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Durante a maior parte da sua existência a espécie humana tirou a sua subsistência da

recolecção, da caça e da pesca. A agricultura e a domesticação dos animais vão causar, há


cerca de 10 000 anos, uma transformação capital. O homem deixara de viver em função de
uma comida que era obrigado a ir buscar onde ela se encontrava Ao tornar-se camponês, ele
vai instalar-se em aldeias, segundo uma nova organização, baseada numa maior comunidade,
numa maior cooperação. Ele perderá assim a sua liberdade de errante, para adoptar um novo
estatuto que o prenderá à terra. Antes de o ligar, ainda mais intimamente, aos outros
elemento que vão seguir-se e que formarão os alicerces da nossa civilização: a acumulação de
“stocks”, depois a riqueza e o comércio.

O etnólogo americano Marshall Sahlins estudou com atenção a economia dos povos que vivem
hoje em dia da caça e da recolecção, tal como há 20 000 anos. Os Bosquímanos da África do
Sul, por exemplo, ou os Bushmen da Austrália, que ignoram a agricultura. Ele demonstra
claramente, num livro a que o editor francês deu um título provocante de “Idade da Pedra,
Idade da Abundância”, que a clássica crença segundo a qual esta economia primitiva mal
permitia sobreviver à custa de um labor incessante, é uma ideia falsa.

O “selvagem” não vive na miséria nem na penúria. Bosquímanos e Bushmen consagram


apenas três a quatro horas por dia apanha de comida. Sem que, aliás, o conjunto do grupo
participe na tarefa. Esta demonstração anula o mito, inspirado pela sociedade industrial, do
“selvagem” condenado a uma condição quase animal em resultado da sua incapacidade para
explorar devidamente o seu meio circundante.

Marshall Sahlins prova, ao invés, que o homem primitivo vive numa sociedade de abundância.
A primeira a existir no mundo – e sem dúvida também a última. Se ele não constitui “stocks”, é
porque não sente necessidade disso. Para que serve caçar e colher mais do que se pode
consumir, se a natureza oferece perpetuamente aquilo de que se necessita? Os “stocks” estão
presentes, ao alcance da mão, nas bagas e nos frutos que brotam das árvores, nos animais da
floresta e nos peixes do rio, que representam presas fáceis, permanentemente renovadas.

A sociedade de caçadores é uma sociedade sem economia, e até, houve quem o dissesse,
“uma sociedade contra a economia”, logo, sem pobreza – sendo esta uma invenção da
civilização. Nos é que criámos a penúria. Talvez haja, proporcionalmente, mais crianças,
homens e mulheres que se deitam hoje com a barriga a dar horas do que havia 20 000 anos
antes da nossa era.

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