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Idade Média - Ars Nova
Idade Média - Ars Nova
Índice
b) Motete ............................................................................................................................... 4
c) Missa ................................................................................................................................. 5
2) Novo sistema de notação musical – emancipação do ritmo .... Erro! Marcador não definido.
a) Madrigal .......................................................................................................................... 14
b) Caccia .............................................................................................................................. 14
c) Ballata ............................................................................................................................. 15
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História da Cultura e das Artes Ano letivo: 2012/2013
1) Panorama musical
A definição da época da Ars Antiqua não é unânime entre os musicólogos. Para muitos, esta
classificação abrangeria todo o período anterior à Ars Nova, sobretudo desde a origem da
polifonia ocidental, por volta do século IX. Para outros, a Ars Antiqua seria uma época muito
mais limitada: corresponderia apenas ao século XIII, e mais concretamente ao período que
medeia entre a Escola de Notre-Dame e o aparecimento do tratado Ars nova musicae de Philipe
de Vitry.
Em certa ocasião em que se reuniram alguns bons cantores e leigos judiciosos, e em que se cantaram motetes à
maneira moderna e também alguns antigos, pude verificar que até mesmo aos leigos agradaram mais os motetes
antigos e a maneira antiga do que os novos. E, ainda que a maneira nova tenha agradado quando era novidade, tal
não acontece já, começando até a desagradar a muitos. Deixai, pois, que a música antiga e a antiga maneira de cantar
voltem à sua terra natal; deixai que voltem a ser praticadas; deixai de novo florescer a arte racional. Pois ela foi
exilada, a par da correspondente técnica de cantar, como que violentamente expulsa da comunidade dos cantores;
mas tal violência não deverá ser eterna. Onde, vedes, afinal, tão grandes motivos de agrado nesta lascívia estudada
através da qual – e muitos são os que assim pensam – se perdem as letras, se diminui a harmonia das consonâncias,
se altera o valor das notas, se despreza a perfeição, se exalta a imperfeição e se destrói a medida?
Speculum musicae, Jacob de Liége
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ao nível da música profana, pois o organum e o conductus deixam de ser cultivados; bem como
ao nível do motete.
a) Emancipação do ritmo
Com a Ars Nova surge uma emancipação do ritmo, em que o desenvolvimento da notação
mensural possibilitou uma maior diversidade e complexidade rítmica. Uma das técnicas
utilizadas é a utilização de passagens em hoquetus, uma técnica em que o fluir da melodia é
interrompido pela introdução de pausas, de forma a que as notas ausentes sejam cantadas por
outra voz, repartindo-se, assim, a melodia entre as diversas vozes. O efeito sonoro é o de um
soluço (ochetus em latim). Surgem, ocasionalmente, passagens em hoqueto nos organa, nos
conductus e nos motetes profanos de finais do século XIII, no entanto, esta técnica será utilizada
com maior frequência no século XIV. Chega mesmo a ocorrer a passagem de uma técnica de
composição para um género. Tais composições, chamadas de hoquetus, podiam ser vocais ou
instrumentais. Guilhaume de Machaut, por exemplo, escreveu um extenso hoquetus sobre o
tenor David, para 3 instrumentos, uma obra de referência.
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b) Motete
O motete, que começara por ser uma forma sacra, antes do final do século XIII já se tinha
secularizado. Na Ars Nova ocupa um lugar de destaque, tornando-se mais complexo e
chegando-se a sobrepor vários textos em línguas diferentes, muitos deles de caráter profano. O
seu conteúdo refere-se ao amor, às questões sociais e políticas, etc. Deste modo, o motete vai-se
tornando numa forma artística pública e o motete isorrítmico torna-se mesmo um género
tradicional para as grandes festividades.
Nesta época, o motete passa a ter normalmente quatro vozes: tenor (voz de apoio, em ritmo
lento, que apresenta o cantus firmus), contratenor (relacionada com o tenor, em ritmo lento),
motetus (voz principal em tessitura de contralto, em ritmo moderado), trimplum (tessitura de
soprano, em ritmo rápido).
O mais antigo documento musical francês do século XIV é um manuscrito ricamente
iluminado, datado de 1310-1314, de um poema satírico, o Roman de Fauvel, que constitui uma
antologia da música do século XIII e início do século XIV. Inclui composições musicais
monofónicas, mas também 34 motetes polifónicos. Cinco dos motetes a três vozes do Roman de
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Fauvel são de Philippe de Vitry, entre eles Garrit Galus – In nova fert – Neuma, um motete
isorrítmico, em que o tenor é bastante longo, os ritmos são mais complexos e toda a linha
melódica evolui tão lentamente sob as notas mais rápidas das vozes superiores, que deixa de ser
identificável como melodia, funcionando antes como um alicerce sobre o qual é constituída a
peça.
c) Missa
A excessiva intelectualização em que caiu a música litúrgica da Ars Nova, com a crescente
complexidade rítmica e melódica do motete e da missa, fez surgir uma atitude restritiva das
autoridades religiosas em relação a alguns exageros. Deste modo, em 1324 ou 1325, a bula
Docta sanctorum Patrum do Papa João XXII veio condicionar fortemente o uso da polifonia
nas catedrais e criticar as técnicas utilizadas pelos compositores “modernos”.
Consequentemente verificou-se uma menor produção da música religiosa, uma vez que a
polifonia distraía os crentes.
“A douta autoridade dos Santos Padres decretou que, nos Ofícios de louvor a Deus através dos quais lhe prestamos
devida homenagem, em todos esteja alerta o espírito, o discurso não surja alterado, e a grave modéstia dos salmistas
os faça modular o canto com placidez. Pois na sua boca o canto ressoava doce. Doce na verdade é o canto na boca
do salmista que tem Deus no coração; e por isso, ao enunciar as palavras, no seu próprio canto, aumenta a devoção.
É para estimular a devoção dos fiéis que se estipulou a salmodia na Igreja de Deus; nesse Ofício noturno e diurno, e
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na celebração da Missa, o clero e o povo cantam continuamente um tenor acabado e com modulação distinta, para
que desfrutem dessa distinção e se deleitam com o acabamento/final.
Mas há certos discípulos de uma nova escola que, atentando somente na medida do tempo, se inclinam para novas
notas, preferindo criar as suas próprias a cantar as antigas, executam cantos eclesiásticos com semibreves e mínimas;
repercutem notas curtas; interrompem as melodias com hoquetus; desestabilizam-nas com discantes; acrescentam-
lhes por vezes vozes de triplum e de motetus em vernáculo; e desprezam entretanto os fundamentos do Antifonário e
do Gradual […] Correm, sem se deterem; inebriam os ouvidos, sem os consular; com gestos simulam o que querem
exprimir, desdenhando assim a desejável devoção e manifestando uma exuberância a evitar […]
Assim, há já algum tempo que nós e os nossos irmãos vimos a necessidade de uma correção; por isso, apressamo-
nos a rejeitar, a abandonar em absoluto estes abusos e deles purgar a Igreja eficazmente. […] No entanto, não
pretendemos com isto proibir que de tempos a tempos, e sobretudo em dias de festa ou em solenidades, nas Missas e
nos ditos Ofícios Divinos, se produzam sobre os cantos eclesiásticos simples certas consonâncias que ressumam a
melodia, nomeadamente oitavas, quintas, quartas, e outras do mesmo género; mas na condição de que a integridade
desse canto seja preservada, e nada dessa música tão bem traçada seja mudado, e sobretudo que essas consonâncias
acariciem os ouvidos, suscitem a devoção e não permitam que se entorpeça o espírito dos que dirigem os salmos a
Deus”.
d) Contexto profano
A partir da canção de discante (em latim, cantilena), que contém uma voz superior cantada
e de 1 a 3 vozes instrumentais de acompanhamento, foram criadas formas de refrão: ballade,
rondeau e virelai. A ballade (do francês baler, dançar) tem normalmente uma introdução
(envoi) e estrofes com refrão (forma aab). Só uma voz é cantada, sendo as outras executadas por
instrumentos. O rondeau é uma canção rotativa ou de roda, com estrofes monódicas e refrão
normalmente polifónico a 2, 3 e 4 vozes (forma AB aAab AB). O virelai (do francês virer,
virar) é mais raro do que a ballade e o rondeau, sendo mais simples e livre, uma vez que os
versos são de extensão desigual (forma A bba A). De referir ainda o lai, uma composição
poético-musical extensa.
Para além de Philippe de Vitry, destaca-se nesta época Guillaume de Machaut (c.1300-
1377), de Machaut (Champagne), que a partir de 1323 se tornou secretário do Duque João de
Luxemburgo, mais tarde Rei da Boémia. Fez inúmeras viagens em expedições militares por toda
a Europa e em 1340 tornou-se cónego da catedral de Reims. Para além de compor a Missa de
Notre-Dame, são-lhe atribuídos 23 motetes, mas também 42 ballades, 21 rondeaux, 34 virelais
e cerca de 100 canções. Machaut compilou e ordenou as suas obras em manuscritos próprios,
aspeto fundamental para o conhecimento da sua criação musical.
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A música mensural é a música medida por intervalos de tempo longos e breves. Para que se entenda esta definição,
consideremos o que são a medida e o tempo. A medida é um atributo que indica a duração e a brevidade de qualquer
melodia mensurável. Se digo “mensurável” é porque no cantochão este tipo de medida não está presente. O tempo é
a medida do som propriamente dito, bem como do oposto do som, a sua omissão, comummente chamada pausa.
Digo que “a pausa é medida pelo tempo”, pois, se assim não fosse, duas melodias diferentes – uma com pausas,
outra sem elas – não poderiam ser proporcionalmente conjugadas uma com a outra.
A música mensurável divide-se na que é totalmente mensurável e na que só o é parcialmente. A música totalmente
mensurável é o descante, pois este é medido pelo tempo em todas as suas vozes. A música parcialmente mensurável
é o organum, que não é medido em todas as suas vozes. A palavra organum, note-se, é usada em dois sentidos – no
sentido próprio e no sentido comummente aceite. Pois o organum no sentido próprio é o organum duplum, também
chamado organum purum. Mas no sentido comummente aceite o organum é qualquer cântico eclesiástico medido
pelo tempo.
Ars cantus mensurabilis, Franco de Colónia
A breve tem 3 semibreves e a longa três breves. O valor de maior duração é a máxima ou
duplex longa, que contém duas longas. À exceção desta o sistema é ternário: com o conteúdo
simbólico da Trindade, as unidades ternárias são consideradas perfeitas e a sua duração, em
especial a da longa, como a perfeição (perfectio).
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No entanto, o sistema torna-se mais complexo quando as notas formam ligaduras, ou seja
quando mais do que uma nota cobre a mesma sílaba. Franco de Colónia conferiu-lhes um
significado rítmico individual. O ponto de partida é a ligadura Breve-Longa, descendente ou
ascendente, considerada a forma normal, a partir da qual se criam variantes. Uma modificação
da grafia no começo ou no fim, com a introdução ou remoção da haste, implica uma inversão
rítmica: retirando a haste à breve, ela transforma-se em longa, por outro lado, se no movimento
ascendente se colocar uma haste à breve, ela transforma-se em longa; na notação oblíqua
descendente com haste, a longa converte-se em breve e na longa quadrada superior virada para a
direita, a longa converte-se em breve. Podiam ainda ser criadas outras variantes, ligando várias
notas.
Este sistema torna-se ainda mais complexo com a introdução das chamadas imperfeições e
alterações. Por exemplo, se depois de uma longa existir uma breve, esta subtrai-se à longa,
tornando-a imperfeita. E se duas breves estão situadas entre duas longas, a primeira breve
permanece inalterada (brevis reta) e a segunda é duplicada (brevis altera), ocorrendo uma
alteração. Outras irregularidades podem ainda ser criadas.
No século XIV, ocorre uma ampliação do antigo sistema de Franco de Colónia. O tratado de
Philippe de Vitry (Ars Nova musicae) inaugura uma nova fase, que permitiu pela primeira vez
uma conceção binária da obra musical. Às figuras mensurais da Ars Antiqua, Vitry acrescentou
a Mínima e a Semínima:
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A unidade mais pequena é, oficialmente, a mínima, mas por volta de 1320, esta é também
divisível, mas apenas em 2 semínimas e não em três.
Entretanto, tornou-se necessário definir a divisão a ter em conta e sendo mais frequente o
uso dos valores intermédios, estabeleceu-se facilmente uma tabela de valores simbolizados pelo
círculo e pelo ponto. Estes sinais de mensuração são utilizados para trechos mais prolongados,
especialmente para as quatro combinações de tempus e prolatio:
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Os sinais mais comuns são um círculo para o tempus perfectum, um semicírculo para o
tempus imperfectum, um ponto para cum prolatione maiori, e sem ponto para cum prolatione
minori.
Na época do Renascimento, graças sobretudo à escola flamenga, a notação alarga os seus
valores rítmicos para a fusa e semifusa (a colcheia e semicolcheia atuais) e a utilização de notas
negras (notação mensural negra) é substituída, nos séculos XV-XVI, por notas ocas (notação
mensural branca).
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Transcreve para notação moderna o excerto apresentado (até ao compasso 10), do motete
Garrit gallus / In vova fert.
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Triplum
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Duplum
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Tenor
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Triplum
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Duplum
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Tenor
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Paralelamente com a França, durante o século XIV desenvolve-se uma polifonia profana
autónoma em Itália, chamada de Ars Nova Italiana. Nesta época, Itália encontrava-se dividida
em várias cidades-estado independentes, cujas disputas pelo poder a mantinham em constante
turbulência. No entanto, os príncipes, mecenas das artes, promoviam uma atmosfera de grande
criatividade. É o caso das cortes do Norte de Itália, como Milão, Verona, Mântua, Pádua,
Ferrara, e, mais tarde, Florença. Os géneros principais do Trecento são o madrigal, a caccia e a
ballata.
a) Madrigal
b) Caccia
A caccia (em italiano, caça) é um cânone, em que as duas vozes superiores se movem
canonicamente em uníssono e expõem o texto, e a voz inferior (que muitas vezes não existe em
algumas peças), calma e livre, é instrumental. A caccia é bipartida, pois à sua extensa primeira
parte segue-se um breve ritornelo. O conteúdo poético descreve uma caçada ou uma outra cena
de grande animação, como uma pescaria, um mercado cheio de movimento, uma batalha, etc.
Os pormenores textuais (gritos, exclamações, diálogos, entre outros) são sublinhados na música,
muitas vezes com efeitos de eco ou através da utilização do hoqueto.
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c) Ballata
A ballata (do italiano ballare, dançar), género cultivado em Itália na segunda metade do
século XIV, apresentava inicialmente 2 vozes, que depois deram lugar a 3 vozes. Nas
composições a 2 vozes, ambas as vozes têm o mesmo texto, no entanto, é possível a combinação
de uma parte vocal com uma voz instrumental de acompanhamento. Na composição a 3 vozes,
existem três hipóteses: duas partes vocais com a voz inferior ou média instrumental; três partes
vocais; ou ainda uma parte vocal acompanhada por duas vozes instrumentais.
Um dos mais importantes compositores do género foi Francesco Landini (c.1325-1397).
Cego desde a infância devido a uma epidemia de varíola, especializou-se no órgão portátil e em
outros instrumentos de tecla. Landini não escreveu música para textos sagrados e as suas obras
conhecidas compreendem 140 ballate a 2 e 3 vozes, 12 madrigais, 4 motetes incompletos e 1
caccia.
Um exemplo a referir é a sua ballata Non avrà ma´ pietà, que contém um refrão com três
versos (ripresa), cantado antes e depois de uma estrofe de 7 versos. Os dois primeiros pares de
versos da estrofe, designados por piedi, têm uma frase musical própria, enquanto os três últimos
versos, designados por volta, utilizam a mesma música do refrão. A estrutura da peça é a
seguinte:
O final de cada verso é assinalado por cadência, que se generalizou como “cadência de
Landini” (compassos 3-4, 5-6, 10-11, no primeiro verso da ripresa), no qual o encadeamento de
sexta para oitava é ornamentado por um movimento complementar, saltando por uma terceira na
voz aguda.
À medida que se aproxima o final do século XIV, a música dos compositores italianos
começou a perder as suas características especificamente nacionais e a absorver o estilo francês
contemporâneo. Esta tendência tornou-se percetível após o regresso da corte papal de Avinhão
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para Roma, em 1377. Os italianos começaram a escrever canções sobre textos franceses e em
formas francesas e as suas obras surgem muitas vezes em manuscritos de finais do século em
notação francesa. Um compositor a destacar neste período de transição para o século XV é o
compositor e teórico Johannes Ciconia (c.1335-1411), natural de Liége, que a partir de 1403 se
estabelece em Pádua como Mestre-de-capela. Nas suas obras é nítida a influência da Ars Nova
francesa, mas o seu período francamente italiano pertence ao século XV.
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A imagem apresentada contém o rondeau: Belle, bonne, sage, de Baude Cordier, inserido
no Manuscrito de Chantilly (Musée Condé). Este manuscrito é um dos exemplos mais
importantes da ars subtilior. Neste exemplo, a voz com texto é acompanhada por duas partes
sem texto. O conteúdo é amoroso, sendo de notar o formato do manuscrito em forma de
coração. Um aspeto a ressaltar é a utilização de notas em cor vermelha, que indicam uma
alteração da duração das notas. Observemos um excerto do início em notação moderna:
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Podemos observar a existência de uma hemíola (padrão rítmico onde dois compassos
ternários são articulados como se existissem três compassos binários), a partir do compasso 6,
onde estão presentes alterações rítmicas, que jogam entre um 3/4 e um 3/2. Esta oposição entre
uma divisão ternária e a introdução de valores duplos é marcada na partitura com as notas em
cor vermelha. De notar ainda a antecipação do contratenor e de tenor do motivo inicial
descendente da voz.
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Conceito de musica ficta: no decurso dos séculos XIII-XIV aparecem notas cromáticas num
sistema até então diatónico. Esta alteração era sobretudo comum nas cadências, em que o
intervalo de terceira, ao contrair-se para uníssono, era transformado numa sexta maior, e o
intervalo de sexta, ao expandir-se para oitava, era alterado para maior. Observemos os exemplos
apresentados:
No primeiro exemplo, a sexta é menor, mas no segundo foi alterada para maior. No terceiro
exemplo, encontra-se a chamada cadência de dupla sensível. As cadências em Sol e Dó eram
alteradas de forma autêntica às cadências em Ré. As cadências em Mi, no entanto, constituíam
um caso especial, uma vez que o intervalo de sexta já era maior não havia necessidade de o
alterar. Estas alterações eram também utilizadas sempre que se encontrava uma quarta
aumentada, nomeadamente o trítono Fá-Si, ou então eram utilizadas para se obter uma linha
melódica suave e mais bonita.
Tais alterações na música do século XIV não apresentariam a menor dificuldade para os
intérpretes modernos, no entanto, os compositores e escribas não tinham por hábito registar os
sustenidos, os bemóis e os bequadros. De facto, não havia coerência e a mesma passagem pode
ser encontrada em diversos manuscritos com acidentes diferentes. A omissão dos acidentes não
era mera negligência, mas decorria do quadro teórico em cujo âmbito a música era escrita. O
sistema de três hexacordes – duro, mole e natural – autorizava meios-tons, designados na
solmização por mi-fá, entre Si e Dó, Mi e Fá, Lá e Sib. Este era o domínio da música vera
(“música verdadeira”) ou musica reta (“música correta”). Uma nota fora deste domínio era
considerada irregular ou “fingida” (ficta). Os compositores e escribas tinham uma certa
relutância em escrever notas que não faziam parte deste sistema. Contudo, os cantores eram
ensinados a reconhecer as situações em que uma nota devia ser alterada de forma a criar uma
melodia mais suave ou uma progressão de intervalos mais agradável.
Os manuscritos do século XIV e início do século XV, especialmente os italianos, contêm
muitas indicações de acidentes, mas a partir de 1450 até cerca de 1550 os acidentes foram
desprezados, exceto nas transposições de modo. Atualmente, não se sabe se isto se refletiu numa
mudança de sonoridade ou se simplesmente foi uma questão de notação, continuando os
intérpretes a aplicar alterações.
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