Você está na página 1de 2

Opinião: hegemonia mundial dos EUA chegou ao fim

Antônio Gelis, professor de Estratégia Internacional e de Geopolítica das Relações Internacionais da


Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, de São Paulo, fala do fim da
hegemonia global dos Estados Unidos e das novas relações de equilíbrio e poder na Nova Ordem Mundial.

Arnaldo: Prof. sobre o que versou esta conferência da Alemanha?

A. G.: Arnaldo, sou membro de uma das sessões da Associação Sociológica Americana, uma das maiores
associações de sociólogos do mundo. Essa seção é a de Economia Política dos Sistemas-Mundo e, apesar de
ser uma associação com sede nos EUA, a reunião desse ano (a 39 a) foi realizada em Berlim, na Alemanha. A
análise de sistemas-mundo, que foi criada pelo Immanuel Wallerstein, sociólogo norte-americano nos anos
1970, é uma abordagem para a realidade da sociedade, que enxerga no mundo não o planeta dividido apenas
em países mas uma rede de relações econômicas, que pode ser divida em países de core (que há muito tempo
são países da Europa Ocidental e América do Norte, mas isso vem mudando), países da periferia e países da
semi-periferia, entro os quais Brasil, México, Turquia, Rússia, Índia…

Arnaldo: Seriam os emergentes?

A. G.: Com certeza, a maior parte dos emergentes estaria incluída dentro do conceito de semi-periferia. E
essa abordagem tem se mostrado extremamente capaz de explicar as transformações do nosso mundo.

Arnaldo: Essa concepção de sistema-mundo, se entendi bem, ela não identifica os Estados como entes
isolados, porém como integrantes de uma vasta comunidade, de uma ampla comunidade mundial.

A. G.: Exatamente, e uma comunidade na qual nós tempos trocas econômicas assimétricas. O que é isso?
Alguns países se beneficiam mais do comércio internacional do que outros. Desde muito tempo atrás esses
países se concentram na Europa Ocidental e na América do Norte. Isso vem mudando, entretanto, para vários
autores da análise de sistemas mundo.

Arnaldo: Então há um desequilíbrio no comércio internacional que está sendo gradativamente reparado.

A. G.: Para alguns intérpretes está sendo reparado e para outros nós estaríamos assistindo a uma mudança do
centro da economia mundial. Eu sinto aqui, o infelizmente recentemente falecido sociólogo italiano
Giovanni Arrighi, que em seu livro O longo Século XX, já dizia: “Olha, os EUA não detêm mais a
hegemonia mundial. Os EUA hoje têm apenas a mera dominação do mundo.” A diferença entre as duas é que
quando uma nação é hegemônica, Arnaldo, o custo da imposição do poder sobre os outros países é muito
menor porque eles aceitam mais naturalmente esse poder. Isso em 1994! E o professor Emmanuel
Wallerstein, já desde os anos 1970 afirma que havia sinais de que a hegemonia americana já havia
encontrado seus limites e que nós passaríamos por mais uma transição de hegemonia.

Arnaldo: Quem está assumindo o papel dos EUA ou o mundo contemporâneo não comporta mais entidades
ou entes hegemônicos?

A. G.: Nós temos três interpretações principais: uma interpretação diz que é impossível nós dizermos para
onde vai essa hegemonia; que nós teremos que esperar algumas décadas de período de transição. O professor
Giovanni Arrighi dizia, já nos anos 1990, que o novo eixo encontra-se na China. E uma terceira abordagem
defende que nós não teremos mais uma hegemonia clássica, como nós assistimos, mas sim um poder
pulverizado no planeta.

Arnaldo: Qual é a sua posição, com qual destas três correntes o senhor fica?

A. G.: Eu acredito que nós estamos assistindo uma transição para a Ásia, especialmente na região em torno
da China e talvez, mais recentemente tenho percebido que a Eurásia, incluindo ai a Rússia também, pode ser
Rússia-China, possam, talvez caminhar para se tornar um novo centro. Não sei se um centro hegemônico,
mas talvez um centro alternativo de poder no planeta.
Arnaldo ….: E a Índia, merece algum papel, algum destaque nesta nova conceituação?

A. G.: Com certeza, a Índia é um país de uma capacidade tecnológica fabulosa, impressionante, porém ela
enfrenta um enorme problema. Não nos esqueçamos que o Paquistão, vizinho da Índia, país com quem ela já
travou quatro ou cinco guerras, a depender de como você defina a guerra, ambos são potências nucleares,
historicamente formam parte do mesmo país. O Paquistão apenas surgiu após a independência da Índia em
1947 por conta dos lamentáveis conflitos religiosos entre hindus e muçulmanos. O rio Indo, Arnaldo, que dá
o nome à Índia, pelo menos o nome da Índia no Ocidente, já que lá se chama “Rará”, fica no Paquistão e não
na Índia. Então esta situação de conflito de baixa intensidade permanente com o Paquistão compromete o
enorme potencial indiano. Mas eu diria que, caso a Índia, e parece que há sinais de que isto esteja
acontecendo, aproxime-se da China, aproxime-se desse possível core eurasiano, ela vai ter um papel central.
Índia, China e Rússia atuando conjuntamente formam um trio que eu diria essencialmente sem competição
no planeta pela capacidade humana, tecnológica e militar.

Arnaldo: Há alguns anos o ex-primeiro-ministro da Rússia e ex-ministro das Relações Exteriores, Evguene
Primakov, já dizia: “Prestem atenção neste triângulo” e o triângulo ficou conhecido como Triângulo de
Primakov, compreendendo os três países que o senhor citou: Rússia, Índia e China e aí se forma o desenho.

A. G.: Eu fiquei muito impressionado, inclusive com uma pessoa que olha para os acontecimentos pelo
ângulo da análise do sistemas-mundo nesse recente acontecimento envolvendo o Banco de Desenvolvimento
da Infra-estrutura da Ásia, criado pela China, ao qual se juntaram os países da Ásia, inclusive a Índia e,
contrariando a determinação dos EUA, Reino Unido, Alemanha, França e até Taiwan, pediram para fazer
parte desse novo projeto liderado pela China.

Arnaldo: E o Brasil também se faz presente neste banco. A solicitação de presença de Taiwan neste banco
indica que negócios ficam à margem da política e que negócios têm uma ética própria, se é que podemos
dizer assim.

A. G.: E digamos, um líder de um país tem a obrigação de fornecer o melhor para sua população. Ora, por
mais que exista uma terrível situação entre China e Taiwan, é óbvio que existe um potencial econômico
gigantesco entre os dois países. Fiquei muito surpreso com essa decisão de Taiwan, contrariando uma
determinação pública do Presidente Obama. Para mim, isso foi extremamente significativo de que as leituras
extremamente competentes dos professores Wallerstein e Arrighi vêm se confirmando.

Arnaldo: Mas o que nós temos visto ultimamente são países cada vez, não vou dizer se levantando, mas cada
vez tendo a coragem de exprimir posições divergentes da dos EUA. Esse caso de Taiwan que o senhor citou
e também a União Europeia e nós temos de cair no caso das sanções contra a Rússia. A União Europeia já
considerando que já passou da hora de levantar as sanções contra a Rússia numa clara divergência com os
EUA.

A. G.: Às vezes eu tenho a impressão que estou lendo uma página do livro do Professor Arrigui quando ele
dizia, logo após a queda do muro de Berlim em 1994, que os EUA detém a dominação e não mais a
hegemonia e essa dominação vai custar muito caro. Aí nós enfrentamos um outro fenômeno, Arnaldo, que se
chama Paradoxo do Sucesso, definido por um Professor de Economia e que significa aquela tendência que as
empresas, organizações em geral, têm de repetir as receitas de sucesso do passado mesmo quando elas se
tornam receitas de fracasso, na verdade. Infelizmente, às vezes eu tenho a impressão que isso tomou conta
das decisões políticas de Washington.

Arnaldo: Principalmente quando interesses estão atrelados à sucessão presidencial e à detenção do poder por
mais alguns anos, por mais alguns mandatos.
A. G.: É, acaba contaminando todas as decisões geopolíticas.

Arnaldo: Prof. Antonio Gelis, muito obrigado por mais esta entrevista ao programa da Radio Sputnik Brasil.
Conversamos com o prof. de Estratégia Internacional da FGV, Antônio Gelis, que nos falou de sua
participação na Conferência sociológica realizada na Alemanha na segunda quinzena de março.

Disponível em: <http://br.sputniknews.com/entrevistas/20150403/654120.html#ixzz3WqA6196w>. Acesso: 9/4/2015.

Você também pode gostar