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DOI: 10.1590/1413-812320182310.

15902018 3327

TDAH e Ritalina: neuronarrativas

ARTIGO ARTICLE
em uma comunidade virtual da Rede Social Facebook

ADHD and Ritalin: neuronarratives


in a virtual community of Facebook Social Network

Fernanda Martinhago 1

Abstract Attention Deficit Hyperactivity Disor- Resumo O Trantorno de Déficit de Atenção e


der (ADHD) is notable for affecting between 5% Hiperatividade (TDAH) destaca-se por atingir
and 10% of the child and adolescent populations cerca de 5% a 10% da população infanto-juvenil
in several continents. The main treatment for em diversos continentes, sendo a principal opção
this is methylphenidate (Ritalin). In this context, de tratamento o uso do metilfenidato (Ritalina).
the objective of this research was to understand Neste contexto, esta pesquisa teve como objetivo
how the contents transmitted in social networks compreender como os conteúdos veiculados nas
(virtual communities) influence the way fam- redes sociais (comunidades virtuais) influenciam
ily members of these communities understand no modo pelo qual os familiares, membros destas
ADHD and its treatment, as well as how they comunidades, entendem o TDAH e o tratamen-
deal with their children who are suspected of hav- to, bem como lidam com seus filhos com suspei-
ing, or are already diagnosed with, ADHD. The ta ou já diagnosticados com TDAH. A pesquisa
research was developed from the standpoint of foi desenvolvida na perspectiva da Antropologia
Medical Anthropology. Virtual ethnography was Médica. A etnografia virtual foi elegida como me-
chosen as the research methodology to observe a todologia de investigação para adentrar a uma
virtual community from the social network Face- comunidade virtual da rede social Facebook. Ob-
book. The virtual community investigated consist- servou-se que a comunidade virtual investigada,
ed mainly of mothers of children and adolescents constituída por mães de crianças e adolescentes
diagnosed with ADHD, and it was observed that diagnosticados com TDAH, discute principalmen-
they mainly discuss the use of medication (Rital- te o uso da medicação para tratamento do TDAH
in or Concerta) to treat ADHD in their children. em seus filhos. As narrativas indicam que causa
The narratives show that it causes a lot of anxiety muita angústia em algumas mães darem a seus
in some mothers to give their children controlled filhos um medicamento controlado. O sofrimento
1
Programa de Pós- substances. We live in an age in which the vissic- dos pais mediante as dificuldades de lidarem com
Graduação Interdisciplinar
em Ciências Humanas, itudes of life have been pathologised. As a result, seus filhos induz a ideia de que há necessidade de
Universidade Federal de parental suffering, as caused by the difficulties of uma solução médica, pois vivemos em uma era em
Santa Catarina. R. Eng. dealing with their children, leads to the idea that que os percalços da vida tornaram-se patologias.
Agronômico Andrei
Cristian Ferreira s/n, medical solutions are necessary for them to alevi- Palavras-chave TDAH, Ritalina, Rede social
Trindade. 88040-900 ate their children’s conditions
Florianópolis SC Brasil. Key words ADHD, Ritalin, Social network
martinhagofernanda@
gmail.com
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Martinhago F

Introdução macológica, poucas eram as crianças diagnosti-


cadas com transtornos mentais. As crianças eram
Nos últimos anos, os saberes biomédicos e neu- consideradas travessas, inquietas, dispersas, mas
rocientíficos têm privilegiado uma ideia cere- não recebiam o diagnóstico de Transtorno de
bralizada do self1. Este processo tem tido êxito Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Já
em função das novas neurotecnologias de re- os adolescentes eram considerados tímidos, emo-
presentação e visualização cerebral, bem como cionalmente inconstantes, todavia a sociedade
pelo desenvolvimento de medicamentos para o esperava que na idade adulta seriam pessoas ap-
tratamento do sofrimento psíquico e a presença tas para assumir suas responsabilidades, ter uma
dos discursos neuroculturais na cultura pública profissão, enfim, serem sujeitos normais. O olhar
e nos meios de comunicação de massa ou social sobre a infância começou a ser revisto a partir do
(mass media). Martínez-Hernáez1 denomina es- momento em que a psiquiatria passou a tratar
ses discursos de neuronarrativas, que são relatos crianças e adolescentes com medicamentos psi-
que privilegiam explicações em que o sofrimento cotrópicos. A justificativa apresentada pela psi-
ocorre em função de disfunções cerebrais, en- quiatria é a da descoberta, nos últimos 50 anos,
cobrindo as dimensões sociais que permeiam as que crianças e adolescentes sofriam de patologias
aflições. mentais de origem biológica. E assim surgiram o
Estamos vivendo em tempos demarcados TDAH, a depressão, o transtorno bipolar, entre
pela cerebralidade, em que os neologismos emer- outras patologias no público infanto-juvenil2.
gem no cerne da linguagem convencional (neu- O aumento significativo de diagnósticos de
roestética, neuroética, neurodesenvolvimento, transtornos mentais no público infanto-juvenil é
neuroeducação, neurodidática, etc), bem como atribuído às últimas versões do Manual Diagnós-
novas formas de biossocialidades ou neurosso- tico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM).
ciabilidades que se constituem no imaginário e se No DSM-IV, conforme reconheceu Allen Fran-
tornam reais no simbólico1. Assim, pode-se dizer ces3 - chefe da força tarefa de execução do Manual
que estamos em “épocas de neuro” e, dentre os -, houve imprevistos na elaboração que desenca-
avanços e retrocessos que vivenciamos em fun- dearam falsas epidemias de transtornos men-
ção destas transformações, emerge uma grande tais infantis, como: autismo, déficit de atenção e
preocupação pertinente ao campo da saúde men- transtorno bipolar infantil. Para Frances3, o mé-
tal, uma epidemia de transtornos mentais. todo de elaboração do DSM-IV deveria ter enfa-
Tal epidemia é chamada por Whitaker2 de tizado a moderação, com objetivo de resguardar
“praga moderna”, uma vez que nunca houve uma o Manual da individualidade, da arbitrariedade e
prevalência tão alta de pessoas diagnosticadas da criatividade diagnóstica.
com transtornos mentais como na contempora- No caso do TDAH, o diagnóstico é clínico,
neidade. Conforme nota o autor, a história conta- pois não existem exames laboratoriais que pos-
da para a sociedade é a de que a psiquiatria havia sam comprovar tal patologia. Desse modo, qual-
progredido no tratamento dos transtornos men- quer pessoa pode facilmente receber o diagnósti-
tais, os pesquisadores estariam descobrindo as co deste transtorno mental e uma prescrição para
causas biológicas destes transtornos e a indústria tratamento medicamentoso3. Esta vulnerabilida-
farmacêutica havia desenvolvido medicamentos de do diagnóstico facilita que um número signi-
eficazes para o tratamento. Porém, ao fazer uma ficativo de pessoas receba um diagnóstico falso
análise da incidência de transtornos mentais dos -positivo e que isso possa ocorrer pela influência
últimos 50 anos, Whitaker2 constatou que há do marketing, pois o TDAH atinge cerca de 5%
uma verdadeira epidemia de transtornos men- a 10% da população infanto-juvenil em diversos
tais. Por exemplo, nos Estados Unidos, em 1955, continentes3-6.
uma em cada 468 pessoas sofria de algum trans- Entre as décadas de 1980 e início dos anos
torno mental. Em 1987, uma a cada 184 pessoas 1990, o TDAH era um fenômeno que ocorria
estava diagnosticada com um transtorno mental. majoritariamente nos Estados Unidos. Median-
Em 2007, o número passou a ser de um diagnos- te este sucesso, a Associação Americana de Psi-
ticado para cada 76 estadunidenses. quiatria (APA), em parceria com as companhias
A “praga de transtornos mentais” expandiu- farmacêuticas, começou a expandir o diagnósti-
se a ponto de crianças e adolescentes também co- co por outros países, como na Alemanha, onde
meçarem a fazer parte destas estatísticas, as quais os diagnósticos aumentaram 381% dos anos de
apontam um número elevado de transtornos 1989 a 2001; no Reino Unido, onde as prescri-
mentais nesse público. No início da era psicofar- ções de medicamentos para o TDAH aumenta-
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ram 50% entre 2007 e 2012; em Israel, onde as Comunicação, Transtorno do Espectro Autista,
prescrições duplicaram entre os anos de 2005 a Transtorno Específico de Aprendizagem, Trans-
2012. Em países fora dos Estados Unidos, o uso tornos Motores) foram denominados como
mundial de Ritalina em 2007 era de 17%, passan- “Transtornos do Neurodesenvolvimento”. Esta
do para 34% em 2012. Nos Estados Unidos, nesse denominação diz respeito a transtornos que
mesmo ano, 10% de crianças e adolescentes, com se manifestam durante o desenvolvimento da
idades entre 4 e 18 anos, foram diagnosticadas criança, geralmente antes da idade escolar. As
com TDAH. As vendas globais de medicamentos principais características desses transtornos são
para o TDAH renderam 11,5 bilhões de dólares os déficits de desenvolvimento que englobam li-
em 20136. mitações específicas na aprendizagem ou no con-
Apesar de obter destaque nos Estados Unidos trole de funções executivas, gerando prejuízos
na década de 1980, antes disso Conrad e Schnei- globais em habilidades sociais ou inteligência.
der7 nos revelam que o TDAH foi chamado de Os critérios diagnósticos do TDAH incluem dois
hipercinesia, conhecida também anteriormente subtipos: 1) desatenção e/ou 2) hiperatividade
como disfunção cerebral mínima, síndrome hi- e impulsividade. Para diagnosticar o transtorno
perativa, desordem hipercinética da infância. Es- são necessários seis sintomas relacionados a cada
tas patologias apresentavam uma prevalência de subtipo ou aos dois, por um período de seis me-
diagnósticos médicos em torno de 3% a 10% na ses para crianças e adolescentes até 16 anos, em
população escolar, percentuais semelhantes aos um grau que seja inconsistente com o nível do
atuais do TDAH. Os sintomas variam pouco de desenvolvimento e que afete negativamente ati-
categoria para categoria, sendo o diagnóstico ba- vidades sociais e escolares. Salienta-se que uma
seado em comportamentos como hiperatividade criança ou adolescente que apresenta sintomas
(excesso extremo de atividade motora); atenção somente relacionados a um dos dois subtipos é
breve (a criança pula de atividade em ativida- diagnosticada com TDAH.
de); agitação, inquietação, oscilação de humor (a Assim, o contexto escolar aparece como um
criança está bem um dia e no outro não); apre- lugar propício para identificar tais problemas
senta um comportamento agressivo, impulsivi- relacionados ao comportamento, pelo fato de
dade, incapacidade de se sentar na escola e cum- algumas crianças não seguirem as regras da es-
prir as regras, baixa tolerância à frustração, pro- cola, como ficarem sentadas, caladas e prestando
blemas para dormir e atraso da aquisição da fala. atenção nas aulas por várias horas. O comporta-
Durante os anos de 1970, a psiquiatria co- mento das crianças não corresponde às expecta-
meçou a prescrever metilfenidato (Ritalina) para tivas dos professores, os quais mencionam suas
as crianças hipercinéticas, pois já haviam cons- queixas aos pais que encaminham seus filhos
tatado a mudançca de comportamento em sala para uma avaliação psiquiátrica já com indício
de aula. Este fato reforçou a iniciativa da APA de de algum desvio8.
criar um diagnóstico para os comportamentos Uma pesquisa9 realizada na Catalunha com
correspondentes, que a princípio foi denomina- profissionais da educação e da saúde, pais e estu-
do no DSM-III (1980) de “Transtornos do Défi- dantes, buscou identificar a realidade dos proble-
cit de Atenção”. Este transtorno era caracterizado mas de comportamento nas escolas, com ênfase
pelos sintomas de desatenção, impulsividade e no Transtorno do Déficit de Atenção com ou sem
hiperatividade, podendo, entretanto, ser diag- Hiperatividade (TDA/H), bem como no Trans-
nosticado sem a presença da hiperatividade. Em torno Negativista Desafiador e no Transtorno
1987, quando a APA publicou a versão revisada Dissocial. Os resultados da pesquisa demonstra-
do DSM-III, os limites diagnósticos foram recon- ram que os comportamentos de desordem estão
figurados e o transtorno mencionado acima foi associados com: a hiperatividade, o que faz com
renomeado para “Transtorno do Déficit de Aten- que as crianças não permaneçam quietas nos am-
ção com Hiperatividade”(TDAH). Em 1994, com bientes que exigem este comportamento; a im-
a publicação da versão revisada do DSM-IV, seus pulsividade, as crianças agem sem considerar as
limites diagnósticos foram ampliados novamen- consequências de suas ações; e o terceiro tipo de
te, definidos em três sub-tipos: somente desaten- comportamento perturbador refere-se à violên-
to, somente hiperativo/impulsivo e aqueles que cia que pode ser exercida sobre pessoas, animais
apresentam os dois sintomas7. ou objetos. Esses comportamentos foram consi-
No DSM-54, última edição do manual de derados muito frequentes por 50% dos profes-
transtornos mentais, o TDAH e outros transtor- sores participantes da pesquisa. Neste sentido, a
nos (Deficiências Intelectuais, Transtornos da percepção dos profissionais da educação é que
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desempenham o seu trabalho em um ambiente mentais em grande escala produz uma deman-
de conflito. Dentre estes resultados, destacam-se da de crianças e adolescentes que “necessitam
dois vetores: um vetor de atenção e um outro ve- de tratamento”, o que pode favorecer o mercado
tor de conduta. O primeiro está relacionado com dos profissionais da saúde, bem como a venda
os problemas que surgem em consequência da de medicamentos. Segundo Frances3, milhões de
falta de atenção no âmbito escolar. Por exemplo, pessoas saudáveis estão sendo prejudicadas com
quando se aponta que um estudante tem déficit diagnósticos psiquiátricos equivocados e trata-
de atenção, não está especificado em que ativida- mentos desnecessários, ao passo que os que pos-
des não se concentra. Um estudante que é capaz suem transtornos mentais graves não têm acesso
de se concentrar em outras tarefas e não presta às terapias necessárias.
atenção em sala de aula, pode-se considerar que Vale ressaltar a existência de crianças que
o fator “motivação” pode estar implicado neste apresentam um transtorno mental severo e que
processo considerado como déficit de atenção. O necessitam muito mais do que medicamentos
segundo vetor, o de conduta, apresenta uma na- para amenizar seu sofrimento e o de suas famí-
tureza diferente e parte do contexto relacional. As lias. É importante esclarecer que não se preten-
manifestações em relação às outras pessoas são de de forma alguma questionar a existência de
consideradas como: desafio, oposição, confronto, transtornos mentais em crianças e adolescentes e
insultos, agressões verbais ou físicas. Neste con- da necessidade de acompanhamento em relação
texto, uma das características mais preocupantes à saúde mental. O que está em discussão é o cres-
do comportamento violento realizado por crian- cente número de diagnósticos falso-positivos de
ças e/ou adolescentes é a banalização, ou seja, transtornos mentais em crianças e adolescentes e
o ato violento não é considerado como um ato o alto consumo de medicamentos.
sério. Na questão diagnóstica, salientou-se que a Diante deste cenário, esta pesquisa teve como
desatenção, hiperatividade e impulsividade não objetivo compreender como os conteúdos vei-
são sintomas específicos para o TDAH, mas po- culados nas redes sociais (comunidades virtu-
dem fazer parte de um outro transtorno mental. ais) influenciam no modo pelo qual os familia-
Consequentemente, é necessário um diagnósti- res, membros destas comunidades, entendem
co diferencial cuidadoso e medidas terapêuticas o TDAH e o tratamento, bem como lidam com
adequadas. seus filhos com suspeita ou já diagnosticados
Quando patologias psiquiátricas são confun- com tal transtorno.
didas com perturbações típicas da vida, percalços
temporários, passa a ocorrer o que Frances10 de-
nomina de inflação diagnóstica. Em muitas situa- Metodologia
ções, o que tratamos não são doenças, mas trans-
tornos da vida, percalços que pensamos ou somos A pesquisa foi desenvolvida na perspectiva da
induzidos a pensar que não daremos conta de Antropologia Médica11. A etnografia virtual12 foi
lidar na contemporaneidade. Conforme o autor10, elegida como metodologia de investigação para
o modo mais adequado de lidar com os proble- adentrar a uma comunidade virtual da rede so-
mas da vida cotidiana é solucioná-los diretamen- cial Facebook.
te ou aguardar que desapareçam, buscar apoio da As redes sociais no âmbito virtual são am-
família, amigos, fazer mudanças necessárias na bientes em que as pessoas se reúnem publica-
vida, enfim, buscar alternativas que fortaleçam mente por meio da mediação da tecnologia, onde
o sujeito, no lugar de recorrer imediatamente a ocorre a interação e troca social, bem como se
medicamentos. Para aqueles que sofrem de um configura em um espaço em que as informações
transtorno mental real, a medicação pode ser ne- são disseminadas, amplificadas reverberadas,
cessária para restabelecer a homeostase, mas para discutidas e repassadas. Vale salientar que a ex-
aqueles que sofrem por problemas cotidianos, o pressão “rede social” refere-se ao relacionamento
medicamento interfere na homeostase10. de pessoas no âmbito de um grupo socialmente
Diante deste contexto, a principal preocu- organizado, que se comunicam por algum inte-
pação que rege esta pesquisa é com as crianças resse comum13.
e os adolescentes que estão sendo rotulados com Hine12 afirma que o agente de transformação
diagnósticos falso-positivos de transtornos men- não é a tecnologia em si, mas o uso e a constru-
tais e “tratadas” com intervenções medicamento- ção dos sentidos em torno dela, fato que leva ao
sas como se tivessem transtornos mentais graves. desenvolvimento de pesquisas sobre o cotidia-
Esta disseminação de diagnósticos de transtornos no das pessoas no âmbito virtual. A etnografia
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configura-se como uma metodologia pertinente campos são os lugares de relações de forças que
para se realizar esses estudos, uma vez que é pos- envolvem tendências próprias e probabilidades
sível explorar as relações existentes em diferentes objetivas.
contextos que se configuram no campo virtual. Para eleger, especificamente, a comunidade
Os usuários das redes sociais vão construindo o virtual de familiares de crianças e adolescentes
sentido de suas práticas por meio de uma com- com TDAH foi realizada uma seleção entre as co-
preensão compartilhada, pelas diversas ferra- munidades virtuais. Primeiramente, realizou-se
mentas que este espaço oferece, constituindo as- um levantamento exploratório no Facebook utili-
sim formas de ação social. A autora12 ressalta que zando a sigla “TDAH” como palavra-chave. Pos-
há muito mais investimento em descobrir um teriormente, fez-se uma análise das comunida-
futuro revolucionário da Internet do que investi- des buscando-se encontrar aquelas constituídas
gar, minunciosamente, como está sendo utilizada principalmente por familiares que apresentassem
e de que modo as pessoas incorporam o ambien- diálogo entre os participantes sobre as crianças
te virtual em seu cotidiano. com TDAH e que fossem públicas. A comunida-
Na ótica de Escobar14, este é um campo para de selecionada extrapolou os conteúdos necessá-
a prática antropológica, sendo o estudo da ciber- rios para a pesquisa, sendo, portanto, suficientes
cultura relacionado diretamente com as constru- para chegar aos resultados. As demais comunida-
ções e reconstruções culturais em que as novas des públicas foram descartadas por apresentarem
tecnologias estão embasadas, contribuindo ao essencialmente conteúdos de propaganda, au-
mesmo tempo para essas formações. Em tal di- sência de diálogo entre os participantes e poucas
reção, a crença nas redes sociais representa uma postagens.
invenção cultural que contribui para construir A escolha por uma comunidade virtual pú-
um novo mundo. blica ocorreu devido ao fato de ela poder ser
De modo geral, o mundo virtual propiciou acessada por observadores invisíveis, além dos
uma transformação no contexto da pesquisa, de membros participantes deste ciberespaço, o que
modo que os etnógrafos podem se libertar do amplia de modo imensurável os acessos aos seus
“lugar” por meio da internet”15. As comunidades conteúdos. Segundo Angrosino15, o pesquisador
virtuais não são caracterizadas pela proximidade pode atuar como observador invisível, sem ser
geográfica e nem pela herança em comum, mas visto, nem percebido pelos participantes. Desse
são demarcadas pela comunicação por meio do modo, optou-se por permanecer como observa-
computador e das interações on line. Atualmente, dora invisível, pois não era objetivo da pesquisa
é possível observar uma sala de bate-papo virtual intervir, mas sim compreender como os conte-
quase do mesmo modo que os acontecimentos údos veiculados nestas comunidades virtuais in-
em um lugar tradicional, o que possibilita fazer fluenciam seus participantes no que diz respeito
uma etnografia on line. A vida on line tornou-se ao TDAH e o tratamento de seus filhos. A pesqui-
bastante usual na contemporaneidade, assim o sa no campo virtual ocorreu no período de maio
campo virtual pode ser seguramente incorpora- de 2015 a setembro de 2016.
do como lócus de pesquisa pela etnografia15. As narrativas selecionadas foram de diálogos
O termo “comunidade virtual” foi definido entre mães que manifestaram sua experiência
por Rheingold16, em 1993, como agregações so- com seus filhos em relação ao TDAH e intera-
ciais que surgem da rede mediante a uma quan- giam com outras participantes da comunidade
tidade suficiente de pessoas que se envolvem em virtual. Este espaço era composto, predominan-
discurssões públicas durante um tempo longo, temente, por mães, por isso foram o público alvo
formando teias de relações pessoais no ciberes- da pesquisa. A análise das narrativas ocorreu na
paço. Casadó i Marín17 defende que comunidades medida em que se observava as contradições, os
virtuais sejam concebidas como redes de laços consensos e a relevância das informações presen-
interpessoais que proporcionam sociabilidade, tes nos diálogos das participantes, articulando
apoio, informações, identidade social, etc. Para a com a literatura. No texto buscou-se apresen-
autora17, uma comunidade virtual deve ser com- tar recortes das narrativas na íntegra, conforme
preendida como um espaço de interação, onde consta na rede social, preservando o anonimato
resulta, impreterivelmente, o conhecimento das das mães da comunidade, que foram representa-
regras do jogo, conforme a concepção de cam- das por letras maiúsculas referentes à identifica-
po bourdiana, em que o campo é um espaço de ção virtual. Adentra-se a seguir nesta comunida-
ação e de influência em que convergem relações de virtual, cujo nome mencionado é fictício, com
sociais determinadas. Bourdieu18 afirma que os intuito de preservar o sigilo.
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Resultados e discussão A Ritalina e o “sucesso” escolar

Comunidade virtual de mães de crianças


e adolescentes com TDAH O uso da Ritalina por crianças e adolescentes,
como forma de tratamento para o TDAH para se
Nesta comunidade as pessoas dialogam, con- adequarem às exigências das escolas, é bastante
tam suas angústias e compartilham com as de- frequente em diversos países, sendo os Estados
mais os desafios e as vitórias de cada conquista Unidos o principal consumidor. Mas esta prática
com seus filhos. Segundo Terra19, pode-se dizer extrapola os limites estadunidenses. Em 2012, o
que as comunidades virtuais funcionam como consumo de Ritalina em países fora dos Estados
as pequenas comunidades, onde todos se conhe- Unidos já representava 34% do uso mundial2.
cem, sabem em quem podem confiar, a pessoa A adesão ao tratamento medicamentoso por
que é importante e quem decide quem é impor- parte das mães das crianças é reforçado por ou-
tante. As relações entre os atores sociais acon- tras mães na comunidade virtual: Parabéns por
tecem por meio das conexões e redes formadas ter aceitado a terapia medicamentosa. Ainda existe
entre os membros das redes sociais on-line. muito preconceito em relação a ela e é muito sofri-
Essa comunidade virtual tem um objetivo mento para a criança ou adolescente com TDAH
bastante específico, estabelecido pela organi- conseguir sucesso na aprendizagem sem ela (JGL).
zadora e mediadora do grupo: Nosso grupo foi A exaltação aos medicamentos não se restrin-
criado para interagirmos sobre o TDAH. Quase ge apenas a este grupo de mães. Dantas et al.21
todas têm filhos ou parentes com esse transtorno e realizaram uma pesquisa no Facebook sobre os
aqui tentamos nos ajudar, dividimos as angústias discursos que tratavam sobre crianças, TDAH e
(LES). A narrativa da mediadora apresenta uma Ritalina. Observaram que os discursos são forte-
preocupação ao afirmar que quase todos têm um mente influenciados pelo poder biomédico, e a
familiar com TDAH, pois a vulnerabilidade dos Ritalina é considerada como a “salvação” para as
critérios diagnósticos do TDAH faz com que sin- adversidades da vida, um alívio dos sofrimentos
tomas leves e transitórios (desatenção, impulsivi- existenciais.
dade e hiperatividade) possam induzir as pessoas Nesta pesquisa, nos deparamos com esta
a pensarem que em quase toda família há um mesma realidade: mães encontram na medica-
membro com a patologia. ção para seus filhos um alívio para o sofrimento
O depoimento dessa mãe [...] tenho mui- daquela família. Mediante os resultados imedia-
to a aprender e entender melhor como lidar com tos da Ritalina, ficam esquecidas as suas reações
o TDAH (PO), é um exemplo do que nos alerta adversas e o comprometimento futuro que esta
Hacking20: uma vez consolidado o diagnóstico, a droga pode causar às crianças. Afinal, o “sucesso”
pessoa será tratada pelos demais de acordo com escolar é o que garante o futuro daquela geração
o seu transtorno mental. e esta é a promessa deste medicamento. Pro-
A medicação é também causadora de angús- va disso é a indicação de usar apenas durante o
tia aos pais, não somente o TDAH, conforme período escolar, ou seja, tempo em que a droga
relata uma mãe se referindo ao filho que toma produz o efeito desejado pelos professores e pais.
medicação: Espero encontrar aqui um espaço para A persuasão de médicos e outros profissionais
[...] dividir minhas angústias e aceitar melhor a da saúde e da educação, que por sua vez foram
medicação (VM). influenciados de algum modo pelas indústrias
Mesmo ciente dos males causados pela me- farmacêuticas, faz com que os pais acreditem ce-
dicação, o tratamento medicamentoso torna- gamente que seus filhos necessitam de uma “quí-
se inevitável mediante os riscos apresentados à mica” para o funcionamento do cérebro, confor-
criança que não é tratada. Entre os riscos citados me a narrativa dessa mãe: Temos que entender que
no DSM-54 estão: prejuízo no rendimento esco- o cérebro dessas crianças precisam dessa química
lar e acadêmico, rejeição social, transtorno da para funcionarem de forma adequada (JGL).
conduta (adolescência), transtorno da persona- As narrativas reporta-nos ao que Benevides22
lidade antissocial (adulto) e transtornos por uso considera como “indústria de normalização pela
de substâncias. infância”, a qual se constitui pelo atrelamento
entre o eixo “cultura do consumo - cultura do
empreendedorismo” com o eixo “disciplinas-bio-
políticas”. A indústria de normalização da infân-
cia inicia infiltrando a crença nos pais de que eles
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não sabem cuidar de seus filhos, promovendo tiva no jogo religioso da vida, do mesmo modo
um estado de incerteza, de anomia, de instabili- que procurar e encontrar a doença mental cons-
dade e de liquidez dos valores, das crenças e das titui uma estratégia importante do jogo médico-
funções hierárquicas no contexto familiar22. Des- terapêutico contemporâneo.
ta forma, as funções dos pais estão atravessadas
pelas formas de saber dos especialistas das áreas Reações adversas da Ritalina
médico-pedagógico-psi, bem como da invasão
das logomarcas, das megaempresas e das tecno- Diversas mães queixaram-se que seus filhos
logias digitais como valiosos suportes para pais sofrem as reações adversas da Ritalina e, mesmo
e filhos22. assim, os demais membros desta comunidade
Os méritos que deveriam ser atribuídos aos virtual apoiam para que insistam com o uso do
filhos, nas narrativas das integrantes da comuni- medicamento. Pois esta é considerada a única al-
dade, parecem frutos do resultado de uma fór- ternativa para as crianças não se sentirem inferio-
mula que leva ao sucesso, conforme incentiva res, como destacou uma mãe sobre seu filho: [...]
essa mãe [...] lutem por seus filhos, não desistam prefere ser magro do que se sentir burro (LC), con-
de procurar o médico certo, o medicamento correto siderando que a perda do apetite é uma das rea-
e tenham fé em Deus (MTM). Estamos diante de ções adversas da Ritalina. A narrativa dessa mãe
um sistema que corrompe os profissionais, que contempla a percepção sobre as crianças que não
corrói o sujeito, despotencializa a infância e me- tomam medicação [...] eles se sentem deslocados e
dica as populações. Cenário ilustrativo do que que são de outro mundo (LES). A recomendação
nos disse Foucault sobre a biopolítica e que, nas de outra mãe sobre o uso da Ritalina é: Não tire,
palavras de Benevides22, significa a codificação pois a qualidade de vida deles melhora muito (SL).
de um agrupamento de problemas e/ou aconte- Em relação as reações adversas, segundo essa mãe
cimentos referentes à vida e a espécie humana a é melhor nem saber: Não fique lendo bula de re-
partir de uma racionalidade governamental que médio, faz a gente surtar (LES). Vale ressaltar que
possui como alvo a população, como instrumen- a bula da Ritalina é extensa (sete páginas) e des-
to os dispositivos de segurança e como finalidade creve todas as reações adversas que as pessoas po-
a otimização da vida. dem sofrer ao fazer uso deste medicamento, mas
Vale ressaltar como a medicina, nessa co- parece que isto só causa mais sofrimento às mães
munidade virtual, é elevada ao status do divino, ao se confrontarem com esta realidade.
conforme se repete nas narrativas da mediadora Os fatores de risco são um forte argumento
do grupo, [...] medicina é coisa de Deus (LES). para que as crianças continuem tomando a medi-
Na conversação anterior ela também relata: Deus cação. É praticamente uma ameaça às mães, con-
cura através dos remédios (LES). Crença que atri- forme relata uma delas: Faça o tratamento, é me-
bui um poder à medicina, muito além de qual- lhor vc se arrepender de ter tentado, do que pagar
quer outra possibilidade de intervenção. A fusão o preço pra ver o resultado na adolescência (CPJ).
entre valores culturais predominantes como a Este “preço” está descrito no DSM-54 como as
ciência (aqui representada pela medicina) e a re- “Consequências Funcionais” de crianças com
ligião fortalecem este entrelaçado jogo de poder. TDAH, as quais apresentam maior probabilidade
Szasz23 lembra-nos que o indivíduo na Idade do que as demais para desenvolver transtorno da
Média tinha como objetivo a salvação. A santidade conduta na adolescência e transtorno da perso-
e a salvação formavam parte do jogo cristão, en- nalidade antissocial quando adulto, aumentando
quanto a bruxaria e a danação constituíam a outra a probabilidade de transtornos por uso de subs-
parte, sendo que ambas pertenciam a um mesmo tâncias e prisão. Mediante estas consequências,
sistema de regras e crenças. Assim, sanções positi- fica difícil os pais deixarem de fazer o tratamento
vas ou negativas, recompensas ou punições, cons- recomendado pelos médicos.
tituem pares complementares e compartilham do A postagem dessa mãe realmente impressio-
mesmo modo a forma e conteúdo do jogo. O jogo na: minha filha tem TDAH e transtorno de humor,
é composto por suas regras, caso alguma destas ela toma Ritalina, 4 comprimidos de 10mg, toma
regras sejam modificadas, o jogo também sofrerá Risperidona e toma Lítio, mas continua muito an-
alteração. Se a preservação do jogo é desejada, ou siosa, não consegue aprender nada na escola, ela
seja, a manutenção do status quo social (religioso), tem 10 anos (CPJ). Talvez a questão pertinente
o melhor a fazer é jogar o jogo do modo como é. para este caso seja saber como uma menina de 10
Neste sentido, Szasz23 conclui que procurar e en- anos pode aprender algo na escola nesta situação?
contrar bruxas constituía uma manobra significa- A mãe queixa-se do comportamento da filha: ela
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Martinhago F

fica nervosa, a gente briga, ela me responde e às ve- zagem e problemas de comportamento do filho.
zes avança em mim (CPJ). Será que alguma vez Entretanto, o diagnóstico de transtorno mental
foi questionado o efeito dos medicamentos nesta em uma criança pode gerar como consequência
criança? Não houve comentários sobre esta pos- a incapacidade de desenvolver algumas ativida-
tagem, nem sobre a “qualidade de vida” que os des enquanto uma pessoa autônoma, semelhante
medicamentos proporcionam para as crianças, àquelas que convivem no seu contexto, mesmo
nem sobre os médicos “especialistas”, muito me- na idade adulta, por se reconhecer com os sinto-
nos sobre a “influência” de Deus. mas da doença.
O descaso com as reações adversas em decor- O imperativo “que se deve fazer” e “como
rência do uso desta medicação aparece na inves- se deve fazer”, conforme mencionam Dantas et
tigação citada por Lima e Santos24, uma pesquisa al.21, vai desde o castigo à medicamentalização
realizada em 2013, pelo Núcleo de Farmacovigi- da criança, perpassada pelos saberes médico, psi-
lância Sanitária da Secretaria de Estado da Saúde cológico e pedagógico. São formas de governar
de São Paulo, a qual constatou que o metilfenida- a infância, neste caso, por artifícios virtuais em
to (princípio ativo da Ritalina) é a primeira op- que se constrói comunidades de pessoas adeptas
ção para o tratamento do TDAH. Entre os anos a uma cultura que privilegia um mercado, bem
de 2009 e 2011, o aumento do consumo destes como o controle desta população. Estas comu-
medicamentos foi de 164%, tendo redução no nidades vão se constituindo e se multiplicando,
período das férias e aumento no segundo semes- movidas por um tipo de poder que intervém por
tre do ano letivo. Esta pesquisa também revela, meio de estratégias biopolíticas, as quais se ex-
com dados significativos, que estes medicamen- pandem pelas redes sociais.
tos causam reações adversas como taquicardia,
hipertensão, depressão, psicose, dependência e
contrações musculares involuntárias. Estas infor- Considerações Finais
mações, na maioria das vezes, sequer são passa-
das pelos médicos aos responsáveis pela criança. A comunidade virtual constituída por mães
Estes, quando informados, geralmente não ques- de crianças e adolescentes diagnosticados com
tionam a prescrição do medicamento, devido à TDAH discute principalmente o uso da medi-
confiança no profissional médico. Além disso, a cação (Ritalina ou Concerta) para tratamento
maioria dos médicos não faz a reavaliação anu- do TDAH em seus filhos. Causa muita angústia
al da terapêutica do uso dos medicamentos para em algumas mães darem a seus filhos um me-
verificar a necessidade de seguir ou não com o dicamento controlado, ou seja, que pode causar
tratamento medicamentoso24. dependência física ou psíquica. Observa-se que
este grupo interage como apoio aos pais para su-
Dificuldades em lidar com os filhos perarem dita angústia e aceitarem a medicação.
sem medicação As mães parecem acreditar que somente com
o uso da medicação seus filhos conseguirão ter
As narrativas das mães revelam que elas não êxito na escola, apesar de passarem por inúme-
sabem como agir com seus filhos e, mesmo re- ros profissionais da educação e da psicologia. É
correndo ao auxílio de profissionais, parece in- inevitável a passagem pelo médico e a prescrição
suficiente, conforme relata sobre sua filha: Ela já medicamentosa. Os depoimentos de mães que
passou por duas neurologistas, uma psicóloga, uma enaltecem o sucesso escolar dos filhos, “graças à
psicopedagoga e faz aula de reforço três vezes por medicação”, é um modo de encorajar as demais
semana. Mesmo assim, ainda não conseguimos participantes a seguirem o mesmo caminho.
uma melhora (ICV). Parece que a medicação se A crença que a medicina e os medicamentos
tornou uma necessidade para a convivência har- são meios de intervenção divina parece influen-
mônica da criança na família e na escola, pois ciar para que haja mais adeptos a este modo de
como se pode averiguar nas narrativas, as mães enfrentar as dificuldades com os filhos. A palavra
que decidiram pelo uso da medicação para os fi- “Deus” aparece frequentemente nos discursos,
lhos avaliam positivamente a experiência: A me- o que nos leva a compreender que muitas mães
dicação foi um divisor de águas na vida do meu acreditam que talvez a ajuda divina por meio de
filho (JGL). Neste sentido, a pesquisa de Brzo- medicamentos contribua para a mudança no
zowski e Caponi25 demonstrou que o diagnóstico comportamento do filho.
de TDAH pode causar um alívio aos pais que não O fato é que a Ritalina causa reações adver-
se sentem culpados pela dificuldade de aprendi- sas, fazendo com que as crianças passem a sofrer
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Ciência & Saúde Coletiva, 23(10):3327-3336, 2018


em função disso. O mesmo ocorre com a família, mentos podem causar às crianças, tanto por par-
para quem o medicamento também gera um so- te dos familiares como dos profissionais.
frimento. Os membros da comunidade compar- A dificuldade dos pais de lidarem com seus fi-
tilham desse sofrimento e apoiam os demais com lhos é um fato que impressiona, parece que a in-
a justificativa de que seus filhos também passa- fância não cabe mais na contemporaneidade. Os
ram por esta fase, mas que compensa continuar o pais recorrem aos diversos profissionais e técnicas
uso do medicamento. Observou-se que algumas para dar conta de uma função que, até pouco tem-
crianças apresentam um estado crítico de saúde po atrás, era exercida naturalmente nas famílias. O
pelas reações adversas dos medicamentos e o de- sofrimento mediante esta dificuldade é provavel-
poimento das mães é um verdadeiro pedido de mente o que induz a pensar que há necessidade de
socorro. Considera-se que há um grande descaso uma solução médica, pois vivemos em uma era em
com relação às consequências que estes medica- que os percalços da vida tornaram-se patologias.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do


Estado de Santa Catarina (FAPESC) e à Coorde-
nação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES) pelas bolsas de doutorado no
Brasil e no exterior que possibilitaram a realiza-
ção da pesquisa.
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Martinhago F

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