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A lenda de Platão, o filósofo grego, foi preservada por

pastores egípcios desde o ano 400 a.C.


Ela descreve dois diálogos que se referem a uma viagem de
Sólon ao Egito, onde ele soube que os sacerdotes egípcios
de Sais possuíam registros escritos sobre "uma ilha
continental além das Colunas de Hércules chamada
Atlântida, o centro de um grande e maravilhoso império"
com uma grande população, cidades de telhados de ouro,
frota e exércitos poderosos para invasão e conquistas. A
Atlântida é descrita como uma civilização avançada, um
império de engenheiros e cientistas, tão ou mais
avançados tecnologicamente que a nossa civilização.
Segundo a lenda, desapareceu há cerca de 12 mil anos em
meio a enchentes e terremotos, forçando seus
sobreviventes a se refugiarem por todo o mundo.
Há séculos exploradores e cientistas buscam em vão esta
civilização perdida. A maioria dos pesquisadores concorda
com os estudos realizados no século XVII pelo padre
Kircher, o qual afirmou que o continente desaparecido
situava-se a oeste do estreito de Gibraltar, ou seja,
submerso em algum lugar do Atlântico.

Os diálogos de Platão :

"Do litoral até o centro da ilha estendia-se uma


planície, da qual dizem que teria sido a mais bela e
melhor de todas. Perto daquela planície, mas, em direção
ao centro, a uma distância de cerca de 50 estádios (=
cerca de 90 quilômetros), havia uma montanha, de
vertentes planas em todos os lados. Naquela montanha
residia um homem, primitivamente brotado do solo, de nome
Euenor, em companhia de sua mulher, Leucipa; eles tiveram
uma só filha, de nome Clito. Quando a moça entrou na
idade núbil, os pais faleceram. Posêidon enamorou-se dela
e a ela se uniu. Ele separou, em todo o seu redor, a
montanha, em cujo topo a moça morava, depois de tê-la
firmemente cercado; para tanto, colocou em sua volta
faixas pequenas e progressivamente maiores, de mar e de
terra, duas de terra e três de água marinha, com a mesma
distância entre uma e outra, em todos os pontos;
destarte, a montanha, no centro da ilha, tornou-se
inacessível às pessoas de fora, visto que, naquela época,
ainda não havia navios, nem a navegação. Por sua vez,
Posêidon instalou-se na ilha, situada no centro, com toda
a facilidade de que dispunha em sua qualidade de deus,
fazendo jorar da terra duas nascentes de água, uma fria,
outra quente, e brotar do alimentos suficientes e em
grande variedade. De filhos, ele gerou, por cinco vezes,
irmãos gêmeos, que criou; depois de dividir toda a ilha
de Atlântida em dez partes, deu ao primogênito do mais
velho casal de gêmeos a morada materna e as terras que a
rodeavam, as melhores e mais extensas, e o nomeou rei
sobre os demais, que instituiu como arcontes, pois a cada
um deles conferiu soberania sobre muitas pessoas e terras.
Também deu nomes a todos; ao mais velho e rei atribuiu o
nome que é de toda a ilha e do mar, que se chama de
Atlântico, visto que o nome do primogênito, então rei,
era Atlas. Ao nascido em segundo lugar, após aquele irmão
gêmeo, deu o nome de Gadeiro, no vernáculo, e Eumelo, em
idioma helênico; constituiu-o soberano das terras
situadas na extrema ponta da ilha, em direção das Colunas
de Hércules, até as atuais terras de Gadeiro, denominadas
segundo aquela região; provavelmente, derivam o seu nome
daquele rei. Do segundo par de gêmeos, um chamou de
Anferes e o outro de Euaimon; ao terceiro deu o nome de
Mneseas, aquele que nasceu primeiro e de Autócton aquele
que nasceu depois; com o quarto, deu o nome de Elasipo
aquele que nasceu primeiro e de Mestor, ao que nasceu
depois; enfim, com o quinto, deu o nome de Azaes ao que
nasceu primeiro e de Diapapes, ao que nasceu depois.
Esses, bem como seus descendentes, moravam lá, durante
muitas gerações, como soberanos de numerosas ilhas no mar
e, conforme já foi falado, de vastos territórios e
grandes povos, de dentro, abrangendo o seu reino as
terras que se estendem até o Egito e a Tirrênia.
Atlas era o ancestral de uma estirpe numerosa e nobre e
como sempre o filho mais velho transmitiu o reino ao mais
velho dos seus descendentes, ela conservou o seu poder
durante muitas gerações. Também possuiu riquezas em
enorme abundância, superiores às existentes em qualquer
outro reino do passado, contemporâneo ou futuro, pois, lá
havia de tudo quanto pudesse vir a ser necessário, tanto
nas cidades, quanto no resto do país. Muita coisa lhes
veio de fora, a título de tributo, no entanto, em sua
maior parte a própria ilha lhes garantiu seu sustento.
Havia de todos os metais, a serem extraídos da terra,
fossem sólidos ou fusíveis, inclusive aqueles tipos que
hoje somente são conhecidos pelo nome, mas naquela época
não eram um nome apenas, tais como o minério de ferro,
obtido de depósitos encontrados em vários pontos da ilha
e que, por muitas pessoas, era então o mais apreciado,
depois do ouro. Havia grande abundância de tudo quanto a
floresta produz para a atividade artesanal, bem como para
a alimentação de animais domésticos e selvagens; lá
existiu também a espécie dos elefantes, proliferando em
grande número. Pois além das extensas pastagens para
todos os animais que vivem nos pântanos, nas lagoas, nos
lagos, tanto nas montanhas, como nas planícies, havia
sustento também para aquela espécie que, por sua
natureza, é a maior em tamanho e consome maior quantidade
de alimento. Outrossim, a ilha deu e manteve,
perfeitamente, tudo quanto a terra produz de aromático,
fossem raízes, ervas, árvores, rezinas, flores ou frutos.
Produziu, igualmente o fruto doce (banana) e o fruto seco
(trigo), que nos serve de alimento, bem como todos os
demais para os nossos pratos de comida, que genericamente
chamamos de verdura e o fruto que cresce igual a uma
árvore e fornece bebida, comida e óleo de unção
(coqueiro). Ainda deu as frutas de pomar, de difícil
conservação, criadas para nosso divertimento e nossa
recreação, mais todas as frutas a serem servidas de
sobremesa, para excitar os apetites já saciados de
pessoas cansadas de comer. Tudo isto houve em quantidades
enormes naquela ilha que, a seu tempo, se estendeu
divina, bela e admirável debaixo das luzes de Hélio.
Conquanto a terra proporcionasse tudo a seus habitantes,
esses ergueram templos e palácios reais e portos e
estaleiros e construíram todo o seu país, procedendo da
seguinte maneira :
Começaram por colocar pontes sobre os círculos de água,
envolvendo o centro primitivo, a fim de estabelecer um
caminho de acesso ao palácio real. Todavia, logo de
início, ergueram o palácio real no local da morada da
deusa Clito e de seus antepassados, que passou de
descendente a descendente, com cada um esforçando-se para
superar seu antecessor no embelezamento do palácio, até
torná-lo notável, pela grandiosidade e beleza de suas
obras. Abriram um canal, a partir do mar, de 3 pletros (=
cerca de 90 metro) de largura, 100 pés (= cerca de 30
metros) de profundidade e 30 estádios (= cerca de 90
quilômetros) de comprimento; este canal estendia-se até o
aterro mais avançado e abria uma entrada para a passagem
de navios; destarte, possibilitaram a navegação e fizeram
entrar os barcos naquele local, como se fosse um
estuário. E, da mesma forma, perfuraram também os aterros
entre os círculos de água, em direção das pontes, o
suficiente para uma embarcação passar de um para outro;
essas passagens cobertas eram para as embarcações
passarem por baixo, pois, para tanto, os aterros tinham
altura suficiente. Todavia, o maior dos círculos de água,
no qual penetravam as ondas do mar, tinha a largura de 3
estádios (= 540 metros) e o aterro contíguo era dessa
mesma largura; os dois próximos círculos de água tinham a
largura de 2 estádios (= 360 metros) e o aterro
circundante era dessa mesma largura. O círculo de água
envolvendo a ilha situada no centro era da largura de um
estádio (= 180 metros), enquanto que a ilha com o palácio
real tinha o diâmetro de 5 estádios (= cerca de 900
metros). A exemplo dos círculos de água e da ponte, uma
muralha de pedra cercava essa ilha central, de um pletro
(= cerca de 30 metros) de largura; em toda a
circunferência, essa muralha era guarnecida de torres e
havia portas nas pontes, dando para o mar. Ademais, eles
escavaram a rocha debaixo da ilha, situada no meio do
círculo de água, bem como debaixo das áreas externas e
interna dos aterros. As pedras escavadas eram, ora
vermelhas, ora pretas, e no interior das escavações
instalaram estaleiros duplos, protegidos pela própria
rocha. Ergueram edifícios de uma só cor, bem como
coloridos, jogando com os diversos tipos de pedras,
misturando-as e ressaltando as suas belezas naturais. A
muralha ao redor do extremo círculo de água era revestida
de ferro, que, para tanto tornaram líquido, igual ao óleo
de unção; a muralha interna era banhada de zinco e às
muralhas em volta do palácio deram um revestimento feito
de minério bruto e brilhando como o fogo.
No âmbito da acrópole, o palácio real tinha a seguinte
distribuição : no centro estava o templo, consagrado a
Posêidon e Clito, a cujo interior o povo não tinha
acesso. Esse templo era cercado por grades de ouro e
erguido no local onde a geração primitiva dos dez filhos
reais foi concebida e dada à luz. Anualmente, para lá
eram levados os sacrifícios rituais devidos aos dois
ancestrais e provenientes de todas as dez regiões do
país. O próprio templo de Posêidon tinha um estádio (=
180 metros) de comprimento, 3 pletros (= 30 metros) de
largura e altura proporcional a essas dimensões; e efígie
do deus era de aparência algo bárbara. Em toda a sua
parte externa, o templo era revestido de zinco,
excentuando-se as torres, cujo revestimento era de ouro.
No interior do templo, o forro, de marfim, era decorado
em ouro, prata e minério bruto; tudo o mais, as paredes,
colunas, os pisos, eram revestidos de minério bruto. Lá
também ergueram estelas de ouro, representando a deidade,
dentro de uma carruagem, guiando seis cavalos alados e
tocando com a cabeça no teto. Centenas de nereidas,
montadas em golfinhos, cercavam a divindade, pois naquela
época as pessoas acreditavam que existisse em tal número.
Além destas, havia ainda muitas outras estelas, doadas
por cidadãos. Na parte externa do templo, imagens
douradas mostravam toda a descendência real, as mulheres
e todos aqueles que nasceram da primitiva dezena de reis,
bem como cidadãos, moradores da própria cidade e outras
pessoas, de fora, seus súditos e vassalos. Também o altar
correspondia em suas dimensões e na execução à
grandiosidade das obras, em seu conjunto. O palácio real
possuía mobiliário e ornamentos, condizentes com a
imponência do reino e a pompa do templo.
As nascentes, uma de água fria e outra de água quente -
que tanto davam água em abundância, quanto, por sua
natureza e graças à sua conveniência e excelência, se
prestavam otimamente bem para o uso - eram aproveitadas
da seguinte maneira : em toda a sua volta construíram
casas, fizeram culturas de algodão, bem irrigadas e
instalaram reservatórios de água; alguns desses
reservatórios ficavam sob o céu aberto, outros em área
coberta, servindo para banhos quentes durante o inverno.
Havia banhos reservados à família real, aos cidadãos, às
mulheres e ainda bebedouros para os cavalos e demais
bestas de carga, ficando cada grupo com as suas
respectivas instalações. As águas filtradas eram captadas
e levadas para o bosque de Posêidon, onde, graças à
excelência do solo, havia várias espécies de árvores, de
grande beleza e altura; de lá eram levadas por, por
canais, até os extremos círculos de água, perto das
pontes. Naquele local tanto havia numerosos santuários,
consagrados às várias deidades, quanto jardins e ginásios
de esportes reservados tanto para homens quanto para
cavalos; todas essas obras e instalações encontravam-se
sobre os dois aterros, formando uma ilha. No centro do
aterro maior, havia, entre outros, uma formidável pista
de corrida de cavalos, da largura de um estádio (= 180
metros), acompanhando a muralha circular em toda a sua
extensão. De ambos os lados dessa pista ficavam as casas
dos lanceiros, conforme o seu número. Os homens de maior
confiança eram encarregados da guarda do círculo interno,
mais próximo do palácio; outros, cuja fidelidade
comprovadamente superava a de todos os demais, ficavam no
interior do palácio, onde moravam. Os estaleiros estavam
repletos de embarcações, amplamente guarnecidas de todos
os equipamentos necessários. A resistência do rei era
instalada assim : depois de passar pelos três círculos de
água, externos, chegava-se a uma muralha que se erguia
do mar, a uma distância de 50 estádios (= cerca de 9
quilômetros) do extremo círculo de água externo; essa
muralha evoluía em um círculo e, neste mesmo espaço,
envolvia a foz do canal, no mar. Toda essa área era
densamente povoada, repleta de casas residenciais,
enquanto que a praça de embarque e desembarque e o grande
porto mal conseguiam conter o número de navios e
mercadores, provenientes de todas as partes, que, com
seus gritos, sua balbúrdia e seu constante vaivém,
causavam intenso movimento, dia e noite.
Destarte, a cidade e o recinto da antiga residência era
assim, como outrora foram descritos e ora são
relembrados. Agora, cumpre tentar fazer o relato das
condições físicas, naturais daquele país e de sua
distribuição interna. Em primeiro lugar, toda aquela área
descrita como subindo, ímgreme, do mar e atingindo grande
altitude. Toda a planície ao redor da cidade, por ela
envolvida, teria sido cercada por montanhas, que se
estendiam até o mar; essa região plana, de forma oval,
cobria uma superfície que, em uma das direções, era de
3.000 estádios (= cerca de 540 quilômetros) e em direção
transversal, subindo do mar, media 2.000 estádios (=
cerca de 360 quilômetros); ficava aberta para o sul, mas,
ao norte, era protegida contra os ventos. Na época, as
montanhas circundando essa planície eram muito elogiadas,
pois em quantidade, proporções e beleza ultrapassavam as
atualmente conhecidas e ainda por abrigarem, além de
numerosos sítios densamente povoados, rios, lagos e
prados, oferecendo pasto a animais selvagens e
domésticos, bem como extensas e espessas matas, com as
mais variadas espécies de árvores, fornecendo matéria
prima para obras de todos os tipos, em geral e em
particular. Era então a seguinte a constituição física
daquela planície, conforme ficou conservada durante muito
tempo, no reinado de muitos reis. O esquema primitivo era
um quadrilátero alongado, em grande parte cortado por
valas e o que faltava era completado, seguindo o percurso
da vala circundante. Quanto à sua profundidade, largura e
seu comprimento, embora parecessem inacreditáveis os
dados fornecidos, lá deve ter havido, entre outros
trabalhos, uma obra de enormes dimensões, feita pela mão
do homem. Pois bem, mas cumpre contar o que ouvimos falar
a respeito. A vala teria tido um pletro (= cerca de 30
metros) de profundidade, um estádio (= 180 metros) de
largura, em toda a sua extensão e, como envolvia a
planície inteira, seu comprimento teria sido de 10.000
estádios (= cerca de 1.800 quilômetros). Naquela vala
eram captados os rios que desciam as vertentes das
montanhas e como ela circundava toda a planície e atingia
a cidade de ambos os lados, fazia com que suas águas
escoassem no mar. Dessa vala gigante, canais retos,
geralmente de 30 metros, aproximadamente, de largura,
saíam de sua parte superior, adentrando a planície e
voltando para o trecho que levava ao mar; a distância
entre esses canais era de 100 estádios (= cerca de 18
quilômetros). Desta maneira, transportavam a madeira das
montanhas para a cidade, bem como todos os demais
produtos da estação, que carregavam em veículos, depois
de terem completado o sistema de ligações transversais
entre os canais e a cidade. E faziam duas colheitas por
ano; no inverno usavam a água de Zeus, no verão a água da
qual a terra necessitava e que veio pelos canais. O
contingente dos homens aptos para a guerra e que moravam
na planície, era determinado na medida em que cada clero
apresentava um capitão; cada clero era de dez vezes dez
estádios (= cerca de 1.800 quilômetros) e todos os cleros
juntos, somavam sessenta mil; os habitantes das montanhas
e do resto do país eram dados como representando uma
enorme massa popular; porém, segundo seus povoados e
sítios, naqueles cleros, todos eles estavam subordinados
aos respectivos capitães. Outrossim, ficou determinado
que, em caso de guerra, o capitão tinha de fornecer a
sexta parte de uma carruagem de guerra, ou seja, ao todo
dez mil, dois cavalos com cavaleiros, um carro puxado por
dois cavalos, sem assento, levando um guerreiro, que dele
descia, ao entrar em combate e mais de um homem para
montar o cavalo, três homens fortemente armados, com dois
arqueiros e arremessadores, mais três arremessadores de
pedras e lanças, portando armas leves, para cada um dos
mencionados em primeiro lugar, bem como quatro barqueiros
para a tripulação de 1.200 navios de guerra. Era esta a
organização militar do reino; quanto aos demais nove
reinos, com cada um diferente do outro, iria muito longe
e levaria muito tempo descrevê-los aqui.
Desde o início, a administração civil e os cargos
honoríficos eram organizados da seguinte maneira : cada
um dos dez reis governava a parte do reino que lhe coube;
ele instituía a maioria das leis, punia e matava conforme
a sua vontade. Todavia, a soberania e comunidade entre os
dez reis eram sujeitas à vontade de Posêidon, conforme
rezam a lei e a inscrição, gravadas pelos ancestrais
primitivos em uma coluna de minério bruto, que se ergue
na ilha, no santuário de Posêidon. Para lá dirigiam-se a
cada quinto, alternadamente, cada sexto ano, a fim de ser
proporcionado ensejo de participação ao número par e
ímpar. Nessas reuniões deliberavam a respeito de assuntos
comunicatórios e examinavam, se alguém transgredia a lei,
para, em caso positivo, puní-lo. Quando estavam para
realizar julgamento, os reis se davam, mutuamente, a
seguinte garantia prévia : como, no santuário de Posêidon
pastavam livremente touros em número de dez, os reis,
após invocação da divindade, rogando para que
conseguissem pegar o seu touro, começavam a caçada,
usando tão somente paus e cordas, abstendo-se de usar o
ferro. O touro que pegavam, era levado para a coluna e
ali sacrificado, sobre a inscrição. Além de na coluna
terem sido inscritas as leis, lá ainda estava gravado um
juramento, pronunciando duras maldições para os reis
desobedientes. Depois de terem oferecido em sacrifício
todos os membros do touro, conforme o ritual prescrito em
suas leis, enchiam um caldeirão e nele colocavam uma gota
de sangue coalhado para cada rei presente, enquanto que,
ao limparem a coluna em toda a sua volta, jogavam na
fogueira os demais restos do animal sacrificado. Em
seguida, pegavam cálices de ouro, que enchiam com o
líquido do caldeirão, para com ele regarem a fogueira,
enquanto juravam passar julgamento, conforme as leis
inscritas na coluna e punir a quem tivesse transgredido
qualquer dos mandamentos, durante o período do tempo em
apreço, bem como jamais no futuro transgredi-los por
livre vontade, e de não governar, nem obedecer a outro
soberano, se não fossem observadas as leis do pai. Após a
cerimônia, durante a qual cada rei prestava juramento
para si próprio e seus descendentes, bebia da mistura do
caldeirão e depositava o cálice no santuário de Posêidon,
eles faziam a sua refeição e ocupavam-se de outras coisas
necessárias. Quando descia a noite, envolvendo tudo em
seu manto de escuridão e os fogos dos sacrifícios estavam
para extinguir-se, os reis presentes vestiam trajes de
cor azul-marinha, escura, de extrema e rara beleza. De
noite, sentados no chão, envoltos pelo brilho dos fogos
de sacrifício, perante os quais haviam acabado de prestar
juramento, aguardavam pela extinção de todos os fogos no
santuário; em seguida, os reis julgavam-se, mutuamente,
quando alguém era acusado de ter transgredido a lei. Ao
raiar o dia, inscerviam a sentença em uma lápide de ouro,
a qual, junto com seus trajes, era guardada em memória do
julgamento. Além dessas, havia muitas outras leis,
regendo os deveres reais, cujos objetivos principais eram
os de jamais os reis guerrearem entre si, mas sim se
prestarem auxílio mútuo, quando, em qualquer um dos
reinos, alguém procurasse aniquilar a estirpe real e, a
exemplo dos seus ancestrais, sempre tomavam em conjunto
todas as resoluções referentes a guerras e outras
empresas, ficando em todos os instantes, a supremacia
absoluta reservada à nobre estirpe atlântida. Outrossim,
nenhum rei teria o poder de vida e morte sobre qualquer
um dos seus parentes, a não ser que mais da metade dos
dez soberanos concordasse com uma respectiva deliberação.
Este poder de tamanha magnificência e substância, que
então reinava naquelas terras, foi ali instituído pelo
deus, pelas seguintes razões, conforme dizem : durante
muitas gerações, enquanto a natureza divina ainda estava
ativa no seu coração, os reis obedeceram às leis e
demonstraram comportamento amigável para com os seus
parentes divinos. Pois eram de índole verdadeiramente
magnânima, reunindo a mansidão com a superioridade,
conforme o provaram em casos de acidentes, bem como, no
trato mútuo e, por causa disto, deram pouco valor a tudo
o mais, exceto à capacidade individual e consideraram a
existência da grande abundância de ouro e outras riquezas
tão somente como se fosse uma carga a levar, sem que,
ébrios de excessos devido às suas posses, perdessem o
autocontrole e caíssem em erro; mas sim, com toda a
sobriedade souberam avaliar justamente que tudo aquilo
somente floresceu devido à amizade recíproca, aliada à
capacidade individual, porém ficaria arruinado com a
ânsia da cobiça e a supervalorização, o que faria com que
a amizade caducasse junto com a capacidade. Graças a essa
mentalidade e à ação contínua da natureza divina, com
eles tudo progrediu e saiu-se bem, conforme acabamos de
relatar. Todavia, quando, aos poucos, a sua natureza
divina ficou debilitada, por causa da frequente mistura
do seu sangue com o sangue de muitos mortais e a natureza
humana chegou a neles prevalecer, então começaram a
revelar-se incapazer de conviver com as suas riquezas e
se tornaram de índole má.
Aos olhos de pessoas capazes de entendê-los, eles eram
cheios de vícios, pois tiveram a sanha de destruir as
mais belas entre as coisas mais valiosas; no entanto,
para os outros, incapazes de conceber uma vida dirigida
para a verdadeira felicidade, os reis eram tanto mais
perfeitos e felizes quanto mais obcecadamente e com maior
ânsia injustificada procuraram proveitos e poderes.
Contudo, o deus dos deuses, Zeus, que rege segundo as
leis eternas e perfeitamente reconheceu o estado
lastimável em que se encontrou essa estirpe, outrora tão
capaz, resolveu castigá-la e, para tanto, convocou todas
as deidades, em sua morada sublime, situada no centro do
cosmo, de onde se avista tudo que, no decorrer dos
tempos, participou do processo de evolução e quando lá
estavam reunidos, ele falou..."
O diálogo termina aqui.

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