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Tradução e Comunicação A AQUISIÇÃO DA COMPETÊNCIA TRADUTÓRIA

Revista Brasileira de Tradutores


OU DIPLOMADOS X DESCOLADOS
Nº. 18, Ano 2009

O que Donald Trump pode nos ensinar sobre tradução

Maria Clara Castellões de Oliveira RESUMO


Universidade Federal de Juiz de Fora
Este texto tece considerações acerca da aquisição da competência tradutória.
UFJF
Busca-se investigar a constituição dessa competência e a forma através da
ma.clara@terra.com.br
qual a mesma pode ser adquirida. Para tanto, ele se pauta em discussões
encontradas no livro Conversa com tradutores: balanço e perspectivas da
tradução, organizado por Ivone Benedetti e Adail Sobral (2003), e no artigo
“A aquisição da competência tradutória: aspectos teóricos e didáticos”
(2005), de Amparo Hurtado Albir, principal investigadora do grupo PACTE
(Processo de Aquisição da Competência Tradutória e de Avaliação), sediado
na Universidade Autônoma de Barcelona. Essas considerações são
articuladas a questões suscitadas pela terceira temporada da série The
Apprentice, programa da National Broadcasting Company (NBC), rede de
televisão dos Estados Unidos da América e cujo produtor-executivo e
apresentador é Donald Trump, um bem-sucedido homem de negócios.
Nessa temporada, que foi apresentada nos EUA em 2005 e no Brasil em
2006, Trump dividiu os candidatos a seu aprendiz em dois grupos – o dos
college grads (diplomados) e o dos street smarts (descolados) – com o
propósito de contrapor o valor da educação formal ao da experiência
adquirida na vida prática.

Palavras-Chave: aquisição da competência tradutória; formação universitária;


experiência prática.

ABSTRACT

This text surveys issues related to the acquisition of translation competence.


It investigates the constitution of this competence and the ways through
which it can be acquired. In order to do so, it takes advantage of discussions
developed in the context of the book Conversa com tradutores: balanço e
perspectivas da tradução (Talk with translators: translation assessment and
perspectives), organized by Ivone Benedetti and Adail Sobral (2003), and in
the article “A aquisição da competência tradutória: aspectos teóricos e
didáticos” (“Translation competence acquisition: theoretical and didactical
aspects, 2005), by Amparo Hurtado Albir, main investigator of the PACTE
(Process of Translation Competence Acquisition and of Evaluation) group,
whose headquarters is in the Autonomous University of Barcelona. These
discussions are intertwined to questions posed by the third season of the TV
series The Apprentice, aired in the United States of America by the National
Broadcasting Company (NBC) and whose executive producer and host is
Donald Trump, a successful businessman. In this season, which was
presented in the USA in 2005 and in Brazil in 2006, Trump divided the
candidates to his apprentice into two groups – one of the college grads and
the other of the street smarts – with the purpose of contrasting the worth of
UNIBERO formal education to that of the experience acquired in practical life.
Centro Universitário Ibero-Americano
Contato Keywords: translation competence acquisition; university background;
rc.ipade@unianhanguera.edu.br practical experience; The Apprentice.
Artigo Original
Recebido em: 23/6/2009
Avaliado em: 30/7/2009
Publicação: 30 de setembro de 2009 23
24 A aquisição da competência tradutória ou diplomados x descolados: o que Donald Trump pode nos ensinar sobre tradução

Este texto, no qual discuto a aquisição da competência tradutória – como e onde ela pode
ocorrer –, foi inspirado pela terceira temporada de The Apprentice, programa que é levado
ao ar nos Estados Unidos da América pela National Broadcasting Company (NBC) e cujo
produtor-executivo e apresentador é Donald Trump, um bem-sucedido homem de
negócios. Cada uma das temporadas de The Apprentice tem por objetivo escolher um
candidato que irá atuar em uma das empresas de Trump na condição de seu aprendiz. Há
versões desse programa em dois países de língua inglesa e em dezessete países de língua
estrangeira, inclusive no Brasil, onde ele é apresentado pelo publicitário Roberto Justus
com o título de O Aprendiz. O programa original é transmitido pelo canal fechado
People+Arts, enquanto a sua versão brasileira é atualmente transmitida pela Record. A
temporada que serviu de inspiração para este trabalho foi ao ar em 2005 nos EUA, tendo
sido apresentada no Brasil em 2006. Ela me interessou pelo fato de ter sido construída em
torno de uma pergunta que tem percorrido vários fóruns de discussões sobre a tradução,
uma profissão que, para ser exercida, não exige a apresentação de um diploma. Essa
pergunta é a seguinte: O que vale mais – a educação formal, adquirida nos bancos da
academia, ou a experiência adquirida fora dos muros da academia?

Como os primeiros cursos de graduação na área de tradução no Brasil só


surgiram na década de 60 do século XX, a profissão de tradutor/tradutora foi exercida
informalmente, às vezes como uma tarefa ocasional, por diversos tipos de profissionais.
Deve-se lembrar a intensa atuação, a partir da década de 30 do século XX, de vários
escritores como tradutores. Uma das pesquisas realizadas no âmbito do projeto que
desenvolvo na Universidade Federal de Juiz de Fora, intitulado “Traduções literárias:
jogos de poder entre culturas assimétricas”, apontou para o fato de que, na década de
1940, Rachel de Queiroz sobreviveu fundamentalmente como tradutora: das 45 obras
traduzidas ao longo de sua vida, 31, ou seja, cerca de 69%, o foram entre 1940 e 1949.
Nesse período, ela publicou de sua própria autoria apenas uma coletânea de crônicas e
participou de uma obra em conjunto (OLIVEIRA, 2007). Vários foram os escritores que,
como ela, dedicaram-se a essa tarefa nessa década e a partir dela, estando entre eles
Monteiro Lobato, Érico Verissimo, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira,
Cecília Meireles, Vinícius de Moraes, Orígenes Lessa, João Cabral de Melo Neto e Rubem
Braga.

Ainda hoje, a despeito da proliferação dos cursos de graduação e de pós-


graduação lato sensu na área de tradução, profissionais provenientes dos mais diversos
campos de formação vêm se dedicando à tarefa tradutória, e a grande maioria acredita
que a experiência que adquiriram no exercício da profissão supre a falta de uma educação
formal. Um exemplo desse tipo de pensamento foi manifestado por Fuad Azzam,

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proprietário da Intercom Traduções Técnicas, empresa especializada em traduções para


engenharia e medicina, em “Globalização amplia mercado de trabalho para tradutor e
intérprete”, matéria publicada no jornal Folhaonline, em 18/04/2002 (SILVA, 2002). Disse
Azzam: “Prefiro contratar um médico e formá-lo como tradutor a contratar um tradutor e
formá-lo como tradutor de medicina”. Em sua empresa, segundo ele, “há médicos e
engenheiros, mas ninguém formado em tradução”.

O segundo título que atribuí a este trabalho justifica-se em função não apenas do
que disse anteriormente, como também em função da tradução dos epítetos das duas
equipes que se envolveram na disputa pelo cargo de aprendiz de Trump na terceira
temporada de seu programa. Essas equipes se intitularam Magna e Net Worth. A Magna
era composta pelos que se valeram da teoria na aquisição de seus conhecimentos
profissionais, pelos que tinham formação superior, os college grads, que ficaram
conhecidos na versão brasileira como os “diplomados”. Por sua vez, a Net Worth era
composta por aqueles que se valeram da prática para construírem a sua abordagem
profissional, que possuíam apenas diploma do ensino médio, os street smarts, que foram
identificados na versão brasileira como os “descolados”. Cada equipe era composta por
nove membros. Enquanto na dos diplomados havia cinco homens e quatro mulheres, na
dos descolados havia quatro homens e cinco mulheres. A pressuposição inicial de Trump
com relação à distinção entre os dois grupos era a de que “Ninguém é melhor do que
ninguém”.1

Uma posição relativamente próxima à de Trump foi expressa por Amparo


Hurtado Albir no artigo “A aquisição da competência tradutória: aspectos teóricos e
didáticos” (2005). Com o objetivo de abordar a tensão entre o conhecimento que se
adquire no contexto do ensino e fora dele, ela afirmou que “autores como Pozo (1996)
apontam que os processos de aprendizagem estão ativos o tempo todo no ser humano,
desde o nascimento, sem necessidade de uma intervenção social programada como é o
ensino” (2005, p. 21). No entanto, ela acrescentou, entre parênteses, a seguinte observação:
“em geral, grande parte da aprendizagem se produz através do ensino” (2005, p. 21).

Os primeiros movimentos da terceira temporada de The Apprentice, composta de


dezesseis episódios, foram bastante interessantes quando se pensa que o seu mote foi a
procura de uma resposta à indagação sobre o peso da formação acadêmica e o daquela
adquirida na vida prática. Até o sétimo episódio, as duas equipes – de diplomados e de
descolados – permaneceram íntegras, no sentido de que não houve remanejamento de

1 Essa e as demais citações de Donald Trump foram extraídas de: NATIONAL BROADCASTING COMPANY. The

Apprentice. Disponível em: <http://www.nbc.com/nbc/The_Apprentice_3>. Acesso em: 18 mar. 2007.

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membros de uma equipe para a outra. Após o sétimo episódio, quatro candidatos de cada
equipe haviam sido eliminados, uma delas, Verna, dos diplomados, no terceiro episódio,
pediu o seu próprio desligamento. Diante desse quadro de empate, Trump, abordando a
questão do embate entre a presença e a ausência de formação acadêmica por parte dos
candidatos ao cargo de seu aprendiz, afirmou o seguinte: “Sou um grande defensor da
educação, mas talvez eu tenha que começar a reavaliar minha posição”.

A partir do oitavo episódio, as equipes se misturaram, ficando assim


constituídas: diplomados, com três diplomados e 2 descolados; e descolados, com três
descolados e 2 diplomados. Do oitavo ao décimo-terceiro episódio, a tendência de
eliminação alternada de um diplomado e de um descolado se manteve. Assim, foram
eliminados, sucessivamente, um descolado (oitavo episódio) e uma diplomada (nono
episódio); uma diplomada (décimo episódio) e uma descolada (décimo-primeiro
episódio); um descolado (décimo-segundo episódio) e um diplomado (décimo-terceiro
episódio). No décimo-quarto episódio, foi eliminado um diplomado, o que levou a um
desequilíbrio no décimo-quinto episódio a favor dos descolados, que, nesse momento,
eram dois (Tana e Craig), contra uma diplomada (Kendra). Nesse penúltimo episódio, o
equilíbrio voltou a ocorrer, uma vez que o descolado Craig foi eliminado. Restaram,
portanto, para o episódio final, um representante da equipe dos diplomados e um da
equipe dos descolados – duas mulheres: Kendra e Tana.

Trump reconheceu ser “o tipo de educação formal [...] a principal diferença entre
as duas candidatas” que chegaram à final. Elas, por sua vez, indagadas por Trump a
respeito de seus pontos fortes, se manifestaram, apontando também lacunas na formação
de sua oponente. Enquanto Kendra, a diplomada, disse ser “importante terminar o que se
começou”, destacando o fato de ter concluído a universidade, o que não se deu com a sua
concorrente, Tana, a descolada, valorizou a experiência adquirida na rua, com a mão na
massa, dizendo que sua formação foi obtida “no mundo real, enquanto criava negócios de
sucesso”.

O meu propósito, a partir de agora e antes de revelar a vencedora do desafio


proposto por Trump, é apresentar alguns pressupostos teóricos que apontam para a
importância da educação formal na aquisição da competência tradutória e que, por esse
motivo, abalam a noção de que basta saber falar uma língua estrangeira ou ter uma boa
redação em língua materna para se tornar um tradutor/uma tradutora competente.

Os estudos de Hurtado Albir – e isso é consenso na área – apontam para o fato de


que a competência tradutória é uma especialização da competência comunicativa. Em sua

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opinião, a aquisição de um conhecimento especializado e, obviamente, de competência


tradutória, é:
[...] um processo de automatização gradual, no qual se passa do reconhecimento
atomístico ao holístico, do consciente ao inconsciente, das decisões analíticas às
intuitivas, da reflexão calculadora a reflexão crítica, do nível de objetividade ao nível das
implicações (HURTADO ALBIR, 2005, p. 22).

Para referendar essa opinião, Hurtado Albir citou Shreve, para quem o
desenvolvimento da competência tradutória seria um continuum entre a tradução natural
(uma habilidade inata de caráter universal que qualquer falante bilíngue possui) e a
tradução construída (a tradução profissional) (HURTADO ALBIR, 2005, p. 25).

Segundo a estudiosa, a competência tradutória é composta de cinco


subcompetências, quais sejam: a bilíngue, a extralinguística, a de conhecimentos sobre a
tradução, a instrumental e a estratégica. A subcompetência bilíngue – apenas uma das
subcompetências que compõem a competência tradutória – é integrada por
conhecimentos essencialmente operacionais, necessários para a comunicação em duas
línguas: conhecimentos pragmáticos, sociolinguísticos, textuais e léxico-gramaticais. A
subcompetência extralinguística, por sua vez, é composta por conhecimentos essencialmente
declarativos sobre o mundo e em geral e de âmbito particulares; conhecimentos
(bi)culturais e enciclopédicos. Ela envolve a experiência de mundo, que se adquire através
da vivência em culturas diferentes, que caracteriza a experiência direta, ou através do
estudo sobre essas culturas, que implica na experiência relatada. A subcompetência de
conhecimentos sobre a tradução também é integrada por conhecimentos declarativos, que
envolvem, obviamente, os aspectos teóricos e profissionais da tradução. A subcompetência
instrumental, por seu turno, consiste em conhecimentos operacionais relativos ao uso das
fontes de documentação e das tecnologias de informática e comunicação aplicadas à
tradução. Já a subcompetência estratégica é integrada por conhecimentos operacionais que
garantem a eficácia do processo tradutório. Ela controla o processo de tradução, servindo
para planejar o processo e elaborar o projeto tradutório; avaliar o processo e os resultados
parciais obtidos em função do objetivo final; ativar as demais subcompetências e
compensar deficiências entre elas; identificar problemas de tradução e aplicar os
procedimentos para a sua resolução.

Segundo Hurtado Albir, a competência tradutória é também constituída por


componentes psicofisiológicos, tais como memória, percepção, atenção e emoção; aspectos
de atitude (curiosidade intelectual, perseverança, rigor, espírito crítico, conhecimento e
confiança em suas próprias capacidades, conhecimento do limite das próprias
possibilidades, motivação); habilidades (criatividade, raciocínio lógico, análise e síntese
etc.).

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Os componentes psicofisológicos aos quais Hurtado Albir se refere, na verdade,


são pré-requisitos para o sucesso em qualquer tipo de atuação do indivíduo
profissionalmente falando. Trump, na terceira temporada de The Apprentice, mencionou
alguns deles aos participantes do programa. Segundo ele, além da substância, que está
ligada às demais subcompetências abordadas, são qualidades de um profissional de
sucesso a criatividade, a persistência, a liderança e a capacidade de trabalho.

De Conversa com tradutores: balanço e perspectivas da tradução, livro organizado


por Ivone Benedetti e Adail Sobral (2003), selecionei extratos de depoimentos de diversos
profissionais da tradução reconhecidamente competentes sobre o tipo de conhecimento e
de formação que um tradutor deve possuir. Regina Alfarano, também professora de
tradução e profissional atuante na defesa dos direitos do tradutor, disse a esse respeito
que:
A tradução, muito mais que a maioria das profissões, […] exige um alicerce bastante sólido
e eclético. Esse alicerce se baseia na língua materna, na(s) língua(s) estrangeira(s), e na
complexa gama de componentes dos dois universos. Perpassa áreas comuns do
conhecimento e traça caminhos específicos com muitas interfaces. Mas exige, acima de
tudo, empenho e persistência, observância à disciplina, preciosismo na comunicação, acuidade em
relação aos detalhes, olhar alerta e observador, sempre! (ALFARANO, 2003, p. 36, grifo
nosso)

Ainda segundo ela,


[...] a atividade tradutória exige disciplina na pesquisa, no cumprimento de prazos, na
revisão de textos, na elaboração de glossários […]. Em todos esses momentos, o
preciosismo na comunicação nunca é demais! A atividade tradutória pressupõe atualização
constante [...]. A persistência é fundamental ... (ALFARANO, 2003, p. 36, grifo nosso).

Por sua vez, Heloísa Barbosa, também tradutora, professora de tradução e


membro de associações que congregam a classe dos tradutores, chamou a atenção para
um dos aspectos psicofisiológicos mencionados por Hurtado Albir, qual seja, a
curiosidade. Em suas palavras, “o tradutor deve ser uma pessoa curiosa, que gosta de
aprender” (BARBOSA, 2003, p. 59, grifo nosso).

Ao longo de seu programa, Trump é costumeiramente auxiliado por dois


executivos de suas empresas, que, entre outras coisas, fornecem conselhos aos
participantes. George Ross, vice-presidente e conselheiro sênior da Trump Organization,
foi um participante ativo das primeiras temporadas de The Apprentice. Abaixo encontram-
se alguns dos conselhos que ele e Trump forneceram aos participantes da terceira
temporada do programa2:
Tenham prazer no que fazem. Isso é muito importante (TRUMP).
Se vocês não estiverem felizes com o que estão fazendo – desistam. Se o trabalho for um
fardo, não o façam (ROSS).

2As citações de George Ross foram extraídas de: NATIONAL BROADCASTING COMPANY. The Apprentice. Disponível
em: <http://www.nbc.com/nbc/The_Apprentice_3>. Acesso em: 18 mar. 2007.

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É necessário aprender a ter uma vida fora do trabalho. […] O trabalho fornece o dinheiro
para que a vida seja vivida com prazer (ROSS).
Nos negócios, as regras devem ser seguidas (TRUMP).

Esses conselhos, um pouco na linha dos livros de auto-ajuda, que contribuem


para a subsistência de muitos tradutores mundo afora, apontam para o fato de que o
comportamento ético e coerente é fundamental em toda a ação que desempenhamos,
pessoal e profissionalmente. Devemos seguir as regras, como disse Trump. No entanto,
como também dito por Trump e Ross, há de se extrair prazer do que fazemos, caso
contrário o trabalho torna-se um fardo.

Claudia Berliner, em seu depoimento para Conversa com tradutores, fez coro a
essas observações, ao dizer que, antes de mais nada “deve haver um forte desejo, quase
uma necessidade de fazer aquilo e não outra coisa” (BERLINER, 2003, p. 75). O poeta,
escritor, tradutor e professor Paulo Henriques Britto também falou sobre a necessidade de
se apaixonar pelo ofício, dizendo que “basicamente, o que é necessário para ser tradutor é
uma certa paixão pelo trato da palavra, o gosto pela escrita, o gosto pela leitura, e uma certa
curiosidade intelectual generalizada” (BRITTO, 2003, p. 91, grifo nosso).

Isso posto e a fim de eliminar o suspense, esclareço que Kendra, a diplomada de


26 anos, venceu a terceira temporada de The Apprentice, colocando por terra o sonho de
Tana, a descolada de 37 anos. Antes de divulgar o nome de sua nova aprendiz, no
entanto, Donald Trump reconheceu ter sido aquela uma competição acirrada: enquanto a
candidata eliminada havia se destacado por suas “ideias brilhantes e toneladas de
entusiasmo verdadeiro”, a vencedora permanecera “fora do alcance do radar por um
tempo longo demais”.

A vitória de Kendra, diplomada, de 26 anos, sobre Tana, descolada, de 37 anos,


aponta para duas conclusões importantes. A primeira diz respeito ao fato de que,
qualquer que seja a atividade exercida profissionalmente por um indivíduo, ela necessita
ser realizada a partir de uma reflexão teórica sólida e consequente, que pode ser
construída ou não nos bancos escolares. Nesse sentido, observações de Heloisa Barbosa,
extraídas de Conversa com tradutores, referendam a minha percepção. Segundo ela,
[...] embora muitos tradutores profissionais tenham alguma desconfiança da teoria, é ela
que me dá segurança […]. É claro que colhi meus dados na prática da profissão. Mas
venho acompanhando a teoria há quase trinta anos e nela confirmando e respaldando a
minha prática (BARBOSA, 2003, p. 59).

Ainda nas palavras de Barbosa,


[...] a teoria é importante na formação do tradutor, porque lhe confere um poder de
reflexão sobre sua vida profissional. Dá-lhe segurança nas tomadas de decisão e nos
posicionamentos profissionais que toma. Ao mesmo tempo, a teoria ajuda o tradutor a
encontrar seu lugar no mundo, na história (BARBOSA, 2003, p. 59).

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A segunda conclusão à qual me referi está vinculada à percepção de que a


aquisição de uma habilidade profissional no ambiente universitário, salvo algumas
exceções, se dá em menos tempo e de forma mais consistente. Nesse sentido, as palavras
da tradutora Vera Pereira, também extraídas de Conversa com tradutores, ratificam essa
segunda conclusão e servem de fecho para o meu texto:
Como autodidata em tradução, sinto falta de conhecimentos teóricos, de informações
mais apuradas de linguística […], e tenho dificuldades que suponho serem menores para
quem passou anos estudando e treinando especificamente para o exercício dessa função.
Se eu soubesse quando comecei que, um dia, a tradução ia ser um ofício para mim, teria
feito um curso de letras. (PEREIRA, 2003, p. 151).

REFERÊNCIAS
ALFARANO, Regina. Entrevista. In: BENEDETTI, Ivone C.; SOBRAL, Adail. (Org.). Conversa com
tradutores: balanço e perspectivas da tradução. São Paulo: Parábola Editorial, 2003, p. 34-43.
BARBOSA, Heloísa. Entrevista. In: BENEDETTI, Ivone C.; SOBRAL, Adail. (Org.). Conversa com
tradutores: balanço e perspectivas da tradução. São Paulo: Parábola Editorial, 2003, p. 56-70.
BERLINER, Claúdia. Entrevista. In: BENEDETTI, Ivone C.; SOBRAL, Adail. (Org.). Conversa com
tradutores: balanço e perspectivas da tradução. São Paulo: Parábola Editorial, 2003, p. 72-78.
BRITTO, Paulo Henriques. Entrevista. In: BENEDETTI, Ivone C.; SOBRAL, Adail. (Org.). Conversa
com tradutores: balanço e perspectivas da tradução. São Paulo: Parábola Editorial, 2003, p. 90-98.
HURTADO ALBIR, Amparo. A aquisição da competência tradutória: aspectos teóricos e didáticos.
Trad. Fábio Alves. In: PAGANO, A. et al. (Org.). Competência em tradução: cognição e discurso.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005. p. 19-57.
NATIONAL BROADCASTING COMPANY. The Apprentice. Disponível em:
<http://www.nbc.com/nbc/The_Apprentice_3>. Acesso em: 18 mar. 2007.
OLIVEIRA, Priscilla Pellegrino de. As traduções de Rachel de Queiroz na década de 40 do século
XX. 2007, 93 p. Monografia (Bacharelado em Letras – Ênfase em Tradução: Inglês) – Universidade
Federal de Juiz de Fora (Departamento de Letras Estrangeiras Modernas da Faculdade de Letras),
Juiz de Fora.
PEREIRA, Vera. Entrevista. In: BENEDETTI, Ivone C.; SOBRAL, Adail. (Org.). Conversa com
tradutores: balanço e perspectivas da tradução. São Paulo: Parábola Editorial, 2003, p. 140-157.
SILVA, Fábio Porto. Globalização amplia mercado de trabalho para tradutor e intérprete.
FolhaOnline. São Paulo, 18 abr. 2002. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u8890.shtml>. Acesso em: 20 out. 2007.
THE APPRENTICE 3. Direção: Glenn Weiss. Produção: Mark Burnett, Donald Trump. Los
Angeles: Trump Productions LCC, Mark Burnett Productions. Distribuição: National Broadcasting
Corporation. Canal de exibição do original: People and Arts. Período de exibição do original:
janeiro a maio de 2005. 17 episódios.

Maria Clara Castellões de Oliveira


Doutora em Letras: Estudos Literários pela UFMG.
Professora do Bacharelado em Letras: Ênfase em
Tradução – Inglês. Professora da Licenciatura em
Língua Inglesa. Professora do Programa de Pós-
Graduação em Letras: Estudos Literários da
Universidade Federal de Juiz de Fora.

Tradução e Comunicação - Revista Brasileira de Tradutores • Nº. 18, Ano 2009 • p. 23-30

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