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RESUMO
A religião no período pós-moderno está sendo caracterizada pelo secularismo tanto no
aspecto pratico quanto no teórico. A filosofia materialista-existencialista tem moldado as
próprias doutrinas das diversas religiões bem como mudado a forma pelo qual os leigos
buscam os espaços religiosos. Não se pode negar a influência do pensamento filosófico
clássico tanto na estruturação dos dogmas cristãos nos primeiros séculos bem como nas
mudanças que constatamos no período moderno e pós-moderno. O presente trabalho
pretende observar os pensamentos de Tomás de Aquino baseado na filosofia de
Aristóteles e sua influência nas mudanças teológicas que resultam no secularismo atual.
Palavras-chave: Secularismo. Tomás de Aquino. Pós-Modernismo. Teologia.
ABSTRACT
Religion in the postmodern period is being characterized by secularism both in practice
and in the theoretical aspect. The materialist - existentialist philosophy has shaped the
very doctrines of different religions and changed the way in which the laity seek religious
spaces. One cannot deny the influence of classical philosophical thought both in the
structuring of Christian dogma in the early centuries and the changes that we see in the
modern and postmodern period. This study aims to observe the Aquinas' thought based
on the philosophy of Aristotle and its influence on theological changes that result in the
current secularism.
1
O autor é graduado em Teologia pela Faculdade Batista do ABC e pela Universidade Metodista e pós-graduado
em Filosofia pela Universidade Estácio. E-mail: Rafael.langraff@gmail.com
50
Revista Ensaios Teológicos – Vol. 02 – Nº 01 – Jun/2016 – Faculdade Batista Pioneira – ISSN 2447-4878
INTRODUÇÃO
O cenário atual de descaso com a ortodoxia religiosa é tema discutido não somente
entre teólogos, mas sociólogos, historiadores e filósofos. O secularismo, quando analisado de
forma superficial, torna-se apenas mais um sintoma das mudanças socioculturais
presenciadas na pós-modernidade. Contudo, arriscamos a dizer que o cenário muda
completamente se invertermos o ponto de vista e apontarmos as consequências da pós-
modernidade como sintomas do secularismo.
Dentro deste novo prisma, observamos que o desenvolvimento do pensamento
teológico em paralelo ao pensamento filosófico moldou de maneira significativa o modo de
postura de vida da humanidade no decorrer da história.
Observando a carência na avaliação da raiz dos pensamentos teológicos que geraram o
existencialismo e materialismo pós-modernos, temos como objetivo deste trabalho traçar
uma linha que busque raízes para o secularismo atual. Baseado nos escritos do teólogo Francis
Schaeffer, partiremos de sua conclusão de que a teologia natural de Tomás de Aquino deu
condições para que o desenvolvimento do pensamento teológico culminasse no
existencialismo.
Sendo assim, após conceituarmos e esclarecermos o que entenderemos por secularismo
e pós-modernidade, exporemos o cenário vigente no período que antecedeu Tomás de
Aquino, crentes de que o conhecimento pensamento platônico de Agostinho seja mais que
necessário para compreendermos o desenvolvimento teológico de Tomás e seu
subsequentes. Em seguida, trabalharemos os principais pontos da teologia tomista antes de
darmos uma atenção especial à teologia natural e sua distinção entre natureza e graça. Por
fim, será observada a visão de Schaeffer e como ele conclui que a teologia tomista resultou
no existencialismo kierkegaardiano.
1. CONCEITOS
Em primeiro lugar, precisamos conceituar alguns termos utilizados neste trabalho que
podem conter um ou mais significados, dependendo da matéria em que o aborda. O
secularismo e a pós-modernidade são assuntos discutidos tanto em ciências da religião,
sociologia, filosofia e história. Assim, delimitaremos seu significado aos fins propostos por este
estudo.
1.1 Secularismo
Como secularismo, tomaremos o conceito aplicado pelo dicionário Aurélio: “sem voos
monásticos; mundano; leigo; que não pertence a ordens religiosas”.2 Desta forma, ao falarmos
de secularismo nos referimos especificamente ao movimento social de abandono da fé cristã.
2
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Aurélio: o dicionário da língua portuguesa. Curitiba: Positivo, 2010.
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1.2 Pós-modernidade
3
SOUZA, Beatriz Muniz de; MARTINO, Luís Mauro Sá (orgs.). Sociologia da religião e mudanças sociais. São
Paulo: Paulus, 2004.
4
CRUZ, Daniel Nery da. A discussão da modernidade e da pós-modernidade. Revista Metanóia, São João del-Rei,
n.13, p. 33-46, 2011, p. 34.
52
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5
CRUZ, 2011, p. 35-36.
6
CRUZ, 2011, p. 38.
7
SAYÃO, Luiz. Cabeças feitas: Filosofia prática para cristãos. São Paulo: Hagnos, 2011, p. 37.
8
SAYÃO, 2001, p. 37.
53
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9
CRUZ, 2011, p. 37-38.
10
CRUZ, 2011, p. 38.
11
CRUZ, 2011, p. 42-43.
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individualização conduzem o sujeito a não questionar e internalizar suas dúvidas que, por fim,
culminam em uma crise em seus princípios.12
Daniel Cruz conclui afirmando que “uma onda de apatia invadiu a sociedade que
acompanhou a morte das ideologias e ‘a morte de Deus’ prevista por Nietzsche”. 13
Deus está morto. Nós o matamos. Deus permanece morto. E fomos nós que
o matamos. Como nos consolar, nós, os assassinos dos assassinos? Aquilo
que o mundo possuía até agora de mais sagrado e de mais poderoso perdeu
seu sangue sob nossos punhais. Quem limpará esse sangue de nossas
mãos?14
Uma vez esclarecidos e conceituados os termos secularismo e pós-modernidade, será
tratado do desenvolvimento do pensamento teológico na história.
12
KELLER, Timothy. A fé na era do ceticismo: como a razão explica Deus. São Paulo: Vida Nova, 2015.
13
CRUZ, 2011, p. 43.
14
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A Gaia Ciência. São Paulo: Cia das Letras, 2002.
15
SPROUL, R. C. Filosofia para iniciantes. São Paulo: Vida Nova, 2002.
16
Tese, antítese e síntese são termos da lógica dialética de Hegel que surgiria apenas no século XVIII.
17
SPROUL, 2002, p. 35.
55
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considerado por Platão uma realidade superior, e o mundo material, inferior, apenas sombra
da realidade ideal. 18
De forma semelhante a Platão, no século IV, Agostinho tenta resolver conflitos
filosóficos que surgiram após Platão e Aristóteles. A igreja Cristã dos primeiros séculos sofreu
com o surgimento de filosofias que tentavam organizar os pensamentos cristãos e harmonizá-
los com a visão cosmológica pertinente à época. Destas escolas, podemos destacar pelo
menos quatro delas: os estoicos, os epicureus, os céticos e os neoplatônicos. 19
Os estoicos deram ênfase à ideia de Heráclito do fogo seminal que determinara todas as
coisas. Para o estoicismo, a matéria é constituída de duas partes: uma mais grosseira, que
corresponde à concepção comum da matéria, e outra mais refinada, descrita como sopro ou
espírito, difusa em toda a realidade. Esta segunda corresponde à deidade. O ser humano é
composto dessas duas espécies de realidade material, assim como o cosmo. 20
Contudo, Ferguson e Wright afirmam que a influência duradoura do estoicismo não se
deveu ao panteísmo ou seu racionalismo, mas de seu ensino moral e a sua atitude em relação
à vida.
O objetivo da vida é a virtude, e virtude é viver de acordo com a natureza
racional da realidade, sendo a vida emocional desprezada como irracional e
não natural. A única coisa importante na vida é a virtude; assim, a pessoa
deve permanecer sem dar a menor importância a afazeres externos, ou seja,
a qualquer coisa que não esteja no limite do seu próprio poder, devendo
concentrar-se nas atitudes e no caráter que estão sob seu controle.21
Os epicureus, por sua vez, hostilizavam a religião, acreditando que esta gera um temor
supersticioso e debilitante, entendendo que a filosofia libertava o homem da escravidão da
religião.22 Eles utilizavam o que R. C. Sproul chama de “hedonismo refinado”. Buscavam um
gozo sofisticado do prazer através de obtenção de prazer e ausência de sofrimento. Eles se
preocupavam em evitar infelicidade e sofrimento através da embriaguez, que os isentava de
dores no corpo e conduzia ao que se denominava ataraxia, a presença de paz interior. 23
De acordo com Sproul, os céticos “não abandonaram a busca da verdade. (...) Sua
tendência, no entanto, era abster-se de qualquer conclusão”. Por sua vez, os neoplatonistas
buscavam reavivar o platonismo, “mas modificando-o para tratar da principal questão
levantada pelo pensamento cristão: a salvação”. Os neoplatônicos tiveram, como seu maior
expoente, Plotino. Ele afirmava que só poderíamos dizer sobre Deus o que ele não é.
Sintetizavam a cosmologia na teoria do “uno”. 24
(...) toda realidade flui ou emana do Uno. O Uno, porém, não cria, porque
isso o ligaria a um ato de mudança. Em vez disso, o mundo emana
18
SAYÃO, 2001, p. 32.
19
SPROUL, 2002, p. 53.
20
FERGUSON, Sinclair B.; WRIGHT, David F. Novo dicionário de teologia. São Paulo: Hagnos, 2011, p. 389-391.
21
FERGUSON; WRIGHT, 2011, p. 389.
22
SPROUL, 2002, p. 55.
23
SPROUL, 2002, p. 55.
24
SPROUL, 2002, p. 56.
56
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25
SPROUL, 2002, p. 57.
26
PESSANHA, José Américo Motta. Os pensadores: Santo Agostinho. São Paulo: Abril, 1999, p. 12.
27
PLATÃO. A república. São Paulo: Edipro, 2000, p. 225.
28
AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Discurso, 1999, p. 118.
29
SPROUL, 2002, p. 61.
57
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30
AGOSTINHO, 1999, p. 162.
31
PLATÃO, 2000, p. 95.
32
AGOSTINHO, 1999.
33
AGOSTINHO, 1999, p. 293.
34
PLATÃO, 2000, p. 67-68.
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3. TOMÁS DE AQUINO
3.1 A teologia tomista
Tomás de Aquino viveu no século XIII e é considerado um dos maiores teólogos de todos
os tempos.37 O que resultou neste destaque foi sua teologia renovadora para a igreja cristã na
Idade Média. Até a chegada de Tomás, a igreja cristã tinha por base a teologia de Agostinho
estabelecida com muitas referências a Platão.
Aristóteles foi discípulo de Platão, mas não comungou com suas teorias, ao contrário,
reformulou muitos de seus pensamentos, a citar, principalmente, sua metafísica. Para
Aristóteles, “a realidade é uma e não uma dualidade. A essência das coisas está nelas
mesmas”.38 O filósofo ainda vai além e refaz a antropologia platônica bem como sua ética. O
teólogo Luiz Sayão resume as teorias aristotélicas que se contrapôs a Platão:
Tudo tem quatro causas: formal, final, eficiente e material. Tudo no mundo
é constituído de matéria e forma, e está em relação de potência e ato. Tudo
está em movimento, o devir, e caminha teleologicamente. Deus é o ser
supremo, o motor imóvel que a tudo move. O homem é a união substancial
entre alma e corpo. As ideias são captadas pela abstração. A metafísica é o
saber mais elevado. A virtude ética está no equilíbrio entre os extremos.39
Até o século XIII, Aristóteles era rejeitado pelos teólogos. Tomás de Aquino, por sua vez,
trouxe o debate da filosofia clássica entre os pensamentos de Platão e Aristóteles para a
teologia fazendo uma releitura dos escritos aristotélicos e, por sua vez, se contrapondo ao
pensamento platônico vigente na teologia agostiniana de seu tempo. 40
R. C. Sproul chama a atenção para o fato de que Tomás de Aquino não rompeu por
completo com a teologia de Agostinho, uma vez que ele cita muitos pensamentos do teólogo
de Hipona para estabelecer suas teorias – apesar de muitas citações existirem apenas para
exemplificar uma contradição ao que ele defendia. Além disso, para Sproul, Tomás não se
serviu de toda filosofia de Aristóteles, mas apenas utilizou aquilo que ele julgava possível
sintetizar em sua teologia.41 Neste sentido, os teólogos Sinclair B. Ferguson e David F. Wright
concordam com Sproul ao mesmo tempo que destacam os perigos contidos no filósofo
clássico:
35
AGOSTINHO, 1999, p. 88.
36
AGOSTINHO, 1999, p. 190.
37
FERGUSON; WRIGHT, 2011, p. 1154.
38
SAYÃO, 2001, p. 32.
39
SAYÃO, 2001, p. 32.
40
FERGUSON; WRIGHT, 2011, p. 1154.
41
SPROUL, 2002, p. 69.
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Aristóteles oferecia a visão mais rica do mundo natural que o Ocidente jamais
havia conhecido; todavia, interpretado pelos comentadores árabes,
sustentava posições opostas ao cristianismo, tais como a questão da
eternidade do mundo e da existência de uma só mente ou alma em todos os
seres humanos. (...) Tomás de Aquino aceitou o que considerava verdade em
Aristóteles e revisou de modo sistemático o que julgava se errado e
inadequado.42
Vimos que Agostinho apoiava-se no dualismo platônico. Desta forma, o cristianismo
adotou o criacionismo. “O criacionismo é a concepção de que Deus cria uma nova alma para
cada pessoa e a envia ao corpo da pessoa em algum momento entre a concepção e o
nascimento.43 Desta forma, assim como o mundo das ideias de Platão, a alma teria estado em
outro plano (presença de Deus) em algum momento antes de ser concebida neste mundo e o
conhecimento da verdade – Deus – seria um lembrar. Porém, “corroborando Aristóteles,
Tomás sustenta que o ser humano é uma unidade hilomórfica de corpo e alma”.44
Para tal, entrou na teologia a discussão sobre a concepção da alma. Para validar a
teologia antropológica aristotélica de Tomás, grandes pensadores da teologia cristã, como
Martinho Lutero, Jonathan Edwards e A. H. Strong, defenderam o traducionismo que
“sustenta que a alma e o corpo da criança são herdados dos pais no momento da
concepção”. 45
Apesar de toda riqueza contida nos pensamentos de Tomás de Aquino, dois se
destacaram: as cinco vias ou provas da existência de Deus e a sua teologia natural. Para a
finalidade deste trabalho, a teologia natural de Tomás é a parte de seu pensamento na qual
desenvolveremos nosso argumento. Contudo, é imprescindível conhecermos toda a estrutura
de pensamento de Tomás de Aquino para solidificar a visão tomista de verdade. Veremos,
portanto, resumidamente as cinco vias da existência de Deus. Apesar de muito mal
compreendida na época por acharem que elas deviam provar a existência de Deus, Tomás
defendia que as cinco vias “provavam o que todos entendem por Deus, (...) o objetivo das vias
não é outro senão mostrar a existência de uma causa primeira, e não do Deus cristão per se”.46
A primeira via, ou prova da existência de Deus, é a do movimento. Esta, apoiada
fortemente nas teorias aristotélicas do primeiro motor, consiste no argumento “que o que se
move é movido por outra coisa – baseado no que chamamos de lei da inércia”. 47 Sproul explica
o que Tomás define como movimento da seguinte forma:
Ele define o movimento como a redução de algo da potencialidade à
atualidade. Um objeto em repouso pode ter potencial de movimento, mas
não se move enquanto até que esse potencial seja atualizado. No entanto,
42
FERGUSON; WRIGHT, 2011, p. 1154.
43
GRUDEM, Wayne. Teologia sistemática atual e exaustiva. São Paulo: Vida Nova, 2010, p. 398.
44
FERGUSON; WRIGHT, 2011, p. 1158.
45
GRUDEM, 2010, p. 399.
46
MCDERMOTT, Gerald R. Grandes teólogos: uma síntese do pensamento teológico em 21 séculos de igreja.
São Paulo: Vida Nova, 2013, p. 70.
47
SPROUL, 2002, p. 72.
60
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48
SPROUL, 2002, p. 72-73.
49
SPROUL, 2002, p. 73.
50
MCDERMOTT, 2013, p. 70.
51
FERGUSON; WRIGHT, 2011, p. 1157.
52
SPROUL, 2002, p. 74.
53
FERGUSON; WRIGHT, 2001, p. 1157.
54
SPROUL, 2002, p. 75.
55
SPROUL, 2002, p. 75.
61
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planetas em suas órbitas perfeitas) mostra que são governados por algo
inteligente.56
Aqui, Tomás de Aquino põe-se a observar a natureza e afirmar que a mesma pode ser
fonte de revelação de Deus. É aqui que se torna necessário e inevitável o desenvolvimento da
teologia natural de Tomás de Aquino.
A teologia natural é fundamentada na ideia de que existem verdades que estão além da
razão e só podem ser conhecidas a partir da fé, e verdades que estão de acordo com a razão
e podem ser detectadas observando a natureza. Ele propôs uma “diferença entre o que
podemos saber de Deus pela razão e o que podemos saber dele unicamente pela revelação
dada na Bíblia”. 57
Desta forma, a verdade não se encontra limitada a razão, mas pode ser observada na
criação uma vez que “a natureza é real, é criada por Deus e é ferramenta por ele utilizada não
só para mostrar que ela é real e boa, mas para mostrar também que há algo além dela”. 58
Fergunson e Wright definem da seguinte forma a Teologia natural de Tomás de Aquino:
É a tentativa de alcançar um entendimento de Deus e seu relacionamento
com o universo por meio de uma reflexão racional, sem lançar mão de
revelação especial59, como a autorrevelação de Deus em Cristo nas
Escrituras.60
Podemos exemplificar a distinção feita por Tomás de Aquino. Quando ele afirma que
algumas verdades podem ser conhecidas apenas pelas Escrituras, como o plano de salvação
para o homem, as revelações sobre a trindade e o caráter de Deus. A respeito das verdades
que são encontradas na natureza sem serem desvendadas nas Escrituras, Sproul cita o sistema
circulatório do corpo e os padrões de conduta dos fótons, que só podem ser descobertos
estudando a natureza.61
Tomás utiliza termos qualificadores para descrever o conhecimento de Deus que
podemos obter através da natureza. Ele afirma que este conhecimento é verdadeiro, mas é
mediato, análogo e incompleto. 62 Como mediato, Tomás de Aquino não se refere
necessariamente ao sentido de se conhecer instantaneamente; ele quer dizer que o
conhecimento não se dá por intermédio de algum meio.
Tomás discerne três maneiras em que a linguagem funciona: unívoca, quando a palavra
significa exatamente a mesma coisa quando aplicada a coisas diferentes; equívoca, quando o
56
MCDERMOTT, 2013, p. 70.
57
MCDERMOTT, 2013, p. 69.
58
MCDERMOTT, 2013, p. 73.
59
A revelação de Deus através de Cristo nos evangelhos e na Bíblia.
60
FERGUNSON; WRIGHT, 2011, p. 1088.
61
SPROUL, 2002, p. 71-72.
62
SPROUL, 2002, p. 76.
62
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sentido muda ao aplicar em coisas distintas; e análoga, quando o termo muda na proporção
da descrição das diferentes coisas.63
Quando Tomás de Aquino diz que nosso conhecimento de Deus é análogo,
ele quer dizer que nossa maneira de falar de Deus não consegue descrevê-lo
com precisão. Deus é infinito e nós somos finitos. (...) É possível falar de
maneira analógica de Deus porque há certo sentido nas coisas em que o ser
humano é semelhante a Deus.64
O fato da teologia ser considerada por ele incompleta relaciona-se a interdependência
que se faz ainda a necessidade da revelação de Deus. Apesar de “a teologia natural ser
mediata, análoga e incompleta, ela não deixa de ser verdadeira até onde chega”.65
Por esta distinção entre a revelação natural da revelação especial, credita-se a Tomás
de Aquino uma série de desenvolvimentos na teologia e filosofia que resulta no quadro
secularizado do pós-modernismo. Vale como argumento apenas a ressalva feita por Ferguson
e Wright a respeito do neotomismo, movimento de reavivamento do pensamento tomista no
século XX:
O ensino distintivo do neotomismo é a máxima de que ‘a existência precede
a essência’. Com isso, se quer dizer que se conhece intuitivamente que existe
alguma coisa antes de se saber o que é. Eis por que Maritain reivindicava que
o tomismo é que deu origem ao existencialismo.66
Ferguson e Wright argumentam a respeito do neotomismo, movimento de
reavivamento do pensamento tomista no século XX. A opinião deles é corroborada por Francis
Schaeffer que coloca o secularismo pós-moderno como uma consequência direta do
pensamento de Tomás de Aquino.
63
SPROUL, 2002, p. 77.
64
SPROUL, 2002, p. 77-78.
65
SPROUL, 2002, p. 78.
66
MARITAIN, 1959, citado por FERGUSON; WRIGHT, 2011, p. 1160.
67
SCHAEFFER, Francis. A morte da razão. São Paulo: Cultura Cristã, 1989, p. 7.
68
SCHAEFFER, 1989, p. 7.
63
Revista Ensaios Teológicos – Vol. 02 – Nº 01 – Jun/2016 – Faculdade Batista Pioneira – ISSN 2447-4878
69
SCHAEFFER, 1989, p. 9-10.
70
SPROUL, 2002, p. 70.
71
SCHAEFFER, 1989, p. 15.
72
SCHAEFFER, 1989, p. 24-32.
73
SCHAEFFER, 1989, p. 24-32.
74
FERGUSON; WRIGHT, 2011, p. 1091.
64
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do teísmo cristão por uma filosofia do ser. Isto ocorre na tentativa de solucionar a divisão que
resulta em um Deus transcendente e inatingível no nível superior, independente do mundo,
convertendo-o como base imanente de todo o ser. “A fé cristã é, então, adaptada a esta visão
de realidade”. 75
Tais mudanças ficam claras nos escritos de Max Weber (século XIX). De acordo com este
pensador, as ações de Lutero na reforma protestante ao traduzir a bíblia para língua do povo,
refletiam exatamente as mudanças que estavam por vir. Com a distinção de natureza e graça,
o resultado prático se deu em uma distinção da vida mundana ou secular da vida sacra ou
religiosa. Assim, as mudanças políticas, econômicas e sociais do final do século XIX e que se
tornariam mais evidentes no século XX, acarretadas pelo capitalismo, jamais seriam possíveis
sem a ética do movimento protestante baseada na distinção proposta por Tomás. 76
É bem verdade que Schaeffer se opõe a Weber exatamente no ponto em que Weber vai
trabalhar como semente do secularismo a ética protestante e, por sua vez, Schaeffer afirma
que o catolicismo romano, uma vez que adota a filosofia tomista da teologia natural, é que
guarda em si o que resultaria no secularismo pós-moderno. Mas ambos os pensadores
concordam em que a possibilidade de distinção de natureza e graça é que possibilita a
desvinculação total da dependência religiosa na arte, política e cultura social em geral.
Seguindo o diagrama de Schaeffer, temos os dois níveis divididos por Tomás como
Natureza e graça, que passou para liberdade e natureza e depois para fé e racionalidade. Aqui
chegamos ao ponto onde o teólogo Soren Kierkegaard irá desenvolver o que Francis Schaeffer
chama de existencialismo secular.77
Kierkegaard divide o cristão e o não cristão comparando-os ao adulto e a criança. Assim,
o não cristão é como uma criança que não conhece o verdadeiro mal e teme coisas
desnecessárias. Com a experiência e a maturidade, o adulto passa a rejeitar o temor às coisas
mais simplórias e conhecer o verdadeiro mal. Ele define que a morte não é a pior doença e
sim temida pelos imaturos, uma vez que Jesus venceu a morte e proporcionou ao Cristão vê-
la como um remédio. O verdadeiro mal é o que ele denomina de desespero.
Kierkegaard é um teólogo existencialista, isto é, ele acredita que o homem foi criado por
Deus com uma identidade própria e precisa ser quem se é, ou seja, exatamente quem Deus
diz que é, para desta forma atingir a Salvação. Contudo, algo impede que o homem seja quem
ele é. A este algo, Kierkegaard denomina desespero. O homem em desespero ruma para a
morte eterna e separada de Deus. É preciso desvincular-se deste desespero para ser quem se
é e voltar a ter comunhão com Deus. O remédio para este desespero é a própria morte. Com
a morte, o homem desvincula-se deste mundo para estar conectado com Deus e sendo
verdadeiramente quem se é. Desta forma, torna-se necessário morrer para o mundo para
viver para Cristo.
O existencialismo consiste exatamente no fato de a salvação estar no ser. Kierkegaard
não está aqui retirando a salvação de Cristo. Ele reconhece Cristo como único salvador uma
75
FERGUSON; WRIGHT, 2011, p. 1090.
76
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Cia das Letras, 2009.
77
SCHAEFFER, 1989, p. 41-46.
65
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vez que Ele venceu a morte, e a morte é o caminho para desvencilhar o homem do desespero
e permitir que este torne-se quem ele é. Quando estamos em desespero, somos motivados a
buscar solução fora do ser para satisfazer-se. Esta busca exterior pode ser satisfações pessoais
(pecado) ou a própria religiosidade. Isso conduz o homem a ser cada vez mais aquilo que ele
não é, ou seja, diferente do que Deus o fez. Desta forma, o ser apenas encontra a felicidade
ou salvação quando se desvincula do desespero e passa a ser o que ele é - o que foi criado por
Deus.78
A este existencialismo, Schaeffer atribuirá a possibilidade do homem moderno (e
consequentemente o pós-moderno) se desvincular da religião cristã em busca da satisfação
do ser. 79 Para ele, o que Kierkegaard propõe é um salto de um nível ao outro (inferior e
superior) independente dos termos adotados em cada um destes níveis. Assim, “na busca de
suprimir o desespero, o homem necessita do salto. Uma vez que o racional e o lógico são
completamente separados do não-racional e não-lógico o salto é total”. 80 Ele diz isto pois
afirma que na nova teologia, os níveis superior e inferior se caracterizam pelos termos não-
racional ou conotativos no nível superior e racional ou definidos no inferior uma vez que não
podemos atingir o superior sem o salto proposto por Kierkegaard.81
A fé, expressa em termos seculares ou religiosos, se torna um salto destituído
de qualquer verificação porque é totalmente separada do lógico e do
racional. (...) Não importa que termos adotamos. O salto é comum a toda
esfera de pensamento do homem moderno. O homem é forçado ao
desespero desse salto porque não pode viver como uma simples máquina.
Este é o homem moderno.82
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Iniciamos este trabalho conceituando os termos secular e pós-modernidade, aos quais
delimitamos o espaço de abrangência que trataríamos. Para este fim, como secularismo
caracterizamos o pensamento e postura em que o indivíduo abandona a fé no Deus pessoal
do teísmo, buscando satisfação em outras crenças. Como pós-modernidade, identificamos
uma humanidade materialista, existencialista e profundamente egoísta.
Em seguida, expusemos o cenário filosófico-teológico existente antes do pensamento
aristotélico tomista. Neste, verificamos a síntese proposta por Platão em seu dualismo para
resolver as questões propostas por Heráclito e Parmênides. Da mesma forma, vimos como
Agostinho utilizou dos pensamentos platônicos para estabelecer sua teologia filosófica e
confrontar os estoicos, epicureus, céticos e neoplatônicos.
Em Tomás de Aquino é estabelecido uma nova teologia utilizando-se dos escritos de
Aristóteles que se opôs a Platão. Contudo, Tomás não rejeita toda a teologia agostiniana, nem
aceita toda filosofia aristotélica. Para incorporar o pensamento aristotélico à teologia, Tomás
78
SPROUL, 2002, p. 143-154.
79
SCHAEFFER, 1989, p. 46-48.
80
SCHAEFFER, 1989, p. 50.
81
SCHAEFFER, 1989, p. 50.
82
SCHAEFFER, 1989, p. 50.
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cria as cinco vias para o conhecimento de Deus e a teologia natural. Esta última, vários
teólogos concordam ser a origem do existencialismo e, consequentemente, materialismo pós-
moderno.
Entre estes teólogos, Francis Schaeffer traça uma linha que conduz a distinção de graça
e natureza de Tomás de Aquino ao desespero e necessidade de salto de Soren Kierkegaard.
Conclui-se que, mesmo que a intenção inicial de Tomás não tenha sido a de separar a
graça e a natureza, como defende R. C. Sproul e Gerald R. McDermott, tal proposta plantou a
raiz e possibilitou esta consequência.
REFERÊNCIAS
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2009.
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