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01/04/2019 As três rotas que trouxeram a centenária Bauhaus ao Brasil - 31/03/2019 - Ilustríssima - Folha

As três rotas que trouxeram a centenária Bauhaus ao


Brasil
Especialistas avaliam como a escola alemã influenciou a produção nacional

31.mar.2019 às 2h00

EDIÇÃO IMPRESSA (https://www1.folha.uol.com.br/fsp/fac-simile/2019/03/31/)

Mara Gama

[RESUMO] Arquitetos e designers retraçam as principais rotas que


permitiram a entrada no país da escola alemã, fundada há cem anos, e
avaliam como a herança se integrou à produção nacional.

Uma viagem de estudos para os Estados Unidos, entre setembro de 1946 e


novembro de 1947, levou o então professor-assistente da Escola Politécnica
da USP João Batista Vilanova Artigas ao Instituto de Design, em Chicago,
onde teve contato com László Moholy-Nagy. 

Ensaísta, pintor, escultor, designer e fotógrafo, o húngaro Moholy-Nagy, ou


MN, foi professor da Bauhaus em Weimar
(https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2019/01/cidade-de-goethe-celebra-os-100-anos-da-bauhaus-com-a-abertura-de-

e Dessau, na Alemanha. Saiu da escola em 1928. Deixou a


novo-museu.shtml)

Alemanha por causa da ascensão do nazismo. Em 1937, emigrou da Europa


para os Estados Unidos, onde se tornou o diretor da New Bauhaus, projeto
da Associação de Artes e Indústrias americana, por indicação de Walter
Gropius.

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Depois do fracasso da New Bauhaus, Moholy-Nagy fundou o Instituto de


Design, em Chicago. Foi editor das publicações da Bauhaus em suas várias
fases e um dos responsáveis por sistematizar em textos os seus programas de
ensino das diversas modalidades. 

O encontro de Artigas e MN foi fundamental para a conexão entre as ideias


da Bauhaus —escola de vanguarda fundada em 1919 que reinventou o design
e a arquitetura no século 20 (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2014/08/1504354-bienal-de-
veneza-reve-legado-da-arquitetura-moderna.shtml)— e os princípios que orientaram a formação
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. “Vision in Motion” e “The
New Vision” foram duas das publicações de MN muito importantes para
difundir suas ideias e construir essa vertente da herança bauhausiana no
Brasil.

Em 1969, quando ficou pronto o prédio da FAU na Cidade Universitária,


projetado em 1961, traços da pedagogia da Bauhaus, o funcionalismo e a
função social da arquitetura ganharam um espaço físico de difusão e um
ícone brasileiro.

“Artigas ganhou uma bolsa da Fundação Guggenheim para conhecer a


arquitetura norte-americana. Como professor da Escola Politécnica,
altamente interessado no ensino, percorreu várias escolas. Uma em que ele
se deteve foi o Instituto de Illinois, onde conheceu essa figura filosófica e
ideologicamente muito refinada, emblemática da Bauhaus, que era László
Moholy-Nagy. Então, em 1948 e 1949, quando começou a FAU, Artigas trouxe
essa informação para a escola”, afirma o arquiteto e professor da FAU Julio
Katinsky.

O pensamento se casava com a visão politécnica da construção na


valorização da tecnologia moderna. “Mas László Moholy-Nagy era um
homem de vasta cultura e tinha influência dos construtivistas russos, que
eram socialistas”, explica Katinsky.

O núcleo do ideário arquitetônico brasileiro que se formava naqueles anos


unia a ideia de funcionalidade da Bauhaus e objetivos do Ciam (Congressos
Internacionais da Arquitetura Moderna, realizados dez vezes entre 1928 e

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1956, cujo documento mais importante é a Carta de Atenas, de 1933, sobre a


cidade funcional).

“Os Ciam estabeleciam uma relação estreita entre sociedade, a tecnologia


moderna e as últimas expressões das artes plásticas. A arquitetura moderna
e o urbanismo moderno eram ligados a uma visão socialista, porque se
pretendia fazer a cidade como casa de todos os homens, e não a casa de uma
classe apenas”, diz Katinsky.

A influência da Bauhaus trazida por Artigas se materializou na escola,


segundo Katinsky, na caracterização do projeto de arquitetura. “O projeto
tinha que obedecer a uma função. E esta era a função social.”

“A Bauhaus foi muito forte no sentido da funcionalidade. Mas nós


absorvemos isso através do Ciam, com a flexibilidade de Le Corbusier e do
Oscar Niemeyer (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2016/09/1813663-conselhos-modernistas-de-lucio-
costa-e-oscar-niemeyer.shtml)”, afirma. “Por exemplo, quando era para receber o Sol.
Todos os edifícios do Walter Gropius —quando ele fez con
juntos habitacionais— tinham uma única face. Le Corbusier, não. Trabalhava
com todas as faces procurando adaptar. Tanto que ele adaptou —num certo
sentido, inventou— os brise-soleil, que controlavam a luz de acordo com a
situação do bloco em relação ao Sol. Isso era inconcebível para o mundo da
Bauhaus. Ela é mais rígida que Le Corbusier. Le 
(https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2015/05/1632437-diario-de-paris---le-corbusier-o-

ambiguo.shtml)Corbusier (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2015/05/1632437-diario-de-paris---le-corbusier-

o-ambiguo.shtml) era muito mais flexível.”

O designer e arquiteto Chico Homem de Melo vê, no currículo da FAU


implantado a partir de 1962, marcas da Bauhaus. “A escola entendia o
arquiteto como o projetista da contemporaneidade. A grade trazia três
grandes áreas, projeto, história e tecnologia, sendo que projeto ficava com
50% do tempo, dividido em edificação, planejamento urbano, desenho
industrial e programação visual. A ideia era mesmo criar do garfo à cidade”,
conta o ex-aluno e professor da escola.

“O edifício da FAU foi feito para esse tipo de ensino. Estava em contato com
todas as tecnologias. Os espaços para as oficinas tinham grandes

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laboratórios, o de maquetes e a gráfica. A escola formou muitos designers e


urbanistas.”

Na visão de Homem de Melo, a mais forte influência da Bauhaus no design


chega ao Brasil através do Masp e do seu Instituto de Arte Contemporânea,
IAC, fundado também por Pietro Maria Bardi, e que durou de 1951 a 1953.

“Os Bardi têm papel fundamental (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2015/05/1626486-o-


brasil-moderno-do-casal-bardi.shtml). Na condução do Masp também havia uma visão

bauhausiana. Um museu de arte que já nasce com design, incluindo a


propaganda, o ensino das vitrines”, afirma.

O arquiteto Vilanova Artigas no prédio da FAU-USP, que ele projetou - Luiz Saez/Folhapress

“Vejo também herança bauhausiana nas oficinas do Sesc Pompeia. Elas são a
Bauhaus de Lina: tapeçaria, cerâmica, tipografia. Não sei se existe em algum

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outro lugar essa marca com a força que tem no Sesc Pompeia”, diz Homem de
Melo.

“A primeira geração de alunos do IAC é referência: Alexandre Wollner,


Ludovico Martino, Emilie Chamie e Mauricio Nogueira Lima. Wollner funda
depois a Escola Superior de Desenho Industrial, Esdi, no Rio; Martino faz um
escritório que era uma referência, quase um escritório-escola. Então, via
Masp, essa herança formou uma turma que vai influenciar muita gente
depois”, diz.

No livro “IAC – Primeira Escola de Design do Brasil”, a historiadora e crítica


Ethel Leon analisa os documentos escritos por Bardi e pelo arquiteto e
professor Jacob Ruchti sobre a fase de elaboração e divulgação do IAC e que
filiam a escola brasileira à Bauhaus Dessau e ao Instituto de Design de
Chicago.

“O IAC representa portanto em São Paulo —de uma maneira indireta— as


principais ideias da Bauhaus, depois de seu contato com a organização
industrial norte-americana”, escreveu Ruchti, em citação usada por Leon em
seu livro. Leon também meciona a visita de Ruchti ao Instituto de Design de
Chicago, em 1947.

Segundo a autora, a Bauhaus que interessava ao IAC era “aquela já decantada


nos Estados Unidos e harmonizada com as necessidades do grande capital”.

“Para falar de Bauhaus no Brasil tem de falar de Ulm. Foi a referência que
chegou ao Brasil, através da vinda do Max Bill”, diz Chico Homem de Melo.
Bill (1908-1994) foi aluno da Bauhaus de Dessau e fundador da escola de
Ulm. “A passagem dele pelo Brasil foi um turbilhão.” O artista ganhou um
prêmio e teve uma sala especial da Bienal Internacional de São Paulo.

“E a Escola Superior de Desenho Industrial, Esdi, no Rio, foi uma Ulm dos
trópicos. Até a planta da escola era igual”, diz Homem de Melo.

O curso da Esdi se diz oficialmente concebido a partir do modelo da HfG-


Ulm (Hochschule für Gestaltung Ulm), escola alemã fundada nos anos 1950 e

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que buscou rever os ideais das primeiras Bauhaus no pós-guerra, já numa


perspectiva da sociedade industrial.

A filósofa e professora Maria Cecilia Loschiavo dos Santos destaca a


contribuição do designer e professor Karl Heinz Bergmiller como central
para as conexões entre a escola de Ulm e a Esdi carioca. “Bergmiller veio ao
Brasil como bolsista em 1958 e envolveu-se com a criação da Esdi e outras
atividades relativas ao design organizadas pelo Museu de Arte Moderna do
Rio”, conta Maria Cecília. “Estabeleceu a relação com a escola de Ulm
principalmente na prática pedagógica de projeto de produto visando a
produção industrial, seriada e em grande escala, impulsionada pelas
políticas desenvolvimentistas dos anos 1950.”

“Como contraponto a esta abordagem ulmiana, dentro da própria Esdi havia


outros posicionamentos pedagógicos e de prática de projeto, levando em
conta a especificidade brasileira e ampliando o campo e a formação dos
estudantes”, Argumenta Maria Cecília.

Segundo ela, em 1968 a escola experimentou uma “explosão crítica” e uma


redefinição de currículo, com caráter mais humanístico e social.

Ela destaca a presença de Aloísio Magalhães na escola. Nascido em Recife,


onde formou-se em direito, “era crítico atento aos processos de colonização
e descolonização na educação e na prática do design”.

 
Magalhães alertava para a especificidade da educação em design no Brasil,
devido aos contrastes e à desigualdade do processo de desenvolvimento, à
escassez de recursos em relação à amplitude do espaço e à responsabilidade
ética de diminuir o contraste entre pequenas áreas ricas e grandes áreas
rarefeitas e pobres.

Segundo Cecília, o embate destas posições, divergências e convergências foi


essencial para a formação de gerações de designers brasileiros.

“Passados cem anos da criação da Bauhaus é importante reavaliar as


heranças bauhausianas em nosso país, antes que esta palavra tão utilizada

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no mundo das artes, arquitetura e do próprio design vire sinônimo de uma


marca para vender todo tipo de produtos ou serviços”, diz Maria Cecilia.

Segundo ela, os princípios da Bauhaus muito beneficiaram o mercado


brasileiro, a partir dos novos processos de industrialização, mas nem tudo
seguiu nesta orientação. “Um dos mais representativos móveis projetados no
Brasil, a Poltrona Mole, de Sergio Rodrigues, trilhou outros caminhos, muito
mais próximos das influências culturais e vernaculares brasileiras”.

INSTITUTO DE ARTE CONTEMPORÂNEA (IAC)

Criado em 1951 no Masp, o IAC foi a primeira escola de design industrial do


Brasil. Os idealizadores do IAC, Lina Bo
(https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2016/09/1815979-sobre-a-mostra-do-masp-que-revisita-lina-e-a-opiniao-da-

critica.shtml)Bardi (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2016/09/1815979-sobre-a-mostra-do-masp-que-revisita-

lina-e-a-opiniao-da-critica.shtml) e
Pietro Maria Bardi, se inspiraram no Instituto de
Design de Chicago, sucessor da Bauhaus de Dessau. O instituto foi aberto ao
mesmo tempo em que o museu organizou a exposição retrospectiva do
artista suíço Max Bill, que foi um dos expoentes da arte concreta do período
e referência importante para os professores e alunos do instituto. Alexandre
Wollner, Antônio Maluf, Emilie Chamie e Maurício Nogueira Lima são alguns
dos designers de maior expressão formados na escola. O IAC encerrou suas
atividades em 1953.

FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO DA USP (FAU-USP)

Fundada em 1948, a faculdade se estruturou a partir da influência de duas


escolas: as engenharias, sediadas na Escola Politécnica, e as belas artes, da
Escola Nacional de Belas Artes. Na década de 1950, o ensino e a pesquisa
passaram a incorporar progressivamente influências do legado da Bauhaus.
O prédio da faculdade, projetado em 1961 por Vilanova Artigas, expressa os
princípios da Escola Paulista: ênfase nas estruturas, emprego de técnicas
construtivas industriais, uso de concreto armado aparente e amplos vãos
livres, rampas e espaços abertos. A FAU-USP implantou cursos de desenho
industrial na grade curricular obrigatória na reforma de 1962 e se tornou, ao

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lado da Esdi, um dos centros de produção do design no Brasil, formando


gerações de profissionais.

ESCOLA SUPERIOR DE DESENHO INDUSTRIAL (ESDI)

Inaugurada em 1963 no Rio de Janeiro, a Esdi foi fortemente influenciada


pelo trabalho de Max Bill e pelas ideias desenvolvidas na Escola Superior da
Forma (Hochschule für Gestaltung Ulm), conhecida como Escola de Ulm -
importante centro de ensino de design herdeiro da Bauhaus. Karl Heinz
Bergmiller, Alexandre Wollner, Décio Pignatari e Aloísio Magalhães
lecionaram na Esdi, que hoje é uma unidade da Uerj (Universidade do Estado
do Rio de Janeiro).

Mara Gama é jornalista especializada em design.

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