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BIBLIOGRAFIA
rlade foi submetido a uma certa reavaliação: ela descreveu de-
talhadamente não só o conflito primitivo entre os instintos de
SlGMUND FREUD: Be:yond the Pleasure Principie (1920), Srandard Edi.
vida e de morte, bem como as ansiedades e defesas a que ele tion., 18 (Londres: Hogarth).
dá origem. O estudo dos objetos introjet1<dos esclareceu, muito MELANIE KLEIN: "The role of school in the libidinal development of
mais detalhadamente do que teria sido possível antes, a estrutura the child", Int. J. Psycho~Anal., vol. 5 (1924).
:interna do superego e do ego. "lnfantile. anxiety situatior.s ref!ected in a work of art", lnt.
Em. sua obra inicial, ela não distingue conceitualmente entre l. Psycho-AnaL, vol. 10 (1929).
ansiedade e culpa (exceto em seu artigo "T~e Early Develop- (The imponance of symbol formation in the development of
ment of Conscience in the Child", 1933), mas vê ambas como the ego"~ l11i. !. Pzyc/w.Anal., vol. 11 (1930).
sendo elementos que promovem tanto o crescimento do ego The Psycho.Analysis oj Children (Lor:dres: Hogarth, 1932).
quanto, em casos patológicos, sua inibição. O estudo da ação
recíproca entre agressividade e libido leva à observação do pa-
pel da reparação na vida psíquica. Em seu artigo "The Impor-
lance of Symbol-Fonnatíon in the Development of the Ego"
(1930), Melanie Klein descreveu o papel da ansiedade e da
culpa em relação aos ataques ao corpo da mãe, e o ímpeto de
fazer reparação, como importante fator no impulso criativo -
um tema que veio a ser elaborado plena e satisfatoriamente
quando ela formulou as características da posição depressiva.
Melanie Klein obteve acesso à compreensão da estrntnra
interna da criança seguindo a transferência e o simbolismo do
brincar desta. Essa compreensão do brincar da criança como
sendo a símbolização de suas fantasias )(:vou-a a se dar conta
de que não apenas o brincar mas todas as atividades da crian-
ça - mesmo a mais realisticamente orie,ntada - , simultanea-
mente com sua função de realidade, serviram para expressar,
conter e canalizar a fantasia inconsciente da criança através de
meios de simbolização. O papel fundamental desempenhado no
desenvolvimento da criança pela fantasia inconsciente e por sua
expressão simbólíca levou-a a ampliar e a reformular o conceito
de fantasia inconsciente.

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Capítulo u doença ou de falta de sentido de realidade do que a presença
do complexo de Êdipo. 9 que determinará o caráter da psico-
FANTASIA logia do indivíduo é a n_ãture~~-~deSSàS. fã.ii.t"à~áS~liiC?riSCleritês,
e-õ-moo_o_çO_iri~o _ da_S._eSt-ão retac.ióilãdaS__ Co.ro:=-ii_eaud:act~:~eXte-rná.·
_.. -·- Susan Isaacs, em seu artigo "On the Nature and·F-~;CtiOn
of Phantasy", desenvolve a opinião de Melanie Klein sobre a
MencionCi no capítulo anterior a observação de Melanie Klein
relação entre fantasia inconsciente, inStintos e mecanismos men-
sObre a importância da fantasia inconsciente dinâmica na vida Úlis. Afirma que a fantasia pode ser considerada como o .repre~
mental da criança. A importância que ela atribui a isso levou-a sentante psíquico ou o correlato mental, a expressão mental dos
a ampliar e a reformular o conceito de fantasia inconsciente.
instintos. James Strachey, nas notas editoriais ao artigo de Freud
Penso que a elucidação do uso que ela faz desse. conceito. é
"Instincts and their Vicissitudes"*, chama atenção para o fato
essencial para a compreensão de suas teorias, e que ela pode
de que Freud hesita entre duas definições de instinto. Nesse arti-
ajudar a evitar vários equívocos comuns (por exemplo, quanto
go, descreve o instinto como "um conceito situado na fronteira
à natureza dos "objetos internos') ou da identificação projetiva). entre o mental e o somático, o representante psíquico dos estí-
Alguns psicólogos costumavam fazer objeções à descrição mulos que se originam de dentro do organismo e .alcançam a
da mente feita por Freud, com o pretexto de que era antropo- mente'~) ou, em outro artigo, como "o conceito na fronteira entre
mórfica - estranha objeção, parece-me, já que a psicanálise se o somático e o mental, o representante psíquico das forças orgâ-
ocupa da descrição do homem. O que eles queriam dizer era que llicas~'. Strachey diz o seguinte:
Freud, ao descrever conceitos como o de superego, parecia ver
a estrutura mental como se ela contivesse objetos que eram Essas descrições parecem tornar claro que Freúd não esta-
antropomórficos ou semelhantes ao homem. A compreensão do belecia qualquer distinção entre um instinto e seu "repre-
conceito de fantasia inconsciente poderia ajudar muito na re- sentante psíquico". Aparentemente considerava o próprio
moção dessa objeção. Freud, em sua descrição do superego,_ não instinto como sendo o representante psíquico de forças
ql}:~~, 9!~e_r _ q~_e _~~~so Jif(i{ifi~ci~pte ·cç;gt~iii=~~~~Tti_entC -ti in peque- somáticas. Se agora, contudo, passarmos aos artigos ulte-
~o ___ llo!Jlem, ~a~_ que isso é um~ de}I_o~_s~s _ f~~J?.~!l.§:_}ljÇ_Qpjªei1- r.iOres dessa série, teremos a impressão de que Freud traça
tes sobre os conteúdps de nosso. C()fPO .e cJ.Lnossa_psique. Freud uma distinção muito acentuada entre o instinto e seu re-
nunca se refere especificamente ao superego como sendo urna presentante psíquico.
fantasia; contudo, deixa claro que essa parte___g_~_ p~rs?nalidade
é devida a uma introjeção - em fanfãSia··= de uma figura-aos Strachey prossegue com várias referências, citando, por exem-
paiS, uma ngurããoS"pãis.fantãsbdãeileforJ1!!!aapO!as próprias plo, o artigo sobre "The Unconscious'~**:
projeçoes da-criãnça: - · · · · -··· ----- · · ·· · -
Um instinto jamais pode toruarwse um objeto· da consciên-
· ·· Ó mes;;,o Úp~ de crítica foi dirigido por psicanalistas à des-
cia - somente a idéia que representa o instinto é que
crição kieiniana de objetos internos. De modo análogo, esses pode. Mesmo no inconsciente, além disso, uQl instinto
objetos ínternos não são "objetos" situados no corpo ou na não pode ser representado de outra forma senão por uma
psique; como Freud, Melanie Klein está descrevendo fantasias jdéia.
inconscientes que as pessoas têm sobre o que elas próprias con-
têm. Na obra de Melanie Klein, o conceito freudiano de fan-
'
* "Os Instintos e suas Vicissitudes"; ver Edição Standard Brasi-
tasia inconsciente recebeu maior peso e foi bastante ampliado. leira .das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v{l]. XIV,
As fantasias inconscientes são, em todos os indivíduos, ubíquas !MAGO Editora, !974. (N. do T.)
e sempre ativas. Isto é, sua presença não é mais índícativa de ** "O Inc{lnsciente"; ibid. (N. do T.)

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,, r-

Parece-me que o modo como Susan Isaacs usa o conceito desejos, Essas experiências da realidade influenciam imediata•
de fantasia elimina o hiato entre os dois modos como Freud mente a fantasia inconsciente e são por esta influenciadas._ A
encarou o lnstinto-. As "idéias" que rePresentam o instinto seriam fantasi~ nã,o __ é sip1pl?sm~g~~ __ ll_maJ.l:lg? ~a _ realidade, lllas _ u:m
as fantasias primitivas originais. A ação' de um instinto, sob esse Constant~ e inevitável·-acompa_:nha:m,çnt_o ___:.de_· eipÇ't:i_~fl:C!ª§_~- r_eáis,
ponto de vista, é expressa e representada na vida mental pela Com as quais está em constante interação. ---
fantasia da satisfação desse instinto por um objeto apropriado. Um exemplo, de fantasias que influenciam a reação à rea-
Visto que os instintos agem a partir do nascimento) pode-se lidade pode ser visto quando um bebê faminto e furioso, ao lhe
presumir que alguma grosseira vida de fantasia exista a partir ser oferecido o sefoj em vez de aceitá~lo, afasta-se dele e não
do nascimento. A primeira fome e o esforço instintual para sa- quer mamar. Nesse caso, o bebê pode ter tido a fantasia de ter
tisfazer essa fome são acompanhados pela fantasia de um obje- atacado e destruído o seio, e sente que ele se tornou mau e que
to capaz de satisfazê-la. Como as fantasias derivam diretamente o está atacando. Portanto, o seio externo verdadeiro, quando
de inst(ntos na fronteira entre o somático e a atividade psíquica, volta a a1imentar o bebê, não é sentido como um bom seio que
essas fantasias originais são experimentadas tanto como somátí.:. alimenta, mas é deformado por essas fantasias em um persegui-
cas quanto como fenômenos mentais. Contanto que o princípiO dor terrificaute. Tais fantasias podem ser facilmente observadas
de prazer-sofrimento esteja em ascendência, as fantasias são oni- no brincar de crianças ainda bastante pequenas, bem como no
potentes e não existe diferenciação entre fantasia e experiência brincar e na fala de crianças um pouco maiores. Podem per-
da realidade. Os objetos fantasiados e a satisfação deles deriva- sistir no inconsciente tanto em crianças quanto em adultos, dan-
da são experimentados corno acontecimentos ffsicos. do origem a dificuldades na alimentação.
Por exemplo, um bebê ao adormecer, fazendo sa~isfeito Alguns analistas pensam que es~as fantasias surgem mais
barulhos de sucção e movimentos com sua boca ou chupando
tarde e que são projetadas retrospectivamente nos primeiros
seus próprios dedos, fantasia que está realmente sugando ou
incorporando o seio, e dorme com a fantasia de ter realmente, meses de vida. Trata-se, sem dúvida, de uma hipótese adicional
desnecessária, em especial porque há uma acentuada concordân-
dentro de si, o seio que dá o leite. De modo análogo, um bebê
famjnto e furioso, gritando e esperneando~ fantasia que 'está cia entre o que podemos observar no comportamento dos bebês
realmente atacando- o seio> rasgando-o e destruindo-o, e expe- - em fantasias que são realmente expressas uma vez alcança-
rimenta seus próprios gfitos que o rasgam e o machucam como dos os estádios do brincar e da fala - e o material analítico
se o seio rasgado o estivesse atacando dentro dele próprio. Por- do consultório.
tanto, não só experimenta uma necessidade, mas também pode Em casos mais sofisticados, é possível ver como) ainda que
sen-tir o sofrimento da dor e seus próprios gritos como um ata- a realidade possa ser percebida e observada com acuidade, as
'~
que persecutório ao seu interior. fantasias inconscientes podem determinar o tipo de seqüência
,A!<?rrnasã() da fantasia é .Ql!llLf1!!15ão do ego. A Çon"epção causal atribuída aos acontecimentos. O exemplo típico desse
.da fantasia..comQ~_eX:.P.r~SSãO mental de iiiSlliítOSPõr meio do ego caso é a criança cujos pais têm realmente um relacionamento
pressup_ç,_e~-~l!l:.ZE?U de organizaÇãO dõeg-Oiiíüit~ _mâiõT(f<?_~_qu_ ~_-o mau e brigam muito. Na análise, geralmente transparece que
<j}Iefoi usualmenfé-põstUlã<lo põrF[~1l'Q'Pféssupõe que o ego, 'a a criança sente que esse relacionamento é resultado de seus
Partir do nascimento;{ caPaz de· fÓrmar - e, de fato, é impul~ .;,._
próprios desejos de que os pais brigassem, e que seus ataques
sionado pelos instintos e pela ansiedade a formar- relações de urinários e fecais atrapalharam e estragaram o relacionamento
objeto na fantasia e na realidade, A partir do. momento do nas- dos pais.
cimento, o bebê tem de lidar com o impacto da realidade, co. Se a fantasia inconsciente está constantemente influencian-
meçando com a experiência do próprio nascimento e passando do e alterando a percepção ou a interpretação da realidade, o
a -inumeráveis experiências de gratificação -e frustração de· seus contrário também é verdade: a realidade exerce seu impacto

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j,

que deve ser levado em conta. Visto que ~ __c>bje!iYC>S j~}ª!l­


..!~a_sia consjstem em-.satisfazer ~s )Jilp_~J~.Q-~ JA~ti:rrtll?..l$., prescindin-
sobre a fantasia inconsciente. É experimentada e incorporada, do da realidade externá, a gratificação derivada da fantasia pode
e exerce forte influência sobre a própria fantasia inconsciente. ser encarada como uma defesa contra a realidade externa da
Tome-se, por exemplo, o bebê que aomeça- a sentir fome e que privação. B, no entanto, mais do que isso: é também uma de-
vence essa fome por uma alucinaçãq.. onipotente de ter um -seio fesa contra a realidade interria. O indivíduo, produzindo uma
bom que alimenta: sua situação será radicalmente diferente, se _fantasia de satisfação de desejo, não está apenas evitando a
for alimentado logo, da que ocorrerá se -for deixado com fome frustração e o reconhecimento de uma realidade externa desa-
por muito tempo, Na primeira situação, o seio real que é ofere- gradável; está também - o que inclusive é mais importante -
cido pela mãe será, na experiência dô'-beb~, fundido com O seio defendendo a si mesmo contra a realidade de sua própria fome
que foi fantasiado, e o sentimento do bebê· será de que sua pró- .e _raiva - sua realidade interna. As fantasias, além do mais,
pria bondade e a do objeto bom são fortes e duráveis. No se- pOdem ser usadas como defesas contra outras fantasias. Exem-
gUndo caso, o bebê será dominado pela fome e pela raiva, e plo típico são as fantasias maníacas, cuja principal finalidade
em sua fantasia a experiência de um objeto mau e perseguidor é_ repelir fantasias depressivas subjacentes. Uma fantasia manía-
se tornará mais forte, com a implicação de que sua própria ca típica é a do eu (self) que contém um objeto ideal devora-
raiva é mais poderosa do que seu amor, e a de que o objeto do .cuja "radiância"* c~i sobre o ego; trata-se de uma defesa
mau é mais forte do que o bom. contra a fantasia subjacente de conter um objeto que é irrepa-
ravelmente destruído e vingativo e cuja "sombra"** cai sobre
Esse aspecto do inter-relacionamento entre fantasia incons-
ciente e realidade externa verdadeira é muito importante quan- o ego.
A consideração do uso da fantasia inconsciente como uma
do se tenta avaliar a importância comparativa do ambiente no
defesa levanta o problema do estabelecimento de qual é sua
desenvolvimento da criança. O ambiente tem, naturalmente,
ex_ata relação com os mecanismos de defesa. Em resumo, a dis-
efeitos extremamente impOrtantes na tenra infância e na infân-
tiiJ-ção reside na diferença entre o processo verdadeiro e sua re-
cia posterior, mas daí não se conclUi que, sem um ambiente
mau, não existiriam fantasias e ansiedades agressivas e perse- presentação mental específica e detalhada. Por exemplo, é pos-
sível dizer que um indivíduo, em dado momento, está usando
cutórias. A importância do fator ambiental só pode ser corre-
os processos de projeção e introjeção como mecanismos de de~
tamente avaliada em relação ao que ele significa nos termos
fesa. Os próprios processos, porém, serão experimentados por
dos próprios instintos e fantasias da criança. Como foi exposto,
ele em termos de fantasias que expressam o que ele sente estar
é quando o bebê esteve sob o domínio de fantasias raivosas,
atacando o seio, que uma experiência má verdadeira se torna •..
I
colocando para dentro ou para fora, o modo como ele faz isso
e os resultados que sente terem essas ações. Os pacientes, fre-
ainda maís importante, visto que confirma não apenas seu sen-
qüe_ntemente, descrevem sua experiência do processo de repres~
timento de que o mundo externo é mau, mas também a impres-
são falando, por exemplo, de uma represa dentro deles, a qual
são de sua própria maldade e da onipotência de suas fantasias
pode romper sob a pressão de algo semelhante a uma torrente.
malévolas. As experiências boas, por outro Iado, tendem a di-
minuir a raiva} a modificar as experiências persecutórias e a •
mobilizar o amo_r e a gratidão do bebê, bem como sua crença '
(_
* K. Abraham: "A Short Study of the Development of the Libi-
em um objeto bom. do" (1917).
Até aqui, temos dado ênfase ao papel da fantasia como "'* S:Freud: "Mourning and Melancholia" (1917), Standard Edi-
expressão mental dos instintos, em contraposição à opinião de tion, 14, p. 249. (''Luto e Melancolia''; publicado no volume correspon-
que a fantasia é apenas um instrumento de defesa e um meio dente da Edição Stan.dard Brasileira, lh·fAGO Editora, 1974. [N. do T.])
de fuga da realidade externa. Contudo, as funções da fantasia
são múltiplas e complicadas, e ela possui um aspecto defensivo
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!""'

ravelmente e ele .se tornou capaz de compa;recer à análise com


certa regularidade.
O que um observador pode descrever como um mecanismo é Essa experiência~ como várias outras, acentua o fato de que
experimentado e descrito pela próPria pessoa como uma fan- a interpretação dos mecanismos de defesa é em geral ineficaz,
tasia bem detalhada. · ãfe que o~_yjijj[Qpllrbmii:\ã®~!la[ilíiíe:tPietaclõ·s cre- inodo
Um exemplo mais complicado pode ser visto no seguinte g~f.~j~~---~i~_~i!r;~gy_p~-~~!]_uas!~n~~-.§l!l_.úifr!iõs-·a~]iUe-ele
material: um paciente que havia começado recentemente sua realmente -~é_fl~te ____que. _faz aq _analista na transferência~ a-Sêüs
õuíios-ob)etos ou a:·partes de seu.ego,- quãiiaõ-esta-fécorrendp
; ~~

análise estava quase sempre atrasado, geralmente faltava às seS-


sões, e esquecia regularmente grande _p.arte da análise. Durante ao uso desses mecanismos de defesa.
alguns dias podia ser feito um trabalho analítico bastante van- Algumas vezes, pode-se observar claramente essa relação
tajoso e, depois, ele aparecia com pouca lembrança consciente entre fantasia inconsciente e mecanismos de defesa nos sonhos
do trabalho e sem quaisquer efeitos desse trabalho em sua per- dos pacientes. Eis aqui dois sonhos descritos por uma paciente
sonalidade, como se todo o processo e seus resultados tivessem durante a sessão anterior às minhas férias. No primeiro sonho,
' sido obliterados. Era bastante claro tanto para mim como para a paciente estava num cômodo escuro que continha duas figu-
meu paciente (e o processo podia ser nomeado) que ele estava ras humanas de pé, uma perto da outra, e também outras pes-
usando os mecanismos de divisão (splitting) e de negação como soas menos bern definidas. As duas figuras eram exatamente
defesa na situação analítica. Um dia, chegou atrasado, perden- iguais~ com exceção de uma delas, que parecia apagada e escura,
do exatamente metade de sua sessão, e disse que se tinha per- ao passo que a outra estava iluminada. A paciente estava certa
dido em Loudoun Road, uma rua perto de minha casa, e que de que apenas ela podia ver a figura iluminada - invisível para
fora ali que tinha passado a primeira metade da sessão. Ele aS outras pessoas no sonho.
" associou Loudoun Road COJ11 "Bruxas de Loudun" t'Loudun Essa paciente fazia largo uso dos mecanismos de divisão
Witches"); parecia que tinha dividido (split) a situação analí- (splítting), negação e idealização. Ela tivera a oportunidade,
tica, de modo que pudesse preservar um relacionamento bom nessa mesma semana, de me ver numa sala cheia de pessoas,
comigo durante metade da sessão, enquanto o relacionamento uma situação fora do comum para ela, e sua associação com
mau e expelido (split-off) com uma bruxa aualista "má" fora o souho foi a de que as duas figuras representavam a mim. Uma
afastado de mim para Loudoun Road. Alguns dias depois, sur- era a pessoa que todo mundo podia ver na sala cheia, mas a
giu uma oportunidade de dar a esse paciente uma interpretação outra era ~'sua analista'\ sua posse especial. Ela sentiu que não
sobre seu relacionamento com o seio, e, nesse momento, ele iria importar~se com as· férias mais do que se importara ou
teve uma fantasia bastante vívida. Subitamente, ele se viu pe- fícara com ciúme quanto a me ver com outras pessoas, pois
gando uma grande faca, cortando meu "seio e jogando-o na rua. tinha essa relação especial comigo, a qual era única e perma-
A fantasia era tão vívida, que o paciente experimentou, no mes- l nentemente dela. Nesse primeiro sonho, é claro que ela lida
mo momento, uma grande ansiedade. Podia-se então compreen- com seu ciúme, provocado tanto pelo fato de me ver com outras
der que o que fora falad9 em termos de um processo de· divi- pessoas quanto pelas férías da análise, através da divisão (split-
são (splitting) e negação, era na verdade experimentado por ting) e da negação; ela tem a analista iluminada e idealizada,
ele como uma fantasia extremamente vívida. O processo de di- que ninguém pode tomar dela.
visão (splilling) foi realmente sentido por ele como se pegasse i No segundo sonho, a paciente sonhou· que havia uma me-
uma faéa e expelisse (splitting oi!) - cortasse -um dos seios nina sentada no chão, cortando papel com uma tesoura. A me-
-de sua anal-ista, o qu"ai ele jogava na rua e que assim se tornava nina estava guardando o pedaço recortado para si; o chão esta-
a ~'bruxa" em Loudoun Road. A negação do sentimento per- va coberto com os pedaços de papel postos de lado, os quais
secutório em relação a sua analista era experimentada como um eram laboriosamente recolhidos por outras crianças. Esse se-
corte do vínculo entr~ os:doiS seios, o bom e o mau. Após essa
sessão, a -divisão (splitting) e a negação diminuíram conside- 29

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r--------
, gundo sonho constitui uma versão mais completa do primeiro-: dos e mais deformados pelo que neles foi projetado, À medida
mostra como essa divisão (splitting) e, idealização eram de fato que prossegue o desenvolvimento, e que o sentido de realidade
sentidas pela paciente. A divisão (splitting) é expressa no cor- opera ·mais plenamente, os objetos internos se aproximam mais
t tar. Ela é a menina que cortou de sua,· analista a figura recorta- estreitamente das pessoas reais no mundo externo.
i da que, como_ a figura iluminada no primeiro sonho, é a parte O ego se identifica com alguns desses objetos - identifica-
boa de sua analista, As pessoas que podiam ver apenas a figura ção introjetiva. Eles se tornam assimilados ·no ego e contribuem
da analista apagada são representadas no segundo sonho pelas para seu crescimento e suas características·. Outros permanecem
crianças que têm apenas os pedaços postos de lado, A divisão cOmo objetos internos separados, e o ego mantém relação com
( splitting) vista no primeiro sonho é claramente experimentada eles (o superego é um desses objetos), Os objetos internos são
no segundo como um ataqué, como um verdadeiro corte de sua também sentidos como estando em relação uns ·com os outros;
analista em uma parte ideal e uma parte sem valor; e o que é - por exemplo, os perseguidores internos são experimentados como
representado no primeiro sonho como idealização é experiinen- atacando tanto o objeto ideal quanto o ego. Assim, é construí-
tado no segundo como furtar e reter para si mesma os melhores do um complexo mundo interno, A estrutura da personalidade
pedaços cortados de sua analista, O segundo sonho deixa claro é amplamente determinada pelas mais permanentes das fantasias
que, para essa paciente, os processos de divisão (splitting) e idea-. que 6 ego tem sobre si mesmo e sobre os objetos que contém.
lização eram sentidos como uma atividade muito agressiva, vo-
O fato de essa estrutura estar intimamente relacionada com
raz e culposa,
a fanta!?ia inconsciente é extremamente importante: é isso que
Quando consideramos o relacionamento entre fantasia e os
torna possível influenciár a estrutura do ego e o superego atra-
mecanismos de introjeção e projeção, podemos começar a lan-
çar alguma luz sobre a complexa relação entre fantasia incons- vés da análise, É analisando as relações do ego com objetos,
ciente, mecanismos e estrutura mental. Susan Isaacs ocupou-se internOs e externos, e alterando as fantasias sobre esses objetos,
da discussão sobre a derivação de fantasias a partir da matriz que podemos afetar de maneira substancial a estrutura mais per-
do id, bem como da relação que ela abre para os mecanismos manente do ego.
mentais. Tentarei estabelecer dois vínculos mais extensos: a co~ O sonho que se segue, apresentado por um paciente na prí~
nexão entre fantasia· e estrutura da personalidade, e entre fan- meira semana de sua análise, il:.tstra a relação entre fantasia
tasia e funções mentais mais elevadas, como o pensar. inconsciente, realidade, mecanismos de defesa e estrutura do
Freud descreveu o ego como um "precipitado de catexias ego. É certo que esse paciente nunca lera qualquer literatura
objetais abandonadas"*, Esse precipitado consiste em objetos a~alítica e n"unca ouvira falar desses conceitos; de outra forma,
íntrojetados, O primeiro desses objetos descrito pelo próprio o sonho poderia ser encarado .com muito mais ceticismo. O
Freud é o super'ego. A análise de primitivas relações de objeto paciente, oficial de marinha, sonhou com uma pirâmide. Na
projetivas e introjetivas revelou fantasias de objetos introjetados base dessa pirâmide havia um grupo de rudes marinheiros, os
no ego a partir da mais tenra infância, começand9 pela introje- quais sustentavam em suas cabeças um pesado livro de ouro
ção dos seios ideal e persecutório. Inicialmente, são introjetados (gold bo0k), Sobre esse livro estava em pé um oficial de'mari-
objetos parciais, como o seio, e, posteriormente, o pênis; depoiS, nha, do mesmo posto que o paciente, e sobre seus ombros um
objetos totais, como a mãe, o pai, o casal de pais.. Quanto mais almirante. O alinírante, disse o paciente, parecia, a seu modo,
primitiva a introjeção, mais fantásticos são os objetos introjeta- exercer de cima tão grande pressão e inspirar tanto temor,
quanto os marinheiros que formavam a base da pirâmide e que
"' S. Freud: The Ego and the Id (1923), Standard Edition, 19, pressionavam de baixo para cima. Tendo contado esse sonho,
p, 29. disse: "Este sou eu, este é meu mundo. O livro de ouro repre-

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senta ·a regra de ouro (golden r(zean*), um caminho no qual Com a introdução do princípio de realidade, uma espécie
tento permanecer. Estou esmagadp entre a pressão de meus ins- de atividade do pensamento foi expelida ( split off); foi
tintos e aquilo que quero fazer; e as proibições que vêm a mim mantida livre do teste da realidade e permaneceu subor-
a partir de minha consciência." Associações posteriores capaci- dinada apenas ao princípio de praze,:. Essa atividade é o
taram-no a identificar o almirantf? com seu pai. Mas esse almiM fantasiar.
rante, seu pai, estava muito diferente do pai real, tal como se
lembrava dele. O fato de esse almirante ser tão forte e assus- O pensa:m.e.nto~. por O"!l.1:ro lado, foi desenvolvido a serviço do
tador como os marinheiros, que representavam os instintos do tesfí·. ü::1 ;·.;a1id<.t.J.c., p.:i"iú.ariamente como um meio de sustentar
paciente, deixou claro que a severidade do superego era devida, " te;n;.: ,, r" """ a satisfação. Citando o mesmo artigo:
no caso, à projeção de seus próprios 'instintos agressivos em
seu pai. Podemos ver aqui a inter-relação entre fantasia e rea- O pensar foi d•·•·,ccto de características que tomaram pos-
lidade externa, sendo a realidade da personalidade do pai alte- tfvd ra o :o.pa: elho mental tolerar uma tensão intensifi-
rada pela projeção. Seu principal mecanismo de defesa, a re- cada cte e:;tfrnub, enquanto o processo de descarga era
pressão, é representado na fantasia pela pressão combinada do ·::n ad1ad.c,.
superego-almirante e do ego-oficial de marinha tentando man-
ter os instintos dominados. A estrutura de sua personalidade ,. (Sob ~ss<:. p ..:·nt{./ óf \':da, a fantasia aparece tarde na vida do
também está claramente representada pelas três camadas: os i: i depoi;- -..'n<-- n reste da realid!lfle foi estabelecido.)
~-: ; ?
instintos empurrando para cima, o superego pressionando de ·;:,

cimá para baixo e seu sentimento de que seu ego está sendo Ct:Dtúdü,. ''"'·' riL'<iS atividades mentais têm um importante
esmagado e restringido entre os dois. Nesse souho, também po- -,'
'~ !_JG;>{.:. :;;m cmn.nro·,. A"'"EJ.bas capacitam o ego a sustentar a tensão
demos ver claramente a ação da projeção e da introjeção: ele .I ~-.:-.rn '-rn.e. desr;arga mot:;ra imediata. O bebê capaz de sustentar
projeta sua agressividade em seu pai, e a introjeção de seu pai ,.. ,~·::-t úl.ntasis nâo ~- il:-:p;:llsionado a descarregar "como. um meio
forma seu superego. ác ali\'Ün o ana~:e1ho r11ental de acréscimos de estímulos". Ele
Tudo isso - estrutura e mecanismos mentais (projeção, pode.· ~:r.1stentai: seu dm;f.jo com a ajuda da fantasia por algum
introjeção e repressão) - foi apresentado pelo próprio pacien- ~t-rTtpc, E:[é: que a S?!.iSLi~;iío na realidade seja obtenível. Se a frus-
te em seu sonho. E quando disse "Este sou eu, este é meu mun- t .<ltcns2.., on ~/.': >:> bebê tem pouca capacidade para man-
do'\ deixou claro que estava descrevendo fantasias que tinha kr ~;u;:: fnn~asi&,. a des.e:1rga ·motora ocorre, geralmente acom-
p~.nh?J.da pd::, deb~.r:.tegr&ção do ego imaturo. Então, até que o
sobre si mesmo e sobre seu mundo interno. A formação de fan~
tasia é uma função primitiva - a fim de compreendermos s~a
importância para a personalidade, temos de ver sua relevância
para funções mentais mais elevadas, como o pensar.
A fantasia pertence originalmente .ao funcionamento, em
termos do princípio de prazer-sofrimento. Em '(The Two Prin-
II
t'::~;u;: da re~did::<de; c v::: ~Jrocessos de pensamento estejam bem
e:o-;..;:-J)de:cidcs
da·
--,,;;-;c,
.nta.s:.~ preenche, na vida mental primitiva,
,es posteriormente assumidas pelo pensar.
je rodapé a "The Two Principies of Mental
c "•ud diz o seguinte:
cipies of Mental Functioning", Freud diz o seguinte:
Será corretamente objetado que nma organização que foi

"' Expressão inglesa (literalmente, 'meio de ouro') que se refere


a um princípio de moderação, a uma posição intermédia entre os extre-
mos. (N. do T.) J
u
l escrava do principio de prazer e que negligenciou a rea-
lidade do mundo externo não poderia manter-se a si mes-
ma viva pelo menor espaço de tempo, de maneira que de
modo algum poderia chegar à existência. O emprego de
32 ií 33
·. uma. ·ficção como essa é, porém, justificado quando se BIBLIOGRAFIA
, considera que ·o bebê - desde que se inclua com ele o
cuidado que recebe de sua mãe - deve quase realizar um W. R BioN: Learning jrom Experience (Londres: Heinemann, 1964).
SIGMUND FREUD: ''Instincts and their Vicissitudes" (1915), Standard
sistema psíquico desse tipo. • Edirion, 14 (Londres: Hogarth).
"The Unconscious" (1915), Standard Edition, 14 (Londres:
Dou ênfase à palavra "'quasen porque, a partir de muito cedo, Hogarth).
o bebê. sadio tem alguma tomada de conhecimento de suas ne- "Formulations on the Two Principies of Mental Functioning"
cessidades e a capacidade de comunicá-las __. ,o;u_a mãe. A pattir (1911), Standard Edition, lZ (Londres; Hogarth).
do momento em que o bebê começa a interagir com o mundo PAULA HEIMANN: "Certain functions of introjection and proíection in
early infancy", Develc!pments in Psyclw~Analysis (Capítulo 4), Me·
externo. ele está empenhado em testar súas fant:-.~i:::s no cenário lanie Klein e outros (Hogarth, 1952).
da realidade. (Esse ponto de vista depende l!atumlmente da SusAN ISAACS: "'The nature and function of phantasy", Developments in
conceito de fantasia primítíva que precede t'< desen\·olvimento Pzycho-Analysis (Capítulo 3), Melaníe Klein e outros (Hogarth,
do pensamento.) Quero sugerir aqui que H arigem do pen.ss- !952).
mento reside nesse processo de testar a fam<~~~co c.on'.-nl a reali-· MELANIE KLEIN: "On the development of mental functioning", Int. J.
dade; isto é, que o pensamento não apenas con~·~·t.--.::-t8 com a fan~ Psycho-Anal., vol. 39 (1958).
tasia, mas nela se baseia e dela deriva. JOAN RIVIERE: ..On the genesis of psychical conflict in earliest infancy",
Developments in Psycho~AI!alysis (Capítulo 2), Melanie Klein e
O pril).cipio de realidade, como sabem0s. '' ''"'"'""' o prin- outros (Hogarth, 1952).
cipio de prazer modificado pelo teste da r::::::j~c5ú:o·2. O pensar HANNA SEGAL: "Contribution to the Symposium on Phantasy", lnt. J.
poderia ser encarado como uma modificação óH i::--_,_,n;-:;:i;;; incons- Psyclw-Anal., vol. 44 (!963).
ciente, u~a_modificação efetuada de modo Sf:<i'''-'_h:-mt\:-. pdo teste
da realidade. A riqueza, a profundidade e a ;,_,~Jk8df.. do pensar
de uma pessoa dependerão da qualidade e da. makahlFdade da
vida de sua fantasia inconsciente e de sua capE:c~J~:dt ~}:;rã sub~
metê-la ao teste da realidade. - '
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Capítulo Iii

A POSIÇÃO ESQUIZO-PARANóiDE
)}j é lábil, em um estado de fluxo constante, variando dia a dia, ou
mesmo de momento para momento, seu grau de integração .
O ego imaturo do bebê é exposto, desde o nascimento, à
• ansiedade provocada pela polaridade inata dos instintos - o
conflito imediato entre o instinto de vida e o instinto de morte
1 No capitulo anterior, sugeri que o uso feito por Melanie Klein - , assim como é imediatamente exposto ao impacto da reali-
!
I do conceito de fantasia inconsciente implica um grau de orga- <lade externa, que tanto produz ansiedade, como o trauma do
nização do ego mais elevado do que o suposto por Freud. A nascimento, quanto 1he dá a vida, como o calor, o amor e a
I controvérsia entre analistas sobre o estado do ego nos primeiros ~n alimentação recebidos de sua mãe. Quando confrontado com a
I meses da infância não é uma questão de mútuo desentendimento
ou de diferente utilização da linguagem. Trata-se de uma contro-
ansiedade produzida pelo instinto de morte, o ego o deflete.
Essa deflexão do instinto de morte, descrita por Freud, ·consiste,
vérsia importante e real sobre questões de fato, e, naturalmente, segundo Melanie Klein, em parte numa projeção e em parte na
._-_,
' quaisquer pontos de vista sobre o que é experimentado pelo '-·.Í" conversão do instinto de morte em agressividade. O ego se di-
bebê devem basear-se num quadro do que é o ego em cada está- vide (splits) e projeta essa sua parte, que contém o instinto de
dio. Qualquer descrição significativa dos processos envolvidos morte, para fora, no objeto externo original - o seio. Assim,
deve começar pela descrição do ego. ·:·.j o seio, que é sentido como contendo grande parte do instinto de
morte do bebê, é sentido como mau e como ameaçador para o
Segundo Melanie Klein, no nascimento já existe ego sufi- ':'i~ ego, dando origem ao sentimento de perseguição. Dessa ma-
ciente·parã ·experimentar ansiedade; usar mecanismos de defesa neira, o medo original do instinto de morte é transformado em
e formar relações de objeto primitivas na fantasia e na realidade. medo de um perseguidor. A intrusão do instinfo de morte no
Esse ponto de vista não está inteiramente em ·discorâãnCia·coin seio é geralmente sentida como dividindo-o ( splitting) em vários
o de Freud. Em alguns de seus conceitos, ele parece inferir a pedaços, de modo que o ego é confrontado com uma multidão
existência de um ego primitivo. Descreve também um mecanis... de perseguidores. Parte do instinto de morte, permanecendo no
mo de defesa primitivo, isto é, a deflexã<> d<> instinto de morte, eu (self), é convertida em agressividade dirigida contra os per-
que ocorre no início da vida; seu conceito de realização de de- seguidores.
sejo alucinatório implica um ego capaz de formar uma relação Ao mesmo tempo, é estabelecida uma relação com o objeto
de objeto na fantasia. ideal.· Assim como o instinto de morte é projetado para fora, a
Presumir que o ego tem, desde o começo, a capacidade de fim de evitar a ansiedade despertada por contê-lo, assim também
experimentar ansiedade, usar mecanismos de defesa e formar a libido é projetada, a fim de criar um objeto que irá satisfazer
relações de objeto, não é dar a entender que o ego, no nascimen- o esforço instintivo do ego pela preservação da vida. O que
to, seja semelhante, de modo bastante acentuado, ao ego de um ücorre com o instinto de morte, ocorre com a -libido. O ego
bebê bem integrado de seis meses de idade, para não falar de projeta parte dela para fora, e o que permanece é usado para
uma criança ou de um adulto plenamente desenvolvido. estabelecer uma relação libidinal com esse objeto ideal. Assim,
Inicialmente, o ego primitivo é amplamente desorganizado,. bastante cedo, o ego tem umare!ação com dois objeto§; o ollJ.e-
embora, de acordo com toda a tendência do crescimento fisio- ·-fõ-·primário;-õ-seio; ·é, nesse ··estádio, dividido (split) em duas
lógico e psicológico, ele possua desde o começo uma tendência partes: o seio ideal e o seio persecutório. A fllDtasiac.do.Qbjéto
à integração. Às vezes, sob o impacto do instinto de morte e de ideal fun<f.f:-J>!l..com .. as expeüências .gratificantes·de..amor . é:.an:
ansiedade intolerável, essa tendência é afastada e ocorre uma me1itação recel)idos .. .da·. mãe .externa real, e .é confirmada, por
desintegração defensiva, sobre a qual falarei mais à frente. Por- eSSas ·_expel'lências, ao passo que· a fantasia de perseguição f:tlJl-
. tanto, nos estádios mais primitivos de desenvolvimento, o ego. dé-sê, 'de modo sem-elhante, ~om experiências reais de_ pri~ação

36 37
r-~

r e, ~P!rimen1p, as quais ~ão atribuí<Jas pelo beM aos objetos per~


segui4-º:r?..s. A iniiificaÇão, portanto, -não apenas preenche a
Quando a perseguição é muito intensa para- ser suportada,· ela

Iã neceSsidade de conforto, amor e nutrição, mas também é neces-


sária para manter encurralada a perseguição -terrificante; e a
pode ser completamente negada. Essa negação mági<ia baseia-se
numa fantasia de total aniquilação dos perseguido'r•es. Outro
modo como a negação onipotente pode ser usada contra a per-
'
~-

f;"
privação se torna não apenas uma falta de gratificação, mas seguição excessiva é através da idealização do próprio objeto
t também uma ameaça de aniquilação por perseguidores. O obje- perseguidor, que é tratado como ideal. Algumas vezes, o ego se
~ tivo do bebê é tentar adquirir, manter dentro e identificar-se com ('f
~- identifica coin esse objeto pseudo-ideal.
o objeto ideal, qne ele vê como algo que lhe dá vida e como Esse tipo de idealização e de negação onipotente' çla perse-
! algo protetor, bem como manter fora.,o· objeto mau e aquelas
guição é visto gera1mente na análise de pacienteS esqriizói~es; Os
partes do eu (self) que contêm o instinto de morte. Na po~~çl[o quais apresentam uma históriãOetêrenlsidó-·"beoéS~pei-Iéito"S'"";
esquizo-paranóide, a ansiedade predODlÍilf\ut,) .é.a. ife"::qJJL9 qué-nunca-protesravanY'e-nmYca --gri-ravãro~·-cõi~ó~Se"JtOaas-_:as·.·ex~
óbjetO'~!)í[~oõjeíõsperseguiaofeS'"eri:fiiiião no ego e dominarão. e
r ãn!qiiilarãotantoo objetoideal quantoo eu(self). Essas carac- <- périêlicianívEsseiíí sido expetímentadas por desconió l>àás. 'N_a
I teiístiCas-da àrisíedade e das rélações deobjeto expêiiiiiéntadás vida adulta, esses mecanismos condúzerú à falta de discfiiííina-
! Çãó eritfe boin ··e· ma_u, e à !J~.~~~_w_®j~çjs m~u·s, qlie-~·êm· d·e
dúiante essidáse levaram Melanie Klein- a· chamáela de l'iíiiÇão
ésquizo~paianóide; já que a ansiedade preâominante é J>araJ;Ióide ser idealizaaõs.- --- . --
é já que o· estado do ego e de seus objetos é caracterizado pela --·,;;-r;;;-;íir da projeção original do instinto d~ 'mo,rt~· desen-
divisãó (splitting), que é esquizóidi. · volve-se outro mecanismo de defesa, extremame~t~ ifi1.pÇ>rt~mte
Contra a esmagàdora arisiedàde de aniquilação, o egg de- nessa fase do desenvolvimento, ou seja, a ide_nt~ficaçã{) ·pr~j_etiva.
senvolve uma série de mecanismos de defesa, sendo provavel- Na identificação projetiva, partes do eu úeíl). e objetos -internos
mente o primeiro um uso defensivo da iutrojeção e da projeção. são expelidos (split off) e projetados no objeto externo; o qual
Vimos que, tanto como expressão de instintos quanto como me- então se torna possuído e controlado pelas partes projetadas,
dida de defesa, o ego esforça-se para introjetar o bom e .para identificando-se com elas. ,
projetar o mau. "Esse, porem, nao e OúlliOOüSOQalnffOjeçãCr A identificação projetiva tem múltiplos objetivos:- pode ser
e da projeÇão. Há situações em que o bom é projetado, a fim dirigida para o objeto ideal a fim de evitar separação, ou pode
de mantê-lo a salvo do que é sentido como uma esmagadora ser dirigida para o objeto mau a fim de obter controle- sobre a
maldade interna; bem como si~uações em que perseguidores são fonte de perigo. Várias partes do eu (self) podem ser projetadas,
introjetados e mesmo identificados, numa tentativa de obter com vários objetivos: partes más do eu (sei!) podem ser proje-
controle sobre eles. ~...C..(l~_~g!~!~~J~~§i ___}l<}fP!-ªJl~!l!~_é ·gue._~__ §i: 1' tadas a fÍlU de se livrar delas, bem como para atacar e destruir
t11açôes dpJ1Sieda<le,a çli;,jsfi_o (split) éamp!iada e.a.projeção o objeto; partes boas podem ser projetadas para evitar separa-
e a introjeção são usadas a finí de manter os _o:\>jetos_persegui" ção, ou para mantê-las a salvo de coisas más internaS; ·ou, ainda,
·~ores e ideais_ afastados o máximo possível-uns dos outros, m_an- para melhorar o objeto externo através de uma espécie de pri-
tendo-os também sob controle. A situação pode flutuar rapida- mitiva reparação projetiva. A identificação projetiv~ tem início
mente e os perseguidores podem ser sentidos ora fora, produzin- quando a posição esquizo-paranóide é primeirameut'e estabele-
do um sentimento de_ ameça externa, ora dentro, produzindo cida em relação ao seio, mas persiste e em geral se intensifica
temores de natureza hipocondríaca. "•
quando a mãe é percebida como um objeto total e todo o seu
~são-(.splitting~tá ligada à idealização cr<;Seente..do corpo é penetrado por identificação projetiva.
'"l>j~_i<l_«al, a fim de m~ntê-lg_he!Jl__dist!mte ticJ sJhiel<2_PY.§.\'ZUi- Um exemplo tomado da análise de uma menina 'de cinco
Q()r e de_ tgrná=lõ-iiliperméável ao mal. Essa extrema idealização anos ilustra alguns dos aspectos da identificação· projetiva. Já
também- está em coíú:!xãõ com. a negação mágica onipotente. perto do final de uma sessão que ocorreu algumas semanas antes
38 39
r
r
I
. de uma longa interrupção, a menina: começou a passar cola no mãe e destruía os antros bebês exatamente como fizera com sen
chão da. sala de recreio e em seus sap!ltos. Nessa época, ela esta- vômito na sessão anterior. Desde qne se livrara de sua própria
va particularmente preocupada com a gravidez. Interpretei que parte má, podia sentir que era boa, a boa menina que oferecia
ela queria colar-se no chão, de moclj:> a não ser mandada em- uma flor a sua analista, quando, na realidade, estava prejudi-
bora no fim da sessão, o que representava a interrupção de seu cando-a dissimuladamente. A Hraposa esquiva", que ninguém
tratamento. Ela confirmou essa intérpretação verbalmente, e podia ver, então se tornava também um símbolo de sua hipo-
então começou a passar a cola de modo muito mais desorde- f crisia.
nado e sujo, dizendo com grande sati~fação: "Mas é um vômi- Na sessão seguinte, estava temerosa de entrar na sala; en-
to também, bem no seu chão". Interpr-etei que ela queria colar- trou cautelosamente, examinou o chão e relutou em abrir sua
se não apenas 110 interior da sala, rUas tªmbém no interior de gaveta. Esse era um comportamento fora do comum nesse está-
meu corpo, onde novos bebês cresciam, bem como desarrumá-lo dio de sua análise, e lembrava um período anterior, quando
e sujá-lo com o vômito. No dia seguinte, trouxe-me um grande se mostrava temerosa do leão de brinquedo que havia em sua
gerânio vermelho. Apontou para a haste e para os vários brotos gaveta. A fantasia envolvida na identificação projetiva era muito
a seu redor, e disse: "Você está vendo? Esses bebês todos saem
real para ela. No dia seguinte àquele em que pintera a raposa
da haste. fi. um presente para você". Interpretei que agora ela esquiva, a sala de recreio e a gaveta - que representavam meu
queria dar-me o pênis e todos os bebezinhos que saem dele para
compensar a desordem que sentia que havia feito com meus corpo - se tornaram nm lugar que continha um animal peri-
bebês e no interior de meu i:orpo no dia anterior. goso. Quando isso foi interpretado para ela, admitiu que tivera
um pesadelo em que aparecera mn grande animal. Sua ansiedade
Mais tarde, na mesma sessão, a paciente pegou novamente
a cola e disse que ia desenhar um animal no chão - uma "de- diminuiu e ela abriu a gaveta.
daleira" (foxglove). Então hesitou e disse: "Não, a dedaleira Até esse ponto, eu era sentida como contendo mna parte
(foxglove) é uma flor". O que ela realmente queria dizer era perigosa dela própria, da qual agora ela se sentia complete-
raposa (fox). Ela não sabia como se chamava a flor que me mente dissociada; suas associações com seu sonho também mos-
tinha dado. "Pode ser uma dedaleira (foxglave) também." En- traram que, pouco depois, eu me tornara verdadeiramente a ra-
quanto pintava a raposa (fax) no chão, usando a cola como posa perigosa. Isso foi visto, mais tarde, na mesma sessão,
tinta, continuava a tagarelar sobre raposas (foxes). "Elas en- quando ela disse que o animal perigoso em seu sonho tinha
tram furtivamente, sem que ninguém perceba. Têm bocas e 4;'óculos, como você, e a mesma boca grz~::!'}"
dentes grandes e comem pintinhos e ovos". Disse também, com No exemplo acima, a identificação projetiva é usada como
grande satisfação: "Esta era uma raposa (fax) muito esquiva, uma defesa contra uma separação iminente e como um meio de
··)"
porque ninguém a veria no chão e as pessoas iriam escorregar e controlar o objeto e de atacar rivais - os bebês não nascidos. A
quebrariam suas pernas". parte projetada, o vômito e a "raposa esquivan, é predominan-
Assim, a flor "dedaleira" (faxglave) que ela me oferecera temente a parte má, voraz e destrutiva, sendo que a Hraposa es-
era uma expressão da parte "raposa esquiva" (slippery fax) de quiva" também é identificada com o pênis introjetado mau, que
su~ personalidade. Era a parte "raposa esquiva" (slippery fax), forma a base de um relacionamento homossexual maut Como
ma, nociva, de si mesma (identificada também com o pênis resultado dessa projeção, a analista, de inicio, era sentida como
de seu pai), que ela queria introduzir esquivamente em mim, ·- .contendo e como sendo controlada por essa parte má, e pouco a
de modo que continuasse a viver dentro de mim e destruísse meus pouco se tornou totalmente identificada com ela.
ovos e meus bebês. Assim fazendo, conseguia livrar-se de uma Quando os mecanismos de projeção, introjeção, divisão
parte de si mesma, de que não gostava e pela qual se sentia { splitting), idealização, negação e identificação projetiva e in-
culpada; ao mesmo tempo, apossava-se do corpo de sua analista- trojetiva não conseguem dominru· a ansiedade, e esta invade o
40 41
ego, então a desintegração do ego pode ocorrer co:mo medida a11alítica. Ele próprio nunca se atrasava com um cliente devido
defensiva. O ego se fragmenta e se divide (splíts) em pequenos a uma ocupação particular, mas freqüentemente se atrasava por
.pedaços a fim de evitar a experiência da ansiedade. Esse meca- permitir que a hora de um cliente invadisse a de outro. Nesse
nismo, que prejudica totalmente o_, ego, via de regra aparece contexto, deixou bem claro que sentia que meu comportamento,
combinado com identificação projetiva, sendo as partes fragmen- nesse aspecto, era mais recomendável do que o dele; e fez várias
tadas do ego imediatamente projetadas. Esse tipo de identifica- observações sobre sua incapacidade para enfrentar a agressivi-
ção projetiva, se usado em toda a sua extensão, é patológico; dade de seus clientes e, portanto, sua incapacidade- para termi-
será tratado de modo mais completo no próximo capítulo. nar as entrevistas na hora. Ambos estávamos bastante familia-
Vários mecanismos de defesa são usados para proteger o rizados com sua incapacidade de conduzir seus negócios, bem
o bebê, primeiramente, de experimentar· o medo da morte a como com seu sentimento de inocência prejudicada de que nun-
partir de dentro, e, depois, de perseguidores, internos ou exter- ca fazia nada para seu próprio bem - er~ invariavelmente
nos, quando o instinto de morte é defletido. Contudo, todos, alguns de seus clientes interferindo com outros, Pouco depois
. -·~-- desses comentários, disse que tiyera um sonho que realmente
por sua vez, produzem ansiedades próprias. Por exemplo, a
projeção para fora de sentimentos maus e de partes más do eu tinha a ver com ~traso. Dis~e que sonhara com "fumantes".
(self) produz perseguição externa. A reintrojeção de persegui- (Havia pouco tempo, esse_ paciente se relacionara profissional-
dores dá origem a ansiedade hipocondríaca. A projeção para mente com delinqüentes, quando se comportara q.e modo muito
fora de partes boas produz a ansiedade de ser esvaziado de bon- onipotente. Obtiver? bastante sucesso e lucro financeiro nesses
dade e de ser invadido por perseguidores. A identificação pro- negócios, mas posteriormente $Cntiu qu~ esse sucesso era mes-
jetiva produz várias ansiedades. As duas mais importantes são quinho> e se sentiu culpado- e envergonhado. Alguns desses
as seguintes: o medo de que um objeto atacado retalie igual- clientes delinqüentes fumavam muito, e ele, ocasionalmente> se
referia a eles como ''os fumantes".)
mente por projeção; a ansiedade de ter partes de si mesmo apric
sionadas e controladas pelo objeto no qual foram projetadas. No sonho, seu apartamento e o escritório contíguo eram
Essa última ansiedade é particularmente forte quando foram invadidos por grupos de fumantes. Estes fumavam e bebiam por
projetadas partes boas do eu (self), produzindo um sentimento toda parte, deixando tudo desarrumado; queriam sua compa-:-.
de ter sido roubado dessas partes boas e de ser controlado por nhia e o solicitavam constantemente. De repente, no sonho, ele
tomou conhecimento de que havia um cliente em sua s~la de
outros objetos.
espera, para o qual havia marcado hora, e se deu conta de que
A desintegração é a mais desesperada de todas as tentativas não poderia receber esse cliente por causa dos fumantes que
do ego para afastar a ansiedade; a fim de evitar sofrer a ansie- haviam invadido seu apartamento. Irritado e desesperado, co-
dade, o ego faz o máximo para não existir. tentativa que dá meçou a enxotar os fumantes e a expulsá-los, de modo que
origem a uma ansiedade aguda específica - a de se desintegrar pudesse atender seu cliente na hora marcada. Acrescentou que
em pedaços e de se tornar atomízado. seu sentimento, agora. que estava relatando o sonbo, era de que
O material que se segue, apresentado por um paciente não- provavelmente tinha posto os fumantes para fora do apartamen-
psicótico, mostra alguns desses mecanismos esquizóides. O pa- to, e pensava qu_e_ conseguira atender seu cliente na hora. Num
ciente, um advogado de meia idade, começou a sessão comen- ··?.: determinado momento do sonho, sua esposa entrou e lhe disse
tando que eu estava alguns minutos atrasada Acrescentou que, que tinha ido à analista em seu lugar, pois estava claro que ele
nas poucas ocasiões em que isso acontecera antes, ele notara que não poderia enfrentar os fumantes, atender o cliente que estava
eu estava atrasada ou para a primeira sessão da manhã ou para na sala de espera e também ir à sessão de análise na hora mar-
a sessão que se seguia ao almoço. Disse que se eu estava atrasa- cada. Isso, no sonho, deprimiu~o consideravelmente. Suas asso-
da era, portanto, porque minha folga se prolongava pela sessão ciações com o sonho eram, em particular, sobre os fumantes.

42 43
Comentou o modo voraz e incontido como eles fumavam e be- (split off} ainda minha parte fragmentada má e deslocou-a pam
biam, seu desleixo, sujeira e desconsideração, e a desordem que nos fumantes" - com isso preservando-me parcialmente como
fizeram em seu apartamento. Estava certo de que esses fumantes um objeto bom.
representavam a parte dele mesmo' que - com sua avidez por Esse material deixa bem claro por que ele jamais podia
sucesso, dinheiro e satisfação barata - atrapalhava sua vida e sair-se bem com seu trabalho e com seus clientes. Seus clientes
sua análise. não eram, de fato, sentidos por ele como pessoas. Cada cliente
Contudo, em suas associações, apesar de autênticas, havia representava para ele partes expelidas (splít otf) de uma figura
uma omissão óbvia: não se referiu ao fato de que eu fumava de pais má, que eu representava na transferência. Essa figura
muito, apesar de isso ter surgido freqÍieutemente em sua análise, continha pedaços dele mesmO, expelidos (split óff) e projetados.
com os fumantes tendo-me representado IDuitas vezes, no passa- Na verdade, não podia lidar com seus clientes, assim como não-
<lo, como uma perigosa mulher fálica. fora capaz de lidar com essas partes más de si mesmo.
Não relato os outros detalhes da sessão porque o sonho em À luz de seu sonho, torna-se também claro por que o fato
si é bastante claro e é em seu aspecto teórico - a ilustração de eu me atrasar após meu período de folga era sentido pelo
<ie certos mecanismos - que estamos interessados. Os fumantes paciente como recomendável, em comparação com o fato de ele
representavam primariamente uma parte de mim. No sonho, o só se atrasar por culpa de outra pessoa, embora isso esteja de
objeto do paciente - eu, representando a figura dos pais - acordo com sua negação da minha falta real de estar atrasada.
estava dividido (split). Por um lado, havia a analista, à qual ele O que ele estava tentando transmitir, era que sentia que eu era
queria ir para ter sua sessão; por outro, havia o grupo de fu- capaz de assumir a responsabilidade por meu próprio compor-
mantes que invadiram seu apartamento e impediam sua vinda. tamento mau, sem projetá-lo. Eu poderia expressar minha vo-
Na medida em que eu era um objeto bom, era representada como racidade, meu descontrole ou minha agressividade, assim sentia-
uma figura, sua analista, e possivelmente também como o clien- ele, e poderia também assumir toda a responsabilidade; ao passo
te que aguardava em sua sala de espera e com quem ele sentia que ele sentia que era tão voraz, tão destrutivo e tão desordeiro,
que podia lidar. A parte má de mim, contudo, não era repre- que não podia assumir a responsabilidade pelo controle dessa,
sentada por um fumante, mas por um grupo de fumantes. Isto parte de si mesmo - tinha de projetá-la em outras pessoas, na
é, o objeto mau era percebido como estando dividido (split) em maior parte em seus clientes.
uma multidão de fragmentos perseguidores. A divisão (split) Esse sonho mostra uma série de mecanismos esquizóides; a
entre meu aspecto bom e o aspecto do fumante foi mantida tão divisão (splítting) do objeto e do eu (self) numa parte boa e
rigidamente, que em suas próprias associações o paciente não numa parte má; a idealização do objeto bom e a divisão
fez conexão dos fumantes comigo. (sp/itting) da parte má do eu (self) em pequenos fragmentos; a
Essa divisão (split) no objeto do paciente era acompanha- projeção das partes más no objeto com o sentimento resultante
na por - e de fato produzida por - uma divisão (split) em de ser perseguido por uma grande quantidade de objetos maus.
seu próprio ego. A parte boa era representada pelo paciente O método de projetar partes más do eu (self} dividido (split)
que, no sonho, queria vir à sua sessão - também o paciente em vários fragmentos, típico de defesas esquizóides, era carac--
que, como um bom advogado, queria atender seu cliente na terístico do paciente. Certa vez, sonhou que estava enfrentando
hora, A parte má de si mesmo, que era descontrolada, voraz, grande número de pequenos japoneses - seus inimigos. Suas
exigente, ambiciosa e desordeira, ele não podia tolerá-la. Ele a associações mostraram que os japoneses representavam sua uri-
dividiu (split) numa multiplicidade de pedaços e projetou-a em na e suas fezes, nas quais colocava partes de si mesmo de que-
mim, com isso dividindo-me (splíttíng) também em uma grande queria desfazer-se; urina e fezes eram então projetadas nesses
quantidade de pequenos pedaços; e como não podia suportar a objetos. Em outra ocasião, escreveu para um jornal estrangeiro
perseguição resultante e a perda de sua analista boa, expeliu um artigo que, como veio a se dar conta em sua análise, ele-

44 45'
·'
sentia que teria um mau efeito moral em seus leitores. Conso- mal dos indivíduos haverá situações que despertarão as mais
lou-se com o fato de que isso se passaria "~uito 1onge" e que as primitivas ansiedades e que coloca.rão em funcionamento os mais
conseqüências, portanto, não poderiam alcançá-lo. Num sonho primitivos mecanismos de defesa. Além disso, numa personali-
posterior, o artigo era representado• como "um pequeno pedaço dade bem integrada, todos os estádios de desenvolvimento estão
de merda na China". incluídos, nenhum é expelido (split off) e rejeitado; e certas
Esse paciente usava mecanismos esquizóides principalmen- \i realizações do ego, na posição esquizo-paranóide, são realmente
te como uma defesa contra ansiedades da posição depressiva, em '1 muito importantes para o desenvolvimento posterior, cujas bases
particular culpa; a defesa, porém, n'? sonho sobre os fumantes, --~
são por elas estabelecidas. Essas realizações têm um papel a
era apenas parcialmente bem sucedida, porque a projeção de desempenhar na mais madura e integrada das personalidades.
seus impulsos maus nos fumantes não era completa. Mesmo nb I !!li?-~ .4?s. J;e;:tJí~~J.:ões da posicãn.....esqJJjzo-paranóide é a ~i
próprio sonho, o paciente se sentia responsável pelos fumantes, visão (~plitting). É___ela-(!Y€-f'I'IIDile.-ao-eg"'-emergi:cdlLCllos_,e
culpado quanto a sua relação com seu cliente na sala de espera ordt;!_nar... suas .. experiências. No início, essa ordenação da expe-
e comigo, bem como agudamente ciente do sentimento de perda riência, que ocorre com o processo de divisão (splitting) em
de seu objeto bom. um objeto bom e um mau~ pode ser excessiva e extrema; ordena,
contudo, o universo das impressões emocionais e sensoriais da
Essa culpa, porém, tal comó a sentia no sonho, não era criança, e constitui uma precondição da integração posterior.
sentida diretamente em relação à sua voracidade, ambição, etc.- Trata-se da]Ja~eJJ.o_que.mais. tarda..sLtomª··ª· faculdade de dis-
Era sentida como culpa em relação à sua fraqueza; declarou cfifu,j,naçãO;_ç_l,Íj_a .origem ..é. .a...di:fereucüw.ão_._p__rjmitiy_f!..~ife l;>_pm e
isso no início da sessão, dizendo que sempre se atrasava por ma11,_Há .(),ll.\r!J.S.aspectos.ila-díYisã\l ( splitting) _q;IC_Jlerrtlanecem
causa de sua fraqueza ao lidar com seus .clientes. Essa fraqueza,
-que era consciente e intensamente sentida, estava relacionada
:é gue_são...importª!!.t~L!lJLY.ill_a JM<;\wa. P9r exemplo, _a capacV
dade de prestar. atenção.e de.. suspender a_própria emoção .a fim
com a projeção para fora de sua própria parte agressiva, proje- ·<i.\\ll>rma~.um··iuízo.intelectuaLnão.seriam..alcan_ç_a,qª.§-~§.ffi_)!_ca­
ção esta que o fazia sentir-se indefeso ante a perseguição pelos pacidade de divisão (sp]itting)Jt.mpo@ria.r.e,yersível.
pedaços projetados de si mesmo, os quais não podia renegar, _{\__ diyisão (splitting) é também a base para o que mais tarde
e que, ao mesmo tempo, o fazia sentir-se fraco e indefeso, por~ ~e torna repressão. Se a divisão (splitting) primitiva foi exces-
que ele sentia que seu ego fora esvaziado até mesmo pela pro- siva e rígida, a repressão posterior será provavelmente de uma
jeção do que ele sentia serem suas próprias partes más. rigidez neurótica excessiva. Quando a divisão (splitting) primi-
Descrevendo a posição esquizo-paran6ide, dei ênfase às an- tiva tiver sido menos intensa, a repressão será menos mutiladora,
siedades e às defesas a elas associadas. Isso poderia fornecer e o inconsciente permanecerá em melhor comunicação coro a
uma visão enganadora dos primeiros meses do bebê. Deve ser mente consciente.
lembrado que um bebê não passa a maior parte de seu tempo Assim, a divisão (splitting ), desde que não seja excessiva
em estado de ansiedade. Ao contrário, em circunstâncias favo- e que não conduza à rigidez, é um mecanismo de defesa extre-
ráveis, passa a maior parte de seu tempo dOrmindo, alimentan- mamente importante, que não apenas estabelece as bases para
do-se; experimentando prazeres reais ou alucinatórios e, assim, mecanismos posteriores e menos primitivos, como a repressão,
assimilando gradualmente seu objeto ideal e integrando seu ego, mas também continua a funcionar, de forma modificada, por
Todos os bebês, porém, têm períodos de ansiedade, e as ansie- toda a vida.
dades e defesas que constituem o núcleo da posição esquizo- Com a divisão (splitting) estão em conexão a ansiedade
paranóide são parte normal do desenvolvimento humano. persecutória e a idealização. Naturalmente, ambas, se retidas em
Nenhuma experiênc.ia no desenvolvimento humano jamais é sua forma original na vida adulta, deformam o julgamento, mas
posta de lado ou obliterada; devemos lembrar que no mais nor- alguns elementos da ansiedade persecutória e da idealização

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com eles. O ego se identifica repetidamente com o objeto ideal,
estão sempre presentes e desemperiham um papel nas emoções adquirindo desse modo maior força e maior capacidade para en-
adultas. Um certo grau de ansieda(je persecutória é precondíção frentar ansiedades, sem recorrer a mecanismos de defesa vio-
para que se seja capaz de reconhecer, apreciar e reagir a situa- lentos. O medo dos perseguidores diminui, assim como diminui
ções verdadeiras de perigo em condições externas. A idealização a divisão (sp/it) entre objetos perseguidores e ideais. Permite-se
é a base da crença na bondade de objetos e na própria bondade, a aproximação dos objetos perseguidores e ideais, que assim
e é precursora de boas relações de objeto. Arelaçãg com um ficam mais bem preparados para a integração. Simultaneamente,
<&i~to bom. ger.aln)ep!" contém. um certo gr~ííJ!e :.a~ãllZãÇão,·:e a divisão (sp/itting) no ego diminui, quando este se sente mais
essa idea_lizaç?o _p~rsiste.. em váriaS:_:_situ~çq~~' t~is C()ll?:O apaixo- forte, com maior fluxo de libido. Ele está mais estreitamente
nar:.se, apreciar .a beleza,_ formar jd~_ªjs s_oci~is _ou poHdcOS - relacionado com um objeto ideal, e menos temeroso de sua
emoções . que~ embora possam não ser ··estritamente Í'acionais:r própria agressividade e da ansiedade que esta desperta; torna~se
aumentam a riqueza e a variedade de nossas vidas. possível a aproximação das partes boas e más do ego. Ao mesmo
A identificação projetiva também tem seus aspectos valio- tempo que a divisão (splitting) diminui e que o ego adquire
sos. Antes de tudo, trata-se da forma mais primitiva de empatia, maior tolerância em relação a sua própria agressívidade, a ne-
e é sobre a identificação projetiva, bem como sobre a identifica- cessidade de proteção diminui e o ego se torna cada vez mais
ção introjetiva, que se baseia a capacidade de "colocar-se no capaz de tolerar sua própria agressividade, de senti-la como
lugar do outro". A identificação projetiva também fornece a parte de si mesmo, não sendo impulsionado a projetá-la em
base da forma. mais primitivã. de formaÇão" simbÓÍlcá:-:Peíã prO- seus objetos. Desse modo, o ego se prepara para integrar seus
jeÇão_ ·_de. part~_cl!' si)J.iifuío..:Uii.. ul:ijeto...LP.ela..identifcação... de objetos, para se integrar; através da diminuição de mecanismos
partes ·aa·objeto com partes do eu (self), o eg()J.OWª-·seJJs .pri- projetivos, há uma diferenciação crescente entre o que é eu (self)
meiros e má1s primitivos Sfi1115cíJgs. ... e o que é objeto. Assim, prepara-se o caminho para a posição
Devemos, ·portanto, olhar os mecaJ.l.ismos de defesa usados depressiva. Contudo, a situação é muito d!ferente se há predo-
na posição esquizo--paranóide nãõapenas como mecanismos de minância de experiências más sobre experiências boas, situação
defesa·que·protegêrií o ego de ansiedades imediatas e esmaga- que descreverei ao tratar da psicopatologia da posição esquiw-
doras, riías ..t.arii&érií como etapas graduais no desenvolvimento. paranóide.
Isso nos leva à questão de saber como o indivíduo normal
ultrapassa a posição esquizo-paranóide. Para que a posição es-
quizo-paranóide dê lugar gradualmente, e de modo suave e rela-
tivamente imperturbado, à próxima etapa do desenvolvimento-
a posição depressiva - , a precondição necessária é que haja
predominância das experiências boas sobre as más. Fatores in-
ternos e externos contribuem para essa predominância.
Quando há predominância de experiência boa sobre expe-
riência má, o ego adquire crença na prevalência do objeto ideal
sobre os objetos persecutórios, bem como na predominância de
seu próprio instinto de vida sobre seu próprio instinto de morte.
Essas duas crenças, na bondade do objeto e na bondade do eu
(self), caminham juntas, de uma vez que o ego projeta conti-
nuamente para fora seus próprios instintos, deformando assim
os objetos, e também introjeta seus objetos, identificando-se

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Capítuló V No capítulo anterior, dei ênfase ao fato de que, no desen-
volvimento normal, a posição esquizo~paranóide é caracterizada
A PSICOPATOLOGIA DA POSIÇÃO por uma divisão (split) entre os objetos bons e os màus, e entre
ESQUIZO-PAftAN6IDE o ego que ama e o ego que odeia, divisão na qual as experiên-
cias boas predominam sobre as más. Essa é uma precondição
necessária para a integração nos estádios posteriores do desen-
A psicopatologia da fase mais primitiva do desenvolvimento é, volvimento. Dei ênfase também ao fato de que, nesse estádio,
de modo nada surpreendente, o mais obscuro e difícil problema o bebê chega a organizar suas percepções por meio de processos
na pesquisa psicanalítica. Trata-S\' .. da fase de desenvolvimento projetivos e introjetivos.
mais distante no tempo do momeilto em que vemos nossos pa- Todos esses processos são perturbados quando, por razões
cientes, quando suas experiências mais. primitivas já se modifi- internas ou externas, e mais freqüentemente por uma combina-
caram~ se deformaram e se confundiram com as posteriores. ção de ambas, a experiência má predomina sobre a boa. Ultra-
passaria o âmbito deste capítulo tentar uma apresentação das
. ' Além disso, quando se observa o comportamento de bebês,
várias mudanças patológicas que podem ocorrer nessa situação.
quanto mais novos, maior a dificuldade para interpretá-lo. As
dificuldades encontradas no estudo das fases mais primitivas Vou limitar-me a descrever alguns fenômenos patológicos ca-
racterísticos.
do desenvolvimento normal são muito ampliadas em presença de
fenômenos patológicos; quanto mais perturbado o bebê, mais Na posição esquizo-paranóide, sob condições desfavoráveis,
a identificação projetiva é usada de modo diferente de como é
distante está sua experiência das experiências introspectivas do
usada no desenvolvimento normal. O Dr. W.R. Bion foi o pri-
observador adulto. meiro a descrever as características da identificação projetiva
Todavia, o estudo dessa fase é de suma importância. Sa- patológica.
·bemos que os pontos de fixação das psicoses estão nos primei- No desenvolvimento normal, o bebê projeta no seio e na
ros meses da tenra infância. Além disso, sabemos que na doen- mãe parte do eu (self) e objetos internos. Essas partes proje-
ça psicológica ocorre regressão, não a uma fase de desenvolvi- tadas permanecem relativamente inalteradas no processo- de pro-
mento que era em si normal, mas a uma em que estavam pre- jeção; quando ocorre a subseqüente reintrojeção, elas podem
sentes perturbações patológicas, criando bloqueios para o de- ser reintegradas no ego. Além disso, essas partes projetadas se-
senvolvimento e constituindo pontos de fixação. Temos, portan- guem certas linhas de demarçação psicológica e fisiológica. Por
to, o direito de supor - e nossas experiências clínicas têm con- exemplo, o "mau" pode ser projetado, ou o "bom~', ou certos
firmado amplamente essa suposição - que, na medida em que órgãos de percepção como a vista ou a audição, ou ainda impul-
o psicótico regride aos primeiros meses da tenra infância, regri- sos sexuais. A •(raposa esquiva", no material da criança apre-
de a uma fase de desenvolvimento que já possuía características sentado no capítulo sobre a posição esquizo-paranóide, constitui
patológicas em sua tenra infância. Através do estudo de casos exemplo desse tipo de projeção.
de pacientes esquizofrên!cos e esquizóides, e da observação de No entanto, quando a ansiedade e os impulsos hostis e
bebês a partir do nascimento, estamos agora cada vez mais aptos invejosos são intensos, a identificação projetiva ocorre @e modo
diferente. A parte projetada é estilhaçada e desintegrada em
a diagnosticar características esquizóides na mais tenra infância,
fragmentos diminutos, e esses fragmentos diminutos são proje-
bem como a prever dificuldades futuras. A análise detalhada de tados no objeto, desintegrando-o, por sua vez, em partes dimi-
pacientes esquizofrênicos de todas as idades, inclusive de crian- nutas. Duplo é o objetivo dessa violenta identificação projetiva.
ças psicóticas, lança alguma luz sobre a dinâmica das perturba- Visto que, no desenvolvimento patológico, a experiência da rea-
ções psicológicas nos primeiros meses da infância. lidade é sentida primariamente como uma perseguição~ há mn
violento ódio de toda experiência _4a realidade, externa ou inter-
na. O estilhaçamento do ego é uma tentativa de se desfazer de cia de mamar em um seio onde se estava formando um absces~
toda percepção, e é o aparelho perceptual que é primariamente so. A "mistura" era percebida por ele corno partículas do seio,
atacado, destruído e obliterado. Ao mesmo tempo, o objeto res- mordidas e purulentas, contendo a própria urina do paciente,
ponsável pela percepção é odiado, e a projeção visa a destruir fezes e pedaços quebrados de seus dentes. Ele podia preservar
esse pedaço de realidade - o objeto odiado - , bem como a algo de sua Hcabeça", que representava sua sanidade, e uma
se desfazer do aparelbo perceptual que o percebeu. Quando analista remota na poltrona, mas não havia qualquer relação
a invejW"é intensa, a percepção de um objeto ideal é tão penosa entre ele e eu. O relacionamento real entre sua boca e o seio
quanto a experiência de um objeto mau, já que o objeto ideal ocorria na "terceira área", na mistura expelida (split off) tanto
suscita insuportáveis sentimentos _de inveja. Por isso, esse tipo da analista-mãe como do paciente-bebê.
de identificação projetiva pode ser dirigido tanto ao objeto ideal De modo análogo, uma paciente adolescente hebefrênica
como ao objeto perseguidor. não me dava qualquer atenção; preocupava-se exclusivamente
Como conseqüência desse processo de fragmentação, não com o travesseiro no divã analítico. Na análise, o travesseiro
• há "divisão limpa" ("tidy split") entre um objeto ou objetos apareceu como representando o seio, que continha a cabeça de
ideais e um objeto ou objetos maus, mas o objeto é percebido bebê da paciente projetada. Interpretações sobre o travesseiro
como sendo dividido (split) em pedaços diminutos, cada um representando o seio não faziam sentido algum para ela, mas,
contendo uma parte diminuta e violentamente hostil do ego. quando interpretei que o travesseiro representava o seio conten-
Esses pedaços foram descritos por Bion como "objetos bizar- do a cabeça e que ela estava expelindo (splitting off) essa rela-
ros". O próprio ego é intensamente danificado por esse pro- ção cabeça-seio da relação entre ela própria e sua mãe, ocorreu
cesso desintegrador, e ·suas tentativas para se desfazer do- sofri- uma acentuada mudança na transferência. A paciente tomou co·
mento da percepção conduzem apenas a um aumento de per- nhecimento de mim e experimentou uma transferência aberta-
cepções penosas, -tanto através da natureza persecutória dos mente hostil e perseguidora. Sempre que a transferência se tor-
"objetos bizarros~' quanto através da mutilação penosa do apa- nava muito intensa, ela expelia (split off) a "terceira áera" e
relho perceptuai. Assim, estabelece-se um círculo vicioso, no se preocupava unicamente com o travesseiro e, vez ou outra,
qual o sofrimento produzido pela realidade leva à identificação com outras peças do divã.
projetiva patológica, e isso por sua vez leva a realidade a se O ataque à realidade por identificação projetiva está em
tornar cada vez mais perseguidora e penosa. ·Essa parte da rea- conexão com outro processo característico da posição esquizo-
lidade que é afetada pelo processo é experimentada pelo bebê paranóide, também descrito por Bion, ou seja, os ataques aos
doente como estando cheia de "objetos' bizarrosH carregados de vínculos: qualquer função ou órgão que o bebê perceba que
enorme hostilidade, ameaçando um ego esvaziado e mutilado. vincule objetos uns aos outros é violentamente atacado. Assim, a
Segundo minha experiência, alguns pacientes tentam salvar própria boca do bebê e o mamilo são destruídos, de uma vez que
uma !)arte ex]i>e!ida (split-off) do objeto e o que permanece do constituem um vínculo entre o bebê e o seio. Como no caso do
ego, tentando expelir (split off) e isolar esses "objetos bizar- paciente que citei acima, em vez de um vínculo entre paciente
ros" em uma espécie de "terceira área". Por exemplo, um pa- e analista, o bebê e a mãe, seus ataques produziam uma "mis-
ciente esquizóide marginal disse o seguinte: "Não posso entrar tura sangrenta". Do mesmo modo, a adolescente hebefrênica
em contacto com a senhora. Aqui está minha cabeça no tra- tinha o hábito de arrancar fios do travesseiro e do divã, e de-
vesseiro e aí está a senhora em sua poltrona. Mas entre a ponta pois rasgá-los em pequenos fragmentos. Em momentos de com-
da minha cabeça e a senhora nada existe a não ser uma horrí- preensão interna (insight), reconhecia que estava tentando que-
vel mistura sangrenta." Prosseguindo a análise~ compreendemos brar seus vínculos com o mundo externo, suas "cadeias", como
que essa "mistura sangrenta" estava associada com sua experiên- os chamava. Desse modo, são atacados e quebrados os vínculos
entre o eu (sei/) e o objeto, interno e externo, e entre várias
parte, do eu (se/f), como por exemplo o vínculo entre as fun- com o bebê e com seu trabalho, Quando uma parte desse ma-
ções de sentir e_ pensar. Os vínculos entre outros objetos setor- texial tinha sido elaborada e, em especial, quando sua auto-idea-
nam, por sua vez, objetos de ataques tremendamente invejosos, )i~ação e a projeção de suas próprias partes más tinham sido
de uma vez que o bebê se sente' incapaz de estabelecer vínculos parcialmente analisadas, ele reconheceu claramente, e com emo-
e tem particular inveja dessa capaéidade em outras pessoas, Na- ção, seus próprios ataques anteriores à análise, a qual represen-
turalmente, quanto mais ele ataca, os vínculos entre os objetos tava tanto o alimento da mãe como a criação dela - o bebê.
que intemaliza, menos é capaz de estabelecer vínculos e mais . Depois de uma compreensão interna (insight) particular-
invejoso se torna. mente convincente, ele veio a uma sessão com um estado de
Esses vínculos, percebidos entr~ objetos, são imediatamente espírito bastante diferente. Seu bebê tinha passado mal durante
sexua1izados; muitos analistas qu'F lidam com esquizo-frênicos a noite e ele ouvira seu choro, mas não se levantara. Comparou
estão convencidos de que um bebê es(}uizóide tem prematura- seu comportamento com a imediata disposição de sua esposa
mente fantasias e experiências genitais, bem como inveja e ciú- para atender o bebê, seu amor e cuidado generosos, e sua pa-
mes sexuais prematuros e violentos. O complexo de Édipo per- ciência tanto ao lidar com o bebê quanto ao lidar com ele
manece então em nível oral, e é caracterizado não por ciúme, próprio. Comentou também minha paciência ao lidar com suas
mas por intensa inveja do relacionamento dos pais. várias acusações e projeções. Contudo, com voz zombeteira,
O bebê esquizóide vive num mundo bastante diferente do acrescentou o seguinte: "Tendo em vista que todas as vezes
de uma criança normaL Seu apardho perceptual está danificado, que falei coisas más de minha esposa, a senhora interpretou
ele se sente cercado por objetos hostis desintegrados, seus vín- que elas eram minhas próprias partes más qne eu colocava nela,
culos com a realidade ou estão quebrados ou são muito penosos, suponho qne agora, quando digo essas coisas boas sobre ela
e sua capacidade para estabelecer vínculos e para integrar está e sobre a senhora, a senhora vai interpretar que são minhas
rompida. A fim de sobreviver nessas condições, o bebê deve próprias partes boas, as quais eu só vejo nos outros". Embora
tentar~ de algum modo, preservar uma parte do ego que seja sua associação fosse irônica, interpretei que com efeito_ era isso
capaz de alimentação e de estabelecer um objeto suficientemente que ele sentia. Sugeri que ele tinha de projetar essas partes boas
porque, se as retivesse dentro de si mesmo, se exporia a con-
bom, em relação ao qual a alimentação e outros processos intro-
flito e trabalho. Se retivesse o amor por seu bebê, teria de le-
jetivos, como por exemplo aprender, possam ser realizados. O
vantar-se durante a noite para cuidar dele. Se retivesse seu amor
bebê se defronta com a tarefa de expelir (split off) e de man-
pela análise, teria de cuidar dela dentro de si mesmo e de pro-
ter um objeto ideal protegido dos efeitos devastadores de sua
tegê-la de seus próprios impulsos maus.
identificação projetiva. Gostaria de dar aqui um exemplo de uma
tentativa desse tipo. Logo que o paciente tomava conhecimento de sua própria
destn1tividade, tinha de projetar para fora sua parte boa, para
O paciente que se queixava da "mistura" passou por uma que não fosse subjugada pela parte má num conflito interno.
fase de agudos sentimentos persecutórios em relação a sua es- Assim, ele estabeleceu sua esposa e eu, que· representávamos
posa. Suspeitava, em particular, de que ela estragava intenciow sua mãe, como os objetos ideais que continham todas as suas
nalmente sua comida e, vez ou outra, de que realmente o enve- próprias partes boas, deixando-o inteiramente mau e ~svaziado.
nenava. Suspeitava também de que ela fosse perigosamente Essa configuração correspondia a várias situações e.m que o pa~
ambívalente e de que inclusive tivesse impulsos assassinos em ciente deixava para mim, na transferência, ou para sua esposa,
relação à filhinha deles. Freqüentemente, ele me acusava de to- em casa, todo o trabalho que tinha de ser feito. Contudo, essa
mar o partido de sua esposa, e gradualmente suas suspeitas vie- idealização era muito precária. No meio da sessão, o paciente
ram de modo mais completo para a transferência. Ao mesmo se· lembrou, furioso, de que dera a sua esposa suas melhores
tempo, o paciente se idealizava, em especial seu relacionamento ações, e a odiava por isso. Sentiu-se roubado e empobrecido.
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A isso se seguiu uma queixa de que a análise o roubava de sua não era mantida com sucesso. Suspeitou de que um após outro
auto-estima e o fazia sentir que nãÓ valia nada. Seu objeto ideal de seus objetos ideais tinha "um colapso". A urina sempre de-
era imediatamente sentido também' como um perseguidor. Não sempenhara papel predominante em sua análise. Nesse contexto~
podia tolerar os efeitos de sua própria idealização. A partir do sua urina era sentida como resultante de uma desintegração tão
momento em que cedia a seu objeto ideal suas "melhores ações", miúda de seus objetos internos e de suas próprias partes, que
sentia que esse objeto ideal tinha· roubado sua bondade. Ao /t~ toda forma estava perdida; a urina era experimentada como um
mesmo tempo, sua inveja aumentava enormemente, de modo jorro de germes que ela despejava em seu objeto. Sua linguagem
que o objeto ideal se tornava novamente alvo de ataques e de - maníaca, inundante, exigente e invasora era sentida e
projeções hostis. , usada como um jorro de urina com o qual podia projetar seu
Vejamos agora outra ilustração das. complexas dificuldades "colapso" em seu objeto.
para se manter um objeto ideal quando prevalecem processos Durante algum tempo, a paciente mostrou-se bastante re-
esquizo-paranóides patológicos. A paciente, uma mulher de meia ~ sistente às interpretações transferenciais, até que um dia relatou
idade, atravessava uma fase de hipocondria aguda com aspec- que tivera um sonho. Esse sonho era a respeito de um urinol
tos maníacos, paranóides e depressivos. Acreditava estar so- que não podia ser usado porque estava coberto com uma capa
frendo de uma infecção de germes de uma espécie generalizada, de chita - situação que, no sonho, a lançou em estado de de-
a qual ela acreditava ser responsável por seu estado de espírito sespero e de raiva. Ela associou o sonho com o fato de que,
instável e por sua exaustão geral. Descrevia, de forma tão lúgu-
bre quanto vívida, como os germes atacavam seu sistema ner-
na tarde anterior, me telefonara sobre uma mudança de sessão,
tendo-me achado seca e brusca ao telefone.
voso central) interferindo em seu pensar e em suas glândulas
supra-renaist e deixando-a exausta; como invadiam seus órgãos O trabalho feito após esse sonho iluminou a relação da pa-
dos sentidos, causando hiperacuidade da audição e da visão. ciente comigo enquanto objeto ideal. Nessa época, seu objeto
Não havia dúvidas de que seus perseguidores internos eram do ideal era um urinol - um seio no qual podia despejar sua urina,
tipo "objetos bizarros". Eram expelidos (split off) a partir de o objeto que podia conter seu "colapso" (breakdown) sem ter
pessoas com as quais a paciente tentava manter uma relação um colapso (without breaking down). Se eu parecia não me
isenta de perseguição. afetar pelas projeções da paciente, ela me sentia como blo-
As pessoas com as quais tinha relações estavam divididas queando sua identificação projetiva e como sendo tão inútil
em duas categorias. As pessoas da primeira categoria eram sen- quanto um urinol coberto com urna tampa; ela então ficava
tidas como sendo dependentes dela. Sentia-se responsável por repleta de germes e urina. Se, contudo, eu parecia de algum
i elas, preocupada com elas e culpada se as negligenciava. Todas ....,_ modo afetada pelas projeções da paciente - por exemplo, mais
eram sentidas como estando à beira de um Hcolapso"t.< mental. pálida ou ligeiramente resfriada - , e)a sentia que todo uo co-
Essas pessoas eram continentes de seu próprio "colapso" proje- lapso)' era projetado em mim, o que de início me fazia objeto
tado. As pessoas da segunda categoria eram em menor número: de alguma preocupação; logo, porém, eu me transformava em
ela idealizava intensamente seu marido e um ou dois outros perseguidor, despejando de vo1ta nela a desintegração e os ger-
homens, e dependia deles, embora a dependência fosse energi- mes. Em raras ocasiões, quando a paciente obtinha comPreensão
camente negada. Todavia, logo apareceu que a divisão (split) interna (insight) de todo o processo, ela podia sentir-me como
"' o objeto ideal que satisfazia sua exigênda, incorporando seu
'lcolapso" e tolerando-o, sem realmente ter um colapso e sem se
* Optou-se aqui pela palavra colapso como sendo a mais próxi-
ma do sentido da ínglesa breakdown. Note-se, porém, que breakdown tornar vingativo. Essa experiência trazia alívio temporário, mas
pode igualmente significar desinlegração, desfalecimento, prostração. aumentava sua inveja e seus frenéticos ataques urinários. Era
(N. do T.) tão intolerável o reconhecimento de sua relação com seu objeto

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ideal original - expressa no sonho .em que o urinol represen~
" tava a analista, o seio-urinol - , que .~la tinha de dividi-la (spUt) além de brigar e falar sobre doença". Subjacente a essa mudan-
nos três tipos de relação que a preocwavam: seus germes (pura ça de percepção bá um processo dinâmico. Ela vê em mim uma
perseguição), seus objetos ideais, e·seus objetos de preocupação pessoa saudável, casada e com filhos, o que repete sua expe-
(mistura de depressão e de perseguição)" Essa divisão (splitting) riência de seus pais como um casal casado ( married couple).
de seu objeto defendia-a da compreensão de que eram seus pró- Comparada comigo - seus pais ~, ela sente que nada contém
prios ataques que_convertiam seu objeto ideal em urina-germes; álém de doença. Ela me inveja, assim como invejou a seus pais
que era seu uso dessa urina infectada para atacar o objeto ex- seti saudável estado de casados, e sente que falando pode pro-
terno que produzia o colapso de seu objeto ideal. íetar neles a doença ("Eu só posso falar de doença e isso faz
A fim de ilustrar mais plename,nte alguns processos pato- tódo mundo à minha volta doente"), de modo que, em seu pro-
lógicos, fornecerei uma descrição quase. completa da primeira cesso de falar, ela faz sua família brigar e ficar doente. Então
sessão com uma adolescente esquizofrênica. Para efeito de maior eles, por sua vez, a invadem com a doença. O sentimento de
clareza, dividirei a sessão em vári8.s seqüências . iriveja em relação a seus pais e a sua analista é inconsciente,
• - A paciente era uma moça de dezesseis anos, com uma 1on- ·e é. apenas vagamente que ela é consciente da natureza de seus
ga história de esquizofrenia. Veio de uma pequena cidade, X, átaques. Contudo, aquilo de que se dá conta é o perigo de falar*.
para Londres logo depois que seu pai se suicidara. Não haviam · Segunda seqüência: depois de minha interpretação, que lhe
contado à paciente que se tratara de suicídio, e supunha-se que mostrou seu ataque e seu medo de retaliação, a paciente disse
ela não sabia. Quando sua mãe falou com ela sobre os ananjos que de qualquer modo nada via nas pessoas, "a não ser pro-
para seu tratamento, ela perguntou apenas se a analista era ca- jeções de personagens de livros". Descreveu como gostava de
sada e se tinha filhos. ler livros, de devorar livros. Os personagens de um livro, disse
Primeira seqüência: ela entrou, olhou à sua volta, deu .ela, eram para ela mais reais do que qualquer outra pessoa,
alguns pulos em tomo da sala e começou imediatamente a fa- embora fossem tão irreais. Os personagens de livros podiam ter
lar. Disse que vinha para o tratamento porque não podia con- todas as emoções; ela própria não as tinha. Os personagens
centrar~se no trabalho, mas não pensava que fosse falar muito de livros eram maravilhosos porque ela podia lazer com eles o
porque sabia que eu esperava que ela falasse e, quando as pes- que quisesse. Sequer se importava de feri-los, pois eles nunca
soas queriam que ela falasse, tinha vontade de ficar calada. Só mudavam.
tinha vontade de falar quando pensava que os outros queriam Na segunda seqüência, a paciente mostra a divisão (splít)
que ela ficasse calada. De qualquer forma, falar era urna coisa que existe em sua mente. As pessoas reais à sua volta - assim
sem graça. As pessoas sempre falavam de saúde, casamentos e e}a_sente- ficam doentes devido a suas projeções e se tornam
ter filhos, e nada mais. Não tinha nada disso e, portanto, não perseguidores que, por sua vez, projetam nela e a deixam doen-
tinha qualquer interesse por esses assuntos. Então, a paciente te. Ela, portanto, coloca todo seu amor em personagens de um
olhou novamente à sua volta e murmurou: ''Eu só posso falar livro; e estes se tornam seus objetos ideais. Mas quando já pro-
de doença c isso faz todo mundo à minha volta doente." De- jetou toda sua doença - maldade - nas pessoas reais e todo
pois, em voz mais alta, disse o seguinte: "As pessoas falam seu amor e qualidades ideais nos personagens de um 1ivro, a
muito sobre doença e isso não é bom para mim, só me deixa paciente se sente completamente esvaziada. Não tem nem emo·
doente. De qualquer forma, toda minha farnilia não fazia nada çõ~s nem conteúdos, Sejam bons ou maus. A Lim de ~ontraba-
além de brigar e falar sobre doença."
Na primeira seqüência, a paciente mostra uma súbita mu-
dança de percepção. No início, "as pessoas sempre falam de * O trabalho com essa paclente foi féito ant~s da publicação de
saúde, casamentos e ter filhos", e, no fim, elas não fazem "nada /nv~jn e Gratidão, sendo interessante notar como, na análise do psÍCÓ·
ticó, a inveja inconsciente surge imediatamente em primeiro plano.
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tal··coino sentirá quando contava dois anos. Ela riu e dísse:
lançar isso, ela tem de devorar livrC)s numa tentativa de conse-
"Sentir falta de papai agora - em Londres? Não pode ser, não
guir colocar esses objetos ideais d<intro dela mesma e de con- aqui! Não se sente falta das pessoas onde elas nunca estiveram.
seguir de volta suas próprias paries projetadas, as quais agora Sé eu estivesse em X) talvez sentisse algo em relação a ele, mas
estão neles. Ela também dá uma iridicação velada de por que, não poderia sentir coisa alguma em relação a ele em Londres,
em vez de pessoas reais, os personagens de um livro se tomam quando o deixei em X". Interpretei que ela sentia que deixara
seus objetos ideais. Eles satisfazem melhor suas condições para para trás parte de si mesma e que se cortara de suas próprias
um objeto ideal. Este tem não apenas de ser perfeito e indes- lembranças, deixando-as em X, e ela disse bem alto: "Oh, sim.
trutível, mas também completamente submisso. ("Posso fazer Só que as coisas seguem a gente, vermes, lagartas, coisas em
com eles o que eu quiser.") ,~ sonhos e esqueletos que saltam dos armários."**
Terceira seqüência: fiz uma breve interpretação, mostran- Nessa seqüência, a paciente mostra uma reintrojeção da
do a divisão (split) e a idealização, e ao fazê-la usei a expres- doença projetada. Seu pai, que ela deixou para trás, se torna,
são "e agora você tem de tomar esses personagens de livros em sua mente, dividido (split) em milhares de pessoas doentes, as
dentro de você". Ao ouvir a palavra ~~dentro", a paciente mos- quais ela sente que tem primeiro de tomar dentro de si e, depois,
trou uma súbita mudança de comportamento. Mostrou sinais de "evacuar". Ela mostra também alguns dos mecanismos de de-
indiscutíveis de experimentar alguma violenta perseguição inter- fesa contra culpa e perseguição, resultantes da destruição de seu
na. Torceu as mãos, dobrou seu corpo em dois, gemeu e mur- objeto - seu pai. Por exemplo, ela se divide (splits) no espa-
murou, de modo que pude captar apenas as palavras "dentro'', ço e no tempo, deixando uma parte de si mesma em qualquer
''sofrímentos", ''sensação no corpo", "dores na unha". Interpre- lugar quando abandona esse lugar. O pai, que morrera em X,
tei seu medo de palavras entrando nela, controlando-a e fa- e a parte de si mesma que o introjetou, são cortados, deixados
zendo-a sofrer. Sem responder, começou uma nova linha de em X, e momentaneamente ela acredita que estão onipotente-
associações. mente aniquilados. Imediatamente, porém, confessa o fracasso
Quarta seqüência: começou a falar de modo animado so- desse mecanismo; sente que tanto esse objeto destruído, dividi-
bre seu passado - sobre o fato de ter estado num internato do (split) em pequenos pedaços, quanto sua própria parte qne
desde os quatro anos ·e como isso era maravilhoso. "Não im- tentbu deixar para trás, a seguem por toda parte sob a forma
portava o que a gente fazia e a quem a gente fazia." Então disse de vermes, lagartas,_ etc.
que ela e mamãe tinham deixado papai quando contava dois A parte seguinte da sessão disse respeito a sua relação com
anos.* Juntaram todas as pessoas doentes na estrada de ferro sua irmã mais nova; não a apresentarei aqui porque segue pa-
e na estrada de rodagem, e elas foram evacuadas com .essas dráo bastante semelhante ao de sua relação com seu pai. Perto
pessoas. Aos quatro anos, decidiu ir para o internato e deixou do fim da sessão, ela fez uma clara descriçãO- de seu mundo
ambos os pais. interno.
Em resposta a meu comentário sobre o fato de terem dei- Quinta seqüência: ~<B mais ou menos como o homem da
xado seu pai> ela disse o seguinte: "Oh, não teve qualquer im- Bíblia. Ele vivia num castelo maravilhoso, onde colecionava
portância. Eu não djstinguia uma pessoa de outra." Ela então
começou a olhar em volta da sala ansiosamente. Sugeri que ago-

ra ela estava procurando seu paí e que talvez sentisse falta dele * * Essa referência inconsciente ao suicídio de seu pai é tipica
do pensar esquizofrênico.
[E interessante notar que, quando a paciente fala em "esqueletos
que saltam dos armários" (skeleton.s jumping out of cupboards), há
* Ela, aos dois anos, foi de fato evacuada com sua mãe; quan~ uma referência à expressão skeleton in the cupboard, que indica "preo~
do contava quatro anos foi deixada como interna na escola que então cupação da família", "segredo (vergonhoso) de família". (N. do T.)]
freqüentava, aparentemente por sua própria insistência.
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todas as espécies de tesouros, mas;,-esse castelo foi infestado por BIBLIOGRAFIA
criaturas horrendas e por bichos, ~ ele foi exilado em uma pe-
quena casa. H Quando interpretei· que isso era o que ela sentia W. BION: Second Tlwughts (Heinemann Medícal Books, 1967).
em relação a si mesma, que era e$ seu mundo interno que ela H. RosENFELD: "Notes on the Psycho-analysis of the Super-ego Con~

estava exilada do castelo e que tinha de viver numa pequena flict of an Acute Schizophrenic Patient", lnt. J. PsyclurAnal., voL
33 (1952).
casa, ela, com muita tristeza e parecendo sã pela primeira vez
New Directions in P:.ycho*analysis {Capítulo 8).
na sessão, disse; "sim, mas ele não devia ter feito isso, prin- HANNA SEGAL: "Depression in the Schizophrenic", lnt. !. Psycho-Anal.,
cipalmente desse jeito". voL 37 (!956),
Nessa última seqüência, a paçiente mostra bastante clara-
mente seus sentimentos em relação a seu mw1do interno. Ela
se sente dividida (split): há uma parte de si mesma, como o
castelo, cheia de riquezas - seus objetivos ideais e suas maravi-
lhosas qualidades - , e outra parte pobre e cheia de bichos,
Sente que incorporou as coisas boas voraz e invejosamente e
que, ao fazer isso, sente que privou as pessoas de toda bondade,
Elas se tomaram vazias e más, transformadas em bichos que a
perseguem, Sente-se invadida pelos bichos (a doença do início
da sessão) e exilada do castelo de seus sonhos; em seu mundo
interno, ela tem de viver em sua própria parte expelida (split-
off) e esvaziada- a pequena casa-, desprovida de sentimen-
to, de sensação e de qualquer experiência, exceto a da pobreza
e a da perseguição.

78 79
Capítulo VI
processos integradores se tomam mais estáveis e contínuos, é
A POSIÇÃO DEPRESSIVA engendrada uma nova fase de desenvolvimento ;_ a posição
depressiva.
Aposição depressiva foi definida por!-4elanie Klein como
Ao descrever a posição esquizo-paranóíde, tentei mostrar como a fase de desenvolvimento na qual o bebê recorihece:um 0bjéto
um manejo bem sucedido das ansiedades experimentadas nos total e se relaciona com esse objeto. Esse é nm momento crucial
primeiros meses do desenvolvimento do bebê leva a uma orga- no desenvolvimento do bebê, e é claramente reconhecido por
nização 'gradual de seu universo. À medida que os processos leigos. Todos que rodeiam o bebê percebem uma mndança e
de divisão (splitting), projeção <>·introjeção ajudam a ordenar reconhecem-na como um enorme passo em seu desenvolvimento
suas percepções e emoções, e a separatas boas das más~ o bebê - observam e comentam o fato de que o bebê agora reconhece
se sente confrontado com um objeto ideal - que ele ama, tenta sua mãe. Logo em seguida, como sabemos, ele começa rapida-
adquirir e conservar, e com o qual tenta identificar-se - e com mente a reconhecer outras pessoas em seu ambiente - primei-
um objeto mau, no qual projetou seus impulsos agressivos e ramente, via de regra, seu pai. Quando o bebê reconhece sua
que é sentido como uma ameaça ao próprio bebê e a seu objeto mãe, isso significa que agora ele a percebe éõi:ii9 iiDi õbjêtõtõfãl.
ideal. Quando falamos do fato de o bebê reconhecer sua mãe como
Se as condições de desenvolvimento são favoráveis, o bebê
um objeto total, comparamos isso tanto com relações de objeto
parcial quanto com relações de objeto dividido (split); ou seja,
sentirá cada vez mais que seu objeto ideal e que seus próprios
o bebê se relaciona cada vez mais não ;J.Pe!~fiS _com ()_ seio,_ mã_os,
impulsos libidinais são mais fortes do que o objeto mau e do face, olhos da mãe, como objetos sepài:ádos, iií~s-cóiií. éíã-pió-
que seus impulsos maus; ele será cada vez mais capaz de iden- pria como ... uma pessoa total, que às vezes pode ser_ boa, às
tificar-se com seu objeto ideal e, em virtude dessa identificação, vezes má, presente ou ausente, e que pode ser tanto amada
bem como em virtude do crescimento fisiológico e do desenvol- como odiada. Ele começa a ver que suas experiências boas e
vimento de seu ego, ele sentirá cada vez mais que este se torna más não procedem de um seio ou mãe bons ou maus, mas da
mais forte e mais capaz de se defender e de defender seu objeto mesma mãe que é iguaimente fonte do que é hom -e do-.que __é
ideal. Quando o bebê sentir que seu ego está forte e na posse mau. Esse reconhecimento de süà"niãe como uma pessoa total
segura de um objeto ideal forte, ele se sentirá menos temeroso tem implicações mnito vastas e abre um mnndo de novas expe-
de seus próprios impulsos maus e, portanto, menos impulsiona- riências. ~'-99.11llec.er_ a mãe_cQ!!lO uma pessoa total significa tam-
do a projetá-los para fora. Quando diminui a projeção de impul- !>ém reconhecêo-la ....como nm individuo <júefeva·vldá propri!l e
sos maus, diminui também o poder atribuído ao objeto mau, ao que tem relações .com outras p~ssóás. O bebê descobre seu de-
passo que o ego se torna mais forte, já que está menos empo- samparo, s\la cornpi~ta_ c!~pendência deía-éseti~ci~:d~~<)íitiàs
brecido pela projeção. Aumenta a tolerância do bebê em rela- pessoas:-- --- -- -·---··--- --- -·
ção ao instinto de morte dentro de si mesmo e diminuem seus Com essa alteração na percepção do objeto, há nma mu-
medos paranóides; a divisão (splitting) e a projeção diminuem, dança fundamental no ego, porque, assim como a mãe se torna
e o impulso para integração do ego e do objeto pode turnar-se um objeto total, o ego do bebê se toma um ego total, e é cada
gradualmente preponderante. vez menos dividido (split) em seus componentes bons e maus.
Há, desde o início, uma tendência para integração, bem A integração do ego e do objeto ocorre simultaneamente. A
como para divisão (splitting), e durante o desenvolvimento do diminuição de processos projetivos e a maior integração do ego
bebê, mesmo nos primeiros meses, e1e experimentará momentos significam que a percepção de objetos é menos deformada, de
de integração mais ou menos completa. No entanto, quando os modo que os objetos maus e ideais se aproximam. Ao mesmo
tempo, a introjeção de um objeto cada vez mais total promove
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a integração do ego. Essas mudanças psicológicas ajudam a ma- exposto a novos sentimentos pouco conhecidos na posição es-
turação fisiológica no ego, e são ajudadas por esta, sendo que quizo-paranóide: o luto e o anseio pelo objeto bom - sentido
a ma"iuráção do sistema nerVoso central permite uma melhor como perdido e destruído-, bem como a culpa, uma experiên-
organização das percepções que surgem em diferentes áreas fi- cia depressiva característica que surge do sentimento de ter per-
siológica.s~ dando margem ao desenvolvimento e organização da Dido o objeto bom através da própria destrutividade. No auge
memóiia. Quando a mãe é perçebida como objeto total, o bebê de sua ambivalência, o bebê acha-se exposto a desespero de-
está mais capaz de lembrar-se dela, ou seja, de lembrar-se de pressivo. Ele se lembra de que amou e de que ainda ama sua
.gratifi~ações anteriores nas ocasiões em que ela parece estar pri- mãe, mas sente que a devorou ou destruiu, de modo que ela
vando-o,_ })em como de lembrar-se de experiências anteriores de não mais está disponível no mundo externo. Além do mais, ele
privações quando ela o está gratifi~do. Na medida em que também a destruiu como objeto interno, o qual agora é sentido
prosseguem esses processos de integração, o bebê se dá conta <:orno estando em pedaços. O mundo interno do bebê é sentido
cada vez mais- claramente de que é a mesma pessoa - ele pró~ como estando em pedaços, em identificação com esse objeto,
prio - que ama e que odeia a mesma pessoa - sua mãe. Ele e agudos sentimentos de perda são experimentados, bem como
então se defronta com conflitos relativos a sua própria ambiva- de culpa, de anseio e de desesperança quanto a recuperá-lo. A
lência. Essa mudança uo estado de integração do ego e do obje- esse sofrimento em relação a si mesmo, acrescenta-se o sofri·
to traz consigo uma mudança no foco das ansiedades do bebê. meoto em relação à mãe, por causa do perene amor que tem
Na posição es_g_ui~():P.ª-'~A<í\95dt PKi!l.flPala!lsiedade .é. a de gl)e por ela e da constante introjeção e identificação com ela. Seus
õegõseiTdestruído pelo objeto ou objetos maus. Na posíção sofrimentos ainda são aumentados por sentimentos de persegui-
depressiva; as à_llsieiládes brotam da ambivalência, e a principal ção, em parte porque, no auge dos sentimentos depressivos, vol-
ansiéaáae-ctúrianÇaTa de qüe seus próprios lmpuísos destru- ta a ocorrer alguma regressão - na qual sentimentos maus
tivos ·tenham.déstrtiíd<J_ou destrúíun 2 ollje:to ql!.~t;lá_iii\tiú]o serão novamente projetados e identificados com perseguidores
qual depende totalmente. · internos - , e em parte porque o objeto bom em pedaços, o
Na posição depressiva, os processos introjetivos são inten- qual estimula esses sentimentos intensos de perda e de culpa,
. sificados. Isso é devido em parte à diminuição dos mecanismos é até certo ponto experimentado novamente como perseguidor.
·projetivos e em parte à descoberta feita pelo bebê de sua de- Vejamos agora um sonho típico, tido por uma paciente que
pendência em relação a seu objeto, que agora ele percebe como se sentia ameaçada por uma experiência de desespero depressi-
sendo independente e com possibilidades de se afastar. Isso vo. Tratava-se de uma paciente maníaco-depressiva, e, na oca-
aumenta sua necessidade de possuir esse objeto, de mantê-lo . sião do sonho, ela estava num intervalo relativamente isento
dentro e, se possível) de protegê-lo de sua própria destrutivida- tanto de depressão quanto de mania. No dia anterior ao sonho,
de. A posiÇão depressiva. tem início na fase oral do desenvolvi- ficara claro que a continuação de sua análise estava ameaçada
.U~~-~l(o,_ c·qU.a]JdÕ~Õ·~_:ariiOi._· .e~?:-.:~ec~.s~~~ã~~-·-1eV~~ -·. a ··âe\íõtã"r.-~A por dificuldades financeiras, e ela me perguntara se eu conti-
·onipotência dos mecanismos introjetivos orais lé:Vá--â'· ansiedade nuaria o tratamento caso não pudesse pagar por algum tempo.
de que poderosos impulsos destrutivos destruam não apenas o Como suas dificuldades no mundo externo pareciam bastante
bom objeto externo, mas também o bom objeto introjetado. reais, dei-lhe alguma indicàção de que não pensava êm terminar
Esse objeto interno bom forma o núcleo do ego e do mundo seu tratamento naquele ponto.
interno· do bebê, de modo que o bebê se sente defrontado com No dia seguinte, a paciente começou a sessão queixando-se
·a ansie~ade· de· que destrua todo seu mundo interno. de que minha sala de espera era muito fria. Pensou também,
O· bebê mais bem integrado, que pode lembrar e reter o pela primeira vez) que ela parecia muito escura e lúgubre, e de-
amor pelo objeto bom mesmo quando o está odiando, acha-se plorou a falta de cortinas. Depois dessas associações, relatou o

82 83
sonho. Disse que este era muito simples - havia sonhado ape-
nas com um mar de icehergs; eles se aproximavam em ondas Sra. A. parecesse triste simplesmente porque seu genro morrera
incessantes, de modo que não ;Se podia ver o mar, o próprio recentemente.
mar azul, mas apenas enormes .inontanhas brancas, que vinham Essas associações permitem uma melhor elucidação do so-
em grandes ondas, uma após ol!tra. No sonho, ela tinha agudo nho. Em primeiro lugar, deixam claro que o pedido financeiro
conhecimento de que esses icebergs eram realmente muito pro- da paciente feito a mim era inconscientemente experimentado
. fundos e de que as montanhas brancas e frias que ela via na por ela como um ataqne voraz, mordente e devorador a meus
superfície do mar, eram apenas um fragmento do gelo monta- seios. Além disso, ela torna claro que é seu sentimento de inca-
nhoso abaixo da superfície. Disse que, ao acordar, seu primeiro pacidade para me restaurar (sendo eu representada pela Sra.
pensamento fora de que estava J;om medo de que logo caísse A.), depois desse ataqne, que realmente faz surgir o sentimento
novamente nas garras da depresSão. Esse sonho, disse, mostrou, de depressão. Ela faz uma tentativa de reparação, oferecendo à
mais claramente do que qualquer outro anterior, como ela real- Sra. A. uma xícara de chá, mas sua reparação é recusada- a
mente sentia sua depressão - era como estar presa por esses Sra. A. prefere café. A partir de outro material da análise dessa
icebergs, que a enchiam de modo que nada sobrava de sua per- paciente, estava bastante claro para nós que ela sentia que a Sra.
sonalidade; ela própria era transformada num iceberg, sem que A. recusara sua xícara de chá porque ela, a paciente, era urna
lhes restasse quaisquer sentimentos ou qualquer calor. Em se- mulher. Ela queria uma xícara de chá de seu genro, que repre-
guida, associou aos icebergs um poema sobre navios antigos e sentava o irmão da paciente. Visto que a paciente não é um
abandonados, que pareciam cisnes adormecidos. Lembravam- homem, sente que não pode fazer reparação ao seio, e, nesse
lhe também o cabelo branco e ondulado de uma velha amiga, momento, seu desejo de fazer reparação e mesmo seu arrepen-
Sra. A., que sempre fora bondosa com ela, de quem recebera dimento desaparecem; a Sra. A. é percebida como sendo um
ajuda e que negligenciara, o que lhe causava muita culpa e perseguidor; é fria e desaprovadora. No sonho, esse elemento de
arrependimento.
perseguição é representado pelos seios-icebergs que têm dentes.
Após essas associações, interpretei que a sala de espera fria Depois do modo como a paciente sente que esvaziou e mordeu
era a mesma coisa que os frios icebergs de seu sonho; que ela o seio, ela agora experimenta o sentimento de um seio vazio,
devia sentir que seu pedido para pagar menos ou para nada pa- frio, morto e mordente, que a enche completamente e que des-
gar me tinham esgotado e empobrecido completamente - a trói seu próprio ego, o qual, no sonho, é o mar azul que ela não
sala de espera escura, lúgubre e sem cortinas - ; que, de fato-,. pode ver.
ela me tinha matado, de modo que eu me tornara algo como A experiência de depressão mobiliza no bebê o desejo de
um iceberg frio, enchendo-a de culpa e de perseguição. reparar seu objeto ou seus objetos destruídos. Anseia por com-
Ela então acrescentou mais algumas associações. Subita- pensar o dano que infligiu a eles em sua fantasia onipotente, por
mente, deu-se conta de que essas ondas selvagens tinham a forma restaurar e recuperar seus objetos amados perdidos, e por lhes
de seios; pensou que eram semelhantes a seios mortos ou con- dar de volta vida e integridade. Acreditando que seus próprios
gelados, bem como que as bordas recortadas se pareciam com ataques destrutivos foram responsáveis pela destruição do obje-
dentes. Além disso, contou-me que na noite anterior encontrara to, acredita também que seu próprio amor e seu próprio cuidado
a Sra. A. numa festa; quisera passar-lhe uma xícara de chá, mas podem desfazer os efeitos de sua agressividade. o conflito de-
a Sra. A. dissera "não, obrigada''; preferia café. Foi nesse mo- pressivo é uma luta constante entre a destrutividade do bebê e
mento que a paciente sentiu que experimentara pela primeira vez seu amor e impulsos reparadores. O fracasso na reparação leva
nesse dia uma ligeira premonição de depressão recorrente. Pa- ao desespero; seu sucesso, a esperança renovada. Adiante fala-
receu-lhe que a Sra. A. estava fria e com expressão desaprova- rei mais sobre as condições para a reparação. Aqui é suficiente
dera; confortou-se, porém, com o pensamento de que talvez a dizer que a resolução gradual de ansiedades depressivas e que a
84 recuperação de objetos bons, externa e internamente, podem ser

85
obtidas pela reparação feita pelo:l:Íebê, na realidade e na fantasia i[lício _da _p~s~ção._ . depre_~.~!ya. Quando ocorre regr~ssão a esses
onipotente> a seus objetos extembs e internos.
pÓntos priroifiv()s dojl~s_«nyQlViinento, perzlê-s.,_g_segh(f() de reà"
A posição depressiva mru;cã uma etapa crucial no desen- !idãd<c.,;:-õ:IiliJ.{y(d_~Q §"_t9rna psic6iico. Se a posição. depressiva
volvimento do bebê, e sua elabo_ração é acompanhada de uma foiãlcançada e, pelo menÕS, pãiêia1ínente élabo'raâà, as dificul-
radical alteração em sua visão da realidade. Quando o ego se dades ellcontradas no desenvolvimento postC:rior dâ .,"indiVíduo
torna mais integrado, quando os processos de projeção diminuem rtãO S~o-- dei ..iúitüieza- psicótica; mas Ck_ ú~tüteza ii_~ttrótiea::
e quando o bebê começa a perceber sua dependência de um
objeto externo e a ambivalência de seus próprios instintos e À medida que a posição depressiva é graduafm~ntê elabo-
objetivos, ele descobre sua própri~ realidade psíquica. O bebê rada, altera-se toda a relação com os -objetos. O bebê adquire a
se torna consciente de si mesmo·\~ de -seus objetos como sepa- cz.pacidade de amar e de respeitar as pessoas como indivíduos
rados dele. Ele se torna consciente de seus próprios impulsos e separados, diferenciados. Ele se torna capaz de reconhecer seus
fantasias, COIUeçando a distinguir fantasia de realidade externa. impulsos, de sentir responsabilidade por eles e de.!'?l_e!ar a culpa.
; O desenvolvimento de seu sentido de realidade psíquica está A nova capacidade de sentir preocupação por seus oofiilõf~aju­
inseparavelmente ligado a seu crescente sentido de realidade ex- da-o a aprender gradualmente a controlar seus impulsos.
terna, e ele começa a diferenciar- os dois. O caráter do superego muda. Os objetos ideais e pe~i­
O teste da realidade existe a partir do nascimento. A criança <!.'?.~-\Jl.!!Q.igJ;ªdQ.s.r,a,po.si>;ij_Q_J;§Jll!Í~o-p_~r.m:u?ide f~rmam.. as JÕi1-
"saboreia" suas experiências e as classifica como boas ou más. m.eiE?3.rai?.e.§ Q.Q_§JIPeJ.e.go. O objeto perseg\lidor é experimentado
Contudo na posição depressiva esse teste da realidade se torna éomo punitivo, de forma retaliativa e impiedosa. O objeto ideal,
mais estabelecido e significativo, e em mais estreita conexão com com o qual o ego anseia por identificar-se, se torna a parte ego-
a realidade psíquica. Quando o bebê se dá conta mais plenamen- ideal do superego) muitas vezes também perseguidora, por causa
te de seus próprios impulsos, bons e maus, eles são sentidos por das altas exigências de perfeição.
ele como onipotentes, mas a preocupação com seu objeto o faz À medida que os objetos ideal e perseguidor se aproximam
seguir mais de perto o impacto de seus impu.J.sos e ações sobre
na posição depressiva, o superego se toma mais integrado e é
esse objeto, e ele testa gradualmente o poder de seus impulsos
experimentado como um o~jeto interno total, ambivalentemente
e a elasticidade de seu objeto. Em circunstâncias favoráveis, o
reaparecimento da mãe após ausência, seu cuidado e atenção amado. Os danos a esse objeto dão otigem a sentimentos de
gradualmente modificam a crença do bebê na onipotência de culpa e de auto-reprovação. Nas fases primitivas da posição de-
seus impulsos destrutivos. O fracasso de sua reparação mágica pressiva~ o superego ainda é sentido como muito severo e per-

diminui do mesmo modo que sua crença na onipotência de seu seguidor (o iceberg com dentes no sonho da paciente intensa-
amor. Gradualmente, ele descobre os limites tanto de sen ódio mente deprimida), mas, à medida que se estabelece mais _plena-
quanto de seu amort e com o crescimento e o desenvolvimento mente a relação de objeto total, o superego perde alguns de seus
de seu ego descobre cada vez mais meios verdadeiros de afetar aspectos monstruosos e se aproxima mais da imagem de pais
a realidade externa. bons e amados. Tal superego não é apenas fonte de culpa, mas
Ao mesmo tempo, durante o desenvolvimento e a elabora- também objeto de amor, sentido pela criança como 'Ufll auxiliar
ção da posição depressiva, há um fortalecimento do ego pelo em sua luta contra seus impulsos destrutivos.
crescimento e pela assimilação de objetos b,ons, os quais são in- O sofrimento do luto experimentado na posição depressiva
trojetados no ego e também no superego.
e os impulsos reparadores desenvolvidos para restaurar os' obje-
Uma vez alcançada essa etapa do desenvolvimento, esta- tos amados, internos e externos, constituem a base_ dá qiatividade
beleceu-se a relação do bebê com a realidade. Q_ponto de fixa- e da sublimação. Essas atividades reparadoras são dirigidas tanto
ção da doença psicótica ~stá na posição esquizo,paranóidee no ao objeto quanto ao eu (self). Realizamcse em parte por preo-
86
87
cupação e culpa em relação ao objeto, pelo desejo de restaurá-
lo, preservá-lo· e dar-lhe vida etérna; e em parte no interesse Se a realidade psíquica é experimentada e diferenciada
da autopreservação, agora maiS. realisticamente orientada. O da realidade externa, o símbolo é diferenciado do objeto*;
anseio do bebê por recriar seus objetos perdidos fornece-lhe o é sentido como tendo sido criado pelo eu (self), e este
pode usá-lo livremente••.
impulso para recompor o que foFfeito em pedaços, para recons-
truir o que foi destruído, para recriar. Ao mesmo tempo, seu
Assim, na posição depressiva, muda todo o clima de pen-
desejo de poupar seus objetos leva-o a sublimar seus impulsos samento. É nessa ocasião que as capacidades de vincular e
quando são sentidos como destrutivos. Assim, sua preocupação abstrair se desenvolvem e formam a base da espécie de pensar
por seu objeto modifica seus objetiyos instintuais e produz uma que esperamos no ego maduro, em contraste com o pensar de-
inibição dos impulsos instintuais. :E;
à medida que o ego se torna sarticulado e concreto, característico da posição esquizo-pa-
mais organizado e que as projeções se. enfraquecem, a repressão ranóide.
toma o lugar da divisão (splitting). Os mecanismos psicóticos
gradualmente dão lugar aos ·mecanismos neuróticos, a inibição, A medida que o bebê passa por repetidas experiências de
repressão e deslocamento. iuto e reparação, perda e recuperação, seu ego se torna enrique-
Nesse ponto, pode-se ver a gênese da formação simbólica. A cido pelos objetos que ele teve de recriar dentro de si mesmo e
fim de poupaJ:Q !lQjcto, o_Q~J?§._e.m.parteliífue-seüslnstiiito.s e que se tornam parte dele. Sua confiança em sua capacidade de
eíii'pàrie'os destoca ou os substitui - o inici.o.. da formação reter ou recuperar objetos bons aumenta, bem como sua crença
simbólica. Os processos de sublimação e deformação simbólica em seu próprio amor e potencialidades.
estão estreitamente vinculados; ambos são produto de conflitos Gostaria de ilustrar vários aspectos da integração, que
e ansiedades pertinentes à posição depr~_ssiv~~ .ocorrem na posição depressiva~ com o material que se segue,
tomado da análise de uma menina de quatro anos de idade. As
Uma das maiores contribuições de Freud à psicolo- duas sessões, partes das quais quero descrever, ocorreram nas
gia foi a descoberta de que a sublimação é o produto de vésperas do feriado da Páscoa, que coincidia com o aniversário
uma bem sucedida renúncia a um çbjetívo instintual; gos- de Ann. Esse feriado era, em certos aspectos, especialmente
taria de sugerir aqui que essa bem .sucedida renúncia só traumático para Ann, pois, no feriado anterior, tinha havido uma
pode ocorrer através do processo de luto. A renúncia a um interrupção em seu tratamento mais longa do que de hábito. Ela
objetivo instintual, ou a um objeto, é uma repetição e ao experimentara primariamente esses dois feriados em termos de
mesmo tempo uma revivência (reliving) da renúncia ao fantasias de nascimento e de privações oraís primitivas.
seio. Poderá ser bem sucedida, como a primeira situação, Algum tempo antes da Páscoa, a paciente começou a vir às
se o objeto a que se renuncia puder ser assimilado no ego sessões trazendo uma almofada branca e macia contra o peíto e
pelo processo de perda e restauração interna. Sugiro que .,hupando o polegar. As sessões diziam respeito principalmente
esse objeto assimilado se toma um símbolo dentro do ego. -a sua dúvida sobre se sua mãe já a havia amentado ou se ela
Cada aspecto do objeto, cada sit!Jaç~.Q_::t,_q'o'!'.~".Jtrr.L.çl.e •
renunciar no processo de c"feSCiffiento, dá origem à fonna- * O que contrasta com a "equação simbólica" na qual o símbolo
Ção sií@P.lié1i ·. · · ··· · · · · · · · ····· ·· ·· · · ···· ····· ------- " .é equacionado com o objeto original, dando origem ao pensar concreto.
---·-Sob esse ponto de vista, a formaç~o sjJubólica é o Ver "Notes on Symbol Formation", International loumal of Psychoa-
.nalysis, 1957.
produto àe. uma .perda, tum tra])ª!h.o.cria.tiy.Q_g'le.._~!i.)!f)jye
o sofrimento e toqo·---o-- trabalho
- - .... __ do
_.,,_____ luto.
,- . ** H. Sega!. "A Psycboanalytic Contribution to Aesthetics",
Jniernatlonal Joumal of Psychoanalysis, 1952.
ela respondeu sem hesitação: "sete· horas". Quando perguntei
lhe dera mamadeira desde o início, conservando todo o seio para por quê, respondeu que era a Hhora de levantar". Não lhe era
si mesma. (Na verdade, Ann tinha sido alimentada com ma- permitido ir para o quarto de seus pais antes das sete horas da
madeira desde o nascimento.) Cerca de quinze dias antes do manhã.
feriado, ela teve um forte resfríado, sendo obrigada a faltar a Interpretei o relógio como representando principalmente
algumas sessões. Quando voltou, estava claro que ela sentia que seu sentido de realidade; ela sentia, essencialmente, que eu era
me matara e destruíra, sendo que eu representava a mãe má que a mãe com o seio redondo representado pelo relógio, e que ela
a privara do seio; seu resfriado foi sentido por ela como conten-· própria era o bebê. Interpretei também que meu feriado era sen-
do um seio mau e venenoso que a estav.a dan~ficando em reta- tido por ela como a longa noite durante a qual ela tinha de
liação. Tentou lidar com essa situação através~ de uma total in- ficar sozinha, enquanto eu ou a mãe - estava longe com o
versão. Quando voltou, após o resfriado, eu tinha de ser uma pai. Mas as sete horas representavam a hora de levantar, o que
criança doente na cama e ela a mãe que alimentava; mas, como representava sua esperança de voltar ao tratamento após o fe-
mãe que alimentava, ela me tratava mal, não me alimentando riado. Se ela possuía um relógio - um sentido de realidade - ,
quando eu estava com fome, deixando·me continuamente en-. isso significa que ela devia experimentar a longa noite - o
quanto ela ia "a um espetáculo~', e me cobrindo de presentes feriado - e controlar seus impulsos de interrompê-la; mas, por
que, supunha-se, eu realmente não queria, pois não eram subs- outro lado, era bom saber que eu voltaria e que ela me recupe-
titutos nem para sua presença nem para seu alimento. Ela se raria, assim como recuperava sua mãe todas as manhãs às sete
mostrava também extremamente controladora, e logo surgiu que horas.
ela tinha de me controlar porque sentia que, enquanto bebê Começou a sessão seguinte pondo-me novamente na cama,
dependente dela e sentindo-se privado por ela, eu só podia odiá- como uma menína doente, mas imediatamente pediu-me para
la. Apesar de desempenhar o papel de mãe, ela chupava freqüen- me levantar e fazer outro relógio. Pediu-me que o pintasse de
temente o polegar e se apegava ao travesseiro, que levava consi- azul claro e que colocasse um barbante. Perguntou-me também
go até mesmo quando ia '"a um espetáculo''. Fui capaz de mos- se ela podería levá-lo para casa. Na sessão anterior, eu não me
trar-lhe que ela se identificava com uma mãe- que ela invejava ocupara do significado do barbante; agora, interpretei seu dese-
- porque a mãe tinha todo o seio para si e podia desfrutar dele jo de tomar dentro de si mesrila um seio representado por todo
em todos os momentos; mo_strei-lhe também como - a despeito o tratamento que ela sentia que tinha tido, e interpretei o bar-
de sua posse do seio, a qual a capacitava a me empurrar para a bante como seu desejo de manter-se com contacto comígo atra-
posição de bebê que sofria privação - ela ainda se sentia bas- vés dessa internalização boa. A paciente, então, pediu-me que
tante infantil, visto que só podia usar o seio como um bebê o fizesse outro relógio exatamente igual) mas para pintá-lo de
usaria, sugando-o e desfrutando dele. amarelo e para não colocar barbante nele. Em seguida, contem-
Ela se defendia contra a ansiedade depressiva, devida à se- plou ambos os relógios por longo tempo. Qnando lhe assinalei
paração próxima e a seu ataque ao seio interno, por inversão e a semelhança entre os dois e a diferença de cor, ela disse que
por identificação projetiva. Projetava em mim sua própria parte eram dois "seios iguais>), mas "cheios de outra coisa~'. Um esta-
de bebê, ao passo que se identificava magicamente comigo - a va cheio de "coloridos" e o outro de "xixi". (Divisão [spÍitting].)
mãe - por introjeção. Isso durou vários dias, até que, quatro Como antes, quando me pusera de cama, ela havia derra-
dias antes do feriado, no fim de uma sessão, me pediu que lhe mado um copo de água no divã, interpretei que um relógio era
fizesse um relógio redondo. Era a pdmeira veZ, desde seu res- o seio da mamãe cheio de leite, ao passo que o outro era o seio
friado~ que ela, de alguma forma,- admitia que eu era uma pessoa da mamãe quando sentia que raivosamente o enchera de xixi.
"grande" e procurava minha ajuda. Quando fiz um relógio de Disse também que ela não queria barbante no relógio amarelo
papel, pediu-me que amarrasse nele um barbante .comprido. porque não queria tomar dentro de si o seio mau cheio de
Perguntei-lhe que horas os poriteirüs deviam estar 'marcarido e
91
90
~'xixi'). Então, com um sorriso tra~esso, ela exibiu o relógio que bém em termos de oposição eutre objeto parcial e objeto total,
eu tinha feito no dia anterior e mostrou-me .que tinha cortado preparando o terreno para o complexo de :fldipo. Em concomi-
nele grandes buracos com uma tesoura. Agora, portanto, havia, tância com essa situação, e em dependência dela, a criança
;três seios: um bom, cheio de leite;. um mau, cheio de xixi; e um percebeu sua própria ambivalência e suas fantasias onipotentes.
intermediário, que fora bom na yéspera, mas que, como me Contudo, ao mesmo tempo, sua crença na onipotência des~as.
mostrava, ela própria cortara e, portanto, estragara. Interpre- fantasias foi modificada através do teste da realidade, que a ca~
tei para ela que uma outra razão, pela qual ela não queria o pacitou a preservar realisticamente a idéia de mim como uma
.barbante amarrado ao seio mau amarelo, era que ela não queria pessoa que iria embora de férias e que voltaria inalterada na'
ver o vínculo entre suas próprias :gividades raivosas - morde~; hora marcada .
.e urinar com raiva - e o seio que se .tOrnava mau. Ela então A posição depressiva nuuca é plenamente elaborada. Sem-
pegou o relógio azul e o amarelo, ligou-os com o barbante e pre estão conosco as ansiedades relativas a ambivalência e a
pendurou-os nos puxadores das duas pequenas gavetas supe- culpa, bem como as situações de perda, que reavivam experiên-
;
riores da cômoda, e contemplon-os com grande satisfação. In- cias depressivas. Os objetos externos bons na vida adulta sempre
terpretei que o seio bom e o mau se tinham tornado integrados simbolizam e contêm aspectos do objeto bom primário, interno
através de sua descoberta de sua própria ambivalência. Nesse e externo, de modo que qualquer perda na vida posterior reaviva
momento, tornou-se interessada pela gaveta mais baixa da cô- a ansiedade de perder o objeto interno bom e, com essa ansieda-
moda, experimentou uma chave na fechadura e disse o seguinte: de, todas as ansiedades experimentadas originalmente na posi-
"Esta não pode ser minha, não é?" Interpretei que agora as ção depressiva. Se o bebê foi capaz de estabelecer um objeto
gavetas de cima representavam os seios da mamãe e a gaveta de interno bom relativamente seguro na posição depressiva, situa-
baixo o órgão genital da mamãe, o qual ela sentia que não podia ções de ansiedade depressiva uão levarão a doença, mas a uma.
ter porque era de papai e somente a chave dele - o pênis - ,elaboração frutífera, levando assim a maior enriquecimento e•
sel\lia nele. Disse~lhe que via em mim não apenas um seio, bom criatividade.
ou mau, mas_ também uma pessoa total, cujos seios pareciam Quando a posição depressiva não foi suficientemente ela-
bons ou maus de acordo com o que ela sentia em relação a mim borada, quando não foi firmemente estabelecida a crença no
.e com o que ela pensava que me fazia. Ela me via como uma amor e na criatividade do ego, bem como em sua capacidade de
pessoa com um corpo inteiro e uma relação genital com o papai, recuperar objetos bons interna e externamente, o desenvolvi-·
à qual ela não tinha acesso. mento é muito menos favorável. O ego é espreitado por cons-
O que chama atenção nesse material é o modo como os tante ansiedade de perda total das situações internas boas, é·
vários aspectos de integração estavam em tão estreita conexão, empobrecido e enfraquecido, sna relação com a realidade pode
e o modo como essa integração se acompanhava de progresso ser tênue, e há um terror perpétuo e algumas vezes uma verda--
em seu sentido de realidade. A interpretação de sua identifica- deira ameaça de regressão à psicose .
.ção projetiva capacitou a criança a recuperar sua própria parte
de bebê que sofria privação. Tornando-se novamente um bebê,
ela reexperimentou a divisão (splitting) do seio (o relógio ama-
relo e o azul). Minha interpretação da divisão (splitting) fez
com que ela se desse conta de sua própria agressividade, e o
.seio se tornou integrado (os três relógios ligaàos pelo barbante),
Imediatamente após a integração do seio bom e do seio mau, a
1·elação de objeto parcial tornou-se uma relação de objeto total,
não apenas em termos de oposição entre bom e mau, mas tam-

92 93'·
~:xixi". Então, com um sorriso traV_esso, ela exibiu o relógio que bém em termos de oposição entre objeto parcial e objeto total,
-eu tinha feito no dia anterior e ní.ostrou-me que tinha cortado preparando o terreno para o complexo de Édipo. Em concomi-
nele grandes buracos com uma teSoura. Agora, portanto, havia, tância com essa situação, e em dependência dela, a criança
três seios·: um bom, cheio de leite;.•um mau, cheio de xixi; e um percebeu sua própria ambivalência e suas fantasias onipotentes.
intermediário, que fora bom na yéspera, mas que, corno me Contudo, ao mesmo tempo, sua crença na onipotência desfas.
mostrava., ela própria cortara e, portanto, estragara. Interpre- fantasias foi modificada através do teste da realidade, que a ca-
tei para ela que uma outra razão, pela qual ela não queria o pacitou a preservar realisticamente a idéia de mim como uma
.barbante amarrado ao seio mau aro~relo, era que ela não queria pessoa que iria embora de férias e que voltaria inalterada na·
ver o vínculo entre suas próprias ~tividades raivosas - morder hora marcada.
.e urinar com raiva - e o seio que se. tOmava mau. Ela então A posição depressiva nunca é plenamente elaborada. Sem-·
pegou o relógio azul e o amarelo, ligou-os com o barbante e pre estão conosco as ansiedades relativas a ambivalência e a
pendurou-os nos puxadores das duas pequenas gavetas supe- culpa, bem como as situações de perda, que reavivam experiên-
riores da cômoda, e contemplou-os com grande satisfação. In- cias depressivas. Os objetos externos bons na vida adulta sempre
terpretei que o seio bom e o mau se tinham tornado íntegrados simbolizam e contêm aspectos do objeto bom primário, interno
através de sua descoberta de sua própria ambivalência. Nesse e externo, de modo que qualquer perda na vida posterior reaviva
momento, tornou-se interessada pela gaveta mais baixa da cô- a ansiedade de perder o objeto íntemo bom e, com essa ansieda-
moda, experimentou uma chave na fechadura e disse o seguinte: de, todas as ansiedades experimentadas origínalrnente na posi-
"Esta não pode ser minha, não é?" Interpretei que agora as ção depressiva. Se o bebê foi capaz de estabelecer um objeto
gavetas de cima representavam os seios da mamãe e a gaveta de interno bom relativamente seguro na posição depressiva, situa-
baixo o órgão genital da mamãe, o qual ela sentia que não podia ções de ansiedade depressiva não levarão a doença, mas a uma
ter porque era de papai e somente a chave dele - o pênis - ,elaboração frutífera, levando assim a maior emiquecimento e'
servia nele. Disse-lhe que via em mim não apenas um seio, bom criatividade.
ou mau, mas também uma pessoa total, cujos seios pareciam Quando a posição depressiva não foi suficientemente ela-
bons ou maus de acordo com o que ela sentia em relação a mim borada, quando não foi firmemente estabelecida a crença no
.e com o que ela pensava que me fazia. Ela me via como mna amor e na criatividade do ego, bem como em sua capacidade de
pessoa com um corpo inteiro e uma relação genital com o papai, recuperar objetos bons interna e externamente, o desenvolvi-·
à qual ela não tínha acesso. mento é muito menos favorável. O ego é espreitado por cons--
O que chama atenção nesse material é o modo como os tante ansiedade de perda total das situações internas boas, é
vários aspectos de integração estavam em tão estreita conexão, empobrecido e enfraquecido, sua relação com a realidade pode
e o modo como essa integração se acompanhava de progresso ser tênue, e há um terror perpétuo e algumas vezes uma verda-·
em seu sentido de realidade. A ínterpretação de sua identifica- deira ameaça de ·regressão à psicose.
ção projetiva capacitou a criança a recuperar sua própria parte
de bebê que sofria privação. Tornando-se novamente um bebê,
ela reexperimentou a divisão (splitting) do seio (o relógio ama-
relo e o azul). Mínha interpretação da divisão (splittíng) fez
·COm que ela se desse conta de sua própria agressividade, e o
seio se tornou integrado (os três relógios ligaàos pelo barbante),
Imediatamente após a integração do seio bom e do seio mau~ a
relação de objeto parcial tornou-se uma relação de objeto total,
não apenas em termos de oposição entre bom e mau, mas tam-

92 93:
BIBLIOGRAFIA
I Capitulo VII

J\.1ELANIE KLBlN: "Contribution to the Psycho-genesis of Manic-Depres- DEFESAS MANíACAS


sive Stites", Contributions to Psycllo-analysis, p. 282, Melanie Klein.
'"Mourning and its Relationship to Manic-Depressive States",
Contributions to Psycho-analysis, p.. 311, Melanie Kleín. lnt. J.
São intoleráveis as experiências de depressão recorrente e, mes-
Psycho-Anal., vol. 21 (1940).
"A Contribution to the Theory of Anxiety and Guilf', Det~e- mo, desespero com que o bebê se defronta quando sente que
lopments in Psycho-analysis (Capítulo 8)~ Melanie Klein e outros. arruinou completa e irremediavelmente sua mãe e o seio dela;
Int. ]. Psycho-Anal., vol. 29 (1948.). o ego usa todas as defesas à sua disposição contra esse estado.
''Some Theoretical Conclusionf regaÇ.ding the Emotional Life Essas defesas" pertencem a duas categorias - reparax~9..e.. ,je-
of the Infant", Developments in Psytlw..analysis (Capítulo 6), fesrrs·-mâillacas. Quando -se-·pode ••lidât''com as ansiedades de·
Melanie Klein e outros. pressivas· através da mobilização de desejos reparadores, elas
HANNA SEGAL: "Notes on Symbol Formation'', lnt. l. Psycho-Anal.,
levam a um maior crescimento do ego.
vo!. 38 (1957).
"A Psychoanalytic Contribution to Aesthetics''. lnt. 1~ Psycho· Isso não quer dizer que o aparecimento de defesas manía-
Anal. (1952), New Directions in Psycltoanatysls (Capítulo 16). cas seja em si mesmo um fenômeno patológíco; elas têm um
importante e positivo papel a desempenhar no desenvolvimento.
A resolução da depressão pela reparação é um processo lento,
e faz-se necessário muito tempo para que o- ego adquira suficien-
te força para sentir confiança em suas capacidades reparadoras.
O sofrimento, muitas vezes, só pode ser sup~rado pelas defesas
maníacas, as quais protegem o ego do desespero total; quando
-o sofrimento e a ameaça diminuem, as defesas maníacas podem
gradualmente dar lugar à reparação. Contudo, quando as defesas
maníacas são excessívamente fortes, estabelecem-se círculos v:i-
ciosos e formam--se pontos de fixação, que interferem no desen-
volvimento futuro;
A organização de defesas maníacas na posição depressiva
-inclui mecanismos que já estavam em evidência na posição es-
quizo-paranóide: divisão (splitting), idealização, identificação
projetiva, negação, etc. O que distingue o uso posterior dessas
defesas é que elas são altamente organizadas, de acordo com o
estado de maior integração do ego, sendo também especifica-
mente dirigidas contra a experiência de ansiedade depressiva e
culpa. Essa experiência depende do fato de o ego ter lilcançado
uma nova relação com a realidade. O bebê descobre sua depen-
dência de sua mãe, seu sentido de valorizá-Ia e, juntamente com

* No próximo capítulo discutiremos se a reparação deve ser


considerada um mecanismo de defe$:a.

95
'94
se o ataque é fortemente determinado por inveja. Em segundo
essa dependência, descobre sua ambivalência e experimenta in- lugar, Q sentimento de triunfo é. aumentado como parte das de-
tensos sentimentos de medo :_de perda, lnto, anseio e culpa em fesas maníacas porque mantém afastados aqUeles sentimentos
sua relação com esse objeto,·· externo e interno. depreSsivoS que, caso contrário_, surgiriam, tais- comO ansiar pelO
É contra toda essa expeiiência que a organização da defesa objeto, desejá-lo e sentir falta dele. () <le?prezo _p~lo objet0é
maníaca se dirige. Visto que ~ posição depressiva está vinculada novamente uma negação do fato de và\oi:iiá;lo, tão importante
à experiência de dependência do objeto, as defesas serão dirigi- riá poSiÇão- depressiva, e age como_defesa _contra _-á'.'eXperl"êííCia
das contra quaisquer sentimentos de dependência, os quais serão "de-perda e dê ·culpa. O objeto de desprezo não é objeto digno de
obviados, negados ou invertidos. Visto que as ansiedades depres- éulpa, e o desprezo experimentado em relação a esse. objeto
sivas estão vinculadas à ambivalência, o bebê se defenderá con- 'se torna uma justificação para outros ataques contra-ele.
tra a ambivalência por uma renovaÇão da divisão (splítting) do Gostaria de ilustrar o funcionamento das defesas maníacas
objeto e do ego. E, visto que a experiência depressiva está vin- contra a experiência de dependência e ameaça de perda com
culada a uma tomada ·de conhecimento de um mundo interno, material apresentado por um paciente pouco antes das férias
que contém mn objeto interno altamente valorizado que pode ser analíticas. Esse paciente se mostrava temeroso de que eu ter-
danificado pelos próprios impulsos, as defesas maníacas serão minasse seu tratamento prematurall!ente e de que as férias fossem
usadas contra qualquer experiência de ter um mundo interno ou um prelúdio desse término. Em suas associações, referia-se fre-
de conter nele quaisquer objetos valorizados, bem como contra qüentemente a sua história -de alimentação insatisfatória e ao
qualquer aspecto da relação entre o eu (self) e o objeto que fato de que sua mãe o amamentqra ao seio somente por um ou
ameace conter dependência, ambivalência e culpa. dois dias. Defendia-se contra sua ansiedade através de defesas
Tecnicamente, as defesas maníacas são de importância fun- maníacas. Homem de negócios de meia idade, era em geral bem
damental, já que se dirigem primariamente contra a experiência sucedido neles; nessa época, conseguira fazer vários negócios
da realidade psíquica, on seja, contra todo o objetivo do pro- particularmente bons. Tinha fantasias de se aposentar e de viver
cesso analítico, na medida em que esse objetivo é trazer com- no estrangeiro, onde eu o visitaria durante as férias e seria geA
preensão interna (insight) e plena experiência da realidade psí- nerosamente acolhida. Logo depois de mencionar essa fantasia,
quica. A negação da realidade psíquica pode ser mantida pelo relatou o sonho que se segue.
redespertar e pelo reforço da onipotência e, principalmente, do Ia a um bar e no caminho encontrou a Srta. X, com quem
controle onipotente do objeto. tivera um breve caso amoroso vários anos antes. A Srta. X pa-
b,relaçã0 _1llaníaca com objetos écaracterizada por uma recia muito maltratada e fracassada) e mostrava-se obviamente
ti:íad.e. dumt)1ll'êfl_t()S ~ ponirole, triunfo e· aesprez(j .. Esse~ ~"11~ desejosa de renovar sua relação com ele. Sentiu-se embaraçado,
timentos estão __ diretamenié- rélacicillac}os _CoJl!_:·sentimento_s_ <:J.e- com uma leve culpa, e ligeiramente tentado; teve uma espécie de
pres~lY9Eêie y~IQ_{i~~':_Q__ ()}j~to e ~.e ge.QçndeL<leJe, bem como_ c-Ompulsivo sentimento sexual que ele geralmente experimenta-
de medo de perder e culpa, sendo também defensivos contra va em relação a mulheres que achava muito infelizes ou sem
el~s- Q controle.{um modo de negar a dependência, .de não qualquer atrativo.
f~con!lecê:fâ e~-.éo:Íltuctq;. de cqmpeljr O objeto. a pre~J?Cher Uiha Sua associação levou-o de volta primeiramente a sua juven-
n~Çts~i_dade de ..dSJpem!ência, visto que um objeto, que. é tqtal- tude. Era então subgerente de uma cadeia de lojas, ró.uito seguro
ffiente controlado, é, at~- cefto'ponto, Ulll objetq_eom_ o_ q11àf ·se de si e feliz por dirigir pessoas, em especial moças, e desfrutava
pode contar. Otriunfo. é uma negação dos .se.ntimentos depiés~ de !::Cntimento de poder; muito promíscuo, sentia que as vende-
sivos de_ valoiizaf e de se iiriPOft_ar; vin_c~l~-se _à ollipotenciii ·_e doras eram vítimas naturais dos jovens administradores. A Srta.
ápresenta dois importantes aspectos. ljrrí está em conexão. com X trabalhava no departamento de laticínios e ele achava as mo-
o ataque primário feito ao objeto na posição depressiva e com ças desse departamento especialmente atraentes. Usavam um
o triunfo experimentado em derrotar esse objeto, em. e_spe_c:~l 97
96
bonito uniforme no qual pareciam muito puras e proibidas; da- extensão de sna dependência, ambivalência e perda. Lida com
va-lhe especial sentimento de ·triunfo conseguir levá-las para a isso fantasiando que, na pessoa de sna prima - o protótipo de
cama. Lembrava tudo isso cot}:l grande desconforto e ansiedade, todos os seus objetos sexuais posteriores - , ele possni o seio.
pois seu comportamento sexuàl se alterara completamente du- Ele nega completamente o amor, a dependência e a culpa, com
rante a análise, e ele se critica,v-a por seu passado promíscuo. A os quais lida através da desvalorização e da divisão (splitting).
Srta. X o fazia particularmente culpado, já que a tratara de A prima é dividida (split) em várias namoradas sem importân-
modo muito pior do que à maioria das moças. Domira com ela cia, as quais pode possuir e das quais pode descartar-se à von-
apenas uma ou duas vezes e se descartara dela.
tade.
Interpretei qne as moças que trabalhavam no departamen- O triunfo, enquanto característica principal de um sistema
to de laticínios representavam~~-· mãe que amamentava ao seio, de defesas maníacas, é mostrado no material que se segue, apre-
que o alimentara apenas uma· ou dttas vezes; e interpretei seu sentado por outro paciente que também era uma personalidade
relacionamento com a Srta. X como sua retaliação em relação maníaca típica.
a sua mãe. Como o bar do sonho era o bar da esquina da rua Logo no início de sua análise relatou dois sonhos. No pri-
onde eu morava, interpretei que a Srta. X,· na transferência, meiro, achava-se em algum lugar de um deserto, olhando pessoas
também era eu mesma, e estabeleci uma ligação entre o sonho armadas com facas de açougueiro que cortavam e comiam carne.
e a fantasia do paciente de me encontrar e receber no estran- Embora não pudesse ver exatamente o que estavam comendo,
geiro. Por trás do desejo de me acolher generosamente estava viu muitos cadáveres espalhados em redor e suspeitou de que- na
o desejo tanto de inverter a situação de dependência - eu me verdade estivessem comendo carne humana. No segundo sonho,
tornar pobre e desfavorecida, e desejar renovar meu conheci- na mesma noite, achava-se sentado, no escritório, à mesa do
mento com ele - quanto de obter vingança. O paciente riu patrão. Sentia-se diferente - grande, gordo e pesado, como se
subitamente e disse que percebia por que a Srta. X estava asso- tivesse feito uma grande refeição.
ciada em sua mente à Srta. Y, outra moça com quem também O paciente estabeleceu um elo entre os dois sonhos e se
tivera, em outro período de sua vida, uni breve caso amoroso. deu conta de que devia ser ele mesmo quem comia carne huma-
Diferentemente de outras namoradas suas, que geralmente eram na. Devia ter comido seu patrão, que representava seu pai, e
altas e atraentes, essas duas eram bem pequenas e de seios enor- assim· chegara a sentar-se na cadeira do patrão, sentindo-se tão
mes, combinação que as fazia parecer quase ridieulas. Pensou estranhamente grande e pesado. Esses sonhos ilustram o que
que para ele talvez não fossem nada além de uma vagina ligada Freud quis dizer com "festa maníaca". O objeto é devorado e
a seios.
faz-se a identificação com ele, sem que sejam experimentadas
Pensou então que o fato de elas serem tão pequenas devia nem perda nem culpa. No primeiro sonho, o paciente lidou cla-
significar que representavam uma prima, muitos anos mais nova ramente com a culpa através da projeção.
do que ele, com a qual tivera brincadeiras sexuais na infância. Alguns dias depois, o paciente relatou um sonho que ilustra
Interpretei que, em su~ fantasia> ele atribuía o seio de sua mãe tanto as defesas maníacas quanto a situação depressiva subja-
à menina, de modo a se proteger contra uma experiência de de- cente. Para a compreensão desse sonho é importante saber que
pendência, com a ameaça de perda que esta implicava. Se atri- esse paciente tivera uma infânca primitiva muito infrliz. Com
buísse os seios à menina, poderia possuí-los, controlá-los, puni- .dezoito meses de idade, sua mãe o trouxera do Continente, onde
los, triunfar sobre eles, e seria capaz de usá-los sem nunca ter o pai ficou, para Londres. Havia amplo material em sua análise
de experimentar sua dependência deles. para mostrar que ele experimentou essa separação como a morte
Pode-se ver nesse material o modo como as defesas manía- de seu pai. Logo que chegaram em Londres, sua mãe teve de
cas do paciente protegem-no contra a depressão. Ele se defronta "internar-se em um hospital, de modo que em pOuco tempo o
com a perspectiva de separação, na qual podia. experimentar a paciente se defrontou com a perda do pai e da mãe.
98 99
Antes de relatar o sonho, eomeçou .a rir e teve a maior difi- 0 paciente estabeleceu conexão entre o macaco e eu, e
culdade para controlar sufícieptemente o riso de modo que pu-
entre o gatinho (kitten)* e sua namorada, chamada Kitty, a
desse contar seu sonho. Disse:_que tinha tido um sonho tão ter-
qual muitas vezes competia con;igo dando-lhe suas próprias
rivelmente engraçado durante: a noite, que ria no sonho, ria ao
interpretações. Quando me assOCIOU com o macaco, sentiu-se
acordar e ria agora quando peÚ-sava nele. O sonho era o seguin~.
obviamente embaraçado e assegurou~me, de modo condescen-
te: ele se achava numa barbearia. Na cadeira do barbeiro, estava dente, que o fato de ele me representar pelo macaco não consti-
sentado um homem chamado Íoe, sendo barbeado por um ma-
tuía um ataque a mim, já que se tratava de um macaquinho
caco. O macaco era de cor muito escura e usava óculos - ex-
realmente muito simpático.
tremamente engraçado. O paciente se sentia muito bem disposto
A fila na barbearia e as queixas foram associadas em sua
em relação ao macaco: "era um encanto de macaquinho". No
mente com as comparações que sempre fazia entre, de um lado,
entanto, disse ao macaco que em -.Casa tinha um gatiriho que
a análise fácil e rápida, que segundo ele era praticada no Con-
podia fazer a barba muito melhor. Temia que tivesse ferido os
tinente, e, de outro, as enormes lístas de espera e o longo tra-
sentimentos do macaco, e se sentiu pesaroso, pois era muito sim- balho de análise na Inglaterra. Subitamente, interrompeu-se; na
pático, e ele não tinha a intenção de ser desagradável. Numa par-
noite anterior, saíra para um passeio no East End** e ouvira
te posterior do sonho, entrou na saia de espera do barbeiro e sereias à distância; sempre que ouvia sereias, ficava terrivelmen-
viu uma longa fila, na qual dois homens se .queixavam em voz te triste e comovido - não sabia por quê.
alta, dizendo que os barbeiros deste país não eram nem de longe
Apresentei as principais associações com o sonho sem qual-
tão bons quanto os do Continente. Dlziam que na Europa não quer tentativa de mostrar a interação entre as associações do pa-
havia filas e que se trabalhava mais rápido. ciente ~ os comentários da analista. O material é apresentado
As primeiras associações do paciente diziam respeito aos para mostrar as principais ansiedades expressas e os mecanismos
dois homens que se queixavam. Um era autor de comédias e es- de defesa usados. A situação subjacente era que papai J oe mor-
crevia farsas terrivelmente engraçadas; nesse ponto, o paciente rera e toda a graça, toda a comicidade do sonho se prendiam a
interrompeu-se para rir novamente, lembrando-se dessas farsas essa situação. A barbearia representava uma situação interna na
engraçadas. O escritor sofria de depressões periódicas bastante qual o paciente sentia que continha um pai morto, que ele ne-
intensas~ mas isso não tinha muita importância porque quando gligenciara e abandonara. A análise era o processo pelo qual
ocorriam ele fazia um pouco de E.C.T. ( eletroconvulsoterapia), eu, o pai externo, tentava trazer o pai internq morto e o mundo
e então ficava logo bom. O outro homem que se queixava era um interno do paciente de volta à vida. Essa análise era ridiculari-
círurgião, um ginecologista contra quem o paciente fora preve- zada no sonho - era uma piada ridícula tentar trazer à vida,
nido por um amigo, que o descrevera como "um verdadeiro fazendo-lhe a barba, um homem morto. A analista era repre-
açougueiro". O próprio paciente estabeleceu um vínculo entre sentada por um macaquinho ridículo, que tentava reviver mn
essa associação e o sonho anterior, em que havia pessoas com homem fazendo-lhe a barb.a) e mesmo nessa fútil ocupação era
facas de açougueiro. inferior ao gatinho. Toda a situação de depressão e culpa em
Papai Joe era um amigo da familía que, depois que chega- relação ao objeto interno morto era completamente negada;
assim como era também negada a dependência do paciente em
ram do Continente, quando da doença da mãe, tomara conta do
relação ao pai-analista externo. Essa dependência era de fato
paciente dUrante algum tempo. Papai Joe morrera e o paciente
disse que sempre se sentira um pouco culpado. porque~ embora
esse homem tivesse tomado conta dele muito bem e com bonda- ~, Kitty, diminutivo de Catherine, significa também, assim como
de, nunca se mantivera em conta.Q,to com ele ou o visitara depois kitten, gatinho. (N. do T.)
de crescer, quando papai Joe já estava velho e doente.
"' Setor de Londres perto do porto. (N. do T.)
100

~q. J-675
enorme, de uma vez que era de· sua analista que o paciente de- pai adoecera de repente e fora internado num hospital para uma
pendia para se salvar de sua ·desesperada situação interna. O operação à qual o paciente temia que ele não sobrevivesse. Tor-
paciente, fazendo o macaco s:;t-pequeno, ridículo e ciumento do nou-se bastante claro que a piada do sonho era uma piada sobre
gatinho, negava e invertia essa situação de dependência. a morte de seu pai, sendo todo o sonho um modo maníaco de
A primeira parte do sonho' mostra a negação do amor, luto lidar com a depressão e a ansiedade subjacentes.
e culpa em relação à figura interna, e da dependência em relação Esse sonho ilustra alguns dos perigos envolvidos nas defe-
à figura externa. Na parte seguinte do sonho, relacionada com a sas maníacas. A integração que o paciente obviamente alcançou
fila, estão representadas outras defesas, em especial divisão na posição depressiva fora rompida pela divisão (splitting) de
(splitting) e identificação projetiya. Os dois homens que se quei- seu objeto e de seu ego. Mecanismos projetivos empobreceram-
xavam representam partes expélídas (split-off) e projetadas da no. A relação de objeto total estava ameaçada, a figura do "ma-
própria personalidade do paciente. O cirurgião açougueiro repre- caco" era inumana uma regressão parcial à relação de objeto
parciaL A fim de manter a negação de sua ansiedade depressiva
.. senta os impulsos assassinos do paciente em relação a seu pai,
o que tinha ficado claro nos sonhos anteriores; além disso, sendo
ele ginecologista, introduz as ansiedades do paciente em relação
e de sua culpa, ele também tinha .de negar sua preocupação com
o objeto, e isso levava a uma renovação do ataque ao objeto;
a sua mãe, que apareceram em primeiro plano em sessões poste- triunfava sobre seu pai e atacava-o novamente com desprezá-lo
riores. O segundo homem, associado com o escritor cômico, re- e ridicularizâ-Io.
presenta a profunda depressão do paciente, bem como suas ne- Esse material mostra como a constante necessidade de reno-
gações maníacas. De fato, o paciente achava seu sonho tão en- var o ataque ao objeto original de amor e depeudência coloca em
graçado quanto as farsas do escritor. Ambas as partes de sua movimento o círculo vicioso tão característico das defesas ma-
personalidade, a que odeia e a deprimida, são projetadas e ex- níacas. !':'a posição ci<'pres~!va, o_objeto é originalmente a~acado
pelidas (split off) uma da outra; mesmo na forma projetada, o ~e f()rma _aJilbivalent~_. QUando, riessá SibiaÇ·ã~o_.._-_:ÇülP.ª ·-e perâa
paciente não pode permitir um vínculo entre o ódio e o assassí- não podêrrí serstil'9ttadaS;ã15ttêfêsasJilãii1àcas. entram êm.iinã.
nio do pai, e a depressão resultante. Também a depressão do O objeto então é tratado côm desprezo, _contr~,]e e triupfo. As
escritor é negada - ele fica "inteiramente bom". Contudo) na atividades reparadoras não podem ser levadas a efeito, e os ata-
última parte do sonho, a negação se enfraquece, visto que os ques sempre renovados aumentam tanto a destruição do objeto
homens se queixam de ter de esperar: por trás da denegração, quanto sua retaliação vingativa, aprofundando assim as ansieda-
dos ataques e da crítica, há uma admissão parcial da dependên- des depressivas e tornando a situação depressiva subjacente cada
cia do paciente, sua raiva por ter de esperar pela análise entre vez mais sem esperança e perseguidora.
uma sessão e outra, e seu persistente ressentimento por ter tido de Por vezes, alguma preocupação com o objeto pode ser par-
esperar por uma vaga. Foi enquanto fazia suas associações com cialmente preservada, e mecanismos maníacos podem ser usados
essa parte do sonho que subitamente o paciente se lembrou de de modo reparador, apresentando a reparação maníaca um pro-
ter ouvido sereias. Quando o conteúdo depressivo do sonho e as blema próprio muito especial.
defesas maníacas foram interpretados, seu estado de espírito mu-
dou completamente - ele se lembrou do som das sereias e as •
associou com as sereias que deve ter ouvido durante sua primeira
viagem e com a separação de seu pai, a qual foi experimentada
por ele como morte. Foi então que notou no sonho as referências
ao Continente.
No-fim da sessão, lembrou-se subitamente de que não reJa-
tara que na noite anterior - ou seja, na noite do sonho - seu
102 103
BIBL!OC,RAFIA
Capítulo VIII
JOAN RrVIERE: "A Contribution to ijle Analysis cf the Negative Thera-
peutic Reactlon", lm. J. Psyclw-Anal., voL 17 (1936). REPARAÇÃO
"Magica1 Regeneration by pancing", lnt. l. Psycho-Anal., voL
11 (1930). .
H. ROSENFELD: ''On Drug Addictión", lnt. J. Psycho-Anal., vol., 41 Quando o bebê entra na posição depressiva e se defronta com
(1960).
o sentimento de ter destruído onipotentemente sua mãe, sua
culpa e desespero por tê-la perdido despertam nele o desejo
de restaurá-la e recriá-la, a fim de recuperá-la externa e inter-
namente. Os mesmos desejos reparadores surgem em re!ação a
outros objetos amados, externos e internos. Os impulsos repa-
radores ocasionam um maior avanço na integração. O amor é
colocado mais nitidamente em conflito com o ódio, e age tanto
no controle da destrutividade quanto na reparação e na restau-
ração do dano causado. O desejo e a capacidade de restauração
do objeto bom, interno e externo, são a base da capacidade do
ego de manter o amor e as relações através de conflitos e difi-
culdades. São também a base para atividades criativas, que estão
enraizadas no desejo do bebê de restaurar e recriar sua feliciR
dade perdida, seus objetos internos perdidos e a harmonia de
seu mundo interno.
As fantasias e atividades reparadoras resolvem as ansieda-
des da posição depressiva. A aguda intensidade da ansiedade
depressiva é mitigada pelas repetidas experiências de perda e
recuperação do objeto. O reaparecimento da mãe, após ausên-
cias, as quais são sentidas como morte, e o contínuo amor e
cuidado que o bebê recebe de seu ambiente, fazem com que ele
se dê mais conta da elasticidade de seus objetos externos e se
torne menos temeroso dos efeitos onipotentes dos ataques que
faz a eles em. suas fantasias. Seu próprio crescimento e as res-
taurações que efetua em relação a seus objetos, trazem maior
confiança em seu próprio amor, sua própria capacidade de res-

.. taurar seu objeto lntemo e de retê-lo como bom, mcl'smo face


a privação por objetos externos. Isso~ por sua vez, torna-o mais
capaz de experimentar privação sem ser dominado pelo ódio.
Seu próprio ódio também se torna menos assustador, na medida
em que aumenta sua crença de que seu amor pode restaurar
aquilo que seu ódío destruiu. Através da repetição de experiên-
cias de perda e recuperação, sentidas parcialmente como des-
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105
traição pelo ódio e recriação pelo amor, o objeto bom se torna Em algum ponto do sonho, ela pensou que todas as víti-
gradualmente mais bem assimilado_ no ego, pois, na medida em mas na vala eram mulheres.
que o ego restaura.e recria o objeto ..internamente, este se torna Uma de suas associações com a vala comum era ter lido
cada vez mais propriedade do ego, podendo ser assimilado por um livro sobre o gueto de Varsóvia. Aqui é impossível entrar
ele e contribuir para seu crescimento. Daí o enriquecimento do nos detalhes de todas as suas associações, e esta tinha uma his-
ego através do processo de luto. Juntamente com essas mudan- tória.muito longa. Sua mãe era em parte judia, e seu anti~semi­
ças emocionais, habilidade e capacidade crescentes nas ativida- tismo inconsciente surgira muitas vezes durante a análise. Valas
des externas reais trazem repetida cçnfirmação em relação às comuns ou montes de cadáveres já tinham aparecido antes com
capacidades reparadoras do ego. QUando os impulsos reparado- bastante freqüência, geralmente associados com um ataque as-
res predominam, o teste da realidade se torna mais freqüente: sassino a sua mãe e a mim, em situação edipiana. O médico
o bebê observa com preocupação e ansiedade o efeito de suas com o braço quebrado apresentava várias associações com sua
fantasias sobre os objetos externos; uma importante parte de vida atual~ mas representava principalmente seu pai, castrado
sua reparação consiste em aprender a renunciar ao controle oni- por ela numa situação edipiana primitiva e incapaz de ajudá-la
potente de seu objeto e aceitá-lo como realmente é. a restaurar sua mãe. O corte da corrente elétrica representava a
Ilustrarei com um sonho alguns aspectos da reparação, es- interrupção do tratamento; ela associou sua lanterna de pilha
pecialmente em relação aos objetos internos. A paciente era com sua compreensão interna (insight), adquirida através da
maníacowdepressiva e teve o sonho numa ocasião em que, sen- análise.
tindo-se muito melhor depois de vários anos de análise, pensava Em resumo, esse sonho representava para ela a resolução
em terminá-Ia. gradual de suas ansiedades depressivas. Ir trabalhar com sua
Sonhou que dirigia seu automóvel, indo para o trabalho. pequena lanterna significava enfrentar por si mesma toda a ex-
Nesse ponto, havia alguma ansiedade no sonho porque a cor- tensão de sua situação depressiva, enfrentando seus ataques ma-
rente elétrica estava cortada, mas ela se deu conta de que tinha lévolos a sua mãe e a todas as representantes maternas~ ataques
uma lanterna de pilha e que a pilha funcionava. Quando chegou que levavam à vala comum dentro de si, à depressão anôníma,
ao ·trabalho, esperou que um médico viesse ajudá-la; contudo, quando não sabia por quem sentia luto. O trabalho de luto nesse
quando ele apareceu, tinha um braço quebrado numa tipóia e sonho consistia em salvar e restaurar aquilo que podia ser salvo
nada podia fazer. Pouco a pouco, ela se deu conta de que o tra- e restaurado. Os objetos que ela restaurara se tomavam imedia-
balho que esperavam que fizesse era reabrir uma enorme vala tamente ajudantes, ou seja, os objetos que primeiramente ela
comum. Começou a cavar sozinha, à luz de sua pequena lan- destruíra e depois restaurara se tornaram assimilados por ela,
terna. Aos poucos, à medida que cavava, percebeu que nem fortalecendo seu próprio ego.
todas as pessoas enterradas nessa vala estavam mortas. Além No entanto, nem tudo que fora destruído podia ser restau-
disso, coisa que a encorajava, as que ainda estavam vivas come- rado. Ela também tinha de enfrentar as situações nas quais o
çaram imediatamente a cavar com ela. No fim do sonho, tinha objeto estava realmente morto, como muitos de seus parentes,
um sentimento muito forte de que duas coisas haviam sido alcan- e situações nas quais sentia ter feito um mal que não Podia ser
çadas; uma era que todos que ainda estavam vivos foram res- desfeito. Aqui o ponto _importante é que cada uma dessas situa-
gatados da vala comum, tornando-se seus ajudantes; a outra era ções e pessoas tinha de ser adequadamente nomeada e enterra-
que as pessoas que estavam mortas podiam agora ser retiradas da, isto é, tinha de ser reconhecida e pranteada (mourned) sem
da vala anônima e (isso parecia-lhe extremamente importante negação, e não ser deíxada perdida numa vala comum. Quando
no sonho) ser enterradas adequadamente~ com seus nomes na adequadamente enterradas, ela podia eventualmente renunciar a
sepultura. essas situações e pessoas, as quais não tinham de ser mantidas

106 107
''

magicamente vivas, de modo que a .libido da paciente pudesse maníaca nunca pode ser completada porque, caso se comple-
estar livre de sua fixação nelas. tasse, o objeto plenamente restaurado se tornaría novamente
Todavia, no sonho há um eiêmento ominoso que indica estimado e digno de amor, bem ·como livre do controle onipo-
uma organização maníaca ainda atiya. Esse elemento é a insis- tente e do desprezo da pessoa maníaca. Restaurado plenamente
tência da paciente de que tem de 'fazer "tudo por si mesma"_ à ·independência e novamente dotado de valor, ele mais uma
Não se trata apenas de um reconhecimento de sua necessidade vez estaria exposto a ataque imediato com ódio e desprezo.
de se tornar independente da análise, mas também de uma insis- Por causa dessas condições, a culpa subjacente que a repa-
tência em sua própria onipotência. A figura paterna no sonho ração maníaca procura aliviar não é~ na verdade, aliviada, e a
permanece castrada e não lhe é p~)Jilitido ajudar. A paciente reparação não traz satisfação durável. Os objetos que estão sen-
tem de fazer a restauração de sua-'"··Inãe sozinha, sem qualquer do reparados são tratados inconscientemente - e às vezes cons-
ajuda do pai - clara indicação de difiCuldades futuras em re- cientemente - com ódio e desprezo, sendo invariavelmente sen-
lação à situação edipiana, que necessita da restauração do casal tidos como ingratos e, pelo menos inconscientemente, temidos
de pais. como perseguidores potenciais.
11encionej, no capítulo anterior, que a própria reparação Algumas vezes pode-se ver esse tipo de reparação maníaca
pode ser parte das defesas maníacas. Nesse caso, faz-se uma em instituições de caridade; quando, por exemplo, seus dirigen~
tentativa para reparar o objeto de modo maníaco e onipotente. tes vêem a si mesmos como fazendo caridade e reparação a pes-
Ele então pode ser tratado em pàrte como um objeto de preo- soas jndignas e ingratas, as quais são sentidas por eles como
cupação. A reparação não maníaca e a maníaca diferem, toda- essencialmente más e perigosas.
via, em importantes aspectos. A reparação propriamente dita
mal pode ser considerada como defesa, de uma vez que se ba~ Gostaria de mostrar a passagem gradual da reparação ma-
seia no reconhecimento da realidade psíquica, na experiência do níaca para a verdadeira reparação no material de uma paciente
sofrimento que essa realidade causa, e na adoção de medidas de quatro anos de idade. As sessões que vou descrever ocorre-
apropriadas para aliviá-lo na fantasia e na realidade. Trata-se, ram alguns dias antes das férias de verão, quando Ann estava
na verdade, exatamente do inverso de defesa; trata-se de um particularmente preocupada com seus ataques a mim e com a
mecanismo importante tanto para o crescimento do ego quanto necessidade de reparação. O fato de eu s(;lir de férias represen-
para sua adaptação à realidade. tava para ela a relação sexual dos pais e a gravidez da mãe.
A reparação maníaca é urna defesa na medida em que seu Em seu brincar, a caixa de tintas veio a representar primaria-
objetivo é reparar o objeto de tal modo, que culpa e perda mente o seio de sua mãe, e a gaveta onde eu guardava seus
nunca sejam experimentadas. Um aspecto essencial da repara- brinquedos, o corpo de sua mãe cheio de bebês. Nos dias que
ção maníaca é que ela tem de ser feita sem reconhecimento de precederam as duas sessões que vou descrever, atacou furiosa-
culpa e, portanto~ sob condições especiais. Por exemplo, a repa- mente a caixa de tintas, tirando-as com sua faca, misturando-as
ração maníaca nunca é feita em relação aos objetos primários ;"' e dissolvendo-as na água. Depois, usou a água suja e colorida
ou aos objetos internos, mas sempre em relação a objetos mais para "afogar" os pequenos brinquedos na gaveta. Isso foi inter-
remotos; em segundo lugar~ o objeto em relação ao qual a re- pretado para ela principalmente como representando um ataque
paração é feita nunca pode ser experímentado como tendo sido ao seio de sua mãe, com unhas e dentes, esburacando-o e su-
danificado pela própria pessoa; por fim, o objeto deve ser sen- jando~o, e usando o leite sujo transformado em urina e fezes
tido como sendo inferlor, dependente. e, em profundidade, des- para atacar o corpo de sua mãe, sujar e afogar os novos bebês.
prezível. Não pode haver verdadeiro amor ou estima pelo obje- A razão para o ataque era a privação das férias e seu cíúme e
to ou objetos que estão sendo reparados, já que isso ameaçaria inveja quando imaginava que eu, representando sua mãe, iria
o retorno de sentimentos depressivos verdadeiros. A reparação embora para ter relações sexuais e mais bebês.

108 109
Um importante aspecto)lessa situação agressiva era o ata-
que de Arm às palavras. Eli) ou afogava minhas palavras gri- devia fazer aquilo com uma mágica, dizendo que sua canção era
tando e cantando, ou as grit~va e repetia sem sentido, quebran- um encantamento e que a mágica era bem rápida.
do-as em sílabas ou dizendo monotonamente "blá, blá, blá". A ênfase estava na reparação mágica e rápida, e em con-
Interpretei esse ataque às mwhas palavras como sendo equiva- seguir a caixa "exatamente corno antes". A razão para isso era
lente a um ataque às mordidas ao seio da mãe e, às vezes, à que assim a culpa e a perda podiam ser negadas; a repareção
relação sexual dos pais; e seus berros e gritos de "blá, blá, bl~" devia ser tão veloz e completa, que Ann não teria tempo para
como a produção de fezes más - as quais atirava em mim. experimentar lnto ou sentir-se culpada. A reparação que eu po-
Perto do fim de uma das" sessões, pediu-me para desenhar dia fazer na caixa não era, nem de longe, mágica o suficiente
uma menina. A menina, disse, era- Ánn, e ela ia pintar seu tra- para satisfazer essas necessidades. Interrompeu por várias vezes
seiro. Então, pôs uma enorme massa de tinta marrom em cima seu canto e fingiu adormecer, enquanto se-fazia a reparação re-
e entre as pernas da menina. Quando isso foi interpretado como lativamente lenta, esperando não ver a destruição da caixa de
as fezes que ela estava fazendo com o alimento, fez rapidamente tintas. Queria acordar e encontrá-la magicamente restaurada,
uma massa marrom semelhante saindo da cabeça. da menina. ·mas sua ansiedade e impaciência não a deixavam adormecer di-
Pude então interpretar para ela que, quando me odiava, fazia reito, e depois de um ou dois minutos cOrria de novo para a pia
em sua cabeça, com minhas palavras, o que sentia que estava e dava uma olhada na caixa de tintas.
fazendo em sua barriguinha com o alimento da mamãe. Con- Por trás da excitação, aumentava a raiva. Por várias vezes,
firmou isso dizendo que o ''blá, blá, blá'' era realmente "plop, tomou-me a caixa da mão, pensando que podia fazer mais de-
plop" (sua expressão infantil para fezes). pressa; então, ficava furiosa com a caixa, lavava todo o trabalho
Na sessão seguinte, a reparação maníaca foi predominante. já feito, dava~me novamente a caixa e ficava furiosa comigo por
Ann entrou na saia, dirigiu-se imediatamente a sua caixa de eu não fazê-lo suficientemente rápido. O tempo todo ela me
tintas e se deu conta de que agora estava imprestável. Pergun- controlava e gritava comigo cada vez com mais raiva.
tou-me se eu havia trazido uma nova· caixa para ela e, quando Sua raiva da caixa era sua raiva do objeto original atacado
viu que não~ levou-a para a pia e disse: "Você tem de consertá- - o seio da mãe, que, não se deixando reparar suficientemente
la bem depressa e deixá-la exatamente como era antes." Trouxe rápido, a expunha ao sentimento penoso de perda e culpa, susci-
alguma cola em pó branca, pôs um pouco nas divisões que antes tando, portanto, outra investida de ódio. Sua relação comigo era
continham tintas, mas se deu conta de que não daria ·certo e complicada. Em primeiro lugar, desejava negar toda dependên-
disse: "Você tem de fazer para mim, mas bem depressa, eu me cia de mim e tinha esperança de reparar a caixa com sua pró-
encarregarei de cantar.n À medida que eu enchia as divisões pria mágica. Todavia, era impulsionada a procurar minha ajuda.
com o pó branco e com um pouco de água, espalhando o que Só podia usar minha ajuda tratando-me como um objeto par-
restava da tinta para dar alguma cor ao pó, ela pulava ora com cial, totalmente controlado por ela própria. Minha impressão
um pé ora com outro, cantando bastante alto: "Easy, weasy, era de que eu, como objeto parcial, era o pênis com cuja ajuda
let's get busy", * ficando cada vez mais excitada e gritando para Ann queria restaurar magicamente sua mãe. Contudo, eSj'e obje-
eu me apressar. Aceitou imediatamente a interpretação de que eu to de que necessitava, e que usava para sua reparação, tinha de
ser completamente controlado, e ela o odiava cada vez mais, já
que não o podia controlar e usar do modo como queria. Além
'~ Conservou-se em inglês essa expressão por ser intraõuzível.
Let's get busy significa "comecemos a (ou vamos) trabalhar." Easy
no contexto da expressão, parece de sentido indefinido, tendo sido -------
usada, provavelmente, apenas para efeito de ritmo ou de rima com com jeito". Weasy tem toda a aparência de ser palavra inventada pelo
weasy e busy. Easy, normalmente, significa "fádl" cu "calma, vamos acréscimo do w a easy. No todo, a expressão talvez seja uma e::.:pécie
de refrão, oriundo de história ou canção infantis. (N. do T.)
110
111
,,',

disso~ tanto a caixa quanto eu,éramos sentidas como sendo cada me que desenhasse em volta dela o esboço de uma casa maior.
vez mais perseguidor~s; tendO em vista que me dotava de po- Perguntei-lhe se pensava que a casa pequena dentro da casa
deres mágicos, sentia que ~ti· não reparava a caixa, do modo grande era e1a mesma dentro da mamãe, mas Ann mostrou-me
como ela queria 1 com o propósito de contrariá-la, em retaliação 0 telhado pontudo da casa pequena e disse com grande convic-
por suas impiedosas tentativa~ de me controlar. ção que a casa era papai dentro da mamãe. Pude então inter-
Durante toda essa sessão-{ seu ataque a minhas palavras fez- pretar para ela que reparar a caixa de tintas significava reparar
se cada vez mais frenético. Isso era facilmente compreensível, o corpo da mamãe, e que ela sentia que necessitava da ajuda
pois o fato de eu falar e interpretar era sentido por Ann como de papai, isto é, de minha ajuda para fazer mamãe ficar bem
uma afirmação de minha exist~ncia independente enquanto pes- novamente. A casa papai dentro da casa mamãe representava
soa total, com pensamentos é: idéia_s próprios, e de cuja ajuda mamãe e papai sendo restaurados, e restaurados um ao outro,
Ann dependia, ao passo que o que ela queria era que eu fosse papai fazendo mamãe melborar e dando-lhe novos bebês. Ann
apenas um objeto parcial completamente sob controle. Além então virou a folha de papel e mostrou-me que as costas esta-
disso, minha interpretação, vinculando as atividades reparadoras vam cobertas com uma porção de tinta marrom que anterior-
de Ann à sua anterior danificação da caixa, confrontava-a com mente ela derramara na mesa, e disse: "Está tudo uma sujeira
a própria verdade que ela ptocurava evitar, ou seja, a necessi- de novo." Interpretei que quando permitia a papai fazer ma-
dade de reparar era o resultado de sua agressividade anterior. mãe melhorar, estando com esta e dentro desta, ela sentia ciú-
Tendo em vista que sua reparação estava totalmente orientada me de novo e queria sujá-los com suas fezes. Pediu-me mais
de modo a negar esse fato, minhas interpretações não eram sen- lápis de cor e quis desenhar mais casas. À medida qne dese-
tidas como uma ajuda, mas como uma constante interferência nhávamos e pintávamos as casas, deixou várias vezes cair pe-
em suas atividades reparadoras mágicas. Contudo, com o de- daços de papel e lascas dos lápis em meu vestido, limpando-
correr da hora, ela ficou um pouco mais calma e pôde eventual- me cuidadosamente cada vez que isso ocorria. Sempre que o
mente ouvir uma interpretação completa, em- que tentei -relacio- fazia, dizia meio rindo: "Meu Deus, fiz isso de novo, temos de
nar suas atividades e sentimentos presentes com a sessão ante- repetir a limpeza." Desse modo deu-me uma oportunidade de
rior e com as próximas férias. interpretar diretamente na transferência seus repetidos ataques
A sessão seguinte mostra uma completa mudança de estado a mim~ bem como a tarefa de reparação com que se defrontava
de espírito, em que os mecanismos maníacos recuam e a repa- se quisesse que eu continuasse a ser uma boa analista para ela.
ração verdadeira se estabelece. Tão logo entrou na sala, dirigiu- Depois de algum tempo, pintou um esboço e pediu-me para aju-
se novamente para a caixa, abriu-a, deu um pequeno suspiro- e dá-la a nomear as cores, que ela estava tentando memorizar.
disse: "Não é uma pena estar tão estragada?1 '. Voltou-se então Pude então interpretar para ela que eu era o pai de que Ann
para mim e disse: "Vamos tentar consertá-la juntas.'' Dessa vez necessitava para restaurar sua mãe interna e ordenar seu mundo
nem insistiu na velocidade do processo ou em que ele fosse interno; e relacionei seu pedido para que eu nomeasse as cores
completo, nem queria que a caixa ficasse eXatamente como com seu reconhecimento de que a ajuda rea~ que eu estava ca-
antes. Com o pó branco, água e um pouco de tinta que ainda pacitada a lhe dar, era nomear os diferentes sentimentos dentro
sobrara, conseguimos restaurar suficiente substância colorida dela, ajudando-a a conhecê-los, a diferenciá-los e, po!tanto, a
para usar a caixa de tintas por mais um dia. Então~ sentou-se se sentir mais capaz de controlá-los.
à mesa, pediu-me papel e começou a pintar uma casa. Como Pode-se ver essa sessão como estando em completo con-
ainda não podia pintar sozinha uma casa completa, pediu-me traste com a anterior; também nessa sessão Ann preocupou-se
para ajudá-la. Pediu-me também lápis de cor para compensar com a reparação da caixa, que representava sua mãe, usando a
a insuficiência de tinta. Desse modo, em parte desenhou e em ajuda da analista, que representava seu pai. Contudo, ao. passo
parte pintou uma casa. Disse que era uma casa linda e pediu- que na sessão anterior a reparação era mágica, baseada numa

112 113
completa negação da culpa e da preocupação, com uma atitude paração- a diferenciação entre o próprio eu (seli) e os pais,
implacável para com a mãe enquanto objeto de reparação e com todos os conflitos que isso implica. Envolve também, como
para com o pai tratado conío. objeto parcial, nessa sessão sua parte da reparação, permitir que os objetos da pessoa sejam
reparação resultou de uma expériência de culpa e perda. Come- livres, que se amem e se restaurem uns aos outros, sem depen-
çou dizendo que era uma pena., que a caixa estivesse estragada. der da própria pessoa. Quando a reparação é parte de defesas
Com essa mudança, modificou-se também a atitude para comi- maniacas contra ansiedades depressivas, faltam todos esses ele-
go; aceitou-me como pessoa total, o pai, que fazia reparação a mentos ou a maioria deles.
ela própria e a sua mãe, e que· ...a ajudava a fazer a reparação
que tinha possibilidades de faztÍr. Houve reconhecimento da ne-
cessidade e da dependência de ambos os pais, bem como da ne-
cessidade de ter a ambos restaurados e de contar com sua ajuda
no processo de reparação. Ao mesmo tempo, houve reconheci-
mento não apenas da agressividade no passado, mas também da
continuidade da agressivídade. Quando era permitido aos pais
estarem juntos como as duas casas, a agressividade irrompia no-
vamente. Com o reconhecimento da realidade psíquica do ciúme
e do sentimento agressivo, veio também o reconhecimento de que
a reparação é uma tarefa difícil. Em seu brinquedo de jogar las-
cas em mim e depois limpar-me, admitiu que a batalha com sua
agressividade tinha de prosseguir o tempo todo e que não podia
ser ganha magicamente de uma vez por todas. Ao mesmo tem-
po, ela se deu conta de que o reconhecimento da realidade psí-
quica é uma ajuda. Houve aqui uma completa compreensão
interna (insight) de que a ajuda da analista não consistia em
lhe dar novas tintas, papel, etc., mas em "nomearn, ou seja, em
capacitá-la a ordenar seus sentimentos e impulsos e suas rela-
ções com figuras externas e internas. O passo dado por Ann
entre essas duas sessões foi crucial, pois a capacitou a renun-
ciar, pelo menos no momento, ao uso mágico de sua análise,
em favor de um uso mais realístico e com mais compreensão
interna (insightful).
B interessante observar que tanto o sonho da paciente adul-
ta quanto o material da menina introduzem o "nomear" como
elemento importante para a reparação. O "nomear", em ambos
os casos, representa a aceitação da realidade) elemento funda~
mental da reparação real, ausente na reparação maníaca. A
aceitação da realidade psíquica envolve a renúncia à onipotên~
cia _e à mágica, a diminuição da divisão (splitting) e a remoção
da Identificação projetiva. Significa a aceitação da idéia de se-
114 115
,, o
o

BIBLIOGRAFIA
Capítulo IX
1vfELANIE KLEIN: "Infantile An:Xiety Situations reflected in a Work
of Art and in the Creati:v~~ Impulse... Contrihutíons to Psycho~ OS ESTÁDIOS PRIMITNOS DO
analysis, p. 223, Melanie Klein. lnt. J. Psycho-Anal .. vol. 10 (1931 ).
"Contributions to the Ps§-cho-genesis of Manic Depressíve Sta~ COMPLEXO DE ÉDIPO
tes", Contributions to Psycho7analysis, p. 282, Melanie Klein.
"MourrJng and its Relationship to Manic-Depressive States,.,
Contributions to Psycho-analysis, p. 311, Melanie Klein. lnt. J. Está implícito na definição fornecida por Melanie Klein da po-
Psycho-Anal., vol. 21 (1940).
"A Contribution to the Theory of Anxiety and Guilt", De- sição depressiva que o complexo de Édipo começa a se desen-
vebpments in Psycho analysis:·-'tCapítulo 8), lvfelanie Klein e ou- volver durante essa fase, da qual é parte integrante. Q1JêJl!l9.. a
tros. lnt. l. Psycho-Ar.al., voi. 29 (1948). mãe é percebida como objeto total, há uma mudança .não ape-
"Some Theoretical Conclusions regarding the Emotional Life llâs. na relaçªO-.dó bebê.com-.sua--mãé,-masJftm~éPl ~W- ~"Y_a_ p~["':
of tbe Infant", Developments i1_1 Psycho..ana[ysis (Capítulo 6),
Meianie Klein e outros. cepçãó do mundo. As pessoas são reconhecidas por ele..índívi-
HANNA SEGAL; "A Psycho~analytic Approach to Aesthetics", New dual e. separadamente, e como tendo relaçõ.e.s .. ur;o,ª~ _C:9.-tn _gs
Directions in Psyclzo--analysis (Capítulo 16), Me!aníe Klein e outras;_ efll .. e~pecial, o bebê se dá conta .. do- vínculo .. que.. existe
outros. lnt. I. Psycho-Anal., vol. 33 (1952).
"Notes on Symbol Formation", lnt. J. Psycho-Anal., vol. 38
entre seu pai e. sua. mãe. Isso prepara o terrenopara o complexo
(1957). de Édipo, Contudo, a percepção que o bebê tem das relações de
loAN RlviE.RE: "A Contribution to the Analysis of the Negative The- outras pessoas é muito diferente da percepção de um adulto ou
rapeutic Reaction", Jnt. J. Psycho-Anal., vol. 17 (1936). mesmo de uma criança mais velha. Como as projeções alteram
"Magícal Regeneration by Dancing-", lnt. l. Pscho-Anal., · todas as suas percepções, quando o bebê percebe o vínculo libi-
VO], I I (1930).
H. ROSENFELD: "On Drug Addíction", lnt. ), Psycho-Anal., voi. 41 dinal entre seus pais, projeta neles seus próprios desejos libidi-
(1960). nais e agressivos. Quando está sob o domínio de seus próprios
impulsos poderoSos, fantasia que seus pais estão em relação
sexual quase ininterrupta, e a natureza dessa relação sexual
varia de acordo com as flutuações de seus próprios impulsos.
Fantasia seus pais trocando gratificações orais, uretrais, anais
ou genitais, de acordo com a prevalência de seus próprios im-
pulsos, os quais ele projeta neles. Essa situação, em que o bebê
percebe seus pais nos- termos de suas próprias projeções, origi-
na sentimentos da mais aguda privação, ciúme e inveja, de uma
vez que os pais são percebidos como dando constantemente um
ao outro precisamente aquelas gratificações que o bebê deseja
para si mesmo.
A criança reage à situação por um aumento de s~us senti-
mentos agressivos e de suas fantasias. Os pais, em suas fanta-
sias, são atacados por todos os meios agressivos à sua disposi-
ção, e são percebidos na fantasia como sendo destruídos. De
uma vez que a introjeção é muito ativa durante esse estádio
do desenvolvimento, os pais atacados e destruídos são imedia-
tamente introjetados e sentidos pela criança como parte de seu
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