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ABSTRACT
Este texto, no qual discuto a aquisição da competência tradutória – como e onde ela pode
ocorrer –, foi inspirado pela terceira temporada de The Apprentice, programa que é levado
ao ar nos Estados Unidos da América pela National Broadcasting Company (NBC) e cujo
produtor-executivo e apresentador é Donald Trump, um bem-sucedido homem de
negócios. Cada uma das temporadas de The Apprentice tem por objetivo escolher um
candidato que irá atuar em uma das empresas de Trump na condição de seu aprendiz. Há
versões desse programa em dois países de língua inglesa e em dezessete países de língua
estrangeira, inclusive no Brasil, onde ele é apresentado pelo publicitário Roberto Justus
com o título de O Aprendiz. O programa original é transmitido pelo canal fechado
People+Arts, enquanto a sua versão brasileira é atualmente transmitida pela Record. A
temporada que serviu de inspiração para este trabalho foi ao ar em 2005 nos EUA, tendo
sido apresentada no Brasil em 2006. Ela me interessou pelo fato de ter sido construída em
torno de uma pergunta que tem percorrido vários fóruns de discussões sobre a tradução,
uma profissão que, para ser exercida, não exige a apresentação de um diploma. Essa
pergunta é a seguinte: O que vale mais – a educação formal, adquirida nos bancos da
academia, ou a experiência adquirida fora dos muros da academia?
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O segundo título que atribuí a este trabalho justifica-se em função não apenas do
que disse anteriormente, como também em função da tradução dos epítetos das duas
equipes que se envolveram na disputa pelo cargo de aprendiz de Trump na terceira
temporada de seu programa. Essas equipes se intitularam Magna e Net Worth. A Magna
era composta pelos que se valeram da teoria na aquisição de seus conhecimentos
profissionais, pelos que tinham formação superior, os college grads, que ficaram
conhecidos na versão brasileira como os “diplomados”. Por sua vez, a Net Worth era
composta por aqueles que se valeram da prática para construírem a sua abordagem
profissional, que possuíam apenas diploma do ensino médio, os street smarts, que foram
identificados na versão brasileira como os “descolados”. Cada equipe era composta por
nove membros. Enquanto na dos diplomados havia cinco homens e quatro mulheres, na
dos descolados havia quatro homens e cinco mulheres. A pressuposição inicial de Trump
com relação à distinção entre os dois grupos era a de que “Ninguém é melhor do que
ninguém”.1
1 Essa e as demais citações de Donald Trump foram extraídas de: NATIONAL BROADCASTING COMPANY. The
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membros de uma equipe para a outra. Após o sétimo episódio, quatro candidatos de cada
equipe haviam sido eliminados, uma delas, Verna, dos diplomados, no terceiro episódio,
pediu o seu próprio desligamento. Diante desse quadro de empate, Trump, abordando a
questão do embate entre a presença e a ausência de formação acadêmica por parte dos
candidatos ao cargo de seu aprendiz, afirmou o seguinte: “Sou um grande defensor da
educação, mas talvez eu tenha que começar a reavaliar minha posição”.
Trump reconheceu ser “o tipo de educação formal [...] a principal diferença entre
as duas candidatas” que chegaram à final. Elas, por sua vez, indagadas por Trump a
respeito de seus pontos fortes, se manifestaram, apontando também lacunas na formação
de sua oponente. Enquanto Kendra, a diplomada, disse ser “importante terminar o que se
começou”, destacando o fato de ter concluído a universidade, o que não se deu com a sua
concorrente, Tana, a descolada, valorizou a experiência adquirida na rua, com a mão na
massa, dizendo que sua formação foi obtida “no mundo real, enquanto criava negócios de
sucesso”.
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Para referendar essa opinião, Hurtado Albir citou Shreve, para quem o
desenvolvimento da competência tradutória seria um continuum entre a tradução natural
(uma habilidade inata de caráter universal que qualquer falante bilíngue possui) e a
tradução construída (a tradução profissional) (HURTADO ALBIR, 2005, p. 25).
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2As citações de George Ross foram extraídas de: NATIONAL BROADCASTING COMPANY. The Apprentice. Disponível
em: <http://www.nbc.com/nbc/The_Apprentice_3>. Acesso em: 18 mar. 2007.
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É necessário aprender a ter uma vida fora do trabalho. […] O trabalho fornece o dinheiro
para que a vida seja vivida com prazer (ROSS).
Nos negócios, as regras devem ser seguidas (TRUMP).
Claudia Berliner, em seu depoimento para Conversa com tradutores, fez coro a
essas observações, ao dizer que, antes de mais nada “deve haver um forte desejo, quase
uma necessidade de fazer aquilo e não outra coisa” (BERLINER, 2003, p. 75). O poeta,
escritor, tradutor e professor Paulo Henriques Britto também falou sobre a necessidade de
se apaixonar pelo ofício, dizendo que “basicamente, o que é necessário para ser tradutor é
uma certa paixão pelo trato da palavra, o gosto pela escrita, o gosto pela leitura, e uma certa
curiosidade intelectual generalizada” (BRITTO, 2003, p. 91, grifo nosso).
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THE APPRENTICE 3. Direção: Glenn Weiss. Produção: Mark Burnett, Donald Trump. Los
Angeles: Trump Productions LCC, Mark Burnett Productions. Distribuição: National Broadcasting
Corporation. Canal de exibição do original: People and Arts. Período de exibição do original:
janeiro a maio de 2005. 17 episódios.
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