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Redemption
(1994)
Pedro
Alves
Investigador
do
CITCEM
-‐
Centro
de
Investigação
Transdisciplinar
Cultura,
Espaço
e
Memória
Faculdade
de
Letras
da
Universidade
do
Porto,
Av.
Panorâmica
s/n,
4150-‐564
Porto
(Portugal)
Resumo
Todos
os
personagens
de
um
filme
de
ficção
narrativa
habitam
um
contexto
espacial
que
envolve
a
consecução
de
suas
ações,
a
perseguição
de
seus
objetivos
e
a
satisfação
de
suas
necessidades.
Tal
como
na
realidade,
as
narrativas
ficcionais
fílmicas
apresentam
um
conjunto
de
intervenientes
que
desenvolvem
o
seu
ser
e
o
seu
atuar
mediante
as
possibilidades
ou
imposições
do
ambiente
espacial
em
que
se
inserem.
Cada
filme
apresenta
diferentes
concepções
de
espaços
-‐
urbanos
ou
rurais,
naturais
ou
artificiais,
abertos
ou
fechados,
concretos
ou
indefinidos,
visíveis
ou
invisíveis,
reais
ou
fictícios,
comunicados
ou
imaginados
-‐,
sempre
como
partes
imprescindíveis
da
evolução
dramática
de
uma
história
e
de
seus
personagens.
A
presente
proposta
de
investigação,
apoiada
num
marco
teórico
relevante
sobre
tipologias
e
funções
do
espaço
narrativo
fílmico,
adota
o
tema
da
cidade
e
o
seu
possível
papel
opressor
e
limitador
de
ações
e
comportamentos
como
referência
para
a
referida
consideração
do
espaço
narrativo
e
ficcional
no
cinema.
Para
concretizar
dita
análise
usamos
dois
exemplos
cinematográficos
de
épocas
e
naturezas
distintas
–
“Ladri
di
Biciclette”
(1948)
de
Vittorio
de
Sica,
e
“The
Shawshank
Redemption”
(1994)
de
Frank
Darabont
–
com
o
objetivo
de
aferir
a
instauração
discursiva
e
narrativa
do
contexto
urbano
como
antagonista
e
condição
determinante
para
a
criação
de
conflitos
entre
os
personagens
principais
dos
filmes
e
o
seu
contexto.
Palavras
chave
Cinema,
narrativa,
ficção,
espaço,
opressão,
Ladri
di
Biciclette,
The
Shawshank
Redemption
Abstract
Every
character
within
a
narrative
fiction
film
inhabit
a
certain
spatial
context
that
involves
the
consecution
of
their
actions,
the
persecution
of
their
goals
and
the
satisfaction
of
their
needs.
As
in
reality,
narrative
fictional
films
present
a
set
of
intervenients
that
develop
their
being
and
acting
within
the
possibilities
or
impositions
of
the
spatial
ambient
in
which
they
participate.
Each
film
presents
different
conceptions
of
space
–
urban
or
rural,
natural
or
artificial,
open
or
closed,
determined
or
indetermined,
visible
or
invisible,
real
or
fictional,
communicated
or
imagined
-‐,
always
as
indispensable
parts
of
the
dramatic
evolution
of
a
history
and
its
characters.
This
research,
supported
by
a
relevant
theoretical
background
concerning
typologies
and
functions
of
the
filmic
narrative
space,
adopts
the
theme
of
the
city
and
its
possible
oppressor
role
as
limitative
of
actions
and
behaviours
as
a
reference
to
the
referred
regards
on
narrative
and
fictional
space
in
cinema.
To
fulfil
this
analysis,
we
use
two
film
examples
of
different
time
and
nature
–
“Ladri
di
Biciclette”
(1948)
by
Vittorio
de
Sica,
and
“The
Shawshank
Redemption”
(1994)
by
Frank
Darabont
–
aiming
to
gauge
the
discursive
and
narrative
instauration
of
the
urban
context
as
antagonist
and
as
a
determinant
condition
for
creating
conflicts
between
the
main
film
characters
and
their
environment.
Key
words
Film,
narrative,
fiction,
space,
oppression,
Ladri
di
Biciclette,
The
Shawshank
Redemption
Introdução
A
presente
proposta
de
investigação
debruça-‐se
sobre
o
papel
do
espaço
nos
filmes
de
ficção
narrativa,
centrando-‐se
com
maior
pormenor
sobre
o
seu
possível
papel
opressor
e
antagonista
no
contexto
narrativo
e
ficcional
fílmico,
ou
seja,
como
participante
ativo
no
contexto
fílmico
que
apresenta
condições
e
características
que
dificultam
ou
impossibilitam
a
concretização
dos
objetivos
dos
personagens
principais
de
uma
narrativa,
contribuindo
assim
decisivamente
para
instaurar
maior
intensidade
e
emotividade
na
ação
narrativa
e,
consequentemente,
na
experimentação
da
mesma
por
parte
do
espectador.
No
contexto
da
investigação
teórico-‐prática
sobre
cinema
e,
mais
concretamente,
sobre
o
espaço
fílmico,
o
presente
trabalho
propõe
uma
análise
direcionada
para
o
espaço
narrativo
fílmico
como
elementos
de
opressão
e
de
antagonismo,
ativo
e
participante
na
ação
fílmica,
e
assim
imprescindível
e
indissociável
das
consequências
e
resultados
narrativos
atingidos
pelos
personagens
da
mesma.
Objetivos
-‐ Estabelecer
uma
caracterização
teórica
do
espaço
fílmico
e
das
suas
possibilidades
na
construção
de
narrativas
ficcionais
e
fílmicas.
-‐ Verificar
a
relevância
e
quais
as
principais
características
do
espaço
narrativo,
ficcional
e
fílmico
que
é
estabelecido
contrariamente
às
intenções
dos
personagens
principais
de
um
filme.
-‐ Comprovar
o
uso
e
os
efeitos
do
espaço
opressor
no
contexto
narrativo,
ficcional
e
fílmico
em
dois
filmes
de
épocas,
contextos
e
naturezas
distintas,
de
forma
a
averiguar
um
potencial
transversal
do
papel
opressor
do
espaço
no
cinema.
Metodologia
-‐ Sistematização
teórica
de
autores
de
relevância
no
contexto
do
estudo
do
espaço
narrativo,
ficcional
e
fílmico
-‐ Estabelecimento
teórico
da
relevância
de
uma
consideração
do
papel
opressor
do
espaço
no
contexto
-‐ Estabelecimento
teórico
das
principais
características
para
uma
análise
do
espaço
narrativo,
ficcional
e
fílmico
-‐ Aplicação
das
características
analíticas
referidas
anteriormente
na
análise
de
dois
filmes
de
épocas
e
naturezas
distintas:
Ladri
di
Biciclette
(1948)
e
The
Shawshank
Redemption
(1994)
-‐ Extração
de
conclusões
relativamente
à
transversalidade
característica
e
opressora
do
espaço
narrativo,
ficcional
e
fílmico
nos
dois
exemplos
analizados
1.
O
ESPAÇO
NARRATIVO
NA
EXPRESSÃO
FÍLMICA
A
determinação
espacial
de
uma
narrativa
processa-‐se
dentro
de
uma
conexão
profunda
entre
o
espaço
discursivo
(aquele
que
é
resultado
do
trabalho
de
expressão
através
da
câmara)
e
o
espaço
histórico
ou
diegético
(aquele
habitado
pelos
personagens,
construído
pela
imaginação
do
autor
e
quase
sempre
sem
uma
natureza
verdadeira,
ou
seja,
resultado
da
sugestão
de
relações
de
contiguidade,
proximidade
ou
distanciamento
que
não
existem
na
realidade).
Isto
significa
que
o
espectador
fílmico
só
pode
construir
uma
geografia
diegética
através
do
espaço
que
é
mostrado
ou
sugerido
visual
e/ou
auditivamente.
Não
obstante,
Gaudreault
y
Jost
(1995:
88-‐92)
lembram
que
existem
dispositivos
discursivos
para
“esconder”
ou
não
mostrar
a
totalidade
do
espaço
narrativo
(escuridão
visual,
anulação
das
referências
cénicas,
contiguidade
de
grandes
planos
que
anula
referências
espaciais,
ou
até
o
fora-‐de-‐
campo
visual),
e
que
além
do
espaço
diegético
existem
outras
tipologias
de
espaços
que
não
participam
diretamente
no
universo
narrativo.
De
acordo
com
Marchis
e
García
Guardia
(2006:
91-‐92),
isto
conduz
necessariamente
a
uma
divisão
entre
espaços
de
existência
e
aplicação
diegética
(fazem
parte
do
mundo
narrativo)
e
aqueles
espaços
extra-‐diegéticos
ou
não-‐diegéticos
que
não
participam
da
ação
veiculada
pela
história
(espaços
atrás
do
cenário
e
da
câmara,
espaço
da
equipa
de
rodagem
fora
do
ecrã,
ou
até
os
espaços
de
recepção
fílmica
como
a
superfície
do
ecrã
ou
a
sala
de
cinema).
1
A história de uma narrativa é composta por “acontecimentos” (ações e eventos) e por “existentes”
(personagens ou sujeitos da ação, e ambientes). O espaço narrativo dentro do plano do conteúdo narrativo
enquadra-se no campo dos ambientes narrativos, enquanto palco para os personagens poderem
protagonizar suas ações e como possível foco originador de eventos não-relacionados com a ação dos
personagens.
No
entanto,
nem
tudo
o
que
se
processa
fora
do
campo
visual
fica
de
fora
do
entendimento
diegético
do
espaço
narrativo.
Bonitzer
(2007:
70,
79)
defende
que
o
fora-‐de-‐campo
visual
pode
guardar
elementos
espaciais
que
a
mente
associativa
do
espectador
recupera
de
planos,
cenas
e
sequências
anteriores
ou
posteriores,
construindo
assim
as
relações
de
proximidade
ou
distanciamento
entre
os
vários
contextos
onde
acontece
a
ação
narrativa.
No
mesmo
sentido,
Burch
(2004:
26)
afirma
que
o
campo
visual
integra
já
esses
espaços
fora-‐de-‐campo,
como
locais
que
estão
à
espera
de
ser
revisitados,
que
se
encontram
relacionados
com
os
espaços
visíveis
e
que
podem
surgir
novamente
e
a
qualquer
momento
dentro
do
enquadramento
ou
da
história.
A
presença
ou
ausência
do
espaço
num
plano
fílmico
determina
assim
as
expectativas
do
espectador
relativamente
a
tudo
o
que
se
encontra
fora
do
seu
campo
visual
(sensação
de
expectativa,
de
temor,
de
suspense),
obrigando-‐o
acima
de
tudo
a
ativar
a
memória
e
relacionar
todas
as
informações
espaciais
previamente
fornecidas
pelo
filme
para
situar
os
personagens
e
estabelecer
as
relações
necessárias
entre
eles
dentro
de
um
mapa
proposto
e
sugerido
discursivamente
pelo
autor
fílmico.
Por
isso
sustenta
Portillo
(2011:
120-‐122)
que
o
espaço
narrativo
e
fílmico
é
acima
de
tudo
uma
construção
mental
por
parte
do
espectador,
criando
relações
entre
tudo
o
que
a
imagem
mostra
e
definindo
através
da
sugestão
autoral
o
mapa
essencial
para
situar
personagens
e
ações
da
história
que
recebe.
O
espaço
psicológico
do
espectador
é,
desta
forma,
lugar
importante
para
a
compreensão
e
para
o
significado
(diegético
e
espacial)
de
uma
narrativa.
2
Sobre a construção da realidade social, ver Searle (1995) ou Berger e Luckmann (2008).
3
Referência a um trecho da obra “Poema Sujo” (1976) de Ferreira Gullar.
contrário
do
meio
rural,
onde
é
menor
o
desenvolvimento
e
a
complexidade
das
estruturas
nos
mais
diversos
âmbitos
(individuais
ou
colectivos,
convencionais
ou
inovadores,
explícitos
ou
implícitos),
a
cidade
potencia
uma
quantidade
enorme
de
factores
que
moldam
e
influenciam
as
aventuras
quotidianas
dos
seus
habitantes,
passíveis
de
gerar
histórias
e
situações
e
relações
de
grande
interesse
ficcional
e
fílmico.
4
Sobre a noção de “versões-do-mundo” como perspectivas válidas e integrantes da definição da realidade
(no seu sentido mais geral), ver Goodman (1995).
diretamente
no
curso
de
eventos
protagonizado
pelos
sujeitos
que
habitam
dito
local.
Dentro
do
Cinema,
existem
géneros
que
dificilmente
prescindem
do
espaço
urbano
como
contexto
narrativo
(um
excelente
exemplo
é
o
film
noir,
como
também
o
são
os
thrillers
políticos
ou
ainda
os
imaginativos
filmes
de
ficção
científica),
e
mesmo
os
géneros
que
dão
a
possibilidade
de
escolha
entre
a
cidade
e
contextos
menos
desenvolvidos
ou
mais
rurais
encontram
quase
sempre
uma
maior
gama
de
recursos
e
de
inspiração
na
multiplicidade
de
cruzamentos
e
de
relações
individuais,
sociais,
institucionais
ou
fenomenológicas
que
o
espaço
urbano
apresenta.
A
cidade
é,
deste
modo,
um
espaço
privilegiado
para
dar
azo
à
imaginação
dos
criadores
narrativos
e
fílmicos,
permitindo
uma
grande
quantidade
e
qualidade
de
elementos
e
de
eventos
para
determinar
universos
ficcionais
e
para
situar
aventuras
e
desafios
interessantes
de
personagens
complexos.
O
contexto
urbano
enquanto
espaço
narrativo
promovido
pela
enunciação
de
um
universo
ficcional
e
fílmico
pode
encontrar
uma
preponderância
maior
ou
menor
no
curso
de
eventos
da
história
relatada.
De
acordo
com
Gaudreault
y
Jost
(1995:
156-‐
157),
a
distinção
entre
um
personagem
e
um
ambiente
narrativos
processa-‐se
segundo
três
critérios
fundamentais:
a
existência
de
um
nome
e
de
uma
identidade
definida
para
o
caso
de
um
personagem;
o
peso
e
a
importância
na
história,
maior
no
caso
de
um
personagem
do
que
no
caso
de
um
ambiente;
e,
finalmente,
a
focalização
e
atenção
reservadas
ao
elemento
narrativo
(igualmente
maior
no
caso
de
um
personagem
do
que
no
caso
de
um
ambiente).
O
personagem
retém,
deste
modo,
a
maior
fatia
de
importância
e
de
atenção
reservadas
à
empatia
e
à
compreensão
do
espectador,
apresentando
uma
definição
clara
e
completa
da
sua
identidade
(normalmente
associada
ao
seu
comportamento
e
às
suas
ações)
e
uma
importância
sem
paralelo
no
que
toca
ao
desenvolvimento
do
curso
de
acontecimentos
narrativos.
No
entanto,
o
espaço
narrativo
(como
ambiente
histórico)
pode
condicionar
decisivamente
qualquer
um
destes
aspectos
definidores
dos
sujeitos
diegéticos,
servindo
normalmente
como
palco
catalisador,
desafiador
e
tentador
relativamente
às
capacidades
e
incapacidades
dos
personagens
de
um
filme,
e
reservando
desta
forma
uma
consideração
obrigatória
e
cuidada
para
a
influência
exercida
no
contexto
da
ação
de
uma
história
fílmica.
Pelo
que
referimos,
um
contexto
urbano
que
apresente
condições
desfavoráveis
às
pretensões
ou
às
situações
de
determinados
protagonistas
torna-‐se
um
polo
importante
numa
análise
à
participação
das
cidades
nos
filmes
e
nas
histórias
de
determinados
personagens.
O
interesse
de
analisar
a
participação
opressora
da
cidade
em
contexto
narrativo,
ficcional
e
fílmico
leva-‐nos
a
eleger
dois
filmes
-‐
Ladri
di
biciclette
(“Ladrões
de
bicicletas”
na
tradução
portuguesa),
filme
realizado
por
Vittorio
de
Sica
em
1948;
e
The
Shawshank
Redemption
(“Os
Condenados
de
Shawshank”
na
tradução
portuguesa),
película
dirigida
por
Frank
Darabont
em
1994
-‐
onde
o
contexto
urbano
é
importante
como
contraponto
e
como
fonte
de
constrangimentos
relativamente
aos
seus
protagonistas,
denotando
uma
importância
fundamental
para
o
curso
de
eventos
e
para
o
percurso
narrativo
dos
personagens
narrativos.
Por
outro
lado,
os
filmes
representam
dois
momentos
e
dois
contextos
de
produção
cinematográfica
distintos
(factor
de
transversalidade
espacial
e
temporal),
bem
como
problematizam
a
questão
da
relação
cidade-‐protagonista
de
modos
particulares
e
diferentes,
pelo
que
a
sua
comparação
permite
chegar
a
conclusões
interessantes
quanto
a
disparidades
e
semelhanças
entre
ambas
as
propostas.
Finalmente,
na
caracterização
do
espaço
urbano
diegético
utilizamos
a
teoria
de
García
Jiménez
referida
anteriormente
(tipologias
analíticas
espaciais
referentes
à
sua
natureza,
magnitude,
qualificação,
identificação,
finalidade
e
relações
relativas
a
outros
espaços,
a
personagens,
a
ações
e
à
temporalidade
narrativa)
tendo
em
conta
a
sua
participação
nos
temas
ou
nos
eventos
vividos
pelos
personagens
da
narrativa.
A
recorrência
das
referidas
tipologias
no
contexto
global
da
ação
e
nos
resultados
obtidos
pelos
personagens
em
momentos
particulares
e
no
final
da
sua
aventura
possibilitam,
assim,
observar
a
determinação
fílmica
do
espaço
narrativo
e,
mais
especificamente,
a
forma
como
o
contexto
urbano
surge
narrativamente
como
força
contrastante
com
as
intenções
dos
personagens
principais
de
cada
filme.
3.1.
Ladri
di
biciclette
(1948)
de
Vittorio
de
Sica:
a
cidade
como
perigo
e
obstáculo
O
filme
apresenta
uma
história
centrada
em
Antonio
Ricci
e
na
sua
família
(a
sua
mulher
Maria,
o
seu
filho
mais
velho
Bruno,
e
o
filho
mais
novo,
ainda
bebé
e
personagem
secundário).
Antonio
é
um
homem
em
situação
de
desemprego
numa
Roma
destruída
pelo
pós-‐II
Guerra
Mundial
e
com
condições
urbanas
e
sociais
de
grande
pobreza
e
dificuldades.
Depois
de
receber
uma
oferta
de
emprego,
Antonio
luta
por
conseguir
uma
bicicleta
que
lhe
permita
aceitá-‐lo
e
finalmente
poder
sustentar
devidamente
a
sua
família
(para
a
qual
também
Bruno,
rapaz
de
tenra
idade,
já
contribui
trabalhando
numa
bomba
de
gasolina
–
sintoma
das
dificuldades
sociais
da
época
em
que
se
passa
o
filme).
No
entanto
e
apesar
de
cumprir
a
sua
inteção,
o
primeiro
dia
de
trabalho
de
Antonio
fica
marcado
pelo
roubo
da
sua
bicicleta,
dando
início
a
um
processo
infrutífero
de
tentar
recupera-‐la.
Nesse
caminho,
Bruno
é
uma
presença
auxiliar
e
de
devoção
constante
em
relação
ao
seu
pai,
sofrendo
no
entanto
com
a
frustração
e
incapacidade
de
Antonio.
A
indiferença
e
agressividade
comportamental
das
pessoas
com
quem
Antonio
se
vai
cruzando
ao
longo
da
sua
aventura
denotam
também
a
dificuldade
social
e
a
intolerância
resultante
de
más
condições
de
vida,
sendo
um
dos
principais
obstáculos
para
o
seu
objetivo
de
recuperar
a
bicicleta.
Perante
a
impossibilidade
final
de
conseguir
acusar
o
ladrão
e
recupera-‐la,
Antonio
cede
à
tentação
de
também
ele
roubar
uma
bicicleta,
não
conseguindo
no
entanto
escapar,
sofrendo
a
humilhação
de
ser
apanhado
diante
do
seu
filho,
Bruno,
e
sem
alternativa
a
não
ser
esperar
por
um
novo
emprego.
Além
da
divisão
espacial
efetuada
pela
entidade
autoral
do
filme
e
da
consequente
determinação
da
importância
e
recorrência
dos
espaços
exteriores
e
interiores,
é
possível
uma
caracterização
mais
pormenorizada
dos
referidos
contextos.
Naturalmente,
todos
os
espaços
(exteriores
ou
interiores)
são
de
carácter
urbano,
ou
seja,
são
reconhecidos
como
ambientes
normalmente
integrantes
de
uma
cidade
(ruas,
praças,
bairros,
prédios,
apartamentos,
loja
de
penhoras,
esquadra
de
polícia
movimentada,
bordel,
etc.).
Dentro
desse
contexto
urbano
e
da
trama
instaurada
pela
história,
verificam-‐se
a
existência
de
acrescidas
características
espaciais
cuja
5
A diferença excedentária entre as 99 cenas referidas e a contagem conjunta de 105 contextualizações
referem-se a determinados eventos onde os personagens se encontram em trânsito entre espaços interiores
e exteriores (ou vice-versa).
recorrência
contribui
para
os
conflitos
do
protagonista
e
para
as
dificuldades
apresentadas
pela
cidade
como
cenário
da
sua
aventura.
Das
99
cenas
em
que
o
filme
se
subdivide,
59
delas
contextualizam
a
ação
em
espaços
grandes
e
amplos,
enquanto
que
apenas
23
dos
eventos
narrativos
acontecem
dentro
de
condições
espaciais
pequenas.
A
grandeza
dos
espaços
citadinos
por
onde
Antonio
se
move
é
uma
das
condições
para
a
instauração
do
perigo
de
roubo
da
bicicleta,
da
sua
consecução,
bem
como
do
facto
de
não
conseguir
capturar
o
ladrão
nem
identifica-‐lo
entre
a
multidão.
Curiosamente,
na
sua
procura,
Antonio
vai
progressivamente
passando
de
espaços
grandes
e
amplos
e
para
espaços
mais
exíguos
e
pequenos,
como
é
o
caso
da
rua
onde
tem
a
discussão
decisiva
(e
de
resultado
negativo)
com
o
ladrão
e
com
os
seus
vizinhos.
O
afunilamento
espacial
é
sinónimo
do
esgotar
das
suas
opções,
onde
a
derrota
e
o
regresso
à
estaca
zero
marca
o
seu
posicionamento
final
numa
grande
praça,
onde
cai
na
tentação
de
roubar
também
ele
uma
bicicleta
(terminando
afunilado
pelos
transeuntes
que
o
capturam).
Por
outro
lado,
de
referir
que
grande
parte
dos
espaços
pequenos
pertencem
a
cenas
onde
se
mostram
espaços
interiores
(por
exemplo
os
corredores
da
Missão,
ou
os
apartamentos
da
família
Ricci,
da
vidente
Santona,
ou
até
do
ladrão),
contextos
pontuais
de
uma
aventura
e
de
uma
busca
que,
no
entanto,
se
processa
maioritariamente
na
grandeza
e
amplidão
espacial
da
cidade.
3.2.
The
Shawshank
Redemption
(1994)
de
Frank
Darabont:
a
cidade
como
condenação
Se
a
participação
do
espaço
urbano
em
Ladri
di
biciclette
denota
um
contexto
sempre
presente
e
de
constante
dificuldade
e
constrangimento
das
intenções
e
objetivos
do
protagonista
ao
longo
da
narrativa,
o
filme
The
Shawshank
Redemption
reserva
um
papel
distinto
à
cidade
como
espaço
fílmico
e
diegético.
O
filme
apresenta
a
história
de
Andy
Dufresne,
um
importante
banqueiro
que
é
condenado
a
prisão
perpétua
por
supostamente
matar
a
sua
mulher
e
o
amante
desta.
Na
prisão
trava
amizade
com
Red
-‐
prisioneiro
desencantado
e
desesperançado
com
a
possibilidade
de
algum
dia
sair
da
prisão
-‐,
bem
como
com
outros
prisioneiros
que
convivem
com
Red;
no
entanto,
Andy
tem
também
que
lidar
com
as
investidas
sexuais
e
ataques
de
um
outro
grupo
de
prisioneiros,
liderado
por
Bogs
(antagonistas).
No
Director
e
no
chefe
dos
guardas
–
Hadley
-‐,
Andy
encontra
primeiramente
obstáculos
e
ameaças
à
sua
integridade
física,
mas
logo
consegue
converte-‐los
em
aliados
por
participar
em
esquemas
fraudulentos
da
responsabilidade
do
primeiro
e
por
ajuda-‐los
com
questões
financeiras
e
tributárias,
o
que
lhe
traz
maior
segurança
e
recompensas
(construção
de
uma
biblioteca,
privilégios
na
vida
da
prisão).
Quando
Andy
descobre
haver
provas
da
sua
inocência
(através
de
Tommy,
seu
protegido),
e
perante
a
recusa
do
Director
da
prisão
em
dar-‐lhe
uma
oportunidade
de
ter
um
novo
julgamento,
Andy
planeia
eficazmente
a
sua
fuga
da
prisão,
que
depois
de
concretizada
o
leva
a
denunciar
as
fraudes
e
a
violência
do
Director
e
do
chefe
Hadley
(o
primeiro
suicida-‐se,
o
segundo
vai
preso).
A
pedido
de
Andy,
Red
termina
indo
na
sua
direção
(Zihuatanejo,
no
México)
depois
de
finalmente
o
deixarem
sair
da
prisão,
reencontrando-‐se
novamente
com
Andy
em
situação
mútua
de
liberdade.
Precisamente
a
noção
de
liberdade,
de
justiça
e
de
esperança
em
contextos
de
enorme
dificuldade
constituem
as
temáticas
principais
e
transversais
do
filme
referido.
Andy
vê-‐se
privado
da
liberdade
de
forma
injusta,
mas
mantém
a
esperança
que
acaba
por
leva-‐lo
de
volta
à
liberdade
e
repor
uma
certa
justiça
sobre
aqueles
que
o
haviam
maltratado
ou
injustiçado.
Red
passa
da
falta
de
esperança
(associada
à
falta
de
liberdade)
a
uma
situação
final
de
liberdade
que
lhe
devolve
a
esperança
e
a
vontade
de
viver
no
contexto
da
amizade
travada
com
Andy.
E
se
os
personagens
principais
giram
à
volta
deste
universo
temático,
também
os
seus
antagonistas
se
travam
com
as
mesmas
noções,
ainda
que
de
formas
distintas.
Bogs
passa
de
uma
situação
em
que
priva
a
liberdade
de
Andy
dentro
da
prisão
(através
dos
seus
ataques
de
cariz
sexual
e
fisicamente
violentos)
para
um
estado
de
debilidade
física
e
de
privação
pessoal
de
movimentos
(e
da
sua
respectiva
liberdade).
Norton,
o
diretor
da
prisão,
passa
de
uma
situação
de
liberdade
total
como
agente
de
corrupção
e
de
despotismo
para
um
estado
final
de
enclausuramento
a
nível
de
justiça
(o
facto
de
ser
exposto
e
acusado
pelos
crimes
cometidos
e
a
falta
de
solução
para
o
referido
processo
levam-‐no
a
suicidar-‐se).
Finalmente,
o
chefe
Hadley
passa
de
uma
situação
de
liberdade
completa
para
agredir
os
prisioneiros
para
uma
condição
de
ser
preso
e
privado
de
liberdade,
respondendo
assim,
justamente,
pelos
crimes
e
ofensas
anteriormente
cometidos.
Quando
Brooks
sai
da
prisão,
tenta
a
sua
reinserção
numa
vida
urbana
e
normal,
mas
depara-‐se
com
um
mundo
bastante
diferente
do
que
aquele
onde
vivera
50
anos
antes.
O
espaço
citadino
apresenta-‐se
como
grande,
aberto,
veloz,
moderno,
público,
tendo
um
carácter
frenético,
movimentado
e
de
indiferença
ou
falta
de
proximidade
entre
as
pessoas.
No
único
espaço
que
se
define
como
pessoal,
privado,
vazio
e
calmo
(o
quarto
da
pensão
onde
vive
Brooks),
o
sentimento
do
personagem
é
de
solidão
e
abandono,
sem
a
companhia
dos
seus
ex-‐colegas
de
prisão
e
sem
possibilidades
de
fazer
novos
amigos.
Brooks
mantém
a
esperança
de
rever
o
pássaro
que
libertara
no
dia
em
que
saíra
da
prisão
(e
que
o
acompanhara
na
prisão
durante
vários
anos),
mas
nunca
chega
a
rever
o
seu
pássaro
por
muito
que
espere
por
ele
em
bancos
de
jardim,
alimentando
pombos
que
por
aí
passam
(estereótipo
de
solidão
e
abandono
da
3ª
idade
em
contexto
urbano
que
ainda
hoje
é
atual
e
recorrente).
O
resultado
da
saída
de
Brooks
para
o
contexto
urbano
e
para
a
cidade
como
polo
de
desenvolvimento
é,
inevitavelmente,
o
suicídio,
fruto
da
incapacidade
de
ultrapassar
a
sua
institucionalização
e
de
inserir
a
sua
vida
num
ambiente
e
num
ritmo
citadino.
Também
Red,
já
no
final
do
filme
e
depois
da
fuga
de
Andy,
é
confrontado
com
a
concessão
da
liberdade
condicional
e
da
necessidade
de
inserir-‐se
no
mesmo
tipo
de
contexto
com
que
Brooks
fora
confrontado.
A
nível
discursivo,
o
realizador
utiliza
a
mesma
técnica
de
montage6
para
estabelecer
um
paralelismo
entre
os
casos
de
Brooks
e
de
Red,
sugerindo
através
de
semelhanças
discursivas
entre
cenas
um
possível
desfecho
similar
(o
suicídio
de
Red,
neste
caso).
A
verdade
é
que
Red
deixa
transparecer
(verbal
e
fisicamente)
que
não
gosta
da
vida
na
cidade,
que
não
consegue
adaptar-‐se,
que
sente
e
está
experimentando
o
mesmo
que
Brooks
experimentara
uns
anos
antes.
A
caracterização
do
espaço
citadino
é
também
ela
similar
ao
contexto
urbano
da
cena
de
Brooks
referida
anteriormente:
grande,
aberto,
veloz,
moderno,
público,
movimentado,
frenético,
indiferente
e
distante.
E
no
caso
de
Red,
tudo
indica
que
apenas
uma
promessa
feita
a
Andy
ainda
dentro
da
prisão
o
faz
optar
por
não
suicidar-‐se
e
continuar
vivo.
No
entanto,
é
interessante
que
a
sua
opção
por
viver,
daí
até
final,
tem
como
destino
não
o
contexto
urbano
da
cidade,
mas
sim
e
numa
6
A técnica de montage consiste na apresentação rápida de vários planos situados em diferentes contextos
espaciais e/ou temporais, o que permite a condensação de um largo tempo diegético num curto tempo
discursivo.
primeira
instância
o
campo
(onde
encontra
a
caixa
que
Andy
lhe
pedira
que
descobrisse,
com
indicações
e
dinheiro
para
ir
ao
seu
encontro)
e,
finalmente,
uma
praia
no
México
onde
reencontra
Andy
(finalmente)
em
estado
de
felicidade
e
de
liberdade.
Conclusões
A
cidade
como
espaço
narrativo
pode
assumir
diferentes
perspectivas
e
características
quanto
ao
contexto
e
ambiente
que
proporciona
relativamente
às
ações
e
pretensões
dos
personagens
que
a
habitam
e
que
com
ela
interatuam.
O
seu
carácter
opressor
e
instaurador
de
obstáculos
e
dificuldades
acrescidas
traz
consigo
a
necessidade
de
uma
força
acrescida
por
parte
dos
protagonistas
para
lidar
com
os
contratempos
e
situações
antagonistas
que
se
lhes
apresentam
no
seu
caminho
narrativo.
Nos
dois
casos
analisados,
a
cidade
assume-‐se
como
espaço
de
limitações
importantes
a
nível
do
cumprimento
dos
desejos
dos
protagonistas,
delimitando
possibilidades
resolutivas
da
ação
e
condicionando
definitivamente
as
aventuras
que
os
personagens
aí
realizam.
Revelando-‐se
um
espaço
contextual
mais
presente
ao
longo
da
narrativa
(Ladri
di
Biciclette)
ou
como
um
importante
contraponto
no
horizonte
actancial
e
motivacional
dos
personagens
(The
Shawshank
Redemption),
a
cidade
apresenta
em
ambos
os
filme
características
que
a
definem
como
antagonista
relativamente
às
intenções
dos
heróis
que
acompanhamos
e
com
os
quais
nos
identificamos.
A
grandeza,
a
abertura,
a
azáfama
e
a
indiferença
resultante
de
um
estilo
de
vida
urbano
veloz,
moderno
e
de
um
ritmo
elevado
na
fluência
de
eventos
e
acontecimentos
condicionam
a
possibilidade
de
Antonio
Ricci
recuperar
a
sua
bicicleta
e
retomar
o
seu
trabalho
(garantindo
assim
o
sustento
da
sua
família
e
uma
vida
de
maior
desafogo
e
esperança),
bem
como
realça
a
institucionalização
dos
sentimentos,
dos
comportamentos
e
dos
objetivos
de
Brooks
e
Red
(passíveis
de
conduzir
ao
suicídio,
no
primeiro
caso,
ou
à
fuga
incondicional
do
espaço
urbano,
no
último
caso).
Andy
é
o
único
personagem
que
resiste
de
certo
modo
à
opressão
da
cidade
(ainda
que
comece
por
ser
condenado
no
seio
da
sua
justiça),
devido
a
uma
luta
titânica
contra
a
injustiça
sofrida
(dentro
e
fora
da
prisão)
e
à
alimentação
da
esperança
de
um
dia
poder
regressar
a
uma
vida
normal.
No
entanto,
é
de
salientar
que
o
próprio
situa
esse
regresso
à
liberdade
fora
do
contexto
citadino,
numa
região
deserta
e
longínqua
da
azáfama
e
dos
perigos
e
tentações
da
cidade.
A
verdadeira
liberdade,
para
ele,
não
será
uma
vida
urbana,
mas
sim
uma
situação
distante
dos
condicionalismos
do
espaço
citadino.
Por
isso,
para
Andy
como
para
os
outros
personagens,
o
sonho
e
a
felicidade
não
se
concretizam
na
cidade.
Por
fim,
verificamos
que
a
importância
de
uma
cidade
como
espaço
narrativo
e
fílmico
não
se
concretiza
apenas
pela
sua
maior
ou
menor
presença
histórica,
ou
seja,
pela
quantidade
de
vezes
em
que
aparece,
visualmente
e
durante
o
filme,
como
espaço
perceptível
de
contextualização
da
ação
dos
personagens.
Se
no
caso
de
Ladri
di
biciclette
a
presença
narrativa
é
constante
e
delimita,
explicitamente,
as
ações
dos
protagonistas
e
dos
seus
objetivos,
no
caso
de
The
Shawshank
Redemption
é
um
horizonte
que
aparece
implicitamente
como
possível
destino
e
ambição
de
Andy,
ou
como
aparente
condenação
e
perigo
para
as
“vidas”
e
personalidades
institucionalizadas
de
personagens
como
Red
e
Brooks.
O
facto
de
o
contexto
urbano
surgir
esporadicamente
neste
filme
sob
a
forma
de
presença
explícita
não
invalida
a
sua
latência
e
“presença
ausente”
durante
toda
a
história
dos
personagens
dentro
da
prisão,
condicionando
constantemente
a
motivação
e
a
esperança
(ou
falta
delas)
que
enquadram
os
comportamentos
e
posturas
dos
protagonistas
diegéticos
e
fílmicos.
Daí
que
possamos
afirmar
que,
em
ambos
os
filmes,
a
cidade
é
o
destino
concretizado
ou
por
concretizar
das
ações
dos
personagens,
influindo
explicita
ou
implicitamente
nos
desejos,
nas
ambições
e
nos
caminhos
trilhados
durante
as
suas
aventuras
narrativas.
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