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CURSOS TÉCNICOS EM TURISMO NO CONTEXTO SÓCIO HISTÓRICO DA

EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: CONCEPÇÕES E SIGNIFICADOS

Celso Maciel de Meira 1


Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR
Mário Lopes Amorim 2
Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR

Resumo
O presente artigo busca investigar, por meio de uma pesquisa exploratória bibliográfica de
corte longitudinal, a partir da segunda metade do século XX até os dias que correm, aspectos
históricos de cunho político que se relacionaram com as concepções e significados atribuídos
a formação da mão de obra de nível técnico para as atividades turísticas no Brasil. Como
resultado das análises temporais, se verifica que o ensino de nível técnico para os segmentos
turísticos teve seus resultados condicionados às tomadas de decisões políticas que
influenciaram nos rumos da imagem do país como destino, bem como impactou numa
formação inconsistente e generalista que não deu conta de atender ao campo da hospitalidade
e nem no quesito que, prioritariamente, se espera da educação profissional, que é uma
formação para aqueles que vivem do trabalho, por meio de uma escola unitária e liberta das
imposições da escola dualista que historicamente segregou os menos favorecidos.

Introdução

Primeiramente, importa ressaltar que este artigo justifica-se pela escassez de


produções acadêmicas que tratem do ensino técnico em turismo e pela pouca atenção que se
tem dado aos desdobramentos históricos e políticos que impactaram na educação profissional,
principalmente nos adventos mais recentes, conforme relata Ciavatta (2005, p.102)
No Brasil, hoje, á um déficit de pesquisa para conhecer os estragos e as
conquistas deflagradas com a imposição do Decreto no. 2.208/97. A sua
revogação e a aprovação do Decreto no. 5.154/2004 trouxe a abertura e o
estímulo à formação integrada, mas não trouxe a garantia de sua
implementação.

A partir de tais dados de realidade, buscamos referências bibliográficas e documentos


que abarcassem tais temas com o objetivo de compreender os processos históricos e políticos
no desenrolar da educação profissional brasileira, a partir da segunda metade do século
passado até os nossos dias.

1
Programa de Pós-Graduação em Tecnologia (PPGTE). Av. Sete de Setembro, 3165 – Rebouças - CEP: 80230-
901 - Curitiba - Paraná - Tel.: (41) 3310-4713/4711 – e-mail: celso-meira@ig.com.br
2
Programa de Pós-Graduação em Tecnologia (PPGTE). Av. Sete de Setembro, 3165 – Rebouças - CEP: 80230-
901 - Curitiba - Paraná - Tel.: (41) 3310-4713/4711 – e-mail: marioamorim@utfpr.edu.br
2

Perpassam por nossas análises documentais as principais reformas na educação


profissional e os seus impactos nos rumos do ensino técnico em turismo no Brasil, entre os
quais fizeram parte das nossas investigações: a Lei nº 5692/71, a LDB 9.394/96, Decreto Lei
nº 2208/97 e o Decreto Lei 5154/04.
Quanto aos resultados obtidos, percebemos que, historicamente, a educação
profissional esteve condicionada a fatores econômicos, determinados pelos interesses do
capitalismo, os quais influenciaram a formação insuficiente para os trabalhadores dos
segmentos turísticos. Assim, como proposta às incongruências da realidade vigente, na
formatação dos cursos técnicos em turismo, sugerimos uma reforma nas estruturas de seus
currículos, na perspectiva de ordenar uma área de ensino relativamente ampla, pois o modelo
de estruturação curricular atual não tem dado conta da formação profissional na modalidade
de ensino em questão dada a amplitude das atividades turísticas.

Desdobramentos da educação profissional no contexto sócio histórico dos cursos técnicos


em turismo no Brasil
Se, na sociedade industrial, o trabalho constitui o cerne das preocupações, na
sociedade flexível, o tempo livre, o lazer, o turismo e o prazer passam
também a exigir atenção. Certamente Marx, se vivo fosse, estaria
investigando as contradições desse fenômeno, por sua magnitude, sua
relação com o trabalho, com o modo de produzir que sugere a alguns
acrescentar adjetivos à sociedade contemporânea como sociedade do ócio e
pós-industrial. (CORIOLANO & MELLO e SILVA)

Para se compreender o lugar do turismo no mundo do trabalho, exige-se o


conhecimento das mudanças históricas e o entendimento de qual a importância dessa
atividade para o desenvolvimento de uma região ou de um determinado lugar. (CORIOLANO
& MELLO e SILVA, 2005, p. 41). Não menos importante, “há de se dar historicidade ao
debate e a ação. A história nos coloca num terreno contraditório da dialética do velho e do
novo de lutarmos contra ideologia e a democracia burguesas, no espaço restrito desta
democracia burguesa em que vivemos.” (FRIGOTO et al, 2005, p. 27)
Entretanto, para se estabelecer relações entre as atividades turísticas contemporâneas e
o mundo do trabalho na perspectiva da formação de trabalhadores e no embate entre os que
lucram por meio do trabalho alheio e daqueles que vivem do trabalho, se faz necessário um
estudo cuidadoso, pois “uma análise acurada do turismo como fenômeno remete ao estudo do
par dialético, trabalho-lazer, integrante de um mesmo processo”. (CORIOLANO & MELLO e
SILVA, 2005, p. 41). Tais reflexões nos levam a citar as transformações no mundo do
3

trabalho impostas pelos modelos taylorista/fordista e toyotista, as quais promoveram uma


série de condicionantes aos trabalhadores, como por exemplo, a fadiga, o estresse e as
pressões diárias provocadas pelos instrumentos de controle e pela produtividade em larga
escala.
Em contrapartida ao dado de realidade, pontualmente no caso brasileiro, as conquistas
dos trabalhadores em função das prerrogativas das leis trabalhistas, notadamente a partir do
governo de Getúlio Vargas, com as férias remuneradas e outros benefícios, bem como os
comportamentos e atitudes ligados ao tempo livre das obrigações laborais, levaram tanto
patrões quanto empregados, logicamente com menos intensidade estes últimos, a
aproveitarem melhor os seus tempos livres, fato que impulsionou a valorização do lazer, do
entretenimento e do turismo. Tais fatores se mostraram como importantes motivações para o
surgimento dos cursos em nível técnico no Brasil, nos primeiros anos da década de 70 do
século passado, além do fomento financeiro estatal, notadamente aos equipamentos de
hospedagem (TRIGO, 2002).
Numa fase anterior, na segunda metade dos anos de 1960, pode-se pontuar o
desenvolvimento de políticas públicas, com a criação da Empresa Brasileira de Turismo
(EMBRATUR), no ano de 1966, no sentido de tentativa da ordenação às atividades turísticas
em âmbito nacional. Com efeito, situados num contexto o qual Trigo (2002) denominou como
primeira fase de grande de expansão do turismo brasileiro sinalizava à necessidade de
formação de mão de obra específica e qualificada para atender às novas demandas, motivadas
por um “marketing agressivo - porém inócuo – e muita agitação cívica baseada na conquista
do tricampeonato de futebol (1970), nas vitórias de Emerson Fittipaldi na Fórmula 1 e na
beleza das brasileiras, sempre finalistas nos então famosos concursos de Miss Universo 3.”
(TRIGO, 2002, p. 94)
Durante o regime militar (1964-1984), como se não bastasse os inúmeros golpes
institucionais pautados pela proposta de modernização conservadora em termos econômicos e
políticos, contribuindo para a histórica estrutura de desigualdades sociais, uma das intenções
do regime foi mostrar o Brasil para o restante do globo. Fase esta, na qual o mundo passou a
ter uma visão de imagens e representações ‘turisticamente’ estereotipadas do Brasil.
3
Apesar do esforço concentrado, a primeira fase do turismo brasileiro acabou em fracasso. Dois conjuntos de
motivos ocorridos concomitantemente afetaram a área: o primeiro foi estrutural, ou seja, a série de desastres
econômicos provocados pela crise do petróleo e o aumento das dívidas brasileiras provocaram a inflação e a
recessão que comprometeram o desenvolvimento nacional, inclusive do setor turístico. O segundo conjunto de
motivos foi conjuntural, pois “os planejadores” não se importaram com preservação ambiental, com a conquista
de padrões internacionais de qualidade e com a formação intensiva de profissionais qualificados em todos os
níveis, o que afetou a operação gestão dos serviços turísticos. Todas essas deficiências do setor turístico, aliadas
à crise econômica mundial, resultaram em fracasso. (TRIGO, 2002, p. 94)
4

Para se entender a criação da Embratur é necessário fazer uma análise e uma


contextualização histórica do período da ditadura militar. A ditadura foi uma
época em que o governo brasileiro se aliava integralmente aos interesses
políticos e econômicos dos Estados Unidos, com total apoio aos
investimentos e à ideologia norte-americana. Neste contexto de crescimento
econômico apoiado pela ideologia desenvolvimentista, a Embratur cria uma
imagem de um país com ausência de contrastes sociais agravados pelo
período ditatorial, demonstrando a existência de um paraíso tropical
receptivo, exótico e com belas mulheres (SANTOS FILHO, 2008, s/p.)

Voltando ao assunto sobre a formação de nível técnico para as atividades turísticas, os


levantamentos realizados para confecção deste artigo revelaram que o Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial (SENAC) deu início às atividades ligadas à formação profissional
de trabalhadores para o setor do turismo e hospitalidade no país.
O desenvolvimento das instituições de educação em Turismo e Hotelaria no
Brasil data da década de 50 e teve seu início e forte desenvolvimento nas
Regiões Sudeste e Sul do País, liderados sobretudo pelo Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial - SENAC, de abrangência nacional e com
administrações autônomas em cada estado da Federação. Os cursos do
SENAC nos diversos estados das regiões citadas atendiam à qualificação de
quadros operacionais de base para hotéis e restaurantes, em diversos
restaurantes-escola. No final da década de 60, instalou, no Estado de São
Paulo, seu primeiro hotel-escola, também priorizando aquela qualificação.
(RCNs, ÁREA PROFISSIONAL: TURISMO E HOSPITALIDADE, 2002,
p. 19)

Durante o regime militar, além do exposto sobre as condicionantes utilizadas para a


nossa divulgação em terras estrangeiras, a figura da mulher 4, comumente, esteve na
vanguarda de tais propagandas. Ainda em tempos ditatoriais, com relação à formação técnica
de mão de obra especializada às atividades turísticas, antes mesmo da promulgação da Lei nº
5692/71 5, de forma pioneira, o estado de São Paulo dá início ao ensino técnico em turismo.
Data de 30 de março de 1971 a deliberação do Conselho Estadual de
Educação que institui o Curso Técnico de Turismo no sistema de ensino do
Estado de São Paulo. O interesse das escolas de Nível Médio em oferecer
esse curso foi, a princípio, bastante restrito: - a clientela escolar não
demonstrava interesse pelo curso e as perspectivas profissionais oferecidas
eram muito vagas, além da concorrência representada pelo curso do
SENAC 6.

4
Tais apelos estereotipados da mulher brasileira aguçaram e aguçam o imaginário daqueles, principalmente de
estrangeiros, que se deslocam ao Brasil a procura de sexo, caracterizando a exploração sexual por meio das
atividades turísticas em núcleos receptores, como é o caso de algumas capitais na região Nordeste, contribuindo
para o aumento de suas mazelas sociais.
5
[...] a Lei nº 5692/71 pretendeu substituir a dualidade pelo estabelecimento da profissionalização compulsória
no Ensino Médio; dessa forma, todos teriam uma única trajetória. (KUENZER, 2000, p. 15)
6
Disponível em: http://www.rieli.com.br/profissao/pb10.htm#ENSINO. Acesso: 02.abr.2012.
5

A partir das prévias ações do SENAC no que concerne à qualificação profissional

visando a formação de mão de obra para atuação nos segmentos do turismo, observa-se que

somente há pouco mais de seis décadas é que se deu o interesse em formação de profissionais

com conhecimentos específicos a partir da sistematização de cursos técnicos direcionados à

atividade turística. Os cursos nesta área, especificamente, denominados técnicos em turismo,

são em maior número, ainda herdeiros da profissionalização obrigatória


imposta pela Lei Federal nº 5.692 7, implantados quase sempre pela
facilidade e pelo baixo custo. Estes cursos, em sua grande maioria, não têm
laboratórios ou ambientes especiais, nem recursos tecnológicos, nem
biblioteca especializada, são distanciados do processo produtivo da área e
seus docentes muitas vezes não têm experiência ou efetiva atuação no
mercado de trabalho. (RCNS, ÁREA DE TURISMO E HOSPITALIDADE,
2002, p. 20).

Destarte, num contexto marcado por questões desfavoráveis em se tratando de


recursos materiais e humanos, os estudantes estavam sendo preparados na expectativa da
lógica das empresas, ou seja, do mercado de trabalho, das demandas do capital, divorciados
de uma formação que os conduzissem à compreensão do mundo do trabalho e, logo, da
representação integral dos processos laborais que envolvem tal atividade. Ao analisar a
história, os cursos de turismo em nível técnico foram menos ofertados em relação, por
exemplo, a cursos de nível médio de outras áreas e aos cursos superiores, muito embora a
formação técnica tenha se iniciado antes de 1970, enquanto os cursos superiores foram
implantados a partir de 1971 (MATIAS, 2002). “As iniciativas relativas à profissionalização
na área de hospitalidade restringem-se ao SENAC e Escolas Técnicas Federais/CEFETs. Só a
partir de 1988 vêm surgindo outras iniciativas, inclusive de escolas públicas estaduais.”
(RCNS, ÁREA DE TURISMO E HOSPITALIDADE, 2002, P. 20). Se compararmos, por
meio dos desdobramentos temporais, a situação desfavorável e as precárias condições destes
cursos nos sentidos estruturais, materiais e humanos, pode-se verificar que pouca coisa se
modificou no desenrolar do ensino técnico em turismo no país.
As expectativas de mudanças, na década de 1990, foram desacreditadas frente à
reforma da educação profissional proposta à época, pois não sinalizavam para alterações do
panorama apresentado, marcadas pelas intenções políticas explicitadas nos documentos

7
O texto da Lei nº 5692 fornecia os parâmetros para elaboração do currículo do ensino de 2º grau, ao determinar
que, nele, a parte especial, isto é, a propriamente profissionalizante, deveria prevalecer sobre a educação geral,
assim como o seu objetivo geral deveria ser o de propiciar a habilitação profissional de cada aluno. (CUNHA,
2005, p. 189). Sequencialmente, o Parecer 45/72 estabeleceu 130 cursos técnicos, dentre os quais constavam os
cursos de Hotelaria e Turismo, na área de hospitalidade.
6

oficiais da época, as quais apontavam para a separação da educação profissional em nível


técnico, em contraposição à formação unitária, consubstanciados pela própria LDB 9.394/96.
Nesta legislação, a educação profissional é apresentada como uma modalidade educacional,
mantendo o caráter dualista 8 característico dessa oferta educacional, na perspectiva de
“formar” sujeitos minimamente qualificados “ao sabor” do desenvolvimento econômico,
evidenciando as propostas de reestruturação da educação profissional à época.
Não obstante, o ensino em turismo de nível técnico e, consequentemente, a formação
profissional às atividades turísticas sofreriam tais influências, num período que a atividade no
país vinha sendo concebida e desenvolvida basicamente de forma estrutural (operacional).
Em relação aos segmentos turísticos, no tocante ao ensino para as atividades do
turismo, os planejadores não se preocuparam com a qualificação intensiva de profissionais em
todos os níveis, afetando a gestão e operacionalização dos serviços, caracterizando um setor
“marcado pelo amadorismo e improvisação de toda a cadeia produtiva, do planejamento à
implantação, gestão e operação turística. Evidentemente o setor possuía uma qualidade
medíocre ou comprometida.” (TRIGO, 2002, p.95).
Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, sob a égide do Decreto 2208/97 e
do Parecer 04/99 a situação se agravou e a educação “assume o ideário pedagógico do capital
e do mercado – pedagogia das competências para a empregabilidade – como base nas
Referências e Diretrizes Curriculares Nacionais (RCNs e DCNs).” (FRIGOTTO et al, 2005,
p. 13). Fomentou-se a face mercantil da educação e os ensaios das décadas anteriores se
materializaram numa visão unidimensional, na perspectiva da produtividade e da
empregabilidade.
A política de educação profissional no governo de FHC não se resumiu ao
ensino técnico. Ela abrangeu ações voltadas para a qualificação e a
requalificação profissional, desviando a atenção da sociedade das causas
reais do desemprego para responsabilidade dos próprios trabalhadores pela
condição de desempregados ou vulneráveis ao desemprego. (FRIGOTO et
al, 2005, p. 38).

Assim foi caracterizada a educação profissional em um dos referidos documentos:

8
No Brasil, o dualismo das classes sociais, do acesso aos bens e aos serviços produzidos pelo conjunto da
sociedade, se enraíza no tecido social através de séculos de escravismo e de discriminação do trabalho manual.
Na educação, apenas na metade do século XX, o analfabetismo se coloca como uma preocupação das elites
intelectuais e a educação do povo se torna objeto de políticas de Estado. Mas sua organicidade social está em
reservar a educação geral para as elites dirigentes e destinar a preparação para o trabalho para os órfãos, os
desamparados. Esse dualismo toma um caráter estrutural especialmente a partir da década de 1940, quando a
educação nacional foi organizada por leis orgânicas, segmentando a educação de acordo com os setores
produtivos e as profissões, e separando os que deveriam ter o ensino secundário e a formação propedêutica para
a universidade e os que deveriam ter formação profissional para a produção. (CIAVATTA, 2005, p.87)
7

Não se pode tratar da educação profissional sem referência à


trabalhabilidade, desafio maior de um tempo em que a globalização e a
disponibilidade de ferramentas tecnológicas avançadas, rápida e
continuamente recicladas ou substituídas, determinam que produtividade e
competitividade são condições de sobrevivência e, portanto, palavras de
ordem nos negócios e empreendimentos produtivos contemporâneos. (RCNs,
2000, p.9) [grifos nossos]

Num explícito determinismo, visaram-se as bases tecnológicas do mundo


contemporâneo como soluções redentoras, de maneira generalista, para os históricos
problemas sociais/estruturais ligados ao trabalho e ao emprego. Outro ponto a se destacar foi
que houve uma proposta universal para áreas que careciam de tratamentos diferenciados,
como também é o caso das atividades turísticas.
Estabelecendo relações com as exposições acima, quanto às atividades turísticas e a
formação profissional na área de turismo e hospitalidade, vale lembrar que a globalização é
um fator degenerativo do ponto de vista do processo de “aculturação” que vivem nossos
destinos turísticos e que, em muitas experiências, os aparatos tecnológicos disponibilizados
por tal processo, nem sempre vêm ao encontro de nossos anseios, pois vivemos realidades e
necessidades diferentes daqueles que as produzem, e estas nos são “empurradas”
compulsoriamente.
Entre os grupos humanos, as maiores vítimas são as populações, já em desvantagem,
nas áreas de turismo, particularmente no Hemisfério Sul: mulheres, crianças, minorias étnicas
e povos indígenas. (KRIPPENDORF, 2002, p. 44). Sendo assim, não se trata de analisar
somente os impactos da globalização das e nas atividades turísticas, mas a imposição vertical
que vem a reboque por meio das díspares relações sociais a que são acometidos os núcleos
receptores turísticos.
Numa época de conflito entre o local e o global, também no
desenvolvimento do turismo, as soluções, se não pelo global, pelo nacional e
internacional regionalizado [...] é a capacidade local de atração que constitui
o primeiro e um dos mais poderosos elementos na organização do circuito
turístico numa escala global [...] A diversidade das localidades é o princípio
da motivação turística. (MOESCH, 2002, p. 9).

Se pudéssemos apontar algo determinante às atividades turísticas, seria


‘pluriculturalidade’ (BENI, 2005), pois nós nos deslocamos atrás do novo, do inusitado, do
pitoresco, e não de produtos “enlatados”, padronizados e esteriotipados pela globalização,
pois para além de fenômeno econômico de peso, o turismo é, cada vez mais, visto como um
fenômeno fundamentalmente social, por suas implicações humanas (MOESCH, 2002, p. 9).
8

Retomando ao foco do texto, ainda em análises às políticas para educação profissional


do governo de Fernando Henrique Cardoso, especificamente, no que tange aos cursos técnicos
em turismo, em paralelo às RCNs, numa espécie de documentos complementares, foram
elaborados vinte referenciais específicos para áreas profissionais distintas 9, entre eles um para
a área turística, o qual foi denominado área de turismo e hospitalidade, tendo como foco as
habilidades na perspectiva da pedagogia das competências 10.
Com a revogação do decreto nº 2208/97 e a promulgação do decreto nº 5154/04, no
governo de Luiz Inácio Lula da Silva, (re)apareceu uma ‘luz ao fim do túnel’. Não que tal
promulgação se materializasse na salvação estrutural (material e humana) dos cursos técnicos,
mas poderia se considerar uma histórica conquista, pois a partir de tal advento, vislumbrou-se
a possibilidade de integração do ensino médio à educação profissional como algo concreto.
Todavia, na prática, os compromissos de campanha não se efetivaram, pois nos interstícios do
governo Lula, conforme citou Frigotto et al (2005, p. 14), “se visualizava cada vez mais é a
reedição de políticas focalizadas no campo social e educacional.” De acordo com o referido
autor, no campo político, a esquerda, que poderia ser um dos pilares das transformações,
perdia força, e assim se gerava mais desigualdade, tanto na área social como na educacional.
Nos desdobramentos das políticas para educação profissional no que tange a formação
de nível técnico às atividades turísticas, no ano de 2008, foi lançado pelo Ministério da
Educação e Cultura (MEC) o Catálogo Nacional de Cursos Técnicos. Esse documento foi
dividido em doze eixos tecnológicos, um deles denominado Hospitalidade e Lazer, o qual
trouxe em seu conteúdo sete subáreas 11, as quais foram incorporadas pelas instituições de
ensino técnico, basicamente à modalidade subsequente (pós-médio).
Do ponto de vista da segmentação às atividades no setor turístico, a ação do MEC, a
partir do referido Catálogo, se mostra relevante, pois numa área que abrange 52 segmentos
(MINISTÉRIO DO TURISMO, 2006, p.8), uma matriz curricular tendo como base
exclusivamente o turismo, na tentativa de contemplar sua abrangência, se mostra muito ampla

9
Agropecuária, Artes, Comércio, Comunicação, Construção Civil, Design, Geomática, Gestão, Imagem Pessoal,
Indústria, Informática, Lazer e Desenvolvimento Social, Meio Ambiente, Mineração, Química, Recursos
Pesqueiros, Saúde, Telecomunicações, Transportes, Turismo e Hospitalidade.
10
Em síntese, encontramos os seguintes problemas nas orientações oficiais para os currículos da educação
profissional de nível técnico, muitos próximos dos problemas próprios do condutivismo: a) reduzem as
competências profissionais aos desempenhos observáveis; b) reduzem a natureza do conhecimento ao
desempenho que ele pode desencadear; c) consideram a atividade profissional competente como uma
justaposição de comportamentos elementares cuja aquisição obedeceria a um processo cumulativo; d) não coloca
a efetiva questão sobre os processos de aprendizagem, que subjazem aos comportamentos e desempenhos: os
conteúdos da capacidade. (RAMOS, 2002, p. 412)
11
Técnico em Agenciamento de Viagem, Técnico em Cozinha, Técnico em Eventos, Técnico em Guia de
Turismo, Técnico em Hospedagem, Técnico em Lazer e Técnico em Serviços de Restaurante e Bar.
9

e genérica. Para se ter uma ideia dessa dimensão, citamos o segmento de turismo de aventura
que se desdobra em vinte e três atividades (ABETA, 2010). Outro exemplo é o caso dos
meios de hospedagem que, segundo Davies (2001), possuem 154 cargos e funções.
Para finalizar, recentemente assistimos a mais um capítulo da saga da educação
profissional, não somente no que concerne à formação de trabalhadores para o turismo, mas
para vários outros segmentos. O PRONATEC 12 lançou 288 cursos 13 em várias áreas, com
uma proposta de formação (cursos de 160 a 300 horas) que não foge das propostas que,
historicamente, almejaram atender o mercado e o desenvolvimento econômico com formações
aligeiradas e desintegradas 14.
Ainda, verificamos mais um episódio da educação profissional, as secretarias de
educação das unidades da federação são as instituições que estão fazendo as seleções dos
alunos para os referidos cursos (PRONATEC) em atendimento ao SENAC e aos Institutos
Federais. No caso do SENAC, se caracteriza a utilização de uma instituição pública a serviço
dos interesses privados.
Não podemos afirmar se é mera coincidência ou mesmo analogia, mas essa situação
nos remete a citar um episódio dos anos 1990, mais precisamente por meio do Projeto de Lei
1603/96 que tramitava na época, na perspectiva do desmantelamento das escolas técnicas,
conforme KUENZER (1996, p. 83), preconizava:
[...] cursos profissionais básicos de curta duração ou de módulos
independentes [...] esses cursos devem ser oferecidos obedecendo a lógica do
mercado (e da mercadoria, porque devem reverter em recursos captados
junto ao setor privado) por meio da identificação de perfis, estudos de
demanda e acompanhamento de egressos, bem ao gosto da velha Teoria do
Capital Humano.

Quanto ao turismo, justificam-se tais ações em atendimento aos eventos esportivos


emblemáticos 15 que o país sediará nos próximos quatro anos, o que a nosso ver dá
continuidade à formação dual, além de devolver novamente à iniciativa privada, como é o do
caso do SENAC, as rédeas da educação profissional no Brasil.
Portanto, a educação profissional no Brasil caminha num constante embate político
“entre duas alternativas: a implementação do assistencialismo e da aprendizagem operacional;

12
Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego. Disponível em:
http://www.pronatecportal.mec.gov.br/index.html.
13
Entre os cursos lançados, no tange ao turismo, estão: Auxiliar de Agenciamento de Viagens, Camareira em
Meios de Hospedagem, Recepcionista em Meios de Hospedagem, Condutor de Visitantes, Recepcionista de
Eventos, Recepcionista de Turismo Rural, Agente de Informações Turísticas e Monitor de Recreação.
14
Além das ações do Ministério do turismo com cursos relâmpagos em diversas áreas, inclusive na área de
idiomas na modalidade de educação à distância (EAD).
15
Copa das Confederações, Copa do Mundo e Jogos Olímpicos.
10

versus a proposta da introdução dos fundamentos da técnica e das tecnologias, o preparo


intelectual.” (CIAVATTA, 2005, p.88).

Conclusões

Após as análises, nos resta salientar que pouco se alterou ao longo da trajetória
brasileira da educação profissional. Os processos ocorreram e ocorrem em meio a ajustes
políticos e partidários visando adaptação às demandas do capital, que culminaram e culminam
em formações interessadas mascaradas por ações assistencialistas, e desinteressadas quando
se trata em construir efetivamente uma política voltada para os que vivem do trabalho,
principalmente com a possibilidade de empregos dignos e remunerações satisfatórias,
diferentes da realidade imposta 16.
No que concerne ao ensino técnico em turismo, o mesmo obedeceu aos históricos
estímulos da educação para o mercado com formação (operacional) de trabalhadores,
deficitária e insuficiente à complexidade das atividades que envolvem o turismo e seus
espectros.
Por outro lado, ações interessadas visaram e visam àqueles que podem pagar pelos
produtos e serviços turísticos em detrimento daqueles que os recebem nos núcleos receptores.
Não obstante, um questionamento que importa lembrar com relação à formação
técnica em turismo na modalidade do ensino médio integrado, diz respeito às recentes
experiências dos estados do Espírito Santo e do Paraná que, se valendo do Decreto 5154/04,
implantaram em seus sistemas de educação os referidos cursos. Porém, no caso capixaba tal
tentativa não durou muito, pois na primeira troca de governo, logo após a implantação, a
proposta de integração foi desmantelada. No caso paranaense, a implantação ainda resiste,
mesmo com todos os obstáculos, desafios 17 e a diminuição dos cursos na atual gestão de um
governo com apelos neoliberais propostos à desintegração do ensino médio na modalidade
integrada.

16
[...] O salário médio pago aos empregados do setor ainda é muito baixo, o que é uma das razões porque a
atividade é relativamente desprestigiada e por vezes tem dificuldade em atrair pessoal qualificado, por exemplo,
para os destinos turísticos no interior do País. O “trade” é conhecido pela alta-rotatividade, horas de trabalho
pouco usuais, empregos sazonais, instabilidade e baixo status, imagem que acaba por afetar também as agências
e operadores de turismo. Essas características também reforçam a concentração da receita do setor nas mãos de
algumas poucas empresas, como a CVC, que podem oferecer condições diferenciadas a alguns funcionários
principais. (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2006, p.27)
17
Para aprofundamento, vide: GARCIA, Sandra R. O. A educação profissional técnica de nível médio integrada
ao ensino médio: obstáculos e avanços na rede pública do Paraná. Curitiba. SEED: 2006.
11

No que refere ao ensino do turismo em nível subsequente (pós-médio), a partir do


lançamento do Catalogo Nacional de Cursos Técnicos e o do eixo tecnológico de Lazer e
Hospitalidade, os cursos com a denominação de Técnicos em Turismo têm se mostrado
insuficientes para que os egressos consigam dar conta da complexidade dos segmentos, da
dimensão de suas respectivas atividades e com remunerações adequadas.
Entretanto, os cursos técnicos em turismo de nível médio integrado ainda vêm sendo
ofertados, como no caso do Estado do Paraná, com a nomenclatura de Técnico em Turismo
por meio de uma matriz generalista diluída em disciplinas de 80 horas, como por exemplo,
turismo e meio ambiente e meios de hospedagem, segmentos que já foram acima
exemplificados e apontados seus relativos espectros, os quais em suas atividades, cargos e
funções demostram complexidades que põem em dúvida a capacidade dos egressos
contemplarem ao menos parte do todo destes segmentos, haja vista o número reduzido de
horas/aulas da realidade vigente.
Outra questão que merece destaque tanto nos cursos subsequentes como nos médio
integrados são as reduzidas cargas horárias em língua estrangeira (inglês e espanhol), sendo
que para os primeiros, em sua maioria, as disciplinas para os idiomas são ofertados em cargas
horárias de 120 horas para o primeiro caso e 80 horas para o segundo. Frente ao exposto, não
há como deixar de perguntar: será que com tal carga horária em língua estrangeira o egresso
dará conta, mesmo que de maneira instrumental, das demandas internacionais antepostas?
Por fim, como proposta para um ensino técnico em turismo próximo da realidade e da
complexidade das atividades turísticas, sugerimos que os cursos de nível médio integrado
acompanhem a ordenação preconizada no Catalogo Nacional de Cursos Técnicos, pois assim
poderemos oferecer uma formação mais consistente, se distanciando da formação generalista
dos nossos dias, dando oportunidades mais realistas aos egressos, pois como vem sendo
organizados tais cursos, não atendem nem sequer as demandas capitalistas alteradas
constantemente pelas leis do mercado, muito menos àqueles que vivem do trabalho e que
urgem por uma compreensão totalizante dos desdobramentos do mundo do trabalho neste
terceiro milênio.

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