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O etnólogo americano Marshall Sahlins estudou com atenção a economia dos povos que vivem
hoje em dia da caça e da recolecção, tal como há 20 000 anos. Os Bosquímanos da África do
Sul, por exemplo, ou os Bushmen da Austrália, que ignoram a agricultura. Ele demonstra
claramente, num livro a que o editor francês deu um título provocante de “Idade da Pedra,
Idade da Abundância”, que a clássica crença segundo a qual esta economia primitiva mal
permitia sobreviver à custa de um labor incessante, é uma ideia falsa.
Marshall Sahlins prova, ao invés, que o homem primitivo vive numa sociedade de abundância.
A primeira a existir no mundo – e sem dúvida também a última. Se ele não constitui “stocks”, é
porque não sente necessidade disso. Para que serve caçar e colher mais do que se pode
consumir, se a natureza oferece perpetuamente aquilo de que se necessita? Os “stocks” estão
presentes, ao alcance da mão, nas bagas e nos frutos que brotam das árvores, nos animais da
floresta e nos peixes do rio, que representam presas fáceis, permanentemente renovadas.
A sociedade de caçadores é uma sociedade sem economia, e até, houve quem o dissesse,
“uma sociedade contra a economia”, logo, sem pobreza – sendo esta uma invenção da
civilização. Nos é que criámos a penúria. Talvez haja, proporcionalmente, mais crianças,
homens e mulheres que se deitam hoje com a barriga a dar horas do que havia 20 000 anos
antes da nossa era.