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eu (des)canso
eu (per)corro
eu não me deito
esse não é o meu leito
lar provisório
inconstância permanente
o ponto de (part)ida
é a ruptura
eu me (re)torno
essa é a (es)cura
a paz é utópica
na guerra eu sigo
'caosando'
no caos, eu ando
eu sigo correndo
cais, sinto
nos ais, eu aprofundo
eu sigo
meu oceano
é um cântico
eu não sei o que é fer(ida)
o que é arrepio nesse corpo
minha mãe diz que
cresci com pipoquinhas nas juntas
meu corpo é pele de c(ouro)
an(corais) de mundos
rota-gira-trans(lição)
per(i)manente
[essas balinha que cêis dá no troco num dá pra cumê]
no mercado
mar
ca(í)do dessa gente
brasileira
brasa, leito
preto tem que comprá
pra comer o pão que o de branco amassou
paga num suadô
sua dor
e o troco vem
em balinhas
e o troco
vem
em bala
embala o tiro
ao alvo
pro alto
bala
perdida
sem pedida
em linhas
em esquinas
escolhidas
em morros
bala no troco
estrala no tronco
chi
co(r)te nas costas
nas cotas
nas contas
mistura
me atura, neguinha
estupro, atiro, enfio
mais um fi
pra vancê podê se discurpá
mistura mistura mistura
preta demais
preto demais
leva de volta
é áfrica demais pra podê ficá
leva a rapa de volta
queimada demais
pra podê cuidá
clareia clareia clareia
areia leva de volta pro mar
embranquece embranquece embranquece
esquece, que pra tua casa cê não vai voltar
os mais clarin, pardin, tudo brasileiro
sem eira
nem beira
deixa
deixa fora do eixo
deixa zonziá
filho bastardo
basta, arde
tardo e falho
mais tarde
bem mais tarde
se nois quisé cê vai podê passá
passá
rinho
fora do ninho
em desalinho
que é pra desaprendê avuá
no meu canto
longe de lá
no meu pranto
pra poder lavar
com o meu santo
pra podê me cuidá
ca
fé, algo
dão
e cana
africana
(áfrica)nta
pra poder lembrá
eles mata(m)
'eu sou atlântica'
toca
beija
contorna
minha pé
rola pra lá
minha pé
rola pra cá
mãos de concha
me dedilha
m(olha) meu litoral
“sobe pra pegar ar”
somos anos-luz(ias)
queria dis(parar)
no nosso h(ori)zonte
não sabia
que a gente diáspora
agora
amanhã, hoje, ontem
suncê tá pra virar
vir-ação
tá pra vir pra cá
tá pra ir pra lá
nesse balanço
nesse sopro
cada toque pra te chamar
dia aqui
dia lá
nessa an(dança)
eu não sou daqui
não sou dessa terra
eu não sou daqui
eu nasci bem longe daqui
eu não sou daqui
eu ainda tô chegando nessa cidade
eu não sou daqui
eu ainda tô me (acon)chegando nesse lugar
eu não sou daqui
mas quase sempre acontece da gente se enraizar
quase sempre acontece da gente se reinventar
sou mala de memória
me moram os meus guardados
carrego nostalgi(r)a
eu tenho uma pressa com tudo que eu pulso
eu sou uma acele(b)ração de tudo que eu chego
tem uma urgência no que a gente escorre
no que a gente escreve
agência dos nossos corpos em jogo
imergência do nosso cansaço
emergir de um toque feito nosso
surgir num sentido sagaz
nossa língua que só a gente entende
pra transfigurar num feixe completo
na iminência do meu fim
eu escorro dessa ampulheta com uma lógica que não é minha
do desnorteio dessa bússola toda invertida
sou a potência do ponto cego dessa gente
saio do alvo-mirada
numa descendência a ser per(corrida)
v(entre) lá e cá
eu me parto
aparto do ninho
eu me aperto
diz perto
aporto o ciclo
aportamos a conspiração
nós (re)partimos
nós nos parimos
nós parimos a liberdade
eu paro v(entre) cá e lá
paremos aqui eu me (in)vento
rumos (re)tra(n)çados eu me intento
quatro ponto
cardeal
com frequência
solar-espectral
insurgência
cardinal
de incidência
ancestral
dissidência
sexual
disse (ca)dência
(a)temporal
com fluência
ventral
desacelera
meu tempo no peito dela
assossega
meu tento no tempo dela
desfaz
qualquer lógica-compulsória
ela d(entra) e
fica
só mais um pouquinho
pra cada amarra-cadêteunamoradinho? deles no meu corpo
uma desamarra
minha marra
em derramar
marrom
em me esculp(ir)
deslizando nela toda
sentir seu coração pulsando na ponta dos meus dedos
amar a preta
é um desarme
me desarmar de qualquer moinho-adãoeeva
desfaz mecânica de reprodução
quebra engenho pra procriar ordem-sexista-cristã
me derreto inteira
pulsa meu plexo cardíaco
é minha visão transpassada
exercício em olhar pro meu reflexo
eu vivo esse céu todos os dias
e continuo aqui
eu (in)fundo meu ciclo todos os dias
e não chego ao fim
(re)novo no fim do mundo
cir(curo) começo meio começo meio começo
e perma(nasço) aqui
eu chovo essa queda todos os dias
e (rota)ciono aqui
enraizo
rezo
eu regenero numa gênese revivida
reinventada
eu (re)ciclo no giro completo do balanço da terra
no cerrado a mata entra em autocombustão
a terra sempre queima
as sementes antes impermeáveis
agora recebem água
de onde eu venho o ar é úmido e chove metade do ano
no cerrado a gente entra em autocombustão
nasce o que tem que nascer
morrer o que tem que morrer
acorda o que estava adormecido
brota o que tem que ser semeado
depois da queimada
fagulha tudo dentro
me beija no período fértil
chupa até beber o suco da minha fruta
ela é de uma terra que me assenta
sou frutífera
me (re)colhe
até sentir nosso corpo-terra estreme(sendo)
gota por gota
faísca por faísca
folha por folha
travessia transatlântica
traversia br(asa)
atraversamos o c(u)ântico
atraverso o a(verso)
atraver(sei)
que meus passos vêm de um passado longe
meus versos vão pra um futuro perto
versejar
ensejo
no an(seio) da terra-magia
meu caminho-movimento é
ponte-fonte-arco
pra transcursar
as desviantes
nossa sobrevivência
será assentada sobre a fundação da poesia
corpo-transi-terri-tório
transi-tempo
terri-tento
corpos desvi
antes de cês me matar
eu já atraver(sei) esse vão
foram feitores
nós somos feitura
de rainhas, reis e santos
eles nos ferradura
o deus do ferro nos guia
a cada fratura um ponto pra reinventar a estrutura
meu verso de memória é costura
fragmento de um passadopresentefuturo
circular
e (r)adiante
esculp(ir) a fresta
fer(ida) pra cura
recordar pra me (re)compor em
acordes e acordos de um tempo-espaço mil(u)nar
(re)acordar numa terra-sono-viagem
reme(moro) num sonho-futuro-agora
nessa corda firme
cada fi(lh)o dessa rede tece meu andar
cada seiva
cada trança
cada entrelaço
cada encruz-encontro
pra traçar as fendas
por cada um de nós
que nos vãos
vão su(cum)bir
pelos nossos traços
pelos nossos riscos