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AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE GAVIÃO

Ano letivo | 2018/2019


Ficha de trabalho - Geografia – 9.º ano
abril 2019

Nome: ________________________________________________________Nº.:____Turma:____Data:__/__/___

O Beijo da Palavrinha de Mia Couto

Este livro foi-me aconselhado e não consegui resistir.

É um livro infantil, mas que é simplesmente lindo...se é só para


crianças, então sejamos todos crianças para podermos perder-
nos nas palavras e nos desenhos que ilustram a vida de Maria
Poeirinha.

Mia Couto, na sua forma típica de escrever, fala-nos de dois


irmãos que nunca viram o mar. No entanto é ele que poderá
salvar a menina de uma doença incurável.

Os desenhos são de Danuta Wojciechowska, ilustradora


canadiana que vive e trabalha em Portugal.

As cores quentes de África misturam-se com os azuis do mar


e do rio. Trazem os cheiros e os sons desse mundo pobre.

Um livro triste, mas que traz as palavras no coração.

Transcrevo a história, mas desde já vos digo que nada tem a


ver com o próprio livro na mão, em que se folheia página a
pagina, com uma imensidão nostálgica no rosto.

Era uma vez uma menina que nunca vira o mar. Chamava-se Maria Poeirinha. Ela e a sua família eram pobres, viviam
numa aldeia tão interior que acreditavam que o rio que ali passava não tinha nem fim nem foz.

Poeirinha só ganhara um irmão, o Zeca Zonzo, que era desprovido de juízo. Cabeça sempre no ar, as ideias lhe voavam
como balões em final de festa. Na miséria em que viviam, nada destoava. Até Poeirinha tinha sonhos pequenos, mais
de areia do que castelos.

Às vezes sonhava que ela se convertia em rio e seguia com passo lento, como a princesa de um distante livro,
arrastando um manto feito de remoinhos, remendos e retalhos.

Mas depressa ela saía do sonho, pois seus pés


descalços escaldavam na areia quente. E o rio
secava, engolido pelo chão.

Um certo dia, chegou à aldeia o Tio Jaime Litorânio,


que achou grave que os seus familiares nunca
tivessem conhecido os azuis do mar.

Que a ele o mar lhe havia aberto a porta para o


infinito. Podia continuar pobre mas havia, do outro
lado do horizonte, uma luz que fazia a espera valer a
pena. Deste lado do mundo, faltava essa luz que
nasce não do Sol mas das águas profundas.
A fome, a solidão, a palermice do Zeca, tudo isso o Tio atribuía a uma única carência: a falta de maresia. Há coisas
que se podem fazer pela metade, mas enfrentar o mar pede a nossa alma toda inteira. Era o que dizia Jaime.

- Quem nunca viu o mar não sabe o que é chorar!

Certa vez, a menina adoeceu gravemente. Num instante, ela ficou vizinha da morte. O Tio não teve dúvida: teriam que
a levar à costa.

Para que se curasse, disse ele. Para que ela renascesse tomando conta daquelas praias de areia e onda. E descobrisse
outras praias dentro dela.

- Mas o mar cura assim tão de verdade?

- Vocês não entendem? - respondia ele. - Não há tempo a perder. Metam a menina no barco que a corrente a leva em
salvadora viagem.

Contudo, a menina estava tão fraca que a viagem se tornou impossível.


Todos se aproximavam da cabeceira e ali ficavam sem saber o que fazer,
sem saber o que dizer. A mãe pegou nas mãos da menina e entoou as
velhas melodias de embalar.

Em vão. A menina apenas ganhava palidez e o seu respirar era o de um


fatigado passarinho. Já se preparavam as finais despedidas quando o irmão
Zeca Zonzo trouxe um papel e uma caneta.

- Vou-lhe mostrar o mar, maninha.

Todos pensaram que ele iria desenhar o oceano.

Que iria azular o papel e no meio da cor iria pintar uns peixes. E o Sol em
cima, como vela em bolo de aniversário. Mas não. Zonzo apenas rabiscou
com letra gorda a palavra

MAR

Apenas isso: a palavra inteira e por extenso.

O menino ficou olhando para a folha parecendo que não


entendia o que ele mesmo escrevera.

Antes mesmo que ele dissesse alguma coisa, a irmã


murmurou, em débil suspiro:

-Não vale a pena, mano Zonzo. Eu já não distingo letra, a luz


ficou cansada que já não se consegue levantar.

-Não importa, Poeirinha. Eu lhe conduzo o dedo por cima do


meu.

Os pais chamaram o moço à razão, ele que poupasse a irmã daquela tontice e que a deixasse apenas respirar.

Mas Zeca Zonzo fingiu não escutar. Ele tomou na sua mão os dedos magritos de Maria Poeirinha e os guiou por cima
dos traços que desenhara.

-Vês esta letra, Poeirinha?

-Estou tocando sombras, só sombras, só.

Zeca Zonzo levantou os dedos da irmã e soprou neles como se corrigisse algum defeito e os ensinasse a decifrar a
lisa brancura do papel.

-Experimente outra vez, mana. Com toda a atenção. Agora, já está sentindo?
-Sim. O meu dedo já está a espreitar.

-E que letra é?

E sorriram os dois, perante o espanto dos presentes.

Como se descobrissem algo que ninguém mais sabia. E não havia motivo
para tanto espanto.

Pois a letra m é feita de quê?


É feita de vagas, líquidas linhas que sobem e descem.

E Poeirinha passou o dedo a contornar as concavidades da letrinha.

-É isso, manito. Essa letra é feita por ondas. Eu já as vi no rio.

-E essa outra letrinha, essa que vem a seguir?

Essa a seguir é um a
É uma ave, uma gaivota pousada nela própria, enrodilhada perante a brisa
fria.

Em volta todos se haviam calado. Os dois em coro decidiram não tocar mais
na letra para não espantar o pássaro que havia nela.

-E a seguinte letrinha?

E os dedos da menina magoaram-se no r duro, rugoso, com suas ásperas


arestas.

O Tio Jaime Litorâneo, lágrima espreitando nos olhos, disse:

- Calem-se todos: já se escuta o marulhar!

Então do leito de Maria Poeirinha se ergueu a gaivota branca, como se fosse


um lençol agitado pelo vento. Era Maria Poeira que se erguia? era um
simples remoinho de areia branca?

Ou era ela seguindo no rio, debaixo do manto feito de remoinhos, remendos e retalhos?

Ainda hoje, tantos anos passados, Zeca Zonzo, apontando o rosto da sua irmãzinha na fotografia, clama e reclama.

-Eis minha mana poeirinha que foi beijada pelo mar.

E se afogou numa palavrinha.


Texto: Mia Couto –
Ilustrações: Malangatana Ed. Língua Geral

Livro: Mia Couto-O beijo da palavrinha. A história se passa em uma aldeia no interior da África onde há uma família
muito pobre que não conhece o mar. Imagine alguém sentir o mar através da palavra MAR. O que esta palavrinha traz
da grandeza do mar? O autor nos mostra que esta palavrinha traz muito desta grandeza e nos faz ver e sentir o mar
ao defini-lo através de um momento de cumplicidade, sensibilidade, solidariedade e muita imaginação de dois irmãos.

Em O beijo da palavrinha, Mia Couto conduz-nos ao interior de sua Moçambique, a um lugar onde vivia uma menina
que nunca vira o mar, e para enfatizar a distância da localidade do litoral, afirma: viviam numa aldeia tão interior que
acreditavam que o rio que ali passava não tinha nem fim nem foz. Logo na primeira página o autor contextualiza, de
maneira simples e clara, o ambiente de dificuldades causados pela seca e miséria, que se confirma no próprio nome
da personagem principal, Maria Poeirinha, a indicar o flagelo, a vida sem maiores aspirações da menina. Os nomes das
personagens são fundamentais para compreender a obra coutiana. O uso da onomástica apresenta características que
compõem os personagens de suas estórias. Há de se ressaltar também o trabalho gráfico que faz uso de uma fonte
em tamanho reduzido, pequena e discreta na oração em que o nome da menina é apresentado em relação aos outros
parágrafos desta página inicial a chamar a atenção do leitor-criança para a condição minúscula da personagem. Ao
lado do texto temos a ilustração de Malangatana em uma de suas principais características, a imagem poluída por
figuras humanas, confinadas e asfixiadas no espaço limitador da moldura da tela, estilo que brilhantemente
representava a condição dos moçambicanos diante da ação colonizadora e da posterior guerra civil que assolou o país
em diversas pinturas da sua carreira, além da cor vermelha constante na obra do artista, e principalmente as diversas
expressões faciais encarando o leitor, que retratam espanto, tristeza, melancolia, dor e indiferença. O artista ilustra o
povo da aldeia, procura valorizar a cultura autóctone, caracterizando suas pessoas com trajes típicos como cordões e
ornamentos nas cabeças, e utensílios domésticos como um vaso.

Diante da miséria em que a personagem vivia, até o sonho, espaço libertador dos descaminhos de um sofrido
cotidiano, espaço para se escorar no universo onírico para dar asas à imaginação e trazer um pouco de alento a tão
triste vida, nem nesse espaço ilimitado e livre a menina consegue desvencilhar-se de sua condição, como relata o
autor: até Poeirinha tinha sonhos pequenos, mais de areia do que castelos. Às vezes se convertia em rio e seguia com
passo lento, como a princesa de um distante livro, arrastando um manto feito de remoinhos, remendos e retalhos. A
descrição de seu manto representa o seu viver fragmentado e frágil como grãos de areia, a falta de ambição porque
talvez nem saiba o que isto seja, e ausência de qualquer expectativa de melhora, pois o que imagina bom está
distante como a princesa de um livro, condição esta que também é motivada pela hostilidade do ambiente em que
vive. O seu espaço físico-geográfico hostil, é o que decepa as asas literárias do sonho para rapidamente recolocá-la no
seu meio, na sua realidade crua, de pés descalços, intenso calor e rio seco: Mas depressa ela saía do sonho pois seu
pés descalços escaldavam na areia quente. E o rio secava, engolido pelo chão. Enquanto isso, Malangatana representa
em intensas alegorias o sonho da menina, porém percebemos um peixe enorme e furioso pronto para aboncanhá-la
e, assim, trazê-la para o seu mundo. E diante dos sonhos interrompidos, mais uma vez o predomínio dos tons
avermelhados na ilustração.

Dois coadjuvantes são apresentados. Primeiro, seu único irmão, Zeca Zonzo, que era desprovido de juízo. Cabeça
sempre no ar, as idéias lhe voavam como balões em final de festa. A seguir, o tio Jaime Litorânio que achava um
absurdo seus familiares não conhecerem o mar, pois este o havia aberto a porta para o infinito. Para Jaime Litorânio
o mar era seu universo de liberdade contra as agruras da vida, como acreditava: havia, do outro lado do horizonte,
uma luz que fazia a espera valer a pena. Deste lado do mundo, faltava essa luz que nasce não do sol mas das águas
profundas. O mar, a porta para o infinito, um infinito de liberdade, sem pobreza, sem miséria que vinha das águas
profundas, contrastando com o pélago profundo de Charles Baudelaire em As flores do mal. O mar infinito como lugar
de refúgio, abrigo, acalanto, como lugar de toda cura contra as mazelas da vida. Assim pensava Jaime Litorânio, que
destaca em seu nome sua paixão pelo mar. O infinito é destacado na diagramação das páginas desta passagem. E
Malangatana retrata a luz deste mar profundo em figuras dispersas, apenas rostos, rostos impessoais, fragmentos de
rostos flutuando (nadando) no espaço. O mar que exige a alma inteira, entregue para visualizar e reconhecer a
mencionada luz, que pode ser a própria luz da pessoa que se dispõe a tal exercício libertário.

Daí o tio crer que a cura da doença da menina, quando esta desenvolve uma terrível enfermidade que a leva à beira
da morte, ser o momento exato para que conhecesse a praia e descobrisse outras praias dentro dela. A incredulidade
dos moradores da aldeia apresenta-se: Mas o mar cura assim tão de verdade?, entretanto o tio permanece convicto
e insiste na salvadora viagem. E Malangatana apresenta um destemido navegante na popa de um barco, cônscio de
sua sagrada missão, a de conduzir a pobre Poeirinha que parece nos encarar assustada com a velocidade dos
acontecimentos e proporcional rapidez da morte que se aproxima.

Contudo, a viagem não se concretiza em razão da elevada fragilidade da menina. As pessoas não sabem o que fazer e
sua mãe começa a entoar as velhas melodias de embalar. Em vão. Momento que Malangatana registra com lirismo
comovente o leito de morte de Poeirinha, cercada por conhecidos e sua mãe que pega a sua mão. Todos já se
conformam com a morte de Poeirinha, já preparavam as finais despedidas, até que aparece na cena seu irmão Zeca
Zonzo com um papel e uma caneta.

Zeca Zonzo informa que vai mostrar o mar para irmã e surpreende a todos ao não desenhar o que esperavam, como
um oceano azul cheio de peixes. Zonzo apenas rabiscou com letra gorda a palavra “mar”. Apenas isso: a palavra inteira
e por extenso. Zonzo ainda não sabe o que fazer, até que sua irmã murmura em débil suspiro: Não vale a pena, mano
Zonzo. Eu já não distingo letra, a luz ficou cansada, tão cansada que já não consegue se levantar. Os olhos, as pálpebras
sem forças para se levantar, a luz cansada. Faróis, faróis de luz que iluminam a vida. O olhar distante da menina que
olha apenas de soslaio para a discreta claridade no alto a sua esquerda, a remeter características barrocas, como o
claro x escuro, o contraste entre o terreno e o sagrado, a posição superior diagonal da luz invadindo a ilustração e o
tratamento granulado empregado pelo artista na realização da obra.
Com a fragilidade da irmã, Zeca Zonzo resolve ajudá-la: Não importa, Poeirinha. Eu lhe conduzo o dedo por cima do
meu. Sendo, em seguida, repreendido pelos pais que achavam se tratar de mais um desvario da criança vazia, porém
o menino está determinado no seu objetivo e guia o dedo da menina sobre os traços que desenhara. Todavia, Poerinha
denuncia sua condição e, entre murmúrios, diz: Estou tocando sombras, só sombras, só. É a vida que se esvai do corpo,
desprendendo-se para outro plano, outra vida, como a aura disforme retratada por Malangatana que envolve e se vai
do corpo físico para o plano espiritual, a caminhar sozinha em um novo mundo desconhecido, um mundo de sombras,
o que é realçado na diagramação do texto com o destaque para a palavra só com a fonte em tamanho maior.

Entretanto, Zeca Zonzo insiste e sopra os dedos da irmã como se corrigisse algum defeito e os ensinasse a decifrar a
lisa brancura do papel. Com o dedo guiado pelo irmão, Poeirinha consegue decifrar a primeira letra, o “m”, momento
em que os dois sorriem sem que os outros presentes compreendessem o motivo da alegria. A letra “m” é descrita pelo
narrador como feita de vagas, líquidas linhas que sobem e descem, e Poeirinha recorda-se das ondas do rio: Essa letra
é feita por ondas. Eu já as vi no rio.

E passa para a letra “a”. É uma ave, uma gaivota pousada nela própria, enrodilhada perante a brisa fria. Nesta
passagem, Malangatana representa a dor da menina em seu leito com a gaivota imaginária. Os dois em coro decidiram
não tocar mais na letra para não espantar o pássaro que havia nela. As pessoas ao redor estavam emudecidas diante
das crianças que chegam à última letra: É uma letra tirada da pedra. É o “r” de rocha. E os dedos da menina magoaram-
se no r duro, rugoso, com suas ásperas arestas.Mais uma vez o vermelho ressurge na pintura de Malangatana, os
dedos da menina sangram, mas o olhar não revela dor, mas sim, um distanciamento, um vazio, talvez o fim que se
anuncia.

Emocionado diante da situação o tio Jaime Litorânio diz: Calem-se todos: já se escuta o marulhar! O som do mar que
anuncia a mudança de estado de Poeirinha. E abre-se espaço para o universo onírico de Mia Couto aparecer com a
reconhecida maestria:Então, do leito de Maria Poeirinha se ergueu a gaivota branca, como se fosse um lençol agitado
pelo vento. É o vôo da liberdade para uma nova vida sem as agruras da vida terrena. É retomando o sonho da menina
transcrito no início do livro e o fantástico surge entre as palavras e viajamos com a gaivota branca ou no rio dos seus
sonhos. Então, do leito de Maria Poeirinha se ergueu a gaivota branca, como se fosse um lençol agitado pelo vento.
Era Maria Poeirinha que se erguia? (…) Ou era ela seguindo no rio, debaixo do manto de remoinhos, remendos e
retalhos? A paz, a liberdade e a harmonia sendo conduzidas nas asas de um pássaro, animal que tantas vezes aparece
na literatura moçambicana, não só em Mia Couto, mas também nas poemas de Luís Carlos Patraquim e Eduardo White,
e constantemente representado nas pinturas de Roberto Chichorro.

Em O último voo do flamingo, Mia Couto narra a lenda do flamingo e do nascimento da noite. Conta sobre um flamingo
que um dia resolve não mais voar, que está cansado de viver e que deseja ir a um lugar onde só há luz, mas não é dia,
e a ave parte e diz aos seus pares: não quero mais pousar, só repousar. E parte em direção ao sol poente:

Então, o flamingo se lançou, arco e flecha se crisparam em seu corpo. E ei-lo, eleito, elegante, se despindo do peso.
Assim, visto em voo, dir-se-ia que o céu se vertebrara e a nuvem adiante, não era senão alma de passarinho. Dir-se-ia
mais: que era a própria luz que voava. E o pássaro ia desfolhando, asa em asa, as transparentes páginas do céu. Mais
um bater de plumas e, de repente, a todos pareceu que o horizonte se vermelhava. Transitava de azul para tons escuros,
roxos e liliáceos. Tudo se passando como um incêndio. Nascia, assim, o primeiro poente. Quando o flamingo se
extinguiu, a noite se estreou naquela terra.

Ou seja, os pássaros são tidos como animais sagrados que também fazem essa transição do mundo dos vivos para o
mundo dos mortos.

Terna e bela é a última ilustração de Malangatana, ao retratar a menina em seu leito de morte, cercada por seus
familiares com olhares complacentes após o seu derradeiro suspiro. O fundo azul simbolizando o mar, a colcha de
retalhos, os peixes e a sua passagem desta para outra vida.

Não apenas por ser um livro infantil, mas as crianças são bastante representativas nas literaturas africanas de língua
portuguesa, pois estão mais próximas dos antepassados devido a pouca idade, assim como os mais velhos que também
estão mais próximos, mas pelo avançar da idade. As crianças são argutas, espertas, observadoras e inocentes, e
geralmente ajudam a solucionar conflitos, vivenciam os dramas do período colonial e da guerra. Em O beijo da
palavrinha, o personagem Zeca Zonzo era tratado como um menino que nada sabia, nada resolvia, desprovido de juízo,
entretanto, partiu dele a idéia de ajuda a irmã, surpreendendo a todos, e mostrando a ela como era o mar, porque
nem o tio Jaime Litorânio com todo o seu amor pelo mar conseguiu apresentar à menina como era o oceano, e o
menino, de maneira lúdica, teve a felicidade de conduzi-la ao mar através da leitura e da escrita. É importante frisar a
presença desses dois últimos componentes na construção de Moçambique independente, e o autor Mia Couto foi um
dos participantes nesse processo de divulgação e unificação da nação pela língua portuguesa.

Podemos fazer a seguinte analogia a partir da atitude dos dois irmãos, o estado de saúde de Maria Poeirinha com a
palavra “mar” e a tríade início-meio-e-fim. O “m” de mar com suas ondas que sobem e descem, como a condição da
menina extremamente doente em seu leito de morte; a letra “a” do mar como a gaivota pousada nela própria,
enrodilhada perante a brisa fria, momento em que todos ao redor haviam se calados pela perplexidade com que a
criança vai sendo apresentada ao mar ou pela brisa fria, o vento frio a indicar que algo de ruim estaria por vir, enquanto
as crianças, no universo imaginário, preocupavam-se em não demorar com o toque sobre a letra para não espantar o
pássaro que ali estava; e quando encerram a leitura e a escrita da palavra mar a menina reconhece a letra “r”, o r da
rocha. E os dedos da menina magoaram-se no rugoso r duro, rugoso, com suas ásperas arestas. A letra “r” muito bem
observada pelo autor por causa da sua tipografia. O “r” de rocha que encerra a onda, local de repouso das aves, rocha
na beira do mar de vento frio a simbolizar o fim, o término da vida de Maria Poeirinha.

E assim a menina é conduzida pela gaivota e navega no derradeiro sonho.

Eis minha mana Poeirinha que foi beijada pelo mar. E se afogou numa palavrinha.

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