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Giovanella L, Lobato LVC, Noronha JC, Carva-

RESENHAS BOOK REVIEWS


nia, que se expressam nos diversos modelos de pro-
lho AI. Políticas e Sistema de Saúde no Brasil. 2ª teção social. Sintetizam a dinâmica de construção e
Edição revista e ampliada. Rio de Janeiro: Edi- gestão de políticas sociais com exemplos de pro-
tora Fiocruz; 2012. gramas e políticas específicas de saúde e os articu-
lam com a construção de um padrão civilizatório e
1
José Antonio Iturri com a formação de referencias éticos e valorativos da
vida social. Delineia-se parte importante do enfo-
1
Curso de Saúde Coletiva, Faculdade de Ceilândia, que de conjunto do livro quando os autores afir-
Universidade de Brasília. mam que a dinâmica do SUS não deveria traduzir
apenas uma busca por um sistema eficiente e efetivo,
Em 2009, o prefácio da primeira edição de Políticas e mas fundamentalmente a construção de uma socie-
Sistema de Saúde no Brasil anunciava uma obra tão dade em que a igualdade e a solidariedade são valores
necessária. Na sua segunda edição esta coletânea con- fundamentais. O capítulo Análise de Políticas de
tinua a ser essencial e a cumprir a promessa de um Saúde apresenta as noções de política pública e ci-
texto que dialoga com a graduação e a pós-gradua- clo da política e um resumo dos principais referen-
ção dos campos da saúde em geral e da saúde coleti- cias teóricos e metodológicos com ênfase na fase
va. Os organizadores, liderados por Ligia Giovane- da implementação. No capítulo Sistemas de Saúde:
lla, construíram uma obra para diversos públicos, origens, componentes e dinâmica, além da revisão
com cuidado especial para a graduação; todavia, não histórica sobre o assunto e dos seus vínculos com a
pode ser considerado um livro de nível básico ou proteção social, as autoras nos fazem lembrar que
uma introdução simplificada aos temas. O trata- um sistema de saúde não funciona, necessariamente,
mento aprofundado e multifacetado dos assuntos de forma ordenada (...) [seu] ambiente é muito mais
faz da obra uma fonte de reflexões e debates para caótico que ordeiro, e mais conflituoso que consen-
docentes dispostos a desenvolver um trabalho pe- sual; a compreensão desta realidade se enriquece
dagógico por uma atitude crítica e de transforma- com os apontamentos sobre as fronteiras entre os
ção do Sistema Único de Saúde nos seus estudantes. estudos de sistemas, de políticas e de serviços e com
Nesse contexto educativo, o livro pode contribuir a discussão dos componentes do sistema e das fun-
para a alquimia de rebeldia e competência que Boa- ções e relações entre eles. Os três capítulos seguin-
ventura de Sousa Santos demanda da universidade1. tes examinam diversas temáticas relacionadas com
Os 35 capítulos do livro – a maioria atualizada o conceito de determinação em saúde. Determi-
ou sensivelmente reformulada, três deles novos – nantes Sociais na Saúde, na Doença e na Interven-
oferecem um panorama que combina riqueza de ção revisa os principais modelos de causalidade e
abordagens e revisões temáticas cuidadosas a cargo de intervenção e reitera a centralidade do enfrenta-
de pesquisadores reconhecidos. A obra tem cinco mento às iniquidades em saúde. Condições de Saú-
Partes. Aqui se apresenta a lógica geral dessas Partes, de da População Brasileira atualiza conceitos e indi-
comentando especificamente capítulos novos e aque- cadores do tema e os desafios para alterar as condi-
les de maior relevância na nossa experiência educati- ções de produção do processo saúde-doença e práticas
va. Todos os capítulos situam nitidamente os temas de atenção. O capítulo 6 revisa a questão dos deter-
nos seus contextos internacionais, oferecendo, além minantes do acesso e utilização de serviços de saú-
de revisões de literatura renovadas, análises de ten- de e resume pesquisas recentes sobre as tendências
dências e eventos globais relacionando-as com os do árduo processo de diminuição de algumas desi-
debates, as propostas programáticas e as normati- gualdades.
vas brasileiras; percebem-se, assim, tanto os aspec- A Parte II analisa a Saúde como Setor de Ativi-
tos propriamente nacionais quanto os problemas dade Econômica. No capítulo 7 o conceito central é
compartilhados com outros países. o complexo econômico industrial da saúde (Ceis)
Na primeira Parte, Proteção Social, Políticas e (não apenas complexo industrial em saúde) descre-
Determinantes de Saúde, os 3 capítulos iniciais exami- vendo seus três subsistemas, de base química e bi-
nam extensivamente a prática, os instrumentos e o otecnológica, de base mecânica, eletrônica e de ma-
cálculo estratégico nas arenas de disputa entre proje- teriais e de serviços de saúde, ressaltando a relação
tos políticos, seus impactos sobre a vida social e ini- do último com os outros e o papel do Ceis na
quidades em saúde e os significados coletivos que dinâmica entre saúde, desenvolvimento e inova-
permeiam as políticas de saúde. No capítulo Política ção. No capítulo 8, após sintetizar a discussão so-
de Saúde: uma política social os autores relacionam a bre pesquisa em saúde e atualizar os dados sobre
discussão de saúde e políticas de saúde com noções a capacidade instalada e o financiamento de pes-
sobre valores sociais, solidariedade social e cidada- quisa em saúde no país, amplia-se o tema da polí-
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tica pública de ciência e tecnologia em saúde dis- jos organizacionais, a estratégia Brasil Sorri-
cutindo a Agenda Nacional de Prioridades de Pes- dente, a vinculação com a ESF, as práticas base-
quisa em Saúde e sintetizando dois temas rele- adas em evidência e a noção de condições de
vantes: pesquisa clínica no Brasil e propriedade saúde bucal sensíveis à APS. O complexo pro-
intelectual e proteção patentária. cesso social da reforma psiquiátrica brasileira
Os dois capítulos iniciais da Parte III – Siste- organiza o capítulo Saúde Mental, Desinstituci-
ma de Saúde Brasileiro: História e configuração onalização e Novas Estratégias de Cuidado. As-
atual – analisam detalhadamente a História das sistência Farmacêutica mostra a complexidade
Políticas de Saúde no Brasil de 1822 a 1990. O de interesses e também os conflitos que envolvem
capítulo 12 atualiza um didático panorama so- o tema; revisa os gastos público e privado em
bre os princípios, os marcos legais e normativos, medicamentos, a participação do Estado no
a diversidade e a magnitude das ações e serviços acesso a medicamentos, o financiamento desta
do SUS; os quadros e as tabelas de resumo – assistência, a regulação do setor, a propriedade
generosamente utilizados no livro todo – alcan- intelectual e a influência de instrumentos inter-
çam especial clareza neste capítulo. No capítulo nacionais de comércio. A Parte IV se encerra
13, Financiamento e Alocação de Recursos em Saú- com dois componentes da vigilância em saúde.
de, atualizam-se dados sobre o montante e a com- Em Vigilância Epidemiológica: políticas, siste-
posição dos gastos públicos e privados em saúde mas e serviços se resumem as formas de orga-
no país e discute-se a relação entre a alocação de nização assumidas por esta atividade até a es-
recursos e a noção de equidade. No capítulo Pla- trutura atual do Sistema Nacional de Vigilân-
nos e Seguros Privados de Saúde, analisam-se os cia Epidemiológica, suas normas de gestão e
traços marcantes do empresariamento privado da competências por esfera de poder, seus proce-
assistência à saúde no Brasil. dimentos técnicos, sistemas de informação e
A Parte IV – Sistema Único de Saúde: Setores avaliação, destacando-se a vigilância de condi-
de Atenção – inicia-se com Modelos de Atenção à ções não transmissíveis. Em Vigilância Sanitá-
Saúde no Brasil que apresenta as definições teó- ria: campo da promoção e proteção da saúde ex-
rico-conceituais necessárias para discutir expe- planam-se os conceitos de risco, a questão da
riências nacionais e internacionais organizadas intervenção do Estado para seu controle e o di-
em modelos de atenção hegemônicos e propos- lema da sua ação intermediadora entre os inte-
tas alternativas; salienta-se o desafio de investi- resses sanitários coletivos e o setor produtivo; dis-
gar qual é a combinação mais adequada de tec- cute-se a gestão do risco sanitário e suas atri-
nologias e abordagens nos heterogêneos territó- buições são examinadas à luz dos desafios da
rios do país. Os três capítulos seguintes expla- Agência Nacional de Vigilância Sanitária e das
nam com precisão os “setores” tradicionais dos instâncias estaduais e municipais na prolonga-
sistemas de saúde – atenção primária, atenção da estruturação do Sistema Nacional de Vigi-
ambulatorial especializada, atenção hospitalar: lância Sanitária.
conjuntos de práticas, formas de organização, Um conjunto de Temas relevantes em políticas
conhecimentos e técnicas que se diferenciam e sistemas de saúde é apresentado por renomados
tanto pela densidade tecnológica quanto pelo autores nos 12 capítulos da Parte V, dentre estes
tipo de pontos de atenção que predominam a Bioética, a Reforma de Sistemas de Saúde, as
neles. O capítulo 16 sintetiza o debate internaci- Políticas Sociais na América Latina, a Participa-
onal entre as diversas abordagens de atenção ção Social, as Políticas públicas de saúde para os
primária à saúde (APS) com suas vertentes se- povos indígenas, a Aids e o rico capítulo sobre
letiva e integral; mostra-se a origem do termo Cuidado Continuado. O capítulo Regionaliza-
atenção básica à saúde (ABS) no Brasil e a evo- ção da saúde no Brasil apresenta análise abran-
lução desde um programa de atenção seletiva gente da categoria região, da relação entre terri-
até os desafios para concretizar a Política Naci- tório e saúde e da discussão do tema da regiona-
onal de Atenção Básica; na Estratégia Saúde da lização na conformação de sistemas universais
Família (ESF) analisam-se as equipes de traba- de saúde, voltando-se no caso brasileiro para as
lho, a intersetorialidade, a clínica ampliada, o diferenças e os conflitos entre descentralização e
apoio matricial; resultados de pesquisas atua- regionalização, os atributos para a conformação
lizam a estrutura da oferta e produção de servi- de redes de atenção; dados de pesquisa recente
ços de APS. Os capítulos seguintes revisam se- embasam a discussão dos desafios e condicio-
tores temáticos do sistema. Em Políticas de Aten- nantes da regionalização. O capítulo A Formação
ção à Saúde Bucal se destacam os novos arran- Superior dos Profissionais de Saúde revisa a si-
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Ciência & Saúde Coletiva, 18(10):3101-3103, 2013


multânea persistência e mudança dos paradig- sividade etc.) e um modelo ecológico explicativo
mas de formação e atualiza informações das ten- desde o ponto de vista do setor saúde; analisam-
dências nesta área; analisam-se os problemas da se a Política e o Plano de Ação Nacional para
defasagem entre ensino e realidade (e as políticas Redução da Morbimortalidade por Acidentes e
para reduzi-la) e os demorados problemas pe- Violência e os parâmetros para a avaliação dessa
dagógicos; próximas edições poderão ampliar o política. O capítulo Saúde e Ambiente analisa a
exame da evolução da graduação em saúde cole- articulação entre o desenvolvimento, o ambiente
tiva e a expansão da educação à distância. (visto como um sistema socioecológico) e a saúde
Os três últimos capítulos são novos. Em Po- humana na sua expressão coletiva; explorando-se
lítica de Saúde Integral da Mulher e Direitos sexu- os elementos e os métodos para abordar as rela-
ais e reprodutivos apresenta-se a evolução dos ções entre ambiente e saúde, em especial os Enfo-
conceitos e políticas sobre o tema, a situação de ques Ecossistêmicos em Saúde; fecha-se com uma
saúde das mulheres – enfatizando o caráter per- introdução ao recente Subsistema Nacional da
sistente, injusto e passível de mudança da mortali- Vigilância em Saúde Ambiental.
dade materna – e organizam-se as propostas de Pela riqueza, envergadura e abordagem edi-
políticas de saúde para as mulheres no Brasil – e torial da obra, uma versão eletrônica – em su-
os contrastes entre os Programas de Saúde Ma- porte físico ou em rede – que facilite a criação de
terno-Infantil (PSMI) e de Assistência Integral à pontes e contrastes entre os capítulos potencia-
Saúde da Mulher (PAISM), a Política Nacional de riam sua já grande utilidade e alcance.
Atenção Integral à Saúde da Mulher e a estratégia [Consulte o sumário do livro em: http://
Rede Cegonha. Problematizam-se desafios do www.cebes.org.br/media/File/politicas%20e%
SUS para garantir integralidade na saúde da 20sistemas%20de%20sa%C3%BAde%202ed%
mulher: renovação de tecnologias gerenciais para 20folder.pdf]
mudanças no modelo de atenção e organização
de redes de atenção integral, a coexistência da
melhora do acesso com problemas de qualidade Referências
e desigualdades, a permanência do abortamento 1.
inseguro como problema de saúde pública não Santos BS. A encruzilhada da universidade euro-
resolvido. O capítulo Violência: Impactos no se- peia. Ensino Superior 41 - Revista do SNESup. [perió-
dico na Internet]. 2011 jul-ago-set [acessado 2013
tor saúde e respostas do sistema oferece uma clara jan 31]; (41):[cerca de 8 p.]. Disponível em: http://
síntese conceitual sobre a violência, os conceitos www.boaventuradesousasantos.pt/media/A%20
que podem se confundir com ela (conflito, agres- encruzilhada%20da%20Universidade%20Europeia_
Set11.pdf

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