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Talvez seja melhor começar com uma definição que não ofenda muito o senso
comum. Esta definição inicial, Ricoeur dá em "O que é um texto? »Precisamente:«
Vamos chamar o texto qualquer discurso fixado por escrito ». O cerne da definição, a
ideia de um discurso fixo e estabilizado, assume que nem todas as possibilidades ou
modalidades da linguagem humana são. Isto é o que foi mencionado acima, dizendo que
o texto não era exatamente uma extensão do discurso. Pois é disso que se trata aqui, o
texto é construído em sua diferença em relação a uma palavra humana que é da ordem
do evento. O discurso oral está no ar ou entre os homens em uma espécie de presente
fugitivo; aparece aqui e ali, só para desaparecer depois. E o que é, por assim dizer, sua
impotência é o que explica, pelo menos em parte, o desenvolvimento da escrita. Sobre
este assunto, Ricoeur gosta de lembrar o mito do Fedro: "Escrita foi dada aos homens
para 'ajudar' a 'fraqueza do discurso', que é a fraqueza do evento". Esse alívio deve ser
visto como um primeiro transtorno de magnitude e importância suficiente para levar
muitos semelhantes. Há mais e mais no texto do que na simples palavra trocada. Isso
certamente é insistir nesse ponto. O efeito muito especial da escrita vem na forma de
"em vez de", "comparável a", "paralelo a" e "que ocorre" em caso de fala. . A passagem
para o texto é ao mesmo tempo mudança de registro e estratégia. "O que é fixado
escrevendo", escreve Ricoeur, "é um discurso que poderia ter sido dito, com certeza,
mas precisamente aquele que se escreve porque não se diz". Pelo uso da escrita, em
outras palavras, é decidido que este discurso merece ser preservado e que, portanto,
haverá uma eficiência reforçada. É um discurso que se caracteriza por ser resgatado do
desaparecimento da fala e que, nesse resgate em si, abre-se a outras emancipações entre
as quais aquela voltada para seu autor.
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Segunda característica e não menos importante para a própria inteligência do
princípio hermenêutico, o texto é essa coisa que não depende ou mais do que aquele que
o engendrou, seu criador, seu autor. Aqui, novamente, a comparação com o que
acontece no discurso simples pode ser útil e frutífera. As trocas de palavras são muitas
vezes, se não sempre estruturadas pela questão de "quem fala", em que a fala retorna ao
seu interlocutor por várias garras: "Eu acho que", "você me surpreende! », Etc. A fala é
usada principalmente para expressar a subjetividade das pessoas, seus pontos de vista
aqui e agora, de modo que o discurso que eles carregam é constantemente coberto por
essa subjetividade. Este não é precisamente o caso no discurso escrito, o texto. É
bastante retornado e renderizado para si mesmo sem a esperança de poder confiar em
qualquer outra coisa e antes. No texto, nota Ricoeur, "apenas o significado 'ajuda' no
significado, sem a contribuição da presença física e psicológica do autor" 88. A
autonomia do texto é o signo de sua ruptura com a subjetividade de seu criador,
enquanto essa ruptura é o signo da autonomia textual e isso, num círculo que deve ser
dito hermenêutico e saudável. É o que diz Ricoeur no mesmo artigo intitulado "O
modelo do texto: a ação sensível considerada como um texto":
Com o discurso escrito, a intenção do autor e a intenção do texto
deixam de coincidir. Essa dissociação do significado verbal do
texto e da intenção mental constitui o real interesse da inscrição
do discurso. Não é que possamos conceber um texto sem um
autor; a ligação entre o falante e o discurso não é abolida, mas
distendida e complicada. [...] a carreira do texto escapa ao
horizonte acabado vivido por seu autor. O que o texto diz é mais
importante do que o que o autor quis dizer; doravante toda
exegese implementa seus procedimentos dentro do círculo
eleitoral da significação, que rompeu com a psicologia do autor.1
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Du texte à l’action