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264 CLÍNICA MÉDICA ■ DOENÇAS CARDIOVASCULARES

dicado mais precocemente, com diâmetro de 5 cm. Nas A B C


situações de valva aórtica bivalvulada, a substituição da
aorta ascendente deve ser feita quando esta atingir 5
cm, assim como nos aneurismas saculares, pelos mes-
mos motivos de complicações. Em procedimentos asso-
ciados, a aorta ascendente com diâmetro maior ou igual
a 4,5 cm também deve ser substituída. Os aneurismas
do arco aórtico, pela morbidade neurológica do proce- ■ Figura 3. (A) Fotografia de microscopia óptica corada com HE de
dimento, são operados com diâmetro a partir de 6 cm. aorta dissecada, em que é possível identificar a camada
Os aneurismas da aorta descendente ou toracoabdomi- média delaminada. (B) Fotografia de angiorressonância
nais, pela complexidade e pelos riscos de isquemia me- de aorta dissecada. (C) Fotografia intra-operatória em
que se identifica a aorta ascendente delaminada.
dular e esplâncnica, são operados quando maiores que
6,5 cm de diâmetro. O advento das próteses endovascu-
lares permitiu, para lesões específicas, o tratamento tico e aorta descendente por extensões variadas. Será do
com diâmetros menores, pela menor invasividade e tipo II quando a delaminação se restringir à aorta as-
pelo risco do procedimento25. cendente, e do tipo III quando a delaminação se esten-
Os pacientes portadores de síndrome de Marfan ou der a partir da artéria subclávia esquerda em direção ao
Ehler-Danlos têm indicação com diâmetros menores, diafragma (IIIa) ou até o abdome (IIIb). Outra conhe-
entre 4,5 e 5 cm, pois, por causa das alterações do tecido cida classificação foi descrita por Daily et al.27 que defi-
conectivo, apresentam risco aumentado de complicação ne como Stanford tipo A quando ocorrer o comprome-
(dissecção ou ruptura) com diâmetros menores21-23. timento da aorta ascendente e Stanford tipo B quando
Além do tamanho, a velocidade de crescimento o acometimento for a partir da artéria subclávia es-
transversal do aneurisma maior que 0,5 cm/6 meses ou querda. Quando a delaminação acometer o arco aórti-
1 cm/ano é motivo de indicação de tratamento cirúrgi- co, sem o comprometimento da aorta ascendente, clas-
co nos pacientes assintomáticos pelo risco de ruptura21. sifica-se como Stanford tipo B, diferentemente do que
Alguns cuidados pré-operatórios devem ser obser- se fazia anteriormente26.
vados nos pacientes com aneurisma de aorta. Cerca de O reconhecimento dessas classificações é necessário,
um terço dos pacientes apresenta doença pulmonar obs- pois será importante no tratamento a ser empregado,
trutiva crônica, portanto a espirometria e a gasometria
arterial devem ser solicitadas para estratificação e trata-
mento adequado destes. O ultra-som Doppler de caróti-
das deve ser solicitado nos pacientes acima de 65 anos. I II III
A B C
Dissecção de aorta

Definição
A dissecção da aorta é um evento patológico agudo,
caracterizado pela delaminação da camada média, a
partir de uma ruptura da íntima e criação de uma falsa
luz por onde o sangue corre paralelamente à luz verda-
deira por extensão variada. A ruptura da camada íntima
ocorre principalmente nos pontos de fixação do vaso,
onde a tensão superficial é maior, isto é, na junção si-
notubular e no istmo da aorta (Figura 3).

Classificações
O tempo de início do evento da dissecção determi-
na sua classificação em aguda ou crônica. Quando o iní- ■ Figura 4. Classificação das dissecções da aorta proposta por De-
cio do evento é menor que duas semanas, define-se Bakey e Daily.
como dissecção aguda, e processos mais tardios, como Tipo I ou Stanford tipo A = delaminação da aorta ascen-
dissecção crônica. dente que se estende por extensão variada da aorta des-
Classificações que consideram o segmento da aorta cendente. Tipo II ou Stanford tipo A = delaminação da
aorta ascendente que se restringe à aorta ascendente.
acometido também foram propostas (Figura 4). A pri-
Tipo III ou Stanford tipo B = delaminação da aorta des-
meira foi proposta por DeBakey et al.26. A dissecção será cendente que se estende por extensão variada. IIIa = se
do tipo I quando houver acometimento da aorta ascen- for restrita à aorta descendente torácica. IIIb = se esti-
dente com a delaminação estendendo-se pelo arco aór- ver estendida até a aorta abdominal.
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em razão da diferença de comportamento da moléstia da através de hemotórax, hemoperitônio ou sangra-


conforme sua localização e tempo do acometimento. mento para o retroperitônio29-31.

História natural Diagnóstico


A evolução clínica dos pacientes varia conforme a Nas dissecções da aorta, há a necessidade do diag-
localização do segmento delaminado e se o processo é nóstico preciso e imediato, porém tão importante
agudo ou crônico. As dissecções proximais (Stanford quanto o diagnóstico é a identificação do segmento ou
tipo A) apresentam risco de ruptura seguido de óbito de segmentos da aorta que estão comprometidos, pela di-
1 a 2% por hora nas primeiras 24-48 horas e ao final de ferença de conduta terapêutica a ser tomada na fase
14 dias verifica-se mortalidade variável de 60 a 90%. As aguda da doença.
dissecções distais (Stanford tipo B) apresentam na fase As informações relevantes que auxiliam na conduta
aguda mortalidade de 10%. As dissecções crônicas, pro- terapêutica são a extensão da dissecção, a identificação
ximais ou distais, apresentam comportamento seme- dos sítios de entrada e reentrada, de trombo na falsa luz
lhante ao dos aneurismas de aorta28. do vaso, do envolvimento dos ramos aórticos, da pre-
sença e quantificação da insuficiência aórtica, do derra-
Manifestações clínicas me pericárdico e do envolvimento dos óstios coronaria-
nos. Portanto, com base no que foi relatado, não existe
A maioria dos pacientes portadores de dissecção um único exame que possa fornecer todas essas infor-
aguda da aorta apresenta dor intensa, de início súbito, mações.
de caráter migratório e geralmente descrita como sen- O ecocardiograma transesofágico apresenta elevada
sação de rasgamento ou pontada. A localização inicial sensibilidade e especificidade para a identificação e clas-
da dor sugere o local do início da dissecção. Nas dis- sificação da dissecção da aorta. É exame de fácil acesso,
secções proximais, a dor começa no precórdio, irradia- rápido de ser realizado, além de permitir a precisa ava-
se para pescoço, braços e mandíbula antes de migrar liação da valva aórtica, do derrame pericárdico e da
para costas, região lombar ou membros inferiores. Nas função ventricular. Entre as suas limitações, é possível
dissecções distais, é preferencialmente referida como citar alguns pontos cegos para a avaliação da aorta torá-
dor nas costas, irradiada para dorso, abdome ou mem- cica e o fato de ser observador-dependente.
bros inferiores. Difere da isquemia miocárdica pela in- A angiotomografia de aorta seria o outro exame a
freqüente associação com náusea e vômitos, pela inten- ser realizado na avaliação dos casos agudos pela sua
sidade crescente e possível isquemia de territórios sensibilidade, especificidade e velocidade de realização.
adjacentes29-31.
O acometimento das artérias emergentes da aorta Tratamento
ocorre em aproximadamente 30% dos pacientes com
dissecção da aorta. O prejuízo da perfusão coronariana As dissecções agudas proximais (tipos I e II de De-
caracterizando angina pode ocorrer em até 3% dos pa- Bakey ou Stanford tipo A) deverão sempre ser encami-
cientes; o comprometimento dos vasos do arco aórtico, nhadas para cirurgia o mais precocemente possível, por
que resulta em agitação psicomotora, perda da cons- causa de sua agressiva história natural. Já as dissecções
ciência e acidente vascular cerebral, pode acometer até distais (tipo III de DeBakey ou Stanford tipo B), em ra-
7% dos pacientes; há o déficit motor em membros infe- zão da evolução mais benigna, devem ser mantidas em
riores secundários à isquemia medular em 1 a 2,5% dos tratamento medicamentoso, a não ser quando associa-
pacientes; a insuficiência renal está presente em 6 a 8% das às suas complicações de ruptura, isquemia visceral,
dos pacientes; verificam-se angina abdominal por is- medular ou de membros inferiores.
quemia mesentérica em 1,5% dos pacientes e isquemia Quando a dissecção da aorta for crônica, as indica-
de membros inferiores por prejuízo da perfusão ilíaco- ções do tratamento cirúrgico serão aquelas utilizadas
femoral em 13%29-31. para os aneurismas da aorta. Vale ressaltar que as dila-
O comprometimento da valva aórtica ocorre em tações secundárias à dissecção da aorta apresentam
torno de dois terços dos pacientes com dissecção proxi- ruptura com diâmetros menores que aquelas secundá-
mal, e em mais da metade dos casos a insuficiência val- rias ao aneurisma verdadeiro da aorta.
var é importante e acompanhada de dispnéia, pela insu-
ficiência cardíaca secundária à regurgitação aórtica29-31. Variantes das dissecções da aorta torácica
O tamponamento cardíaco, um dos principais res- (dissecções atípicas da aorta)
ponsáveis pela instabilidade hemodinâmica dos pacien-
tes com comprometimento proximal da aorta, pode estar Úlceras ateroscleróticas penetrantes
presente entre 20 e 40% dos casos, variando conforme a
brevidade do diagnóstico e o encaminhamento do pa- Descritas pela primeira vez por Shennan32, em 1934,
ciente para a correção cirúrgica. Pode também ocorrer as úlceras ateroscleróticas penetrantes (UAP) (Figura 5)
ruptura da aorta descendente ou abdominal manifesta- apresentam placas ateromatosas que ulceram e desorgani-

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