessariamente ligado à ima-
gem do Messias político. Daí sua reserva, em lugar de recusa.
;í5
Cf. também sua Geschichee der synoptischcn Tradition, 2" ed., 1931, p. 371 s.
"asCf. V. TAYLOR, The Naines of Jesus, 1953, p. 19.
2f,7
Cf. V. TAYLOR, op, cit., p. 20. Um só trecho parece contradizê-lo: Jo 4.26, a res-
posta de Jesus à samaritana. Porém, aqui o evangelista atribui, sem dúvida, a Jesus,
por iniciativa própria, o qualificativo corriqueiro de "Cristo".
C^IUSTOLOGIA DO rsovo TESTAMENTO 167
ao diálogo com Pilatos em que Jesus afirma que seu reino não é
deste mundo, temos que mencionar João 6.15, no qual o povo quer
torná-lo rei e onde Jesus, reconhecendo sua intenção, foge-lhes
retirando-se, só, para a montanha.
Chegamos, portanto, à conclusão de que Jesus sempre obser-
vou a mais extrema reticência no tocante ao título de Messias, e
que, inclusive, considerou como tentação satânica as ideias espe-
cíficas que se agregavam a ele. Em certos momentos decisivos,
substituiu o título "Messias" pelo de "Filho do Homem", como
que opondo um ao outro.268 Temos, enfim, visto que opõe cons-
cientemente a ideia de Ebed Iahweh à de um Messias político.
Que ironia o fato de ter sido Jesus crucificado pelos romanos pre-
cisamente como Messias político!
A seita de Qumran parece também ter se oposto ao ideal
messiânico político, já que coloca o Messias sacerdotal acima do
Messias real.269 Porém, esta oposição é colocada em um plano
muito diferente do de Jesus.
Mas, não houve pelo menos um aspecto do messianismo
judaico que Jesus tenha podido aceitar? No que concerne ao título
de Messias, não houve de sua parte uma recusa direta, senão uma
grande reserva frente a todas as imagens que se concentravam em
torno do messianismo político.
Se não o recusou categoricamente, é porque, em seu tempo,
este título já não estava mais circunscrito a seu aspecto político;
comportava um elemento positivo que podia harmonizar-se com a
concepção que tinha de sua missão. Neste título de Messias se
expressa, com efeito, a continuidade entre o Antigo Testamento e
a obra realizada por Jesus. O Messias cumpre este papel de medi-
ador que o povo escolhido de Deus tinha que ter assumido em sua
totalidade. Esta ideia se encontra, ademais, na base da maior parte
dos títulos cristológicos de origem judaica; o Messias o comparti-
lha, em consequência, com outras figuras escatológicas do Judaís-
mo; porém, é neste título onde se encontra sua expressão mais
vigorosa. A concepção judaica de Messias tem um caráter nacio-
nal profundamente arraigado. O sentido de toda a história de Isra-
el se condensa nesta figura. O elemento do messianismo que se
pode aplicar a Jesus é o fato de que o Messias, como tal, realiza a
missão de Israel. Porém, a maneira em que Jesus a cumpre se
opõe à esperança judaica, tomada em seu sentido mais restrito.
Muitas declarações de Jesus indicam haver ele designado a si
mesmo a tarefa de cumprir a função de Israel. Compreende-se,
pois, porque admitiu, com certas reservas, ser chamado Messias,
melhor dizendo, porque não recusou absolutamente o título mas
se contentou em evitá-lo.
Jesus não poderia, em vista de sua obra vindoura, escatológica,
tomar alguns traços à imagem do Messias que ele devia categori-
camente recusar para sua obra terrena. O fato de citar o Salmo 110
em sua resposta ao sumo sacerdote (Mc 14.62 par.) faz supor que
tenha incluído em sua esperança escatológica a ideia de uma futu-
ra dominação do mundo, - aqui e como sempre - porém, excluin-
do dela os caracteres políticos. Contudo, fica estabelecido que ao
falar diante do sumo sacerdote sobre sua obra futura, ele não se
nomeia o Messias, mas, Filho do Homem, portanto, seguindo a
Daniel, como um ser que transcende a história.
Cf., por exemplo, as considerações de M. GOGUEL, Jesus, 2a ed., 1950 p. 195 ss.
1.70 Oscar CuUmann
275
Tese sustentada, entre outros, por J. WEISS, Das Urchristemum, 1917, 89; G.
DALMAN, Die Worte Jesu, 2a ed., 1930, 262 ss.; E. STAUFFER, Theologie des
Neuen Testaments, 1948, p. 261 s.
™ A este respeito, podemos nos recordar que Paulo, também, parece ter possuído uma
tradição familiar, segundo a qual ele era proveniente da tribo de Benjamim (Fl 3.5).
'"EUSÉBIO, História Eclesiástica, 3, 19 s.
1.72 Oscar Cuttmcum
s
Cf. H. J. SCHOEPS, Theologie und Geschichte des Judenchristentums, 1949,
p. 282 ss.
2n
Deviam existir famílias providas de árvore genealógica: JOSÉPHE, em sua vita,
nos dá indicações detalhadas sobre seus ancestrais.
Sobre outras famílias davídicas da época judaica tardia epós-cristã, cf. TH. ZAHN,
Das Evangeliuin des Mailhãus, 2a ed,, 1905, p. 43, nota 6 . - A título de curiosidade,
mencionamos aqui o exemplo de diversas famílias aristocráticas da Basileia que
fazem remontar sua genealogia a Carlos Magno. A comparação, todavia, é imper-
feita, pois, entre os judeus a questão da origem familiar não respondia a um mero
interesse histórico: tinha uma importância teológica, já que dela dependia a situa-
ção da família no seio de seu povo.
CRISTOLOGIA I^-1 NOVO TESTAMENTO 173
-S1Ct\ a tranqiiila segurança com a qual, por ex., E. MEYER, Urspntng und Anféinge
áes Christentums, II, 1921, p. 446, expressa esta opinião.
•" Cf. acima, p. 118 s. e abaixo, p. 292 s.
174 Oscar Cullmann
Cf. Gesch. d. .ynoptt Tradilion, 2' ed.. 19331 p. 145 s.; e também: Theologie des
Neuen Testaments, 1953 p. 28 s.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 175
•sl A. E. J. RAWLINSON, The New Testament Doctrine of the Christ, 3a ed., 1949,
p. 42, nota 3, contém uma observação neste sentido; esta tese havia sido defendida
em particular por F. SPITTA.
2t
" Marcos e Lucas não contêm, a este respeito, mais que uma só referência: Mc 10.47
s. (Lc 18.38); porém, encontramos ainda outras cinco em Mateus (Mt 9.2.7; 12.23;
15.22; 21.9; 21.15).
176 Oscar Cultinann
!t7
Tampouco cremos que Rm 9.5 seja a única passagem onde Paulo tenha empregado
a palavra "Cristo" no sentido de "Messias", como pensa V. TAYLOR, op. cit., p. 21
(e ainda aí com um sinal de interrogação). - A. STUIBER (RAC, t. 3, col. 25)
utiliza, como nós, este critério: achar no emprego da palavra "Cristo" antes do nome
de Jesus uma pista para buscar, na Igreja antiga, impressões da sobrevivência de sua
significação primitiva.
**K Ver por ex. o papel que a ideia de Messias tem na obra apologética de JUSTINO:
Diálogo com o judeu Trifo.
178 Oscar Cullmann
2KV
Sobre a relação entre a filiação davídica e o nascimento virginal, cf. abaixo, p. 386 s.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMEPÍTO 179
d;i, ele também espera a aparição visível de Cristo no fim dos tem-
pos, porém, mesmo assim a ação escatológica do Cristo jamais
tem um aspecto político. Por outro lado, quando a ideia da realeza
futura de Jesus se concentra em um reino de mil anos (como ocor-
re no Apocalipse, cap. 20.4), então as ideias recusadas pelo pró-
prio Jesus para sua missão terrestre podem novamente surgir, mas
sob uma nova forma e aplicadas à Igreja visível do fim dos tem-
pos.290
Em conclusão, devemos reconhecer que o Cristianismo pri-
mitivo não só adotou a terminologia relativa ao Messias (assim
como indicamo-lo no começo deste capítulo) como também apli-
cou a Jesus, à luz do "cumprimento" e transformando-as em um
sentido cristão, certas ideias próprias da esperança messiânica judai-
ca. E isto, das três maneiras seguintes: Jesus apareceu sobre a terra
como filho de Davi; exerce a realeza sobre a comunidade dos
fiéis; virá como Messias no fim dos tempos. Estas ideias cristo-
Jógicas retrocederam frente a outras, desde que o termo "Cristo"
passou a ser empregado como nome próprio, o que havia de pro-
duzir-se sobretudo no seio das comunidades helenísticas.
1
"Com J. HÉRING, "SaintPaula-t-ilenseignédeuxrésurreçiions?(RHPR, 12, 1932,
p. 300 ss.), nós não vemos (contra A. SCHWEITZER) a possibilidade cie incorporar
a crença tio "reinado de mil anos" à esperança escatológica de Paulo. Antes de tudo,
a ideia de uma "segunda" ressurreição em vista do juízo nos parece incompatível
com a doutrina da ressurreição, desenvolvida pelo apóstolo em 1 Co 15.35 ss. Paulo
não conhece mais do que uma ressurreição: aquela em que os ressuscitados se
revestirão do soma pneumatikòn. Sobre este ponto, H. BIETENHARD, Das
tausendjãhrige Reich. Eine biblisch-Theologische Studie, 1944, p. 65 ss., não trás
tampouco argumentos convincentes.
CAPÍTULO II
M
-Igualmente, a expressão hebraica correspondente, benadam (Ez 2.1; SI 8.4; 80.18).
M
H. LIETZMANN, Der Menschensoh.. Ein Beitrag zur neutesíamentlichen
Theologie, 1896.
184 Oscar Cuttmanti
rejeitada com razão.2!M Sua refutação por G. Dalman, Die Worte Jesu,
1898, p. 191 ss., nãoé, contudo, inteiramente satisfatória: pois ele tenta
demonstrar que a expressão bartiasckci não era corrente em aramaico-
galileu no sentido geral de "homem". Porém, esta afirmação não pode
sustentar-se como tem demonstrado P. Fiebig, Der Menschensolui, Jesu
Selbstbezeichnung tnit besonderer Berilcfcsichtigung des aramãischeti
Sprachgebrauchsftir Mensch, 1901: filologicamente, bariiascha signifi-
ca simplesmente "homem"; porém, a conclusão que Lietzmann e
Wellhausen tiraram daí, a saber, que não podia ser uni título messiânico,
é falsa.
1(li
R. OTTO, Reich Goíles und Menschensohn, 1934, sublinha particularmente este
caráter •'oculto". Porém, é quase impossível fazer derivar daí o "segredo messiânico",
como o propõe E. SJÕBERG, op. cit., p. 115. Pode-se, quando muito, fazc-lo inter-
vir como motivo secundário para explicar este segredo. Sobre o motivo principal,
cf. acima, p. 107 s.
** ENOQUE 48.10; 52.4. - Cf. a este respeito E. SJÕBERG, op. cit., p. 140 ss.
3I1J
Cf. I QS IV, 23. é E. DINKLER quem destaca o problema posto por esta passagem
(Schweiz. Monatshefte, 36, 1956, p. 277).
188 Oscar Cullmann
""É, no entanto, graças a eles que a atenção tem-se voltado para estas relações -
Cf. em particular, W. BOUSSET, Hauptprobleme der Gnosis, 1907, p. 160 ss.,
238 ss.; Id., Kyrios Christos, 2a ed., 1921: R. REITZENSTEIN, Das iranische
Erlõsungsmysterium, 1921; R. REITZENSTEIN- H. H. SCHAEDER, Studien zum
antiken Synkretismus aus Iran und Griechenland, 1926; resenha crítica de
W. MANSON, Jesus the Messiah, 1946, p. 237 ss.
1<
" ' Cf., etu particular,os estudos citados de REITZENSTEIN e SCHAEDER. Insistem,
sobretudo, em Gayomart, o "primeiro homem" na religião iraniana. Cf. também a
este respeito as reservas de G. QUISPEL.
'"7 REITZENSTEIN chama a atenção sobre o Poimandres. A respeito deste escrito cf.
E. HAENCHEN, "Aufbau und Theologie des Poimandres" (ZThK, 53,1956, p. 149
ss.). Também C. H. DODD, The Bible and the Greeks, 2a ed., 1954, que dá especial
atenção ao "primeiro homem", do Poimandres.
3<la
H. HEPDING, Attis, seine: Mytthen und sein Kuit, 1903, em partic. p. 50 ss.
•""Cf. Além dos estudos já citados: R. REITZENSTEIN, Das mandáische Buch des
Herrn der Grõsse und die Evangelienuberlieferung, 1919.
110
W. HENNING, Gebitrt und Entsendung des mankháischen Umienschen, 1933. -
Cf. também H. CH. PUECH, Le manichéisme, 1949, p. 76 ss.
311
É igualmente falso, nos estudos atuais relativos ao gnosticismo da seita de Qumran,
considerar a presença, ou ausência, deste mito como critéri o para determinar o cará-
ter gnóstico, ou não gnóstico, desta seita.
"2Recentemente, C. G. JUNG aplicou à ideia de Filho do Homem sua teoria do
"arquétipo".
iy0 Oscar Cttllmann
E. SJÕBERG, op. CÍV., p. 147 ss., tenta demonstrar que a identificação com Enoque
não é mais levada em conta, dado que, originalmente, este só se torna Filho do
Homem depois de sua ascensão. A questão da encarnação poderia, quando muito,
pôr-se para o problemático Metatron. Ver, a este respeito, H. ODEBERG, 3. Enoch
or the Hebrew Book of Enoch, 1928.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 191
114
O sofrimento do Filho do Homem, admitido por J. JEREMIAS, "Erlõserund Erlõsung
im Spãtjudentum" (Deutsche Theol., 2, 1929, p. 106 ss.) continua problemático. Cf.
E SJÒBERG, op. cit., p. 116 ss.
115
25 Cf. em part.: Vita Adae, 12 ss.; Enoque (Eslav,), 30. - Textos rabínicos também
devem ser considerados. Cf. B. MURMELSTEIN, "Adam. Ein Beitrag zur
Messiaslehre" (Wiener Ztschr. f d. Kunde d. Morgenlandes, ,128, p. 242 ss,; ;929,
p. 51 ss.).
•192 Oscar Cidimann
É o que mostra, também, a relação com a seita de Qumran, indicada em nosso artigo
precedentemente citado.
Cf. acima, p. 59 ss.
Cf. acima, p. 63 s.
CRISTOLOGIA DO JVOVO TESTAMENTO 195
'•'" Vita Adae, 12 ss.; 39. Enoque (Eslav.) 30.11 ss. Cf. a este respeito o artigo de B.
MURMELSTEIN, citado acima, p. 191, nota 315.
'•'• Cf. acima, p. 193, nota 316 e ainda p. 61.
196 Oscar Cullmcmn
para que se possa suspeitar que Fílon a houvesse tirado dali, ape-
sar do caráter especificamente rabínico de sua demonstração.322
Como quer que seja, era necessário estudar esta teoria de Fílon
para compreender o desenvolvimento da ideia de "Filho do Homem"
e de "segundo Adão" no Novo Testamento; pois veremos que é
muito provável que o apóstolo Paulo a tenha conhecido.
A explicação filoniana da relação entre o homem celestial e o
primeiro homem tem, em relação às outras soluções judaicas edo
ponto de vista que nos interessa aqui, a vantagem de não recusar o
relato da queda de Adão. Porém, (e mesmo fazendo abstração de
seu fundamento exegético arbitrário) tem a mesma falha que a
teoria gnóstica judaico-cristã. No fundo, ela delata claramente seu
caráter grego: o homem celestial, figura ideal, se encontra nela
desde o começo e, como entre os judeu-cristãos, não há mais a
possibilidade de uma nova ação deste homem-espírito na suces-
são do tempo, já que desde o começo ele realiza o absoluto. Fílon
não conhecia nenhuma encarnação, nem um retorno escatológico
deste homem; para ele não pode haver novas revelações divinas
no tempo; por conseguinte, não poderia haver também desenvol-
vimento desta revelação, e a salvação não poderia inscrever-se
numa história.
* * *
Cf. acima, p. 60 s.
Cf. acima, p. 183, nota 293.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 201
m
T . W. MANSON, "Mark 2.27 s." (Coniect. Neotest. 11, 1947, in honorem A. Fri-
dricftsen, p. 138 ss.).
326
Cf. também a este respeito, abaixo, p. 204, nota 330.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 203
m
Este argumento não se debilita pelo fato de que em certas passagens, entre as quais
certamente Mt 16.13, o fazem equivocadamente. Uma só vez, em At 7.56, o título
de "Filho do Homem" é aplicado a Jesus por outro', por Estevão. Por ser justamente
um "helenista" quem emprega esta expressão, parece-nos que se trata de uma lem-
brança exata do autor. Temos, em demasia, o costume de não estimar em seu justo
valor o papel dos "helenistas". Do ponto de vista que nos ocupa - e também de
outros pontos de vista - eles nos parecem pertencer a estes meios judaicos cujas
opiniões e crenças o próprio Jesus compartilhou. Cf. O. CULL.MANN, La Samarie
et les origines de la mission chéúeniie (A/muaire de VEcole pratique des Hautes
Etudes. Paris, 1953, p. 3 ss); e também abaixo, p. 241 s.
206 Oscar Cutlinatm
" 4 T. W.MANSON, The Teaching of Jesus, 2aed., 1935, p.227 ss., põe em relevo este
aspecto (rapidamente recusado por E. PERCY, Die Botschaft Jesu, 1953, p. 239,
nota 1); igualmente V. TAYLOR, Jesus andhis sacrifice, 1948, p. 24 ss.; e também
M. BLACK {Expôs. Times, 6.0, 1949, p. 33 s.). F. KATTENBUSCH, "Der Quellort
der Kirchenidee" (Festgabe f. A. Hnmack, 1921, p. 143 ss.) tirou consequências
importantes para a ideia de igreja em Jesus.
í,5
Cf. acima, p. 184.
,,w
Sobre a tese insustentável de MESSEL, segundo a qual o Filho do Homem, no livro
etíope de Enoque, seria uma figura coletiva, cf. acima, p. 185 s.
" 7 É assim que R. BULTMANN, Theol. d. NT, 1953, p. 26 ss.. está disposto a considerar
estas palavras como autênticas; porém, à questão de saber se Jesus se identifica a si
mesmo com o Filho do Homem anunciado, responde negativamente. O argumento
decisivo, segundo ele, é o seguinte: as profecias de Jesus relativas a seu sofrimento
não dizem nada sobre o porvir; as profecias relativas ao porvir não dizem nada acerca
de sua morte. A ideia de que o Salvador deva morrer seria, pois, inconciliável com
a esperança do Filho do Homem; e o Filho do Homem escatológico, esperado por
Jesus, não poderia, portanto, ser identificado com um homem que já tivesse apare-
cido sobre a terra. Só a igreja, para a qual a morte de Jesus era um fato consumado,
pôde estabelecer uma relação entre as duas séries de declarações e identificar o
Filho do Homem esperado com o Jesus sofredor. Porém, este juízo se fundamenta
na tese afirmada, sem provas, por BULTMANN, segundo a qual todas as pregações
de Jesus sobre os seus sofrimentos seriam Vaticinia ex eventu. Cf. acima, p. 87
CmsTOLOGIA DO Novo TESTAMENTO 207
lls
Cf. acima, p. 156 ss.
-™E. PERCY, Die Botschaft Jesu, 1953, p. 226, elimina rapidamente esta palavra como
não sendo autêntica, antes de tudo porque lhe parece impossível explicar, satisfatori-
amente, como esta declaração poderia ser considerada como "blasfémia". Esta ques-
tão se relaciona ao problema mais geral do aspecto jurídico do processo de Jesus.
Parece-me certo que aqui os Sinópticos (diferentemente do Evangelho de João) modi-
ficaram a situação jurídica real; porém, a autenticidade do título de Jesus não é, por
isso, afetada. Cf. também nosso estudo, Dieu et César, em partic. p. 44 ss.
•"0Cf. a este respeito TH. PREISS, op. cit., p. 36 s. e abaixo, p. 240 s.
20 8 Oscar Cutlmann
13
Em relação ao trecho que nos ocupa, T. W. MANSON, The Sayings of Jesus, 1949,
p. 249 ss. destacou muito este elemento; cf. acima, p. 204, nota 330, J. A. T.
ROBINSON interpreta diferentemente: "The Parable ofthe Sheep and lhe Goats"
{NTS, 2, 1956, p. 225 ss.).
4
TH. PREISS, lamentavelmente falecido tão novo, dedicou-se ao aspecto "jurídico"
da ideia de Fiifio do Homem. Depois de sua morte, o esboço de um curso sobre o
problema do Filho do Homem foi publicado no opúsculo muitas vezes citado: Le
Fils de 1'Homme (Eludes Théol. et Relig., Montpellier), 1951 e 1953 (continuação).
Porém, o que havia de novo em sua maneira de encarar o problema não pôde ser
reproduzido senão no quadro de considerações gerais sobre a cristologia neotes-
tamentária: de sorte que, a este elemento novo, não se tem dado seu total valor.
É lamentável que não tenha podido levar seu estudo a bom termo. Segundo PREISS,
a identidade do Filho do Homem e os homens seria o grande "mistério" que não
teria sido revelado senão em Mt 25.31 ss.
210 Oscar Cullmarm
348
Portanto, não somente o título em 4 Esdras e Enoque.
348
Se pensarmos que devemos sempre levar em consideração a significação coletiva
de "Filho do Homem", o trecho deMt 18.18 ss., no qual Jesus dá a seus discípulos
o pleno poder de ligar e desligar "sobre a terra", se esclarece a nossos olhos. Cf. TH.
PREISS,i* Fils de 1'komme, 1951, p. 27.
VM
Cf. também a este respeito W. MANSON, Jesus the Messiah, 1946, p. 156 s.
Í]2 Oscar Culhnann
'Para outra explicação (se se tratasse de homens em geral), cf. acima, p.203, nota
329. E também possível reunir as duas explicações como o tem feito igualmente
aqui TH. PREISS, op. cit., p. 29 (e também para Mt 11.19, cf. ibid., p. 30), já que
Jesus tem consciência de representar a humanidade.
214 Oscar Cullmann
Segundo W. MANSON, Jesus the Messiah, 1946, p. 159 s. Jesus opõe também o
"Filho do Homem" ao "Filho de Deus", e isto no relato da tentação, onde o diabo
disse: "Se tu és o filho de Deus", e onde Jesus responde com Dt 8.3: "não só de pão
viverá o homem." O Targwn de Jonathan escreve aqui, para "homem", barnascha.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 215
Em nosso artigo sobre a importância dos textos de Qumran para o estudo da litera-
tura cristãprimitiva (Positions luthériennes, 4, 1956, p. 5 ss.;cf. acima, p. 84, nota
V^RISTOLOGIA DO Novo TESTAMENTO 217
,57
Cf. nossos artigos citados p. 142 sobre os textos de Qumrane ainda particularmente
nosso estudo "Secte de Qumran, Hellénistes des Actes et IV e Evangile", na obra
coietiva Les manuscrits de la mer Marte; COLLOQUE DE STRASBOURG, 25-27
mai./1955, Paris, 1957, p. 61 ss., no qual expusemos nossa tese detalhadamente.
CRISTOLOGIA DO NOVO XBSTAMENTO 219
'2 K. BARTH, Christus itnd Adam nach Rom. 5. "Ein Beitrag zur Frage nach dem
Menschen und der Menschheit" (Theol. Stud. 35), 1952, não leva suficientemente
em consideração esta última determinação cronológica da relação entre Adão e Cristo.
Por outro lado, reconheceu e sublinhou a importância que representa para a antro-
pologia a teoria paulina Cristo - Adão. J. HÉRING demonstra muito bem as conse-
quências teológicas da doutrina Cristo-Adão, em seu estudo: "Les bases bibliques
d'um liumanisme chrétien" RHPR, 1945, p. 17 ss.
w,
Cf. acima, p. 198 s.
222 Oscar Culimattn
s
KARL BARTH, no estudo citado mais acima, p. 221, nota 362, insiste sobre o fato
de que em Rtn 5, tudo o que se diz de Adão tião se torna compreensível senão à lux
do segundo Adão, do Cristo: ele tem razão no sentido de que, segundo Paulo, o
homem imago dei não apareceu verdadeiramente senão com Jesus.
'224 Oscar Cullmemn
J. HÉRING, em seu Cominentaire (Cf. acima, p. 220, nota 361) e anteriormente jií
em Le Royaume de Dieu et sa venite, 1937, p. 155 ss., propõe traduzir £iç-etç por
"um-outro". Esta tradução não me parece impor-se: trata-se, com efeito, da oposi-
ção "um-muitos", e o apóstolo quer mostrar que esta mesma oposição aparece nos
dois casos, com Adão e com Jesus.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO _225
372
J. HÉRING, "Kyrios Anthropos" (RHPR, ,6, ,196, p. 196 ss.); Le Royoume ed
Dieuet sa venue, ,937, pp .62 2.s *'Les sases síbliqqes sdun humanisme cfirétíen"
(RHPR., 1945, p. .7 ss.). HÉRING ccmpletouu ,d ema maneira aecisivv, a axplica-
ção de LOHMEYER, ao menos no que concerne à significação da ideia de noptR.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 231
573
Comparar a tradução de D?X em Gn 1.26 s. e ern Dn 3.19 (LXX).
374
Cf. CH. MASSON, LEpítre de SaBÀfô^QfljífcÇdlosSieiís,, 195Q, p. 98.
232 Oscar Citllmanri
por orgulho não se contentou com a alta missão que Deus lhe havia
confiado de ser sua imagem terrestre.
Há uma velha controvérsia relativa à questão de se saber se o
verbo èicévocrev écroxóv, "se despojou", refere-se ao ser preexis-
tente ou ao ser encarnado. Provavelmente o Apóstolo, neste texto,
tenha pensado em ambas as coisas ao mesmo tempo. Primeira-
mente em que o "Homem" se fez "um homem"; e logo em seguida
- como o afirma o vs. 8 - que assumiu o papel de Ebed lahweh.
Pode-se, com efeito, separar estes dois aspectos; num e noutro, o
"Filho do Homem", contrariamente a Adão, é quem demonstrou
sua obediência (/ÍJTUÍKOOÇ, V. 8). É esta obediência o que importa,
por residir o pecado de Adão precisamente em uma desobediên-
cia. Encontramo-nos aqui novamente com algo análogo ao que
vimos em Rm 5.19, onde também Adão é caracterizado pela deso-
bediência, e ao Filho do Homem, Jesus, pela obediência. A seme-
lhança com Deus se revela pois na obediência, e esta se manifesta
de duas formas: Jesus se fez homem, e se humilhou até à morte,
assumindo assim a função do Ebed lahweh. Para poder tomar a
uopcpfi ÔcóXOD previamente lhe foi necessário tomar a forma de
homem, isto é, de um homem participante da decadência humana.
Tal é o significado da expressão "tornando-se semelhante aos
homens" (èv àaouòpoca àvGpwicov, v. 7). Este sentido deóuoíoua
justifica-se perfeitamente.'378 Tanto mais quanto que a frase seguinte
sublinha que Jesus, "o homem", ao encarnar-se aceitou cabalmen-
te a condição dos "homens". Quem por essência era o único
homem-Deus, o único a ostentar legitimamente este título, em vir-
tude de sua semelhança com Deus, se fez, por obediência a sua
vocação de homem celestial e para consumar sua obra expia-
tória um homem encarnado na carne decaída.
Tendo o título de ávOpcojraç sido assim explicado, em sua
dupla referência ao homem celestial e ao homem encarnado cor-
rompido pelo pecado de Adão, o v. 8 desenvolve e justifica o epíte-
to de ôoftÁ.oç; o papel do Ebed lahweh se apresenta ao Filho do
"8 Pode-se recordar por exemplo Rm 5.14: èíri t<£i ónoiwnceu Tf\ç jnapaftóaewoçASá^.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 235
O. MICHEL chega ao mesmo resultado: ("Zur Exegese von Phil. 2.5-11", Theologie
ah Glaubenswagnis, Mélanges K. Heim, 1954, p. 79 ss.). Porém, para provar esta
relação, parte da afirmação do v. 7 e não faz mais que tocar de leve na exegese do
v. 6 que damos aqui.
236 Oscar Cidimann
3ífl
E. LOHMEYER, DerBriefandie Philipper, 1930, p. 97 n. 2: •bitEpwyoíiv é idên-
tico a So^áÇeiv (Is 52.13; Test. Naftali 5; Test. Jos. 10.3).
3:1
J. HÉRING, Le Royawne de Dieu et sa venue, 1937, p. 163.
3e2
Cf. abaixo, p. 264 s.
(^RISTOLOGIA DO Novo TESTAMENTO 237
Em seu artigo citado, p. 153, nota 1, P. HENRY não vê outra solução que o adocia-
nismo, no caso de que wtepíntrwcsv significasse que o Cristo, por sua elevação,
recebeu mais do que o que possuía na preexistência, antes da encarnação. Assim,
ele crê que deve recusar este sentido que, contudo, é mais plausível. Porém, na
realidade a consequência admitida por ele desta explicação não resulta de todo neces-
sária: trata-se de uma nova função no plano da salvação.
Cf. abaixo, p. 283 s.
238 Oscar Cullmann
381
Não se trata de recusar por isso a legitimidade do método da "história da forma"
para o estudo dos Evangelhos Sinópticos. Porém, este método não deve levara elimi-
nação de toda diferença entre os Sinópticos e o Evangelho de João. Se é verdade
que nos Sinópticos também a consciência da igreja amiúde influenciou a maneira
de repetir as palavras de Jesus, trata-se de uma tendência inconsciente e coletiva;
enquanto que o autor do Quarto Evangelho tem o desígnio deliberado de apresentar
juntos o Cristo encarnado e o Cristo glorificado e fazer-lhes, por assim dizer falar
a um e a outro, simultaneamente.
•240 Oscar CuUmann
í0
Cf. nosso artigo citado mais acima, p. 217, nota 356: La Sumarie et les origines de
la mission chétienne, p. 3 ss.
311
Isto é o que H. ODEBERG, adiantando-se a seu tempo, havia já reconhecido, com
razão, em seu livro infelizmente tão difícil de conseguir: The Fourth Gospel, 1929.
Suas observações têm sido grandemente confirmadas pelos textos descobertos em
Qumran. - Cf. a este respeito K. G. KUNH, "Die in Palástina Gefundenen hebrãischen
texte unddas Neue Testament", (ZThK, 1950, p. 193 ss.); como também os artigos
citados mais acima, p. 194, nota sobre os textos de Qumran e o cristianismo primi-
tivo. F. M. BRAUN, "Hermétisme et johannisme" (Revue Thomiste, 1955, p. 22 ss.
e 259 ss.) chega a conclusão análoga, considerando também o pensamento herméti-
co. Ver ainda W. F. ALBRIGHT, "Recent Discoveriesin Palestina and theGospelof
St. John", Melanges C. H. Dodd, 1956, p. 153 ss.
•242 Oscar Cullmann
M2
O judaísmo ebionita também parece confirmar esta tese. Cf. o tópico seguinte,
p. 247.
393
Isto é evidente também para S. SCHULZ, Untersuchungen zur Meiíschensohn-
cltristologie irn Johannesevangelium, 1957, que pensa encontrar, no emprego fre-
qiíente que faz o Quarto Evangelho da noção de Filho do Homem, a prova de que
este Evangelho tem suas raízes nas ideias apocalípticas do judaísmo tardio.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 243
"R. H. CHARLES, The Revelation of St. John, 1920, p. 27, afirma que <&; uiòç
àvGpwjtoi), não significa outra coisa na Apocalíptica que o ó víòçTOOàvBpcíiitou
dos Evangelhos e de Atos. Pergunto se o èv op.oiopp.aTi àvGpwjtoo de Fl 2.7 pode
ser aproximado a õpoioç de Ap 1.13 e 14.14, Em lodo caso O. MICHEL, em seu
artigo citado mais acima, p. 235, nota 379, vê nesta expressão de Fl 2.7 o "'estilo
apocalíptico perifrástico".
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 247
6. OFILHODOHOMEMNOJTJDEU-CRISTIANISMOEEM
IRINEU
1,2
Tradução G. BARDY, Sources chrétiennes 3i3 Paris, 1952, p. 87 s,
°'Cf. E. LOHMEYER, Galilãa und Jerusalém, 19193 p. 68 ss. Ct. acima, p. 216.
248 Oscar Cultmann _____
* * *
mento. Sua cristologia inteira se orienta nesse sentido. Pois bem, o elo
que liga a cristologia com à doutrina da criação é, precisamente, a noção
de Filho do Homem, o "segundo Adão".
É assim que Irineu, em seu tratado Adversas Haereses assim como
em seu esboço dogmático "para a demonstração da verdade da pregação
apostólica", descreve como Jesus retomou ponto por ponto a obra de
Adão, porém, realizando, desta vez, o que Adão não havia realizado e,
portanto, reparando a falta deste. No entanto, Irineu insiste muito mais na
realização que na reparação. Por isso, reduz ao mínimo o pecado de Adão
chegando, inclusive, até a desculpá-lo. Diferentemente do apologeta
Taciano que havia ensinado a condenação eterna de Adão, Irineu conta
com a possibilidade de sua salvação: a maldição cai antes na serpente
que sobre Adão. Irineu trata de representar o pecado de Adão como uma
espécie de necessidade: Adão seria igual a um menino e não pecou senão
por falta de amadurecimento. Portanto, em sua obra Jesus aparece mais
como quem leva a cabo a obra não realizada por Adão, do que como
quem repara sua falta.
Irineu insiste mais na criação de Adão segundo a imagem de Deus,
que na perda dessa semelhança por seu pecado. Em sua obraEiç èiú8eii;iv
(1,1,11 s.), glorifica a criação do homem por Deus: de sua própria mão,
Deus o criou e o colocou na terra qual sua própria imagem. O autor logo
mostra como Deus tornou Adão senhor de toda a criação. Porém, esta
tarefa foi demasiado pesada para ele. Adão era um menino, e faltava-lhe
ainda o amadurecimento. Por isso sucumbiu ante o tentador. Vemos aqui
que Irineu, diferentemente de Fílon e os judeu-cristãos, tem uma concep-
ção totalmente linear do tempo da história da salvação: tudo está em anda-
mento a partir do começo. A salvação final não é mero retorno ao princí-
pio; vale dizer, o Cristo traz mais do que havia no começo.
No conceito de "Cristo, o homem celeste" de Paulo, se relaciona
Jesus com Adão, sem identificá-lo com ele; isto significa que a salvação
não reside simplesmente em um retorno a Adão, já que Jesus, por sua
encarnação, trouxe algo totalmente novo. Irineu adota esta ideia, porém,
a exagera ao sublinhar demasiado exclusivamente o caráter retilíneo
do desenvolvimento da história da salvação. Assim, não levou bastan-
te em consideração que Jesus, em sua qualidade de Filho do Homem,
assumiu a missão do Ebed lahweh. Irineu não viu tão claramente como
Paulo (Rm 5.12 ss.) que a missão de Jesus, quanto a Adão, não consiste
tão-somente na consumação da obra não realizada por este; mas mais
ainda, e primordialmente, na reparação de sua falta, reparação sem a
qual seria impossível o cumprimento de sua missão. Irineu não levou
250 Oscar Cullmann
* * *
OS TÍTULOS CRISTOLOGICOS
REFERENTES À
OBRA PRESENTE DE JESUS
PEQUENO INTRÓITO
Cf. a este respeito TRENCH, Syiionyma des Neuen Testaments, 1907, p. 60;
FÒRSTER, Herr ist Jesus, 1924, p. 61 ss., e K. H. RENGSTORF, art. Secitóiriç
(ThWbNT, II, p.43 ss.).
Cf. F. CUMONT, Les religions orientales dans le paganisme romain, 4 a ed., 1929;
art. KÚpioç em PAULY-WISSOWA, Realencyclopàdie XXIII, 1924, col. 176 ss.
(WILLIGER); art. jcópioç em W. H. ROSCHER, Ausfiirlicheí Lexikon der grieschi-
schen und rõmischen Mythologie (II, sect. 1, 1890-94); W. BOUSSET, op. cit.;
FÒRSTER,Herr ist Jesits, 1924, p. 69ss.,eart. KÚpioç (ThWbNT, IH, p. 1.038 ss.).
260 Oscar Cullmann
culto imperial parece-me cometer a falta que ele mesmo busca combater em
BOUSSET; a saber, uma distinção demasiado taxativa entre o uso profano do termo
e seu uso religioso. Cf. ainda abaixo, pp. 262 s. e 273.
262 Oscar Cullmatm
W. FÓRSTER, Herr ist Jesus, 1924, p. 106, tenta, cio mesmo modo, aplicar sua tese
(segundo a qual o título Kyrios dado ao imperador se referia unicamente à sua preten-
são à soberania política) a este trecho do Martírio de Policarpo em que se pergunta a
Policarpo: "Que tem, pois, de mal em dizer: Kyrios Kaisar ...?" Todo o contexto
prova que aqui a explicação de FÒRSTER é insustentável. Cf. abaixo, p. 287 s.
Cf. a proposição plausível de A. DEISSMANN em Licki vom Osten, 4a ed., 1923,
p. 238, nota 3. Cf. também O. CULLMANN, Dieu et César, 1956, p. 85 ss.
Cf. em particular JOSEFO, Bell. Jud., VII, 10, 1. Outros textos em W. FÕRSTER,
Herr ist Jesus, p. 106 s.
ORÍSTOLOGIA DO INOVO TESTAMENTO 263
2. O "KYRIOS" NO JUDAÍSMO415
Cf. a este respeito W. BAUDISSIN, Kyrios ais Gottesname im Judentum und seine
Stelle in der ReUgionsgeschichte, t. 1-4, 1926-29; O. GRETHER, Name und Won
Gottes im Alten Testament, 1934; G. QUELL, art "ícúpioç im AT" (ThWbNT, III,
p. 1056 ss.);para o judaísmo tardio, W. FÒRSTER, art. xrópioç (ThWbNT, III,
p. 1 .08 1 s.); para osLXX e o judaísmo helenístico os dois estudos de L. CERFAUX,
"Le nom divin Kyrios dans la Bible grecque" e "Adonai et Kyrios" (Recueil L.
Cerfaux, t. I. 1954, p. 113 ss.: 137 ss.).
É também a ideia de BAUDISSIN, que tem em geral tendência a atribuir-lhe a data
mais tardia possível.
264 Oscar Cullmann
Isto é muito importante para a explicação de Fl 2.9, onde justamente o nome Kyrios
é designado como o nome que "está acima de todo nome".
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 265
Sobretudo por BAUDISSIN, op. cit. Cf. contudo W. FÕRSTER, em ThWbNT, III,
p. 1082: e também os estudos deL. CERFAUX citados mais acima, p. 263, nota 415.
Cf. A. SCHLATTER, Wie sprach Joseplms von Gotfí 1910.
G. DALMAN, Die Worte Jesu,2a ed., 1930, p. 146 ss.
266 Oscar Cullmaitn
Ver o exemplo citado por G. DALMAN, op. cit., p. 258. Isto explica a palavra
citada de Mt 7.21; "Aqueles que me dizem: Senhor, Senhor..."
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 267
4
" W. HEITMÚLLER, Im Nameti Jesu, 1903, p. 273.
""-'Cf. acima, p. 173 s.
268 Oscar Cullmarm
seu "Senhor". Não se pode, por certo, concluir com certeza que já no
judaísmo este título se relacionasse ao Messias. Porém, esta passagem
me parece confirmar a ideia de que já no judaísmo a palavra "Senhor",
segundo as circunstâncias em que era pronunciada, podia ter uma espe-
cial ressonância de majestade, tornanado possível a passagem de sua
significação banal à do "nome que é sobre todo nome".
Além de seu trabalho e o de W. BOUSSET, temos que mencionar, sobre esta ques-
tão acerca do nome Kyrios, os diversos estudos de L. CERFAUX, que agora estão
no primeiro tomo do "Recueil L. Cerfaux" (Bibl. Ephem. Tlteol. Lovaniensium, vol.
6-7), cf. também seu artigo "Kyrios" (Dict. de la Bible, suppL V, p. 200 ss.).
274 Oscar Cullmann
"Senhor". Temos constatado até aqui que esta palavra era empre-
gada como fórmula de cortesia. Agora, aqui, o contexto mostra
que este já não pode ser o caso. Temos de estudar, pois, o quadro
dentro do qual esta fórmula aramaica era pronunciada, para poder-
mos estabelecer o sentido deste termo "Senhor". Porém, vejamos
primeiramente a segunda parte desta expressão.
Trata-se de uma forma verbal do aramaico Kílfrí = vir. Porém,
tropeçamos aqui com uma dificuldade pois obtem-se dois senti-
dos diferentes, segundo a maneira em que se decomponha a fór-
mula. A separação pode, com efeito, fazer-se de duas maneiras:
Ou, maran atha: KDK ]™ID;
Ou, marana tha: KD KHD
No primeiro caso, estamos diante da terceira pessoa do indi-
cativo e se deve traduzir: "Nosso Senhor vem".430 No segundo
caso trata-se de um imperativo e deve traduzir-se: "Senhor nosso,
vem!". No primeiro caso nos encontraríamos na presença de uma
confissão de fé, no segundo de uma oração. A gramática e o senti-
do permitem ambas as interpretações431 as quais, por outro lado,
se situam em um quadro litúrgico.
No entanto, a segunda possibilidade nos parece a mais prová-
vel. É mais normal, com efeito, que se tenha conservado, em sua
forma original, uma oração em vez de uma confissão litúrgica que
precisasse provavelmente ser traduzida. Com efeito, constatamos
que no Novo Testamento as fórmulas mais numerosas de confissão
de fé são todas traduzidas para o grego, enquanto que, à parte nossa
fórmula, outra oração, ou ao menos seu começo, tenha sido conser-
vada em aramaico por Paulo, oAbba, Pai, de que já temos falado.
É possível somar-se ainda outro argumento que parece decisi-
vo. No Apocalipse de João que contém, aliás, numerosos elemen-
3tl
Cr\ E. HOMMEL, "Maran atha" (ZNW, 15, 1914, p. 317 ss.); E. PETERSON, Etç
Qeóç, 1926, p. 130 s.
1,1
É a esta conclusão que se limita prudentemente K. G. KUHN em seu artigo
MapavaGá (ThWbNT, IV, p. 470 ss.).
Í176 Oscar Cullmúnn
í3;
Creu, talvez, dever traduzi-la, pois seu livro inteiro é mais ou menos uma tradução
do aramaico. Quando se traduz tudo, se esquece facilmente de que há certos frag-
mentos que ganhariam em ser conservados na língua original, assim como o fez o
apóstolo Paulo.
J 1?
' E ' X9ÉTCÚ %ápiç (a tradução copta lê aqui ó KÍ>pioç, o que é talvez a versão origi-
nal) KOU jrapeXuétw ó KÓOJIOÇ OÍJTOÇ/ ácavvà xQ 9cw Actoíõ/ eí tiç áyióç êfltiv/
èpxÉcôco/ eí Tiç OUK eoW u.EtavoeTT«j/ ^apaváGa àufiv.
1,4
Cf. H. LIETZMANN, Messe Und Herrenmahl, 1926, p. 237.
\_.R1STOLOGIA DO N O V O TESTAMENTO
The New Testament Doctriíte ofthe Christ, 1926 (reimpr. 1949), p. 245 s.
A. E. RAWLINSON, op. cit., p. 235.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 281
feita por Bousset em 1916 e que este julgou não dever mantê-la.
Estas vacilações são significativas e mostram que não se conse-
guiu dar à fórmula aramaica Maranatha outra explicação que a
que se impõe naturalmente ao espírito, quando não se parte de
uma ideia preconcebida: ela expressa a adoração cultual do Cristo
pela comunidade de língua aramaica.
m
Kyrios Chrisws, T Td.d 1921, p. 84.
•"8R. BULTMANN, Theoiogii des Nenen Testaments, 1953, p, 53.
2fi2 Oscar Cullmann
* * *
Igualmente em Fl 2.9 ss. (cf. abaixo, p. 286 s.), ele é "feito" Kyrios.
284 Oscar Cullmann
quando Jesus estava ainda "em forma de Deus", tanto quanto sua
glória futura e incontestada. Todo este segmento está regido pelo
título Kyrios, esse Kyrios que Deus tem "mais que exaltado"
(ítnepvycoaev); a dito título também se referem, como já vimos, os
outros títulos fundamentais: "Filho do Homem" e "Servo de Deus".
Notamos que este ímep-óii/tooev não é uma mera figura de
retórica, mas que o prefixo ímép, "sobre", tem de ser tomado em
seu pleno sentido. Cristo, já no princípio, era "em forma de Deus";
porém, como não cobiçou rebeldemente a igualdade com Deus,
esta lhe foi dada por Deus em razão de sua obediência até a morte
na cruz. Ele foi "feito Senhor" (Atos 2.36). Esta exaltação até a
igualdade com Deus se manifesta pelo fato de que Deus lhe con-
cede, daí em diante, um nome que é sobre todo nome; precisamen-
te o de Kyrios. Por que este nome não pode ser sobrepujado por
nenhum outro? Porque é o nome do próprio Deus, sendo Kyrios a
tradução grega do hebraico Adonai. É evidente que temos de pen-
sar aqui no equivalente hebraico do título Kyrios, e não compreen-
demos como Bousset - e com ele muitos outros, em particular W.
Fõrster440 que, aliás, combate a tese de Bousset - que se possa
descartar pura e simplesmente esta derivação. Ademais, o outor-
gar o nome de Deus não se limita somente a este nome enquanto
tal, mas no judaísmo, como em todas as religiões antigas, o nome
representa ao mesmo tempo um poder. Consequentemente, se se
nos diz que Deus dá a Jesus seu próprio nome, isso significa que
lhe transmite, ao mesmo tempo, todo o seu poder. Esta ideia está,
certamente, contida na maneira em que os cristãos primitivos com-
preendiam a glorificação de Jesus, como o veremos mais adiante
ao estudarmos a soberania de Cristo segundo as passagens que
não contêm diretamente o título Kyrios; porém, que encerram, sob
uma forma ou outra, a ideia de seu senhorio.
A soberania concedida ao Kyrios Iesous, doravante igual a
Deus, se manifesta concretamente em que todas as potestades da
W. FÕRSTER, Herr ist Jesus, 1924, p. 122; igualmente e de uma maneira muito
categórica, L. CERFAUX, La Théologie de Saint Paul, 1951, pp. 347-358.
286 Oscar Cullmann
contra os cristãos. Por ela nos inteiramos de que para renegar não
bastava dizer Kyrios Kaisar e oferecer um sacrifício à estatua do
imperador: os cristãos acusados deviam, ademais, maldizer a Cristo,
para provar que o sacrifício oferecido ao imperador era sincero.
Encontra-se uma situação análoga também no Martírio de
Policarpo (8.2), onde o funcionário romano diz a Policarpo: "Que
tem de mal em dizer Kyrios Kaisar e fazer o que a respeito está
prescrito?" Este fim de frase indiscutivelmente alude à maldição
exigida contra o Cristo. Embora, em ambos os casos, se trate de
testemunhos do começo do século II, não temos razão alguma para
supor que no primeiro século, em que o culto ao imperador era tão
celebrado, o procedimento tenha sido sensivelmente diferente.
Vemos, com efeito, que em Tessalônica os judeus acusam a Paulo
e a seus partidários de atuar contra os éditos de César "dizendo
que existe um outro rei, Jesus" (At 17.7).
Se pensarmos nesta situação, a promessa de Jesus lança uma
luz particular sobre 1 Co 12.3. Os cristãos que haviam falhado
ante os tribunais pagãos, que tinham oferecido um sacrifício ao
imperador e amaldiçoado a Cristo, sem dúvida buscaram em
seguida desculpar-se diante de seus irmãos amparando-se nas
palavras de Jesus (Mt 10.17 ss.) e afirmando que o Espírito Santo,
conforme a promessa, havia falado por sua boca no momento do
interrogatório, e lhes havia induzido a dizer: "Maldito seja Jesus!"
Provavelmente é em tais situações que Paulo pensava ao recordar
aos Coríntios que o Espírito Santo, que assiste aos perseguidos,
atua exclusivamente ali onde se confessa ao Kyrios lesous. Aque-
le que na perseguição amaldiçoa a Cristo, mostra, enfim, que o
Espírito Santo não falou por ele.
Vemos, pois, que desde muito cedo, a confissão de fé Kyrios
lesous adquiriu acentuada importância para os cristãos fora da
Palestina, principalmente durante as perseguições. Inquestionavel-
mente, a ideia da soberania de Cristo já existia, vinculada à fé em
sua glorificação e em sua vinda ao seio da igreja reunida para o
culto. Porém, esta ideia se concretiza de maneira particular em
oposição ao culto imperial, no qual se devia adorar como Kyrios
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 289
* * *
Cf. BO REICKE, The disobedient Spirits and Christian Baptism, 1946, p. 198 ss.
C-RISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 293
115
Sobre a diferença entre o Pai e o Filho, que não concerne senão à obra da salvação,
cf. abaixo, p. 382 s.
CRISTOLOGIA E>O Novo TESTAMENTO 295
e outro caso trata-se cie uma vitória: na primeira vez a morte é somente
"despojada de seu poder" (2 Tm 1.10), enquanto que na segunda vez é
definitivamente aniquilada (1 Co 15.26; Ap 20.14). Outro tanto ocorre
com respeito às demais potestades. Entre as duas vitórias, as potências
são sujeitadas à dominação de Cristo; porém, estão, ao mesmo tempo,
por assim dizer, atadas por um laço que tanto pode encurtar-se como alar-
gar-se, de sorte que têm a ilusão de poderem livrar-se. Ilusão, pois na rea-
lidade já estão vencidas. A decisão já interveio e a soberania do Cristo, por
conseguinte, começou. Cristo é, a partir do presente, o Kyrios.*^
H,
'Cf. sobre o conjunto da questão: O. CULLMANN, Les premiares confessions de foi
chrétiennes, 1943. Dieu et César, 1956, p. 97 ss.
117
Sobre esta questão, cf. o estudo recente de H. BIETENHARD, Das tausendjãhrige
Reich, 2a ed., 1955.
2% Oscar Cullmann
cimento final. Não cremos que, para o Apocalipse, este reino de mil anos
tenha de identificar-se com todo o tempo da igreja compreendido entrega
ascensão e z.parusia, como pensava St. Agostinho, seguindo ao donatista
Ticônius. Trata-se de um reino escatológico, no sentido específico do
termo, que não se realizará senão no futuro. É, por assim dizer, o último
capítulo da soberania de Cristo que invade o século vindouro. Por conse-
guinte, não temos que identificar o milénio nem com a duração total da
soberania de Cristo, nem com a Igreja tal qual é agora. A soberania de
Cristo abarca algo a mais, pois, já começou e está ligada ao século pre-
sente, por tempo indeterminado. O milénio, por outro lado, do ponto de
vista temporal pertence ao momento final desta soberania que começará
com seu retorno para, então penetrar no éon futuro. Para o Apocalipse a
soberania de Cristo não começará no seu regresso; iá é um fato desde a
Páscoa e a Ascensão Com efeito no Apocalipse desde o princíbio
lemos que o Cristo tem as chaves da morte e do lugar dos mortos (1 18i
equeéorjríncÍDedosreisdatevrad 5^ Mais adiante queelegoverrrt^
nações com vara de ferro (12 5' 19 5"l e que o seu nome é "Rei dos rei*;"
e "Senhor dos senhores" (19 6)
tolos se sentarão sobre doze tronos (Mt 19.28) e reinarão com ele
(Ap 5.10; 20.4; 2 Tm 2.12). Quanto aos "santos", isto é, todos os
membros da igreja, eles julgarão as potestades angélicas (1 Co 6.2
s.). O milénio anunciado pelo Apocalipse será, por conseguinte, a
igreja do fim dos tempos.
Quanto à tensão entre o "já" e o "ainda não", ela se dá com a
presença do Espírito Santo que constitui a igreja. O Espírito Santo
é então ele mesmo as primícias do fim (catapxTi Rm 8.23: àppapdw,
2 Co 1.22; 5.5; Ef 1.14).
Não obstante esta identidade fundamental quanto ao tempo,
entre a soberania do Cristo e a igreja, existe entre elas uma dife-
rença essencial ligada não ao tempo, mas ao espaço. O domínio
sobre o qual se estende o senhorio do Cristo não coincide com o
da Igreja; e esta diferença espacial nos permite distinguir a sobera-
nia de Cristo sobre o mundo de sua soberania sobre a igreja. Para
bem compreender o caráter da K\)pióiri<; do Cristo, devemos ela-
borar com cuidado este ponto.
A extensão da soberania de Cristo suplanta infinitamente os
limites da igreja. Nenhum elemento da criação lhe escapa: "Todo
poder lhe foi dado no céu e sobre aterra" (Mt28.19); "toda criatu-
ra no céu e na terra e debaixo da terra confessa que Cristo é o
Senhor" (Fl 2.10); "tudo o que está sobre a terra e nos céus" foi
reconciliado por Jesus Cristo com Deus (Cl 1.14 ss.).
O senhorio presente de Cristo é exercido não só sobre o mun-
do visível como também sobre as potestades invisíveis, presentes
por detrás dos dados empíricos e de maneira grandiosa e principal-
mente sobre as potestades invisíveis ocultas por detrás do Estado.
pagão que não conhece a Cristo e seu reino, nem a Deus o Pai de
Jesus Cristo. Um Estado pagão, tal qual o império romano, pode,
pois, também cumprir, dentro do senhorio de Cristo, a missão que
Deus lhe destinou sempre que se limite a sua função de Estado e
que permita, assim, à igreja, que ocupa neste senhorio lugar
tão importante, "levar uma vida pacífica e tranquila" (1 Tm 2.2).
Assim um Estado pagão pode plenamente desempenhar seu papel
e ocupar seu lugar dentro deste senhorio sem saber que faz par-
te dele.
Por isso, segundo o Novo Testamento, a resistência cristã a
um Estado nunca pode justificar-se pelo mero fato desse Estado
ser pagão. Uma resistência não é legítima salvo quando o Estado,
saindo do seu papel, se autodeifica, isto é, quando tenta ultrapas-
sar os limites que o Senhor lhe destina.451
Como o único que conhece esta subordinação do Estado ao senho-
rio de Cristo é o cristão, para este o Estado tem - o que pode parecer
paradoxal - uma importância maior do que para qualquer outro cidadão.
Porém, se por outro lado o Estado ultrapassa seus poderes, o cristão é o
que mais é afetado, em comparação aos não-cristãos que, talvez, tenham
suas dúvidas a respeito. Pois, neste caso, o cristão vê o Estado desfazer-
se do senhorio de Cristo. Vê a potência demoníaca safar-se de seus laços
e surgir "a besta".
* * #
Cf. acima, p. 79 s.
W. FÕRSTER, op. cit., diferentemente do que se expõe aqui, considera este aspecto
como primordial.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 303
J?4
Também a importância do título Kyrios para o Evangelho de João nos parece ser
muito maior que a que admite, por exemplo, R. BULTMANN, Theologie cies Neuen
Testaments, 1953, p. 383, que sublinha que é unicamente no relato da Páscoa que este
título é empregado. Porém, isto se deve, sem dúvida, ao fato de que para o quarto
evangelista também, Jesus não se tornou Kyrios senão depois de sua ressurreição.
304 Oscar Cullmwm
que aqueles que crêem nele realizarão obras maiores que aquelas
que ele mesmo realizou durante sua encarnação, dando a seguinte
razão: "pois vou ao Pai". Isto quer dizer que Cristo atuará, doravante,
por intermédio daqueles que creram nele e que esta ação será mais
potente ainda do que durante seu ministério terrestre. Estas pala-
vras: "Vou para o Pai" significam pois: "Todo poder me foi dado
pelo Pai". Ainda que este Evangelho não se valha destes termos, é
claro que o pensamento da soberania cósmica do Ressuscitado não
está ausente, muito pelo contrário.
* * *
!í
W. G. KUMMELL o demostrou bem era seu livro Verheissutig und Erfiilluitg,
AThANT2Teú,, 1953.
!Í
Por outro lado, não se deve dar a este período intermediário um valor absoluto, como o
faz a teologia católica. Cf., a este respeito, O. CULLMANN, La tradinon, 1954.
306 Oscar Culbnaim
Ai<>
Com razão, pois, o Símbolo dos Apóstolos, em seu segundo artigo agrega o título de
Kyrios a "Jesus Cristo, seu único filho", e fala do Cristo "sentado à destra de Deus".
460
Tem razão E. STAUFFER quando escreve em seu Die Theologie des Neuen
Testaments, 1941, p. 94: "De todos os títulos cristológicos odeKyríos é o mais rico
pelas relações que gera. Sua história é um compêndio, ao mesmo tempo que uma
repetitorium, da cristologia neotestamentária. Pois percorre sucessivamente toda a
gama dos títulos cristológicos e desdobra, ante nossos olhos, o caminho que leva da
dignidade doutoral e da realeza de Jesus Cristo à sua dignidade divina.7'
CRAÍ>TOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 309
461
Segundo H. COIVZELMANN, op. cit., p. 146 ss., Lucas diminui o alcance teológi-
codestft título. Cf. abaixo, p. 408, ivota655.
v 1
' Cf. abaixo, p. 399 ss.
4W
Cf. acima, p. 207 s.
CAPÍTULO I I
JESUS O SALVADOR
(CFtOTlíp)
A<
" Na literatura apócrifa erabínica posterior ao Antigo Testamento, às vezes se empre-
ga ^X/U no mesmo sentido; porém, se aplica mais ao Messias.
j«Por ex SI 24.5; 27.1; 34.3; 61.3, 7; 64.6; 78.9.
**7Is 12.2; 17.10; 43.3, II; 45.15, 21; 60.16; 62.11; 63.8.
468
Cf. Jr 14.8; Mq 7.7; He 3.18; I Sm 10.19; Dt 32.15.
'"'Cf. I Mac 4.30; Sab. 16.7; Eclo. 51.1; Baruque4.22; Judite 9.11.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 313
* * *
4
™Por ex. Otoniel e Eúde: Jz 3.9, 15; Cf. também 2 Rs 13.5; Ne 9.27.
471
Is 19.20.
47
2Deve-se isto ao fato de se sentir que o título "Salvador" está reservado a Deus?
""' Sobre o problema formulado pela concepção do Sotér na história das religiões, cf.
os dois volumes de W. STAERK, Sôter, Die biblische Erlõsererwartung ais
religionsgeschicbdiches Problem, I (1933), II (1938).
474
P. WENDLAND, XÍOTTIp (ZNTW, 1904, p. 335 ss.). - Cf. também a este rspeito a
W. WAGNER, "ÚberotiiÇeivund seineDerivateim NT" (ZNTW, 1905, p.205 ss.);
H. LIETZMANN, Der Weltheiland, 1909; W. BOUSSET, Kyrios Christos, 2a ed.,
1921, p. 240 ss.; art. acotfip em PAULY-WISSOWA, Realenc. (2. R., vol. V), 1927,
col. 1211 ss. (DORNSEIFF); E. B. ALLO, "Les dieux sauveurs du paganisme gréco-
romain" (RSPTh, 1926, p. 5 ss.); DIBELIUS-CONZELMANN, "Die Pastoralbriefe"
(Hdb. z. NT), 3a ed., 1955, excursus sobre 2 Tm 1.10.
475
K. H. RENGSTORF, "Die Anfã*nge der Auseinandersetzung zwisclien Chrismsglaube
und Asklepiosfrõmmigkeit" (Schriften der Gesellschatt z. Fõrderung der
westfàUsclien Laiidesuniversitát zit Miinster, n° 30), 1953, tem a mesma opinião de
que o emprego cristológico do título Sotér se deve a um protesto dos cristãos contra
a atribuição corrente deste título a Asclépio.
314 Oscar Cullmann
Cf. A. DEISSMANN, Licht vom Osten, 4a ed., 1923, p. 311 s.; W. OTTO, "Augustas
Soter" (Hermes, 1910, p. 448 ss.); E. LOHMEYER, Christuskult und Kaiserkult,
1919, p. 27 ss.
G. ANRICH, Das antike Mysterienwesen in seinem Einfluss auf das Cliristentum,
1894, p. 47 ss.;G. WOBBERM1N, ReUgionsgeschichtliche Studien, 1896, p. 105 ss.
Cf. P. WENDLAND, op. eh., p. 353. - Cf. também os trechos relativos a esta ques-
tão na excelente obra de K. PRUMM, Religionsgeschichtliches Handbuchfiir den
Raum der altchristlichen Uinwelt, Hellenistisch-rõmische Geistesstrõmtingen und
Kultur mit Beachtung des Eigenlebens der Provinzen, 1943, p. 339, n. 1.
ANRICH, WOBBERMIN, BOUSSETeF. J. DÓLGER (Ichthys, I, 1910, p. 407 ss.)
crêem que devem admitir semelhante influência. Tese contrária: P. WENDLAND, op.
cit., p. 353 eE. MEYER, Ursprung undAnfãnge des Christentumss,II, ,923, p. 339 1ss
Este argumento foi apresentado porL. KÕHLER. "Christus im Altenundim Neuen
Testament". TltZ, 9, 1953, p. 42 s., que defende uma origem puramente helenística
deste termo quando aparece no Novo Testamento.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 315
Cf. acima, p. 31 11
Cf. também, a este respeito, DIBELIUS - CONZELMANN, Die Pastoralbriefe,
3a ed., 1955, p. 78.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 317
Sobre a construção: xov \ie7Ó<ko\) Qeoí> Kai crroTfjpoç finwv XpiotoO 'Iriaoíi
Cf. abaixo, p. 408 s.
318 Oscar Cullmann
seu sentido senão a partir da sanção divina que ele recebeu pela
elevação de Jesus à dignidade d&Kyrios. Neste sentido, Bultmann
tem razão ao declarar que nas Epístolas Pastorais, a ideia pauli-
na da justificação sofreu certa variação de sentido, pelo fato de
que crtóÇeiv substituiu a SIKOCIOÍÍV e c a m p í a tomou o lugar de
ôiKaioo~óvri.486 Dado que a atribuição a Jesus do título de Sotér
pressupõe a cristologia do Kyrios glorificado, só a encontramos
relativamente tarde, nas camadas mais recentes da tradição neotes-
tamentária e nas Epístolas de Inácio:487 porém a ideia cristológica
central do sofrimento expiatório jamais está ausente.
O mesmo acontece nos dois textos joaninos (Jo 4.42 e 1 Jo
4.14) nos quais se chama a Jesus "Salvador do mundo". Temos de
admitir que aqui, formalmente ao menos, esta explicação do título
Sotér lembra especialmente o culto helenístico ao imperador, e
que é até idêntico às fórmulas empregadas, por exemplo, na cele-
bração de Adriano como Sotér, porém, não se pode decidir com
certeza se se trata de um paralelismo consciente e proposital ou só
de uma influência inconsciente. Pois este epíteto, "Salvador do
mundo" não se separa da concepção geral do cristianismo primiti-
vo no que se refere ao alcance e consequência da cruz de Cristo.
Podemos, a este propósito, recordar a palavra sobre "o cordeiro de
Deus que tira os pecados do mundo" (Jo 1.29).
Desde quando se chamou a Jesus Sotérl Se bem que seja tar-
dia a generalização deste termo, não foi conhecido relativamente
cedo? Entre as epístolas atribuídas a Paulo, não são as Pastorais
as primeiras a utilizá-lo. Ainda que tivéssemos que considerar
deuteropaulino a passagem da Epístola aos Efésios (5.23), em que
Cristo, chefe da igreja, é ao mesmo tempo chamado "Salvador do
corpo" e onde, da mesma forma, se faz alusão a sua glorificação,
restaria a passagem mais antiga e certamente paulina de Fl 3.20:
"Esperamos também (do céu) como Salvador ao Senhor Jesus
Cf. R. BULTMANN, Theologie des Neuen Testaments, 1953, p. 79, que menciona
igualmente a passagem paralela de 1 Ts 4.15-18, na qual Paulo declara expressa-
mente ser da "tradição".
Cf. F. J. DÓLGER, Ichthys, I, 1910, p. 248, 259, 318.
QUARTA. PARTE
TÍTULOS REFERENTES À
PREEXISTÊNCIA DE JESUS
PEQUENO INTRÓITO
JESUS, O "LOGOS"
C. H. DGDD, r/tá interpretation ofthe Fourth Gospel, 1953, p. 284, insiste com
razão que o prólogo fala, por um ladc>, do Logos que não foi recebido pelo mundo,
pela criação; e por outro, de sua perseguição por Israel.
M. E. BOISMARD, Le Prologue de Saint Jean, 1953, e C. H. DODD, op.cit., p. 277
ss., fazem notar que Paulo em Rm 1.18 ss. fala dos ímpios que se negam a reconhecer
a revelação de Deus em sua criação, de uma forma muito análoga à do Evangelho de
João. Ainda que Rm 1.18 ss. não atribua expressamente a Cristo a revelação de Deus
na criação, seria certamente falso intefpretá-lo como se fosse possível opor a criação
por Deus e a redenção por Cristo. W. BAUER, Das Johannesevangelium, 3 0 cd,,p. 6,
escreve, com razão, que as concepções de Paulo relativas ao Cristo preexistente junto
ao Pai, unido com Ele e participando com Ele na obra da criação, são muito semelhan-
tes às do Evangelho de João. Cf. Também abaixo, p. 348 ss.
CRISTOLOCTIA DO NOVO TESTAMENTO 329
1. O "LOGOS" NO HELENISMO
fi
H. DIELS, Die Fragmente der Vorsokratiker, 5 1 ed.. 1934, Fr. . e 2. P. .50 s.
7
Cf. K. PRÚMM, Der christliche Glaube itnddie altheid/iische Weh, II 1935, p, 227
ss; M. POHLENZ, Die Stoa, t. I, 1948 (ver o índice); e também R. BULTMANN,
"Der Begriff des Wortes Gottes im Neuen Testament" (Glauben mui Verstehen, I,
1933, p. 274 ss.).
5
Tal é a opinião de R. BULTMANN, Das Evangeliuin des Johãtmes, 1941, p. 9.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 331
Com razão R. BULTMANN <iiz a este respeito, em seu Comentário de João, p. 10,
que ele está somente "disfarçado" de tiomeP
332 Oscar Culhnaim
itM
Referindo-se a R. REITZENSTEIN, Das Iraiúsche Erlósungsmysterium, 1921;
RE1TZENSTEIN - SCHAEDER, Studien z. antiken Synkretismus aus Iroit und
Griechenland, 1926; H. JONAS, Gnosis und spàtantiker Geist, t. I, 1934,
p. 260 ss.
*" PLATÃO, Crat. 407 E ss.; HIPOL., Refut. V, 7, 29; O. KERN, Orphicontm Frag-
menta, 1922, 297 a; cf. R. REITZENSTEIN, Poimandres, 1904, p. 88.
5(>;
PL(JT., De hide et Osir, 54 s.
iW
Edição crítica do Corpus Hermeticum(C.H.) por A. D. NOCKeA. J. FESTUGIERE,
Paris; Até agora têm aparecido 4 vol. 1945-54. Sobre o problema da Hermética,
cf. J. KROLL, Die Lehren des Hermes Trismegistos, 1914; K. PRUMM, Reli-
gionsgeschichtliches Handbuch (cf, acima, p. 208 nota 4), p. 535 ss.; e, sobretudo,
recentemente A. J. FESTUGIERE, "La révélation d'Hermes Trismegiste" (Etudes
bibliques), t. 1-4, 1944-1954; id., Uhermétisme, 1948. Cf. também C. H. DODD,
The Interpretalion ofthe Fourth Gospel, 1953, p. 1 0 ss.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMEhrro 333
2. O "LOGOS" NO JUDAÍSMO
Cf. O. GRETHER, Name und Wort Gottes im Alten Testament, 1934, em part.
p. 150 ss.
Para paralelos no Oriente antigo, L. DÚRR, "Die Wertung des gõtlichen Wortes im
A. T. und im Alten Orient" (Mitt. d. Vorderasiatischen Geselleschaft, 42, 1, 1938).
V. HAMP, Der Begriff "Wort" in den aramãischen Bibleiibersetzttngeti, 1938.
336 Oscar Cuihnann
sos p o r o u tro ]ado a questão da data é de difícil solução; não se pode determinar com
certeza se esta concepção pertence a época pré-cristâ. Cf., a respeito, STRACK-
BILLERBECK, t. II. p. 302 ss.
5"*Cf. R. BULTMANN, Johanneskomtnentar, p. 8.
510
É o que indica com razão W. BAUER, Das Johannesevangelium, 3a ed., 1933, p. 8.
Para numerosos textos que entram aqui em questão cf. A. AALL, Geschichte der
Logosidee, 1896, p. 184 ss. Cf. também E. BREHIER, Les idéesplúlosophiques et
religieuses de Philon d'Alexandria. 2* ed., 1925, p. 83 ss.; H,A. WOLFSON, Phiío,
t. I, 1948, p. 200 ss; 325 ss.
511
Cf. acima, p. 329 s.
512
Sobre o conjunto da questão das relações entre Fílon e o Evangelho de João, cf. C.
H. DODD, The Interpretado/} ofthe Fottrth Gospel, 1953, p. 54 ss.
5,,
The Origin ofthe Prologue to St. John s Gospel, 1917; id., Atltena, Sophia and the
Logos" Bullet. ofthe John Ryland s Ubrary, 1922, p. 56 ss.).
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 337
514
C. F. BURNEY, TheArconaic Originofthe Fourth Gospel, 1922; R. BULTMANN,
Der religionsgeschichtliche Hiníergnmd des Prologs zuni Johatnnesevangeliuin
(Eucharisterion, 2, 1923, p. 3 ss.); C. SPICQ, "Le siracide et la structure litteraire
du Prologue (Mém. Lagrange, 1940, p. 183 ss.); C. H. DODD, op. cit., p. 274 ss.
í,5
Outras referências na bibliografia indicada mais acima, p. 336, nota 510. Textos
rabínicos em STRACK-BILLERBECK, t. II, p. 356 s.
516
Cf., por ex., FÍLON, Leg. Alleg., II, 49.
m
Cf. STRACK-BILLERBECK, t. II, p. 353 ss.; t. III, p. 131.
íl8
Como o diz com razão R. BULTMANN, Johamieskommentar, p. 8.
. 338 Oscar Cullmatm
n
Magn. 8.2. Cf. a este respeito H. SCHLIER, "Religionsgeschichtliche
Untersuchungen zu den Ignatiusbriefen" (BZNW8, 1929). CHR. MAURER,Ig/jati!«
vonAntiochien wtddas Joltannesevangeliuin (AThANT, 18, 1949) sustenta que Inácio
leu o Evangelho de João; porém, reconhece que o Logos de que se trata neste trecho
não se refere, necessariamente, ao quarto Evangelho (p. 41 s).
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 339
5ÍI
Com razão este aspecto da questão foi levado em consideração por diversos auto-
res: nos artigos lexicográficos do Biblisch-Theologisches Wõrterbuch des
neutestamentlichen Grieschischde CREMER-KÒGEL (111 ed., 1923); no ThWbNT
por KITTEL; também por C. H. DODD, The Interpretation ofthe Fourlii Gospel,
1953, p. 265 ss. Cf. ainda J. DUPONT, Essais sur la christologie de Saint Jean,
1951, p. 20 ss.
522
Cf. C. H. DODD, The Interpretation ofilie Fourth Gospel, 1953, p. 266; ele subli-
nha a distinção que existe entre XaXvx e Xó-yoç em Jo 8.43.
CRISTOLOGIA DO Novo TESTAMENTO 341
• Por ex Gl 6.6 ; Cl 4.3 ; Mc 2.2; 4.14 ss.; 8.32 ; Lc 1.2 ; At 8.4 ; 10.44; 16.6, etc.
• 342 Oscar Cuitmann
èv instrumental.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 343
também nos atos que realiza. O que Jesus faz é o que ele mesmo é.
O uso hebraico segundo o qual "palavras" (debarim) pode também
significar "história",525 deveria necessariamente, ao considerar-se
primeiramente a vida, a "história" de Jesus, favorecer a identifica-
ção de Jesus com "a Palavra".
Por conseguinte, se o Evangelho de João ao designar a Jesus
como "a Palavra", oLogos, se aproxima das concepções vindas do
paganismo e do judaísmo tardio, a identificação repousa, no entan-
to, sobre uma reflexão imediata relativa à relação entre a vida his-
tórica de Jesus e a origem de toda revelação. A palavra de Deus é
reconhecida como suaação, o que estabelece uma relação natural
com sua palavra criadora, pela qual já se revelou "no princípio".
Quando se formula assim a questão da origem última da auto-
revelação de Deus, necessariamente, se é levado a remontar, para
além das palavras anunciadas pelos profetas, até a palavra de Deus
quando da criação do mundo. Esta concepção é preparada pelos
textos bíblicos antes mencionados que já consideram a Palavra
criadora e atuante de Deus quase como uma hipóstase.526 As espe-
culações judeu-helenísticas utilizam, por sua vez, a história da cria-
ção para sustentar suas doutrinas relativas à hipóstase divina que
existia "no princípio". Porém, não é somente por este rodeio dos
textosjudeu-helenísticosqueo prólogo de João se vincula a Gn 1:
interessa-se, também, diretamente pela relação entre a história de
Jesus e a da criação. Se o evangelista começa toda a sua narração
da vida de Jesus com as palavras com que o Antigo Testamento
abre a história da criação é porque, para ele, esta relação tem im-
portância decisiva; tão decisiva que todas as influências judaicas
ou helénicas, que possam ser descobertas, não podem ter senão
valor secundário.527
O emprego mencionado mais acima, p. 341 s. do termo Xóyoç, sem outra determi-
nação, entra também em consideração; porém, não constitui uma explicação sufici-
ente. Porque não se trata aí mais do que da pregação da palavra; enquanto que aqui
o emprego desta expressão é o fruto de uma reflexão teológica amadurecida.
Porex. J. RENDELL HARRIS; cf. acima, p. 336 s.
RE1TZENSTEIN-SCHAEDER, op. cit.,p. 306 Ss.,eR.B\JLJWÍANN, Jolianneskommcntar,
p. 5 ss., como também o artigo de E. KÀSEMANN citado acima, p. 230, n. I. R.
SCHNACKENBURG supõe jazer na base um hino cristão ao Logos que se teria
originado na Ásia Menor ("Logoshymnus und joh. Prolog." Bibl. Ztsc/u:, NF 1,
1957, p. 69 ss).
346 Oscar Cullinann
51J
Cf. R. BULTMANN, Johanneskontitientar, 1941, p. 16, que traz sobre este ponto
notáveis esclarecimentos.
535 R. BULTMANN, Johanneskommeittar, ibid.
.348 Oscar Cullmann
prólogo pode proclamar: íccá 6eòç fjv ô Xóyoç. Não temos o direi-
to de mutilar este texto a fim de suavizar o que tem de taxativo e de
absoluto.
lado que "o Pai e o Filho são um" (Jo 10.30), e por outro que "o
Pai é maior que o Filho" (Jo 14.28).536
Dado que o Logos é Deus que se revela, que se comunica em
sua ação, e dado que o Novo Testamento tem por único objeto esta
ação, toda especulação abstrata sobre as "naturezas" do Cristo é
não só um empenho vão, como também, em suma, uma recusa de
levar em conta o fato de que, em virtude da própria natureza do
Logos, não se pode falar dele senão em referência à ação de Deus/137
Sobre o "ser" do Logos não se pode dizer mais do que o que se
encontra no prólogo: no princípio estava com Deus, e ele é Deus,
nada mais. Pois o prólogo mesmo passa rapidamente à ação do
Logos: "Todas as coisas foram feitas por ele". Deus se revela pri-
meiramente na criação. Tal é o que une estreitamente, no Novo
Testamento, a criação e a redenção: em ambos os casos se trata de
Deus no ato de revelar-se, de comunicar-se. Assim, é o próprio
Logos quem aparece em carne como mediador humano, e que
havia, já antes, sido o mediador da criação. Precisamente pelo fato
do Evangelho de João atrever-se a ver, em uma simples vida
humana a revelação máxima de Deus, dá evidências de levar radi-
calmente a sério o fato de ser toda revelação desde o começo uma
obra de Deus em Cristo; isto é que no plano da soteriologia não é
possível opor a criação à redenção.
Temos notado, muitas vezes, que esta unidade entre a criação
e a redenção caracteriza também o paulinismo. Lembramos espe-
cialmente a muito antiga confissão de fé binária que se encontra
em 1 Co 8.6, devendo, ,nclusive, ser anterior a Paulo. AH iambém
Cristo é o mediador da criação. E também como tal que ele apare-
ce em Cl 1.16, em Ap 3.14 e em Hb 1.2. A reflexão sobre Cristo
mediador de toda revelação, mesmo da revelação original, é pois
O que não quer dizer que algumas dessas discussões, em relação com afirmaçoes
heréticas, não tenham sido necessárias posteriormente.
, 354 Oscar Culhnann
Com esta diferença, no entanto, temos que nos perguntar se Jesus atribuiu a si mes-
mo este título.
R. BULTMANN, Theologie des N. T„ 1953, p. 128 ss.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 355
í1
2 G. P. WETTER, Der Solm Gottes. Eine Untersttcluwg tiber den Charakter und die
Tendenz des Johannesevangeliums, 1916. Cf. também W. GRUNDMANN, Die
Goaesskindschatt in der Geschichte Jesu und ihre reíigionsgeschichtlichen
Voraussetzitngen, 1938. Entre os trabalhos mais antigos, cf., p. ex., P WENDLAND,
Die hellenistisch-rômische Kulliir in ihren Beziehuingen zti Judentum und
Christentum, 2a e 3a ed., 1912, p. 123 ss.; H. USENER, ReligionsgeschichtUche
UiUersuchungen I , 1 , Das Weilmaclusfest, 2a ed., 1911, p. 71 ss.
,13
Cf. C. J. GADD, Ideas ofDivine Rule in the Ancien East, 1948.
í14
Cf. acima, p. 43, nota 55.
1-15
Cf. A. DEISSMANN, Licht voni Osten, 4a ed., 1923, p. 294 s.; E. LOHMEYER,
Christuskult und Kaiserkult, 1919.
íJÍ
'LUCIANO, Alexandre, p. 11 ss. Cf. Também W. BAUER, "Das Johannesevan-
gelitan" (Hdb. z. MT*,), 3 a ed., 1933, p. 37.
•356 Oscar Cttllmann
Segundo C. H. DODD, The Interpretation ofthe Fourth Gospel, 1953, p. 251, nota
1, tratar-se-ia de cristãos inspirados e exaltados, de maneira que este trecho não
poderia ser tomado como referencia.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 357
5JS
O israelita de coraçãoretoé chamado "filho de Deus''em Eclo. 4.10; SI. de Salomão
13.9; o povo inteiro em Salmos de Salomão 17.27; 18.4.
in
Tratar-se-ia, sem dúvida, essencialmente, do ritual real da cerimónia de entronização.
Cf. acima, p. 354s.,G. VON RAD, "Dasjudaísche Kõnigsritital" (ThLZ, 72, 1947,
p. 211 ss) eA. AIST., Kleine Scltriften zur GescMchte Israels, II p. 133 s., sublinham
a relação entre o ritual real e a adoção do rei como "filho de Deus".
.358 Oscar Cullmaim
siII
Jó 1.6; 2.1; 38.7; SI 29.1; 89.7; Dn 3.25, 28. Cf. F. STIER, Gott itndseine Engel im
Alten Testament, 1932.
5 l
' Cf. G. DALMAN, Die Worte Jesu, I, 2a ed., 1930, p. 221; isto é confirmado pela
ausência deste trecho num fragmento grego de Enoque (cf. C. BONNER, The Last
Cliapters of Enoch in Greek, 1937).
532
B. VIOLET, Die Apokalypsen des Esraunddes Baruch in deutscher Gesiati, 1924,
ad loc.
S
"G. DALMAN, op. cit., p. 223; W. BOUSSET, Kyrios Chrisws, 2 a ed., 1921, p. 53 s.
Ver também E. HUNTRESS, "Son ofGod in Jewish Writings prior to the Chrisúan
Era" (JBL, 54, 1935, p. 117 ss).
554
W. MICHAELIS, Ztír Eiigelchristologie im Urchristentitm, 1942, p. 10 ss.
555
R. BULTMANN, Theologie des N. T., 1953, p. 51, admite também esta possibilida-
de, como também J. BIENECK, "Sohn Gottes ais Cliristusbezeiclmung der
Synoptiker" (ATIiANT, 21), Í9551 p. 25. Porém, este último, ,em dúvida equivoca-
damente, não pensa que esta questão seja importante. C. H. DODD, The Interpretaúon
ofthe Fourth Gospel, 1952, p. 253, considera esta hipótese, se não certa, ao menos
provável.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 359
iM
G. DALMAN, op. cit„ p. 219 ss., nota que o SI 2, que sobretudo entra aqui em
questão, foi raramente interpretado messianicamente.
ií7
Só a atribuição do título "Filho" ao Ressuscitado pode, segundo BULTMANN,
explicar-se pela tradição judaica. Cf. acima, p. 354 s.
•360 Oscar Cullmann
s
Cf.seu livro citado mais acima, p. 355, nota 542. Segundo uma publicação mais
recente: "Sohn Gottes, ein Diskussionsbeitrag^.ZAfH', 47, 1956, p. 113 ss., parece,
no entanto, haver seriamente corrigido sua tese.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 361
J
Cf. acima p. 354 s. e 359.
>É certo que os dois textos já formavam uma unidade na tradição oral (contra R.
BULTMANN, Geschichte d. Sytiopt. Tradition, 2a ed., 1931, p. 270).
362 Oscar Cuílinann
lj
A passagem paralela de Mt 27.54, que não consideramos ser a versão original, em
oposição a J. BIENECK, op. cit.,p. 55 (que segue sobre este ponto a SCHALATTER
e ZAHN) nos parece antes, próxima a Mateus 14.33.
'5 Sobre a explicação deste logion cf. abaixo, p. 373 ss.
"W. BOUSSET, Kyrios Christos, 2a. Ed., 1921, p. 48 s., cita, entre outras, uma ora-
ção a Hermes, do papiro mágico de Londres 122,50: "Eu te conheço, Hermes, e tu
me conheces; eu sou teu, e tu és meu".
•364 Oscar Cullmaitn
posto este título em Sua boca; pois "Filho de Deus" é, com efeito,
um dos nomes pelos quais os primeiros cristãos expressaram sua
fé em Jesus. Veremos, com efeito, que existiu uma breve confissão
de fé: "Jesus é o Filho de Deus". No Evangelho de João e na Epís-
tola aos Hebreus, "Filho de Deus" é uma das concepções cristo-
lógicas fundamentais. Paulo a emprega igualmente, embora com
muito menor frequência que o título Kyrios. Já vimos que os
Sinópticos o utilizam também, e não somente na boca de Jesus.
Marcos, sobretudo, parece dar-lhe particular importância, já que
segundo antigas leituras,567 intitula sua obra "Evangelho de Jesus
Cristo, o Filho de Deus". A situação não é pois a mesma para o
título "Filho do homem" e para o de "Servo de Deus". Quanto a
saber se Jesus havia atribuído a si mesmo o título de "Filho do
Homem", e o papel do "Servo de Deus" sofredor pudemos res-
ponder de maneira afirmativa, apoiando-nos no fato destes títulos
não haverem influenciado no surgimento da fé em Jesus, por parte
da igreja nascente; e no fato de que os Sinópticos só se servem da
expressão "Filho do Homem" quando Jesus fala de si mesmo, mas
nunca quando terceiros falam dEle. Em troca, a fé em Jesus "Filho
de Deus" é uma das crenças cristológicas da igreja primitiva, já
que este título não se encontra somente nas palavras de Jesus, mas
que é frequente nos primeiros autores cristãos, quando estes dele
falam.
Por conseguinte, seria possível, em princípio, que a comuni-
dade primitiva houvesse posto posteriormente este título na boca
de Jesus. Contudo, temos de observar que, segundo os Sinópticos,
unicamente em casos excepcionais e por revelação sobrenatural
ele foi, durante sua vida, reconhecido como "Filho de Deus", por
Pedro a quem não são "a carne nem o sangue" que o revelam (Mt
16.17); pelo diabo (Mt 4.3, 6); pelos demónios (Mc 3.11; 5.7).
Nos demais casos ou bem é a voz celestial que o chama "Filho"
(batismo, transfiguração), ou bem, excepcionalmente, é o próprio
s
Mc 14.61 e Mt 27.43 não devem ser levados em consideração, pois nem o sumo
sacerdote, nem os zombadores ao pé da cruz, criam na filiação de Jesus.
a
O. BAUERNFEIND, Die Worte der Dãmonen im Markusevangelium, 1927, p. 78
ss., faz notar que a menção do testemunho dos demónios não é compatível com a
teoria de WREDE sobre o "segredo messiânico".
366 Oscar Cullmeutn
* * *
Este paralelo mostra que a teoria de WREDE, para explicar a discrição de Jesus, é inútil.
370 Oscar Cullmarm
576
Cf. G. SCHRENK, em ThWbNT, II, p. 738; W. BAUER, Wõrterbucli, 4a ed., 1952,
p. 10 s.
577
É o que indica também L. CERFAUX, Le Christ datis la Théologie de Saint Paul,
1951, p. 340.
5
™ J. BIENECK, op. cit., tem o mérito de haver posto em evidência este fato.
57!>
Cf. G. DELLING, "Das Verstãndnis des Wunders im N.T." (2, syjf. Th. 1956,
p. 265 ss.).
• 372 Oscar Cullmann
relato da tentação de Jesus é, pois, que para ele, ser Filho de Deus
significa estar constantemente submetido à vontade de seu Pai.
Igualmente, a consciência de sua unidade íntima com o Pai o
acompanhará sem cessar desde o momento de seu batismo. O fato
de que a voz que se dirige a ele no momento da transfiguração580
reproduza em parte a voz celestial que ele ouviu então, não é cer-
tamente devido ao acaso. Precisamente é, naqueles instantes de
sua vida em que os limites entre o céu e a terra desaparecem por
um momento para Jesus, que se ouve chamá-lo "Filho de Deus".
Porém, mesmo à parte esses momentos, tem ele permanente cons-
ciência de ser um com o Pai.581 Sabe, assim, que só um conheci-
mento sobrenatural pode revelar a outros - seja Pedro, seja aos
demónios - a natureza única de sua filiação.
Não há nenhuma razão para considerar este relato como uma cena de aparição do
Ressuscitado projetada retrospectivamente à vida de Jesus, como o querem J.
WELLHAUSEN, Das Evãiigeiuim Marci, 1909, p. 71 e R. BULTMANN,
Geschichie d. synopt. Tradition, 2a ed, 1931, p. 278. A. HARNACK, "Die
Verklãritngsgeschichte Jesu" (S. B. de preitss, Ak. D. Wiss., 1922, p. 76 ss.), assim
como E. MEYER, Ursprung undAtifãnge des Cltristentuins, I, 1921, p. 152, ss.,
consideram, pelo contrário, o relato da transfiguração como uma tradição antiga e
admitem que este mesmo fato da vida terrestre de Jesus constitui a razão da visão
que Pedro teve depois da morte do Senhor. E. LOHMEYER, "Die Verklãrung
Jesu nach dem Markusevangeliitm" (ZNTW 21, 1922, p. 185 ss.) contesta igual-
mente que este relato da transfiguração seja derivado de uma aparição do Ressus-
citado; no entanto, não considera a transfiguração como histórica, senão que atri-
bui sua origem a concepções judaicas. O que faz também H. RIESENFELD em
seu detalhado estudo: Jesus Transfigure, 1947, onde remete, antes de tudo, à festa
judaica dos tabernáculos.
Mesmo quando da última tentação no Getsemâni, esta consciência não o abandona.
Deve, uma vez mais, dar a medida de sua obediência filial. É somente no instante
em que a morte-para ele como para Paulo o "último inimigo"-o alcança é que ele
gritará: "Deus meu, Deus meu por que me abandonastes?" Porém, mesmo este grito
não é verdadeiramente compreensível senão a partir de sua consciência de ser o
Filho de Deus. Cf. a este respeito O. CULLMANN, Immortalité de l'âme ou
réssurection des morts?, 1956.
CRISTOLOCJIA DO NOVO TESTAMENTO 373
Segundo G. FRIEDRICH (ZThK, 53, 1956, p. 275, ss.), os dois títulos srmeeem à
ideia de Jesus como sumo sacerdote.
,374 Oscar Cullmann
ÍK:l
Como palavra do Ressuscitado, temos que agregar a ordem de batizar em nome do
Pai, do Filho e do Espírito Santo (Mt 28.19).
5!tl
K. v. HASE, Geschichte Jesit, 1876, p. 422.
5t3
Cf'. a este respeito O. CULLMANN, Les sacrements dans VEvangile johamtique,
1951, p. 9 ss.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 375
5!f
>É o que pensam também, entre outros A. SCHWEITZER, Geschichite der Leben-
Jesu-Forschung,2*ed., 1913, p.310,eV.TAYLOR,TheNamesof Jesus, 1953,p, 64.
• 376 Oscar Culhnann
deve ter sido muito mais corriqueira para as gerações posteriores do que
a ideia de o ser Cristo o icognoscível. Pela mesma razão temos que recusar
a proposta de eliminar a parte do logion consagrada ao Filho, para con-
servar somente a afirmação relativa ao Pai (proposta feita por A. Harnack,
Spruche undReden Jesu, 1907, p. 189 ss., e T. W. Manson, The Sayittgs
of Jesus, 1949, p. 80).
58!>
Contra W. G. KUMMEL, op. cit., (cf. acima, p. 376 s.).
•378 Oscar Cullmann
* * *
™Cf. acima, p. 173 s.
C^RISTOLOGIA DO Novo TESTAMENTO 379
12
Sobre as diversas ocasiões nas quais as confissões de fé eram pronunciadas, cf
O. CULLMANN, Lês premiares confessions de foi chrétiennes, 1943, p. 13 ss.
" Ela está, no entanto, contida nele como citação na acusação dos adversários (Jo 10.36).
14
Cf O. CULLMANN, Lês sacrements dans 1'Evangile johamiique, 19511 p. 9 ss,
CRISTOLOGIA DO Novo TESTAME-;NTO 381
M5
Mais tarde, acompanhado do epíteto "único", tirado do Evangelho de João. Cf.
abaixo, p. 388 s.
MS
Já na fórmula IX8YX, que representa igualmente uma confissão de fé. Cf. a este
respeito o estudo de F. J. DÕLGER, Ichthys, 1910.
597
As fórmulas de confissão contidas nas Epístolas de INÁCIO não mencionam o
"Filho". Isto poderia ser devido ao fato de que Inácio, que em outras passagens
aplica também a Jesus o título cie "Filho", o chame 6eóç na introdução das fórmulas
de Esm. I, 1 e Ef 18.2. Cf. abaixo, p. 408 s.
5M
O . CULLMANN, Les prenderes confessions de foi chrétiennes, 1943, p. 45. R.
BULTMANN, Theologie des Neuen Testaments, p. 50, reconhece também a origem
pré-paulina deste texto.
,,JÍ>
Cf. acima, p. 306 s.
m
Cf. acima, p. 173 s.
•382 Oscar Cullmann
* * *
1)1
Recentemente ainda O. MICHEL, Der Briefan die Rõmer, 1955, ad. loc. Sobre a
relação estudada, já na igreja antiga, entre Rm 8.32 e Gn 22, cf. D. LERCH, "Issaks
Opferung, chrhtlich gedeutet" (Beitr. z. Hist. Theologie, 12), 1950.
112
Paulo compreende, pois, a relação entre nossa filiaçãoe a de Jesus contrariamente à
tese de W. GRUNDMANN (cf. acima, p. 360); é por ser Jesus o Filho, de uma
maneira muito diferente de nós, que pode tomar-nos filhos.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 383
* * *
Cf., por ex., E. LOHMEYER, Das Evangeliwn des Markus, 1937, p. 4 e 348.
É verdade que este pedaço da frase falta num grande número de manuscritos; po-
rém, testemunhos dignos de fé (e antes de tudo o texto ocidental) lêem o versículo
desta maneira: 'Apxf| toB eí>ayyE>.iou 'Iriaoú Xptcfcoíi \>iox> (TOO) deofi.
Como já dissemos, não temos necessidade de aceitar a tese deWREDE para expli-
car o segredo messiânico.
Cf. abaixo, p. 388 ss.
As especulações cristológicas posteriores tentarão explicar este mistério de uma
maneira diferente e puramente filosófica.
CRISTOLOGIA DO NOVO THSTAMIÍNTO 385
comum aos relatos canónicos da infância (L. CONRADY, Die Quelle der
Kanonischen Kindheitsgeschicluen, 1900; A. RESCH, Das Kindheitsevangelium,
TU 10,5, 1897). MACHEN, op. cit., admitiria que Lucas e Mateus retomam uma
tradição já bem estabelecida, o que é difícil de provar.
614
O papiro Bodner II, publicado em 1956, tem aqui o plural.
SI5
Cf acima p. 383.
388 Oscar Cullmann
616
Nem tampouco a uma especulação sobre a "substância" ou as "naturezas".
SI7
É o que bem viu R. BULTMANN, Theologie des Nenen Testaments, 1953, p. 380
ss. Sobre a questão do "Filho de Deus" no Evangelho de João, cf., ademais,"W.
LUTGERT, Die Johanneische Christologie,2" ed,, 1916, emais recentementeC. H.
DODD, The Interpretation ofthe Fourth Gospel, 1953, em part. p. 250 ss.
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 389
fi;:,
Cf. acima, p. 371 s.
^ Pode-se, no entanto, encontrar no Evangelho de João um certo paralelo com a ideia
expressa nos Sinópticos, segundo a qual é necessário uma revelação particular para
se reconhecer Jesus como o Filho de Deus (em part. Mt 16.17; cf. acima, p. 364 s.):
é a incompreensão dos interlocutores, com os quais Jesus fala de sua união com
Deus. Por outro lado, há indícios do segredo messiânico em Jo 10.24: "Se tu és o
Cristo diga-nos abertamente". Cf. a este respeito R. BULTMANN, Theologie des
Neuen Testainettts, 1953, p. 394; e também abaixo, p. 392 s.
CRISTOLOGIA DO NOVOTESTAMENTO 391
!:l
Sobre a relação entre esta palavra e o dia da ressurreição, cf. O. CULLMANN,
Sabbat und Soitittag nach dem Johannesevwtgelium, In memoriam E. LOHMEYER,
1951, p. 127 ss.
392 Oscar Cullmann
s2í
Cf. acima, p. 97 s.
s2
' H.OVOY£VVJ<;; cf. acima, p. 388 s.
*2*Cf. O. CULLMANN, "Der Johannische Gebrauch doppeldeutiger Ausdriicke ais
Schlííssel zum Verstãndnis des vierten Evangeliums" (77iZ4, 1948, p. 360 ss).
CRISTOLOGIA DO NOVO THSTAMI-NTO 393
Ela nos lembra ao mesmo tempo a voz que, segundo os Sinópticos, chama a Jesus
"Filho bem-amado" durante seu batismo e lhe dá, implicitamente, a missão de assu-
mir o papel de Ebed lahweh.
• 394 Oscar Cullmaim
outra coisa senão o círculo: o próprio Pai deve testificar que Jesus
é o Filho; por sua vez, é justamente no Filho que este testemunho
divino tem que»ser dado. O Evangelho não conhece pois mais do
que dois meios para captar a revelação da filiação divina de Jesus.
Io) Temos que conhecer o Pai e fazer sua vontade: "Se alguém
quiser fazer a vontade daquele que me enviou, descobrirá se o
meu ensino vem de Deus, ou se falo de mim mesmo" (Jo 7.17). 2o)
Temos que ver as obras de Jesus: "Se não faço as obras de meu
Pai, não acrediteis em mim. Mas se as faço, e não credes em mim,
crede nas obras, para que possais saber e reconhecer que o Pai
está em mim, e eu nele (Jo 10.37 s.).
Não há, nem pode haver, outro critério cristológico. É só seguin-
do este caminho, tornando-nos, nós mesmos, "filhos" - aceitando
com fé o testemunho que Jesus dá acerca da sua filiação divina e
fazendo a vontade de Deus - que poder-se-á reconhecer que ele é
o Filho. É só assim que podemos testificar, com os apóstolos, "que
o Pai enviou o Filho como Salvador do mundo" (1 Jo 4.14). "Aquele
que confessar que Jesus é o filho de Deus, Deus está nele, e ele em
Deus (1 Jo 4.15). Já mencionamos este versículo que utiliza o
antigo Credo cristão6-12 colocando-o inteiramente a serviço daqui-
lo que denominamos "epistemologia cristológica" do joanismo.
O paralelismo com Jo 10.38b é evidente. O que, neste versículo,
Jesus diz de si mesmo, pode pois ser entendido por aqueles que
crêem que ele é o Filho de Deus.
Em conclusão, podemos dizer que o Evangelho de João pene-
trou mais profundamente que Mateus e Lucas no segredo da cons-
ciência filial de Jesus. Deu acertada expressão, em particular, aos
dois aspectos inseparáveis: a obediência e a unidade com o Pai;
porém, contrariamente ao Jesus histórico, "proclamou dos telha-
dos" o que Ele disse ocultamente.
* * *
Na 2 Epístola de Pedro (1.17), este título aparece somente uma vez onde o autor,
recordando a transfiguração, cita o SI 2.7.
A explicação que dá V. TAYLOR, The Names of Jesus, 1953, p. 57, ao fato de que
alguns dão tanta importância ao título de Filho de Deus, enquanto outros quase não
o empregam, não nos parece suficiente. Segundo o autor o título "Filho de Deus"
predomina ali onde o interesse se ampara, sobretudo, na pregação, enquanto falta
onde se centra particularmente no culto.
Se é exato que o autor do Quarto Evangelho deva ser classificado, como o ternos
proposto, entre os "helenistas" palestinos de que fala Atos (cf. acima, p. 241 s.), a
Epístola aos Hebreus deveria, sem dúvida, ser classificada no mesmo grupo que a
Primeira Epístola de João.
CRISTOLOGIA DO NOVO TIÍSTAMENTO 397
6W
Deve-se classificar na mesma categoria a aplicação ao Filho do Homem, em Ap
1.13 ss, da descrição do "Ancião de Dias" contida em Dn 10.5-7. O fato de que o
autor não vacila em descrever sua visão do Cristo exatamente como Daniel descre-
veu a visão de Deus é importante do ponto de vista cristológico.
MU
Cf. acima, p. 392 s., a propósito de Jo 10.33, 36; 8.53.
fi41
Cf. acima, p. 347.
4Í)2 Oscar Culbnann
2
A associação de icbpioç e de Geóç é atestada no Antigo Testamento como designa-
ção de Deus; porex., 2 Sm 7.28; I Rs 18.39; Jr 38.17; Zc 13.9. Cf, no Novo Testa-
mento, Ap4.11.
'Cf. acima, p. 347 s.
CRISTOLOGIA DO fNOVO 1 E5TAMFj]NTO 403
1
Por ex.. R. BULTMANN, Johanneskonimentar, ad loc; o mesmo em H. CREMER-
KÓGEL, Wõiierbuclt desneutest. Grieciúsch, III ad., ,9223 p. 490 e ttmbém C, K.
BARRET, The Gospel According to St. John, 1955, p. 141 - embora estes dois
últimos não excluam inteiramente a outra possibilidade.
4Ò4 Oscar Cullmaiw
* * *
M!,
Cf. acima, p. 231.
*i0Cf. acima, p. 282 s., onde chamamos também a atenção sobre a èTtitccAeíadai do
Kyrios ou de seu nome (1 Co 1.2; Rm 10.12). Esta invocação está, ademais, no
limite da oração e da confissão de fé e as supõe ao mesmo tempo.
CRISTOLOGIA DO NOVO TIISTAMENTO 407
fiSJ
H. CREMER - KÒGEL, Wõrterbuch des neutesit Grieclhsch, 11a ed, 1923, p. 488,
chama a atenção, aqui, à oposição basar-ehhim que se encontra no Antigo Testamento.
''"Contra M. DIBELIUS - H. CONZELMANN, "Die Pastoralbriefe" (Hdb. z. NT),
3a ed.,1955, ad loc. Segundo este comentário, nos encontraríamos aqui (como em
Lucas) em uma etapa da evolução em que, apesar da possibilidade de uma transfe-
rência a Cristo dos atributos de Deus, se teria ainda ensinado uma cristologia estri-
tamente "subordinacionista".
CRISTOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 409
ws
Isto é justamente, também, o caso nas Epístolas pastorais. Cf. 1 Tm l1.1 2.3; 4.10;
Tt 1.3; 2.10; 3.4; e também, Lc 1.47.
657
Como paralelo ao adjetivo }xéyaç, que qualifica a Cristo, podemos citar 2 Pe 1.16,
onde a jj.£7a>.etóxT\<; é igualmente atribuída a Cristo.
^8Cf. Ex 19.5; Dt 7,6; 14.2, etc.
"^ Outro trecho das epístolas pastorais (1 Tm 3.16) nãoé tratado aqui, pois o vocábulo
8EÒÇ é, visivelmente, uma correção de õç.
í,w,
Em Ap 19.11 s. o cavaleiro é chamado "Logos", "Fiel", "Verdadeiro", mas tem um
"nome que ninguém conhece senão ele mesmo". Seria este o nome de Deus?
Aí 1
' A leitura Kupíoi) é, também, muito bem atestada. No entanto é difícil reconhecer
qual é a lectio difficilior. A maioria dos comentaristas parece inclinar-se por fleoíi,
pois èKKXr|C>ía xov KVpíoi) para qehal lahweh é mais corrente (embora Ne 13.1
também fala de qehal ha-elolúm). E. HAENCHEN, Die Apostelgeschichte, 1956,
p. 531, nota 1, fornece uma explicação plausível acercada transferência ulterior de
8EO\) para ícupíoti: havendo sido considerado o TOÚ iôtou como adjetivo qualiííca-
tivo de aupctToÇ, se teria substituído 6eou porK\)píoi), a fim de evitar a aparência de
patripacionismo.
4") (} Oscar Cullmann
PERSPECTIVAS DA CRISTOLOGIA
DO NOVO TESTAMENTO
2
Também teremos de sublinhar, unia vez mais, que este livro não é, em primeir;»
instância, uma obra de referência que se possa consultar sobre tal ou qual ponto tia
cristologia do Novo Testamento. Não se deveria utilizá-lo assim, com efeito, senão
na condição de havê-lo lido inteira e atentamente antes.
CRISTOLOGIA DO NOVO TILSTAMHNTO 413
* * *
Cf. èxJtXíjcFcrecíTai: Mt 7.28; 13.54; 22.33; Mc 1.22; 6.2; 7.37; 11.18; Lc 4.32:
9.43. Ganhei cocei: Mc 1.27; 10.24; 10.32; Lc 5.9. è^íotao9o(t: Mt 12.23; Mc 2.12:
5.42; 6.51; Lc 2.47; 8.56. 6cconáÇeiv: Mt 8.27; 9.33; 15.31; 21.20; 22.22; Mc 5.20;
Lc 4.22; 9.43; 11.14. (poPeTa6aa: Mt 9.8; 10.31; Mc 4.41; 5.15.
'416 Oscar Culbnann
SS5
O que H. CONZELMANN, Dei Mitte der Zeit, 1954, demonstra a propósito de
Lucas não é válido somente para este autor.
66(1
Cf.V/. BAUER, "Das Johannesevangelium" (Hdb. z. NT), 3a ed., 1933, p. 6.
420 Oscar Cullmcmn
* * *
422 Oscar Cullmann
çao, neste tempo que começa com a criação do mundo e dura até o
seu fim, tem sentido a distinção entre o Pai e o Filho. Onde não há
revelação, falar do Logos, isto é, da Palavra pela qual Deus se
revela, carece de objeto. Os escritos dos primeiros cristãos não
falam senão do Deus que se revela, do Deus voltado para o mun-
do; ou seja, da história que se desenvolve desde o "começo", de Jo
1.1, até o''tudo em todos" de 1 Co 15.28; portanto, do instante em
que a Palavra começou a surgir de Deus, como Palavra criadora,
até o instante em que o Filho, a quem o Pai sujeitou todas as coi-
sas, se sujeita, a si mesmo, ao Pai, depois de haver-lhe sido sujeito
tudo o mais.
O Novo Testamento não pode, nem quer, instruir-nos sobre o
"ser" de Deus, considerando-o à parte do ato pelo qual se revela;
as investigações sobre o"ser", em sentido filosófico, lhe são total-
mente alheias.667
Seu propósito é proclamar as magnalia Dei, as grandes obras
reveladoras de Deus feitas em Cristo. E se o Novo Testamento faz
algumas tímidas alusões a uma realidade situada além da revela-
ção, é só para chamar nossa atenção ao mesmo tempo para a dis-
tinção e a unidade entre o Pai e o Filho, e para nos recordar que
toda cristologia é uma história de salvação.
* * *
É o que desconheceu a maior parte daqueles que criticaram a maneira em que temos
exposto as noções bíblicas acerca do tempo em Christ et le Temps.
CRISTOLÍJGIA DO NOVO TESTAMENTO 427
homem de então era tão difícil, como é para nós, crer no que para
os judeus era um "escândalo" e para os gregos uma "loucura".
Não se pode repetir suficientemente que a dificuldade de crer nela
não se apoia na "concepção mitológica do mundo" já superada da
Bíblia, nem que o progresso tecnológico de nossa época, com a
eletricidade, o rádio e a bomba atómica, tenham feito, de alguma
maneira, que a fé em Jesus, centro da história divina da salvação,
seja mais inacessível aos homens do século XX que ao homem
antigo; pois o "escândalo", a "loucura" é que acontecimentos his-
tóricos datados - "sob Pôncio Pilatos" - representem o centro
indiscutível da revelação de Deus; e que dali tenha que se compre-
ender todas as demais revelações. Isto era também tão difícil de
admitir para o homem de então, como o é para o atual.
Vimos que os primeiros cristãos chegaram a esta compreen-
são por um triplo caminho: primeiro aceitando o testemunho con-
tido navida de Jesus, comos acontecimentos da Sexta Feini Sani;i
e da Páscoa; em seguida, pela grande experiência litúrgica e pes-
soal da.presença do Kyrios, Senhor da igreja, do mundo e tia vida
de cada homem, sendo este Kyrios idêntico ao Jesus da história;
enfim, pela reflexão, efetuada na fé no Senhor presente e no Filho
do Homem crucificado, acerca da relação entre este Jesus Cristo e
todas as demais revelações de Deus. Tais são as fontes da convic-
ção cristológica do cristianismo primitivo. Para o homem de hoje
não há outra. Mas todas as três, fecundando-se mutuamente, são
indispensáveis para compreender quem é Jesus.
ÍNDICE DE AUTORES CITADOS
Dibelius, Fr., 54 H
Dibelius, M., 313, 316, 375, 408
Diels, H., 330 Haenchen, E., 189, 409
Dinkler, E., 187 Hamp, V., 335
Dittenberger, W., 261 Harlé, P.A., 100
Dix, G. H., 81 Harnack, A. v., 25, 76, 94, 129, 315, 327,
Dobschiitz, E. v., 270 372,376
Dodd, C. H., 23,71, 100, 189,329, 332 336, Harris, J. R., 336, 345
340, 344, 356, 358, 367, 388, 389 Hasse, K. v., 374
Dõlger, F. J., 314, 319,381 Hegermann, H., 84, 85
Dornseiff, 313 Heitiníiller, W., 267
Driver, 80 Hennecke, E., 60, 385
Dupont, C, 184 Henniri",W„ 189
Dupont, J., 340, 349 Henry, R, 233, 237
Dupont-Somtner, A., 39, 40,41, 83 Hepding, H., 189
Díiir, L. 335 Héring, J., 47, 81,106, 129, 148, 152,158,
167,179,220,221,224,230,232,236,245
E
Herrrnann, L., 37
Ebeling, H. J., 88, 165 Hertzberg, H. W., 116
Eissfeldt, O., 39, 152 Hirschberg, W., 73
Elliger, K., 40, 116 Homrriel, E., 275
Engnell, I., 36,43,78, 81 s. Horovitz, J., 73
Euler, K. F., 81 Humbert, P., 84
Huntress, E., 358
F
J
Fascher, E., 32
Festugière, A. J., 332 Jackson, F. J. Foakes, 150, 154, 217
Fiebig, P., 184 Jenni, E., 152
Flemington, W. R, 33 Jeremias, J., 36, 37, 43, 76, 81, 82, 84, 85,
Fohrer, G., 33 93,99, 102, 115, 117, 191
Fõrster, W., 260,261, 262,263,265 s., 285, Jerome, F J., 116
290, 302, 306 ss. Johnson, A. R., 79
Fridrichsen, A., 203, 233
Johnson, S. E., 39
Friedlânder, M., 116, 117
Jonas, H., 332
Friedrich, G., 140, 373
Fuchs, E., 24 Jung, C. G., 189
G K
Gadd, C. J., 355 Kaseman, E., 24, 116, 132, 230, 327
Gall,A. v., 148, 184 Kattenbusch, F., 206, 260
Gastei', Th. H., 40 Kern, O., 332
Goguel, M., 48, 169 Kittel, G., 84, 205, 334, 340
Grasser, E., 71 Kleinknecht, H., 334
Gressrnann, H., 36, 152, 184, 315 Klostermann, E., 61, 88
Grether, O., 263, 335 Kõgel, J., 125, 340, 403, 408
Grundmann, W., 355, 360, 368, 382 Kõhler, L., 314
C-RISTOLOGIA DO N O V O TESTAMENTO 431
ANTIGO TESTAMENTO
ESCRITOS EXTRACANONICOS
1 macabeus 24.1 ss. - 337 4 Macabeus
4.39 3 312 48.10 - 43 6.29 - 123
44 w. - 34 7 0 ss. - 3 6
14.41 - 34 57.7 - 312 SibUiims
5.256 ss. - 36
2 Macabeus Sabedoria de Salomão
15.13 ss. -38 2.13 ss. - 9 3 Enoque (etíope)
7.26 - 337 37 ss. - 185, 192
Judite 16.7- 312 46- 186
9.11 -312 7& 75 - 335 48s. - 186
48.2, 6-186
Baruque Salinos de Salomão 3 ,M. - 199
4.22 - 312 13.9- 357 70 - 187
77j. - 754 52-186
Eclesiásiico 77.27 ÍÍ - 154 52.4 - 187
1.1 ss. - 337 27 - 157 62 - 186
4.10 3 357 18.4 - 157, 389 62.7 - 199
C - R l S T l )!.<)(i| A tJO N<>V<> I I-S"l'AMIÍN'|'<l 435
NOVO TESTAMENTO
Mate tis 77./ M - 4 7 76.13 -205
1.1 ss. - 170 ss., 385 5 - 47, 59 74-38
1.16 - 386 4s.. -210,212 7<5 -363,359,362 s., 380
27-316,319 5-70 76 ss. - 362,373
2.2 - 289 8 ss. - 44 17 - 3(>3 ss., 375,379,390
5.11 -47 11 - 5 4 17 ss. - 3 6 6
75-94 74-59 78 - 296
4.3 ss. - 362, 364 78 Í. - 55 17.10 ss. -45
8s. - 163 79-214 72 - 43, 59
6.9-378 25 s. - 376 18.18 ss. -211
7.71 -215 27-363,367,373 s., 390 20-277
21 - 266, 268 72.6 - 118 79.77- 126
28-415 77-93 28 - 297
29-415 78 ss. - 77, 97 27.9 - 175
8.76 Í. - 97 25 - 175, 415 701, - 58
20 - 203,213 28 - 71, 110 75 - 175
27-415 57 s. - 203 57-374
9.8-415 39 s. - 89 46-52
27- 175 41 s. - 212 22.22-415
33 -415 13.54-415 4-/ - 292
10.17 ss. -287 14.33 - 362 s. 23.37-53
57-415 75.22 -75 24.27-206
35 ss. - 2 1 2 57-415 37 .I.I. - 206
436 Oscar Cuibnann
25.1 ss., 14 ss. -208 8.27 ss. -22, 156, 162 s.,
BI ss. - 209 s. 212,367,373 7.2-341
26.25 - 158 2S-58 77-46
28 - 91 29 - 162,365 32 - 359,373
63 - 365 30 - 162 35 - 373
64- 157, 292 Si 9 90, 111 47-316,409
27.11 - 3 1 , 2 8 9 32 - 102,341 76-46
37 - 289 33 - 128, 162 s. 2.4 - 386
42 - 289 3S - 205 s., 240 77 - 316 s.
43 - 365 9.2 ss. - 37, 372 47-415
51 - 139, 425 7 - 354,363 52 - 130
54 - 363 77 .t.t. - 45 3.2 - 34, 44
75-48,50
28.18 - 290, 373 73-43,59
22-94
19 - 297 57-90
70.78 - 126 23 - 385
23 .t.t. - 170, 386
jtZí/itvj.í 24-415
4.3 - 362
1.1 - 3 2 7 , 3 6 5 , 3 8 4 52-415
5 .t.t. - 298
77 - 93 .!., 361 33-90
9 - 362
)2 s - ^ W 38 - W , ^í>
22, 32-415
22-415 4 5 - 9 2 211
5.9-415
24 - 372 47 .i, - 175
7.76 - 52
27-4/5 11.3 - 269 s. <?,55 - 415
35 - 369 78-415 9.8 - 57
2.2 - 341 12.1 .t.t. - 3 7 7 , 3 8 3 7S-365
7-369 6-374 43-415
7 .t.t. - 3 9 4 7-90 70.18 - 71
10- 111 75 - 128 77.2 - 274
12- 415 35 ss. -114, 119, 172 s., 74-415
/S ,(.Í - 88 268 s., 367, 381 72.70 - 204 s.
19 s- 312 36 - 292 50 - 89, 95
27,(. -201 s. 13.22 - 43 73.3/ .«. - 88
3.// - 3 6 3 , 3 3 0 32 - 374, 376 77.22 .t.t. - 206
28 - 203 14.8 - 90 18.38 - 175
3/ .ç.v. - 175, 378 24-91 20.42 - 292
33 - 120 55 ss. - 93 22.20 - 91
4.14 • 341 55-118 57-90
4/ -415 67 - 359, 362 s. 67 - 365
5 . 7 - 3 6 3 s,, 330 67 s. - !S6, 159 <57 ss. - 159
/ J -4-15 62 - 177, 206, 240,292 69- 241, 292
20-415 75.2 - 289 23.3 - 289
41 - 280 2 .t.t. - 156, 161 4 - 161
42-415 9; 72 - 289 37 s. -289
6.2-415 78.26 - 289 24.5 - 137
4-52 29 ss. - 362
14 .t.t. - 53 s.,58 32 - 289
75-57 34 - 281,372 1,1 - 2 0 , 7 3 , 2 3 7 , 2 4 3 , 3 0 7 ,
57-415 39-363,384 342, 347, 401 s,, 404,
7.57-415 76.19-292 425 s.
CRISTOLOGIA DO NOVo TESTAMENTO 437
ESCRITOS EXTRA-CANONICOS