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26/09/2018 Um povo para o qual sorriso não é igual à alegria | Ciência | EL PAÍS Brasil

Um povo para o qual sorriso não é igual à alegria


Um estudo em Papua-Nova Guiné sugere que as expressões faciais da
emoção não são universais
MANUEL ANSEDE

19 AGO 2016 - 16:56 CEST

Mulheres das ilhas Trobriand com trajes tradicionais. DAVID KIRKLAND / GETTY IMAGES

O livro A Vida Sexual dos Selvagens do Noroeste da Melanésia, publicado em 1929


pelo antropólogo austro-húngaro Bronisław Malinowski, descreve um insólito
costume que o autor só conhecia de ouvir falar. Numa determinada ilha, as
mulheres de várias aldeias, quando estavam arrancando as ervas daninhas das
roças, tinham o direito de atacar os homens de outros povoados que
aparecessem na sua frente. “O homem se torna então um brinquedo das
mulheres, que se entregam com ele a todo tipo de violências sexuais e crueldades
obscenas, cobrindo-o de imundícies e maltratando-o de mil maneiras”, contava
Malinowski.

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MAIS INFORMAÇÕES O antropólogo continuava seu relato sem poupar detalhes


Seis chaves para ser que, quase um século depois, continuam sendo tabus.
feliz, segundo a “Depois da primeira ejaculação, a vítima pode ser tratada da
Universidade de
Harvard
mesma maneira por outra mulher. Frequentemente ocorrem
coisas ainda mais repugnantes. Algumas mulheres cobrem o
Banalizar o
sofrimento
corpo do homem com seus excrementos e sua urina,
atacando de preferência o rosto, que mancham o quanto
Solidão, uma nova
podem.” O livro de Malinowski desenhava as ilhas Trobriand
epidemia
(parte de Papua-Nova Guiné, na Oceania) como um paraíso
com uma relativa liberdade sexual, a qual, no decorrer do
século XX, foi exagerada por publicações como Playboy e National Geographic,
transformando o arquipélago nas Ilhas do Amor.

Dois participantes no estudo, em Matemo. C. CRIVELLI

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Mas não são. “Não mesmo. Há sexo oficial e oficioso, como em qualquer lugar, e
às vezes é mais visível porque são comunidades pequenas”, resume o psicólogo
espanhol José Miguel Fernández Dols. A equipe desse especialista da
Universidade Autônoma de Madri acaba de observar nas ilhas Trobriand algo que
pode ser mais importante que a promiscuidade. Em algumas de suas aldeias, o
sorriso não está associado à alegria. “Interpretam-no como um convite social,
como a magia da atração”, explica.

O descobrimento é maiúsculo no seu campo. A comunidade científica acredita


atualmente que as expressões faciais da emoção não são determinadas pela
cultura, e sim por uma origem biológica, o que as tornaria universais. O pai dessa
teoria é o psicólogo norte-americano Paul Ekman, assessor científico do filme
Divertida Mente. Essa animação da Disney resume bem a chamada Tese da
Universalidade, com cinco emoções cujos gestos seriam reconhecíveis por
qualquer um dos 7,4 bilhões de habitantes da Terra: alegria, tristeza, raiva, medo
e nojo.

Fernández Dols discorda. Sua equipe estudou os rostos de dezenas de atletas


olímpicos recebendo a medalha de ouro, de uma centena de pessoas tendo um
orgasmo, de 174 lutadores de judô ganhando suas lutas, de torcedores de futebol
vibrando e até de 22 toureiros em plena ação. E conclusão foi que as expressões
faciais, como o sorriso, são ferramentas para a interação social, mais do que uma
representação de uma emoção interna básica.

A equipe também estudou os rostos de alegria de torcedores,


atletas olímpicos e toureiros

“A indústria da felicidade move milhões de euros e parte do princípio de que o


sorriso está por trás da felicidade”, diz Fernández Dols, referindo-se à máquina
internacional de cursos, livros de autoajuda e outras formas de charlatanismo.
“As expressões faciais são estratégias interativas. As crianças, quando caem, só
choram ao verem sua mãe”, argumenta o psicólogo.

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As ilhas Trobriand são um arquipélago de atóis, sem eletricidade nem água


corrente. Seus habitantes vivem da pesca e da agricultura rudimentar. Carlos
Crivelli, colega de Fernández Dols, mostrou a 68 crianças e adolescentes das ilhas
seis fotos, com as expressões faciais prototípicas de alegria, tristeza, raiva, medo
e nojo, além de um rosto neutro. Fizeram o mesmo com 113 garotos de Madri.

Em Trobriand, só 58% das crianças associaram o sorriso à alegria. A cara de


tristeza só foi identificada como tal por 46%; a de medo, por 31%; a de nojo, por
24%. Só 7% associaram o rosto carrancudo à raiva. Em Matemo, uma ilha
perdida no norte de Moçambique, os pesquisadores obtiveram resultados
semelhantes. Em Madri, a imensa maioria dos participantes associou todas as
emoções básicas às supostas expressões faciais universais. As conclusões do
estudo saiu na revista JEP: General, da Associação Americana de Psicologia.

“O conceito de emoção básica é popular, mas não necessariamente científico”,


opina Fernández Dols. O psicólogo recorda que um recente livro, The Book of
Human Emotions, da historiadora britânica Tiffany Watt Smith, descreve 156
emoções diferentes, como o awumbuk, uma palavra da cultura Baining, também
de Papua, que se refere à sensação de vazio que deixam os convidados ao irem
embora. “Em psicologia, empregamos o vocabulário da rua. É como se em física
usassem palavras corriqueiras para estudar a mecânica newtoniana. As pessoas
querem Divertida Mente, mas a realidade, na melhor das hipóteses, é diferente.”

ARQUIVADO EM:

Papua Nova-Guiné · Moçambique · Psicologia · Antropologia · Ciências sociais · Ciência

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Una mala idea: un


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