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INTRODUÇÃO
1. DEFINIÇÃO DA ECONOMIA POLÍTICA.
A produção possui um aspecto técnico e um aspecto social. O aspecto técnico da
produção é estudado pelas ciências naturais e técnicas: a física, a química, a metalurgia,
a construção de máquinas, a agronomia e outras. A economia política estuda o aspecto
social da produção, as relações social-produtivas, isto é, econômicas, entre os homens.
A economia política estuda as relações de produção em sua interação com as
forças produtivas. As forças produtivas e as relações de produção em sua unidade
formam o modo de produção.
As forças produtivas são o elemento mais dinâmico e revolucionário da
produção. O desenvolvimento da produção inicia-se com as modificações das forças
produtivas, antes de tudo com as modificações e o desenvolvimento dos instrumentos de
produção, produzindo-se depois as modificações correspondentes também no domínio
das relações de produção. As relações de produção entre os homens desenvolvem-se na
dependência do desenvolvimento das forças produtivas, mas, por seu turno, atuam da
maneira mais ativa sobre as forças produtivas.
As forças produtivas da sociedade só poderão desenvolver-se mais ou menos
livremente até quando as relações de produção corresponderem ao caráter das forças
produtivas. Num determinado ponto do seu desenvolvimento, as forças produtivas
ultrapassam os marcos das relações de produção existentes e entram em conflito com
elas. E as relações de produção, de forma do desenvolvimento das forças produtivas,
transformam-se em grilhões dessas mesmas relações.
Devido a isto, as velhas relações de produção mais cedo ou mais tarde são
substituídas por novas relações de produção, correspondentes ao nível de
desenvolvimento atingido e ao caráter das forças produtivas da sociedade. As premissas
materiais para a substituição das velhas relações de produção por outras novas surgem e
desenvolvem-se nas entranhas do velho modo de produção. As novas relações de
produção abrem caminho para um ulterior desenvolvimento das forças produtivas.
De tal maneira, a lei econômica do desenvolvimento da sociedade é a lei da
correspondência das relações de produção com o caráter das forças produtivas.
Na sociedade baseada na propriedade privada e na exploração do homem pelo
homem, os conflitos entre as forças produtivas e as relações de produção manifestam-se
na luta de classe. Nestas condições, a substituição do velho modo de produção por
outro, novo, realiza-se mediante a revolução social.
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O conjunto das “relações de produção constitui a estrutura econômica da


sociedade, a base real sobre a qual se levanta a superestrutura jurídica e política e a qual
correspondem determinadas formas de consciência social”.
Uma vez criada, a superestrutura, por seu turno, exerce ativa influência recíproca
sobre a base, acelerando ou freando o seu desenvolvimento. Com a modificação da base
econômica, modifica-se também sua superestrutura.
A economia política estuda as relações de produção, a base da sociedade em sua
interação com a superestrutura, isto é, com a ideologia, com as concepções políticas e
com as instituições.
A economia política é uma ciência histórica. Trata da produção material em sua
forma social historicamente determinada, das leis econômicas inerentes aos
correspondentes modos de produção. A lei econômica é a essência necessária e estável
dos fenômenos e processos econômicos, isto é, a ligação e dependência causai que se
repete, interiormente inerente a esses fenômenos e processos.
As leis do desenvolvimento econômico da sociedade são leis objetivas. São
engendradas por determinadas condições econômicas, independentemente da vontade
dos homens, e perdem sua força com o desaparecimento destas condições. As leis
econômicas são as leis do desenvolvimento das relações de produção. Regem as
relações sociais de produção e de distribuição dos bens materiais.
Os homens não podem suprimir ou criar arbitrariamente as leis econômicas.
Podem apenas conhecer estas leis e utilizá-las para modificar as relações econômicas no
interesse da sociedade. Entretanto, atuando sobre a economia de acordo com as leis
conhecidas e com as necessidades amadurecidas do seu desenvolvimento, os homens
favorecem o aparecimento de novas relações econômicas regidas por novas leis a elas
inerentes.
A utilização das leis econômicas numa sociedade de classes reveste sempre um
caráter de classe: a classe avançada de cada formação social utiliza as leis econômicas
de acordo com os interesses do desenvolvimento progressista da sociedade, ao mesmo
tempo em que as classes superadas opõem-se a isto.
A cada modo de produção é inerente sua lei econômica fundamental. A lei
econômica fundamental é a essência de um determinado modo de produção, é a lei do
seu movimento e determina a linha principal de desenvolvimento da sociedade. a
diferença da lei econômica fundamental, as outras leis econômicas representam aspectos
essenciais particulares das relações de produção e determinam processos particulares do
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desenvolvimento econômico da sociedade. A lei econômica fundamental encontra-se


em interação com as outras leis econômicas de uma sociedade determinada e em relação
a elas desempenha o papel dirigente.
A economia política “investiga em primeiro lugar as leis particulares de cada
etapa do desenvolvimento da produção e da troca, e só ao chegar ao fim desta
investigação pode formular as poucas leis inteiramente gerais aplicáveis a produção e a
troca em geral”.
Consequentemente, o desenvolvimento das diferentes formações sociais é
determinado tanto por suas leis econômicas específicas, como também por aquelas leis
econômicas comuns a todas as formações. Entre tais leis figuram: a lei da
correspondência das relações de produção ao caráter das forças produtivas, a lei da
elevação da produtividade do trabalho e algumas outras. Quer dizer, as formações
sociais não só estão separadas umas das outras pelas leis econômicas específicas
inerentes a um determinado modo de produção, mas também estão ligadas umas as
outras por certas leis econômicas comuns a todas as formações.
A economia política estuda os seguintes tipos históricos fundamentais
conhecidos de relações de produção: o regime comunitário primitivo, o regime
escravista, o feudalismo, o capitalismo e o socialismo. O regime comunitário primitivo
é um regime que precede a sociedade de classes. O regime escravista, o feudalismo e o
capitalismo são diferentes formas de sociedade baseadas na propriedade privada sobre
os meios de produção, na escravização e exploração das massas trabalhadoras. O
socialismo é um regime social baseado na propriedade social socialista sobre os meios
de produção, livre da exploração do homem pelo homem.
A economia política investiga como se processa o desenvolvimento dos estádios
inferiores da produção social aos seus estádios superiores, como surgem, desenvolvem-
se e são suprimidos os regimes sociais baseados na exploração do homem pelo homem.
Mostra como todo o curso do desenvolvimento histórico prepara a vitória do modo de
produção socialista. Estuda, ademais, as leis econômicas do socialismo, as leis do
aparecimento da sociedade socialista e seu ulterior desenvolvimento rumo a fase
superior do comunismo.
De tal modo, a economia política é a ciência do desenvolvimento das relações
sociais de produção, isto é, das relações econômicas entre os homens. Elucida as leis
que regem a produção e a distribuição dos bens materiais na sociedade humana nos
diferentes graus do seu desenvolvimento.
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1.1 Método da economia política


O método do materialismo dialético é o método da economia política marxista.
A economia política marxista-leninista aplica as teses fundamentais do materialismo
dialético e histórico ao estudo do regime econômico da sociedade.
A economia política, diferentemente das ciências naturais — da física, da
química, etc. —, no estudo do regime econômico da sociedade não pode empregar a
experimentação realizada em condições de laboratório, criadas artificialmente,
eliminando aqueles fenômenos que dificultam o exame do processo no seu aspecto mais
puro.
Cada regime econômico constitui um quadro contraditório e complexo. A tarefa
da investigação científica consiste em descobrir, por trás da aparência exterior dos
fenômenos econômicos, com a ajuda da análise teórica, os processos profundos, os
traços fundamentais da economia, que exprimem a essência de determinadas relações de
produção, abstraindo ou pondo de lado os traços secundários.
O resultado dessa análise científica são as categorias econômicas, isto é, os
conceitos que constituem a expressão teórica das reais relações de produção de uma
determinada formação social, como, por exemplo, a mercadoria, o valor, o dinheiro, o
cálculo econômico, o preço de custo e outros.
O método de Marx consiste em ascender das categorias econômicas mais
simples para as mais complexas, o que corresponde a um desenvolvimento gradual da
sociedade segundo uma linha ascendente — dos estádios inferiores para os superiores.
Nesta ordem de investigação das categorias da economia política, a investigação
lógica é o reflexo do curso histórico do desenvolvimento social.
Na análise das relações de produção capitalistas, Marx destaca, em primeiro
lugar, a relação mais simples, aquela que mais frequentemente se repete: a troca de uma
mercadoria por outra. Ele mostra que na mercadoria — nesta célula da economia
capitalista — estão contidas em embrião as contradições do capitalismo. Partindo da
análise da mercadoria, Marx explica o aparecimento do dinheiro, descobre o processo
de transformação do dinheiro em capital, a essência da exploração capitalista. Marx
mostra como o desenvolvimento social leva inevitavelmente a morte do capitalismo, a
vitória do comunismo.
Lênin indicou que a economia política deve ser exposta sob a forma de uma
caracterização dos sucessivos períodos do desenvolvimento econômico. De acordo com
esta indicação, no presente curso de economia política, as categorias econômicas
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fundamentais da economia política — a mercadoria, o valor, o dinheiro, o capital, etc.


— são examinadas segundo a sucessão histórica em que elas surgiram nos diferentes
estádios de desenvolvimento da sociedade humana. Assim, conceitos elementares sobre
mercadoria e dinheiro são dados ainda na caracterização das formações pré-capitalistas.
Já sob um aspecto desenvolvido, essas categorias são examinadas no estudo da
economia capitalista, onde elas atingem seu pleno desenvolvimento. O mesmo critério
de exposição é também empregado em relação a economia socialista. O conceito
elementar sobre a lei econômica fundamental do socialismo, sobre a lei do
desenvolvimento planificado e proporcional da economia nacional, sobre a distribuição
do trabalho, sobre o dinheiro, o valor, etc., é dado na seção que trata do período de
transição do capitalismo ao socialismo. Já um tratamento desenvolvido destas leis e
categorias é feito na seção “O sistema socialista de economia nacional”.
O método marxista torna possível conhecer as leis objetivas do desenvolvimento
econômico e utilizá-las praticamente segundo os interesses da construção da sociedade
comunista.
Diferentemente da história, a economia política não se propõe o estudo do
processo histórico do desenvolvimento da sociedade em toda a sua diversidade concreta.
Ela fornece os conceitos fundamentais sobre os traços essenciais de cada sistema de
economia social.
Ao lado da economia política, também existem outras disciplinas científicas que
estudam as relações econômicas em setores particulares da economia nacional, a base
das leis descobertas pela economia política: a economia da indústria, a economia da
agricultura e outras.

2. A PRODUÇÃO DE BENS MATERIAIS, BASE DA VIDA DA SOCIEDADE


A economia política é uma das ciências sociais(1). Estuda as leis da produção
social e da distribuição dos bens materiais nos diferentes estádios de desenvolvimento
da sociedade humana.
A base da vida da sociedade é a produção material. Para viver, os homens devem
ter alimentos, roupas e outros bens materiais. Para possuir esses bens, os homens devem
produzi-los, devem trabalhar.
Os homens produzem os bens materiais, isto é, travam a luta contra a natureza,
não isoladamente, mas em conjunto, em grupos, em sociedades. Consequentemente, a
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produção sempre e em quaisquer condições é produção social, e o trabalho, uma


atividade do homem social.
O processo de produção dos bens materiais pressupõe os seguintes aspectos:
o trabalho do homem,
o objeto de trabalho e
os meios de trabalho.
O trabalho é uma atividade racional do homem, no processo da qual ele modifica
e adapta os objetos da natureza para satisfação de suas necessidades. O trabalho é uma
necessidade natural, uma condição indispensável a existência dos homens. Sem o
trabalho seria impossível a própria vida humana.
Objeto de trabalho é tudo aquilo sobre o que atua o trabalho do homem. Os
objetos de trabalho podem ser fornecidos diretamente pela natureza, como, por
exemplo, a madeira que se serra no bosque, ou os minérios que se extraem das
entranhas da Terra. Os objetos de trabalho anteriormente submetidos a ação do trabalho,
como os minerais numa usina metalúrgica, o algodão numa fiação, o fio numa
tecelagem, tomam a denominação de matérias-primas.
Meios de trabalho são todas as coisas com ajuda das quais o homem atua sobre o
objeto do seu trabalho e o modifica. Entre os meios de trabalho figuram antes de tudo os
instrumentos de produção, e também a terra, as edificações produtivas, as estradas,
canais, depósitos, etc.. Na composição dos meios de trabalho, o papel determinante cabe
aos instrumentos de produção, que incluem toda a variedade de instrumentos
empregados pelo homem em sua atividade laboriosa, a começar pelos toscos
instrumentos de pedra do homem primitivo, até as máquinas atuais. O nível de
desenvolvimento dos instrumentos de produção serve de medida do domínio da
sociedade sobre a natureza, de medida do desenvolvimento da produção. As épocas
econômicas distinguem-se não por aquilo que se produz, mas pela maneira como são
produzidos os bens materiais, com que instrumentos de produção.
Os objetos de trabalho e os meios de trabalho constituem os meios de produção.
Os meios de produção por si mesmos, sem se associarem a força de trabalho, nada
podem criar. Para que possa ser posto em marcha o processo de trabalho, a força de
trabalho deve juntar-se aos meios de produção. A força de trabalho é a capacidade do
homem para o trabalho, o conjunto de forças físicas e espirituais do homem, graças as
quais está ele em condições de produzir bens materiais. A força de trabalho é o
elemento ativo da produção, que cria e põe em movimento os meios de produção. Com
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o desenvolvimento dos instrumentos de produção, desenvolve-se também a capacitação


do homem para o trabalho, sua maestria, sua prática, sua experiência produtiva.
Os meios de produção, com ajuda dos quais são criados os bens materiais, e os
homens, que põem em movimento esses meios e realizam a produção dos bens
materiais, constituem as forças produtivas da sociedade.
Não apenas os instrumentos de produção, mas também os objetos de trabalho
constituem um elemento inseparável das forças produtivas. Junto com o papel
determinante dos instrumentos de produção, o desenvolvimento dos objetos de trabalho
(a criação de novos tipos de matérias-primas, entre eles materiais para a elaboração de
instrumentos de produção, descobrimento de novos recursos energéticos, etc.) é um
índice bastante importante do nível das forças produtivas. É sabido, por exemplo, que
imensa importância teve a passagem a utilização dos metais para a produção de
instrumentos de trabalho, de petróleo, de energia elétrica, e, nos últimos tempos, aquelas
modificações nos objetos de trabalho que estão relacionadas com o desenvolvimento da
química, com a produção de novíssimos metais, com a aplicação da energia nuclear. As
massas trabalhadoras são a força produtiva fundamental da sociedade humana em todas
as etapas do seu desenvolvimento.
As forças produtivas exprimem as relações dos homens com os objetos e as
forças da natureza, utilizados para a produção de bens materiais. Entretanto, no processo
da produção, os homens não se relacionam apenas com a natureza; ao mesmo tempo,
mantêm uns com os outros determinadas relações mútuas.
As relações sociais entre os homens no processo de produção dos bens materiais
constituem as relações de produção. As relações de produção incluem: as formas de
propriedade sobre os meios de produção, a situação das classes e grupos sociais na
produção e suas relações mútuas e as formas de distribuição dos produtos.
Nenhuma produção é possível sem essa ou aquela forma de propriedade, isto é,
sem uma forma social historicamente determinada de apropriação, pelos homens, dos
bens materiais e em particular dos meios de produção(4). O caráter das relações de
produção depende antes de tudo do seguinte: na propriedade de quem se encontram os
meios de produção — se na propriedade de pessoas isoladas, de grupos ou classes
sociais, que se utilizam desses meios para a exploração dos trabalhadores, ou se na
propriedade da sociedade, que tem por objetivo a satisfação das necessidades materiais
e culturais das massas populares. De tal modo, o papel determinante no sistema das
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relações de produção é desempenhado por esta ou aquela forma de propriedade dos


meios de produção.
A forma de propriedade dos meios de produção determina a situação dos
homens no sistema da produção social, a estrutura de classes da sociedade. Quando a
forma predominante é a propriedade privada capitalista dos meios de produção, os
operários são privados dos meios de produção e por isto obrigados a trabalhar para os
capitalistas, que se apropriam do produto do seu trabalho.
Devido a isto, também as relações de produção no capitalismo caracterizam-se
pela presença de contradições antagônicas e de uma aguda luta de classes entre os
capitalistas e operários e igualmente pela luta de concorrência entre os capitalistas para
a obtenção de lucros mais elevados. Nas condições do socialismo, domina a
propriedade social dos meios de produção, em suas duas formas — a estatal (de todo o
povo) e a colcosiano-cooperativa; aqui, foi liquidada a exploração do homem pelo
homem e os trabalhadores trabalham para si, para a sua sociedade. As relações de
produção não conhecem contradições antagônicas e caracterizam-se pela colaboração
fraternal e pela ajuda mútua socialista.
As relações de produção determinam também as correspondentes relações de
distribuição. A distribuição é o elo de ligação entre a produção e o consumo. Os frutos
da produção destinam-se ao consumo produtivo ou ao individual. Denomina-se
consumo produtivo a utilização dos meios de produção para a criação de bens materiais.
Denomina-se consumo individual a satisfação das necessidades do homem em
alimentos, roupas, habitação, etc..
A distribuição dos produtos do trabalho depende da distribuição dos meios de
produção. Se os meios de produção encontram-se em propriedade das classes
exploradoras, então também a distribuição dos produtos do trabalho realiza-se com fins
de enriquecimento dos exploradores e em prejuízo dos interesses dos trabalhadores. Se,
entretanto, os meios de produção constituem propriedade social socialista, então
também os produtos do trabalho são distribuídos de acordo com os interesses da
ampliação da produção socialista e da elevação do nível de bem-estar material e cultural
dos trabalhadores.
Nas formações sociais onde existe a produção mercantil, a distribuição dos bens
materiais realiza-se mediante a troca de mercadorias.
A produção, a distribuição, a troca e o consumo constituem uma unidade, na
qual o papel predominante pertence a produção. Por sua vez, determinadas formas de
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distribuição, troca e consumo exercem ativa influência recíproca sobre a produção,


favorecendo ou freando o seu desenvolvimento.

3. CARÁTER DE CLASSE DA ECONOMIA POLÍTICA


A economia política estuda os problemas mais atuais, que afetam vitais
interesses das diferentes classes da sociedade. Serão inevitáveis a morte do capitalismo
e a vitória do sistema socialista de economia, estarão os interesses do capitalismo em
contradição com os interesses da sociedade e do desenvolvimento progressista da
humanidade, será a classe operária o coveiro do capitalismo e o portador das ideias de
libertação da sociedade do capitalismo? todas estas e outras questões semelhantes são
respondidas de modo diferente por diferentes economistas, na dependência dos
interesses de que classes eles reflitam. Precisamente por isso explica-se porque não
existe uma única economia política para todas as classes da sociedade e porque existem
diversas economias políticas: a economia política burguesa, a economia política
proletária e, por fim, uma economia política das classes intermediárias, a economia
política pequeno-burguesa.
Disto, porém, segue-se que estão completamente equivocados aqueles
economistas que afirmam ser a economia política uma ciência neutra, não partidária,
que a economia política independe da luta de classes na sociedade e não está direta ou
indiretamente vinculada a qualquer partido político.
Esta economia política objetiva só pode ser a economia política daquela classe
que não está interessada na dissimulação das contradições e das chagas do capitalismo,
na manutenção da ordem capitalista, daquela classe cujos interesses coincidem com os
interesses de libertação da sociedade da escravidão capitalista, com os interesses do
desenvolvimento progressista da sociedade. Essa classe é a classe operária. Por isso, a
economia política objetiva só pode ser aquela economia política que se apoia nos
interesses da classe operária. A economia política marxista-leninista é precisamente esta
economia política.
A economia política marxista constitui parte integrante importantíssima da teoria
marxista-leninista.
Os grandes dirigentes e teóricos da classe operária, Marx e Engels, foram os
fundadores da economia política proletária. Em seu genial trabalho O Capital, Marx
revelou as leis do aparecimento, do desenvolvimento e da morte do capitalismo, fez a
fundamentação econômica da inevitabilidade da revolução socialista e da instauração da
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ditadura do proletariado. Marx e Engels elaboraram, em seus traços gerais, a doutrina


sobre o período de transição do capitalismo para o socialismo e sobre as duas fases da
sociedade comunista.
Posteriormente, a doutrina econômica do marxismo foi desenvolvida de modo
criador nos trabalhos do fundador do Partido Comunista e do Estado soviético, do
genial continuador da causa de Marx e Engels, V.I. Lênin. Lênin enriqueceu a ciência
econômica marxista com a generalização da nova experiência do desenvolvimento
histórico, criando a doutrina marxista sobre o imperialismo, revelou a essência
econômica e política do imperialismo, analisou os traços fundamentais da crise geral do
capitalismo, criou uma nova teoria da revolução socialista, elaborou a doutrina sobre os
caminhos e métodos da construção do socialismo e do comunismo. Marx, Engels e
Lênin foram, desse modo, os criadores da economia política verdadeiramente científica.
A teoria econômica marxista-leninista é desenvolvida de maneira criadora nas
resoluções do Partido Comunista da União Soviética, dos partidos comunistas e
operários irmãos de outros países, nos trabalhos dos dirigentes desses partidos, que
enriquecem a ciência econômica com novas conclusões e teses a base da generalização
da prática da luta revolucionária e da construção do socialismo e do comunismo.
Apoiando-se nos trabalhos de Marx, Engels e Lênin, o eminente teórico do marxismo-
leninismo I.V. Stálin apresentou e desenvolveu uma série de novas teses no domínio da
economia política. Na elaboração e no desenvolvimento da teoria econômica participam
ativamente amplos círculos de marxistas estudiosos da economia. Para o
desenvolvimento da teoria econômica possui uma grande significação a generalização
da experiência de vanguarda das massas populares, dos dirigentes da economia e
inovadores da produção que revelam iniciativas criadoras na construção do socialismo.
A economia política marxista-leninista é uma poderosa arma ideológica nas
mãos da classe operária e de toda a humanidade trabalhadora em sua luta pela libertação
do jugo capitalista. A grande força da teoria econômica do marxismo-leninismo consiste
em que arma a classe operária, as massas trabalhadoras, com o conhecimento das leis do
desenvolvimento econômico da sociedade, dá-lhes uma clara perspectiva e a certeza na
vitória final do comunismo.
Aparecimento da sociedade humana. As forças produtivas no regime
comunitário primitivo
O aparecimento da sociedade humana verificou-se no início do atual período
quaternário da história da Terra, o qual conta, como supõe a ciência, pouco menos de
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um milhão de anos. Em diversas regiões da Europa, Ásia e África dotadas de clima


quente e úmido, habitava uma espécie altamente desenvolvida de macaco antropoide.
Como resultado de um longo período de desenvolvimento, compreendendo uma série de
graus intermediários, destes distantes ancestrais originou-se o homem.
O aparecimento do homem constitui uma das mais grandiosas reviravoltas no
desenvolvimento da natureza. Esta reviravolta verificou-se a partir do momento em que
os ancestrais do homem começaram a produzir instrumentos de trabalho. A diferença
radical entre o homem e o animal somente começa a existir com a produção de
instrumentos, ainda que os mais rudimentares. É sabido que os macacos frequentemente
utilizam-se de paus ou pedras para derrubar frutos das árvores, ou defender-se de
ataques. Entretanto, animal algum jamais fez mesmo o mais primitivo instrumento.
Os ancestrais do homem viviam em bandos; também em bandos e hordas viviam
os homens primitivos. O aparecimento do homem foi, ao mesmo tempo, o aparecimento
da sociedade, humana. No curso de um desenvolvimento bastante prolongado, surgiu
entre os homens uma espécie de ligação que não existia nem podia existir no mundo
animal: a ligação através do trabalho. Diferentemente dos seus ancestrais, o homem
passou a produzir os meios necessários a subsistência com a ajuda de instrumentos de
trabalho. Nos tempos primitivos, o homem encontrava-se na mais forte dependência em
relação a natureza que o cercava. É completamente errônea a tese de alguns sábios
burgueses sobre a suposta existência de uma idade do ouro naqueles tempos. O processo
de domínio das forças espontâneas da natureza decorria com extrema lentidão, uma vez
que os instrumentos de trabalho eram os mais primitivos. Os primeiros instrumentos do
homem eram pedras grosseiramente talhadas sob a forma de achas manuais e paus.
Constituíam como que um prolongamento dos seus membros: a pedra — o punho
fechado; o pau — o braço estendido.
Durante longo tempo, o homem primitivo viveu principalmente da caça e da
coleta de alimentos, o que era feito coletivamente, com a ajuda dos rudimentares
instrumentos de trabalho. Em face da insuficiência de alimentos, ocorria a antropofagia
entre os homens primitivos. No curso de muitos milênios, como se estivessem tateando,
através de um acúmulo de experiências extremamente lento, os homens aprenderam a
produzir instrumentos muito simples, utilizados para golpear, talhar, arrancar raízes e
para outras atividades muito simples, as quais se cingia então quase toda a esfera da
produção.
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Na luta com a natureza, a descoberta do fogo foi uma imensa conquista do


homem primitivo. Graças a descoberta do fogo, modificaram-se substancialmente as
condições da vida material dos homens. O homem primitivo destacava-se
definitivamente do mundo animal, estava concluída a prolongada etapa de formação do
homem. O fogo era utilizado para o preparo de alimentos, como carne, peixe, raízes
feculentas, tubérculos, etc., para produzir instrumentos de produção e oferecia proteção
contra o frio e contra as feras.
Com o correr do tempo, o homem aprendeu a fazer instrumentos mais perfeitos.
Apareceram as lanças com extremidade pontiaguda, machados, facas e raspadeiras de
pedra, arpões e ganchos. Estes instrumentos possibilitaram a caça de grandes animais e
o incremento da pesca.
A pedra permaneceu como o principal material para a produção de instrumentos
durante um período muito prolongado. A época do predomínio dos instrumentos de
pedra, que é calculada em centenas de milhares de anos, é chamada a idade da pedra.
Somente mais tarde aprendeu o homem a fazer instrumentos de metal — a princípio de
metal bruto e em primeiro lugar de cobre (o cobre, porém, sendo um metal maleável,
não alcançou grande emprego na produção de instrumentos), depois de bronze (liga de
cobre e estanho) e, por fim, de ferro. E de acordo com isso, a idade da pedra sucederam-
se a idade da pedra e do cobre, depois a idade do bronze e, por fim, a idade do ferro.
Marco importante no caminho para o aperfeiçoamento dos instrumentos de
trabalho ainda na idade da pedra foi a invenção do arco c da flecha, com o aparecimento
dos quais a caça passou a fornecer maior quantidade de meios de subsistência. O
incremento da caça conduziu ao aparecimento da pecuária primitiva. Os caçadores
começaram a domesticar os animais, a começar pelo cão. Mais tarde, de acordo com as
peculiaridades das diferentes regiões onde os homens se haviam fixado, foram sendo
domesticados cabras, gado vacum, porcos e cavalos.
Se a pecuária primitiva originou-se da caça, a agricultura primitiva surgiu da
coleta de frutos e plantas comestíveis silvestres. Durante muito tempo, a agricultura
permaneceu num estado extremamente primitivo. A terra era revolvida a mão,
inicialmente apenas com um pau, e depois com um pau tendo a extremidade dobrada,
uma espécie de enxadão. Nos vales fluviais, as sementes eram lançadas sobre o limo
deixado pelas enchentes dos rios. A domesticação dos animais tornou possível a
utilização do gado como força de tração. Posteriormente, nos estádios finais do
desenvolvimento da sociedade primitiva, quando os homens dominaram a fundição do
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metal e apareceram os instrumentos metálicos, o seu emprego tornou mais produtivo o


trabalho agrícola. A agricultura passou a ter uma base mais sólida.

3.1 As Relações de Produção do Regime Comunitário Primitivo


Os instrumentos de trabalho na sociedade primitiva eram de tal modo
rudimentares que excluíam a possibilidade do homem primitivo enfrentar isoladamente
as forças da natureza e os animais selvagens. Daqui a necessidade da propriedade
comunitária sobre a terra e outros meios de produção, bem como do trabalho coletivo.
Os homens primitivos não tinham noção da propriedade privada sobre os meios
de produção. Como sua propriedade individual, para uso de membros isolados da
comunidade, figuravam apenas alguns instrumentos de produção que, ao mesmo tempo,
serviam de meios de defesa contra as feras.
O trabalho do homem primitivo não criava qualquer excedente além do mais
indispensável a vida, isto é, não proporcionava um produto suplementar. Em tais
condições, na sociedade primitiva não podia haver classes nem exploração do homem
pelo homem. A propriedade social existia apenas nos marcos de cada comunidade; estas
comunidades eram pequenas e mais ou menos isoladas umas das outras. Segundo Lênin,
aqui o caráter social da produção abarcava apenas os membros de uma comunidade.
A atividade laboriosa dos homens da sociedade primitiva baseava-se na simples
colaboração (cooperação simples). A cooperação simples é o emprego simultâneo de
uma quantidade mais ou menos considerável de força de trabalho para a execução de
trabalhos simples. Já a cooperação simples, porém, abria diante dos homens primitivos a
possibilidade de realizar tarefas, cujo cumprimento por um homem apenas era
inconcebível (por exemplo, a caça a grandes animais selvagens).
O nível de produção extremamente baixo e a insuficiência de objetos de
consumo provocavam a necessidade de uma distribuição igualitária. Os produtos do
trabalho mal bastavam para a satisfação das necessidades mais essenciais dos homens
primitivos. Em tais condições, a desigualdade na distribuição condenaria a morte pela
fome uma parte dos membros da comunidade primitiva e, com isso, poria em perigo a
capacidade de sobrevivência de toda a coletividade.
Na vida da sociedade primitiva, um grande passo adiante foi dado com o
aparecimento da divisão do trabalho. Sua forma mais simples foi a divisão natural do
trabalho, isto é, a divisão do trabalho de acordo com a idade e o sexo: entre adultos,
crianças e velhos e entre homens e mulheres.
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Na medida em que se desenvolviam as forças produtivas, a divisão do trabalho


tornava-se gradualmente mais sólida e estável. A especialização do homem no domínio
da caça e a da mulher na coleta de alimentos vegetais e na economia doméstica
conduziram a uma certa elevação da produtividade do trabalho.
Enquanto durou o processo de separação do homem do mundo animal, as
pessoas viviam em bandos e hordas. O desenvolvimento dos instrumentos de trabalho
fez surgir a necessidade da substituição da horda primitiva por uma coletividade
produtiva mais sólida e mais coesa e da ampliação dos marcos da colaboração simples
entre os homens. Naquele estádio de desenvolvimento da sociedade, os laços de família
desempenhavam um papel decisivo para a união dos homens. Surgiu daí a necessidade
da transição da horda primitiva para a organização gentílica da sociedade. A “gens” era
um grupo composto inicialmente por algumas dezenas de pessoas congregadas por laços
de sangue.
A passagem para a organização gentílica exigiu uma modificação radical nas
relações entre os sexos. Dentro da horda imperavam relações sexuais sem normas entre
homens e mulheres, praticava-se o incesto. Isto influía negativamente no
desenvolvimento dos homens primitivos. Surgiu a necessidade vital de uma
regulamentação das relações sexuais, com a instituição da exogamia (proibição de
ligação matrimonial entre parentes por consanguinidade). Aqueles grupos de homens
primitivos onde o incesto era restringido desenvolviam-se mais rapidamente em
comparação com os grupos que admitiam ligações matrimoniais entre parentes por
consanguinidade. As ligações matrimoniais passaram a ser estabelecidas entre os
membros de diferentes “gens”, o que ampliava a possibilidade da colaboração simples e
favorecia o desenvolvimento das forças produtivas. Com o passar do tempo, o número
de componentes da “gens” aumentou, atingindo até centenas de pessoas; desenvolveu-se
o hábito da vida conjunta; as vantagens do trabalho em comum persuadiam cada vez
mais os homens a permanecerem juntos.
Algumas “gens” constituíram-se em tribos, que são a forma superior de
organização da sociedade primitiva.
Na primeira etapa do regime gentílico, a posição dirigente era ocupada pela
mulher, o que constituía uma decorrência das condições da vida material dos homens de
então. A caça com os instrumentos mais primitivos, atribuição dos homens, não podia
assegurar por completo a subsistência da comunidade: seus resultados eram mais ou
menos ocasionais. Nestas condições, mesmo as formas rudimentares de agricultura e
18

pecuária (domesticação de animais) possuíam grande significação econômica.


Constituíam uma fonte de subsistência mais segura e constante do que a caça.
Entretanto, a agricultura e a pecuária, enquanto realizadas através de métodos
primitivos, eram predominantemente atribuições das mulheres, que permaneciam
próximas ao lar, ao mesmo tempo em que os homens estavam na caça. Durante um
longo período, a mulher desempenhou o papel principal na comunidade gentílica. O
parentesco era fixado pela linha materna. Esta era a “gens’’ materna, ou matriarcal
(matriarcado).
O matriarcado, como forma antiga do regime gentílico, é conhecido por todos os
povos. Mas, em diferentes sociedades, ele atingiu um grau maior ou menor de
desenvolvimento. Não são raros os casos em que importantes sobrevivências do
matriarcado conservaram-se mesmo num grau mais elevado de desenvolvimento da
sociedade.
No curso do constante desenvolvimento das forças produtivas, quando se
processou a passagem da agricultura com o emprego daqueles enxadões de madeira para
uma forma mais desenvolvida, a agricultura com o arado, empregando-se o gado como
força de tração e se desenvolveu a pecuária (pastagens), estes ramos, que exigiam
trabalho masculino, assumiram importância decisiva na vida da comunidade; a “gens”
matriarcal cedeu lugar a “gens” paterna ou patriarcal (patriarcado). A posição principal
transferiu-se para o homem, que se tornou o chefe da comunidade gentílica. O
parentesco passou a ser fixado segundo a linha paterna. A “gens” patriarcal existiu no
derradeiro período do regime comunitário primitivo.
A força motriz do desenvolvimento do regime comunitário primitivo era o
esforço dos homens primitivos para assegurar os meios vitalmente necessários a sua
existência. Pelo fato de que o homem primitivo era dotado de instrumentos
extremamente frágeis para a sua luta com a natureza, aquele esforço concretizava-se
através do trabalho coletivo.
Partindo daí, pode-se formular do seguinte modo a lei econômica fundamental
do regime comunitário primitivo: a produção dos meios vitalmente necessários a
subsistência da comunidade primitiva, com o emprego de instrumentos rudimentares de
produção, a base do trabalho coletivo.
A inexistência da propriedade privada, da divisão da sociedade em classes e da
exploração do homem pelo homem excluía a possibilidade de existência do Estado.
19

Aparecimento da propriedade privada e das classes. Decomposição do regime


comunitário primitivo. O regime comunitário primitivo atingiu no matriarcado o seu
maior florescimento. A “gens” patriarcal já continha os germes da decomposição do
regime comunitário primitivo.
As relações de produção no regime comunitário primitivo encontravam-se, até
certo momento, em correspondência com o nível de desenvolvimento das forças
produtivas. Na última etapa do patriarcado, com o aparecimento de instrumentos
metálicos, novos e mais aperfeiçoados, as relações de produção da sociedade primitiva
deixaram de corresponder as novas forças produtivas. Os estreitos marcos da
propriedade comunitária e a distribuição igualitária dos produtos do trabalho freavam o
desenvolvimento das novas forças produtivas.
Antes, quando os instrumentos eram extremamente primitivos, só era possível
lavrar a terra mediante o trabalho conjunto de dezenas de pessoas. Em tais condições, o
trabalho em comum era uma necessidade. Mas, com o desenvolvimento dos
instrumentos de produção e o crescimento da produtividade do trabalho, já sucedia uma
família estar em condições de lavrar uma parcela de terra e assegurar-se os meios
necessários de subsistência. Desse modo, criava-se a possibilidade da passagem para a
economia individual, que, naquelas condições históricas, era mais produtiva. Ia
desaparecendo mais e mais a necessidade da propriedade comunitária e do trabalho
coletivo, enfim, da economia comunitária.
O aparecimento da propriedade privada está intimamente ligado a divisão social
do trabalho e ao desenvolvimento da troca. Com a passagem a pecuária e a agricultura,
surgiu a divisão social do trabalho, isto é, uma divisão do trabalho segundo a qual a
princípio diferentes comunidades e depois também membros individuais das
comunidades passaram a ocupar-se em diferentes tipos de atividade produtiva. A
separação das tribos pastoris constituiu a primeira grande divisão social do trabalho. Já
esta primeira grande divisão social do trabalho determinou uma elevação da
produtividade do trabalho notável para aqueles tempos
Na comunidade primitiva durante muito tempo não houve base para a troca: todo
o produto era obtido e consumido em comum dentro da própria comunidade.
Modificou-se a situação com o aparecimento da primeira grande divisão social do
trabalho. Entre as tribos pastoris apareceu algum excedente de gado, de lacticínios, de
carne, couros e peles. Ao mesmo tempo, tinham elas necessidade de produtos agrícolas.
20

Por seu turno, as tribos que se ocupavam na agricultura alcançaram com o tempo
alguns progressos na produção agrícola. Agricultores e pastores careciam de artigos que
não podiam produzir em suas próprias economias. Entre as tribos pastoras e as que se
ocupavam na agricultura estabeleceram-se, desde a antiguidade, vínculos econômicos
através da troca.
Ao lado da agricultura e da pecuária, também se desenvolveram outros tipos de
atividade produtiva. Ainda na idade dos instrumentos de pedra, os homens aprenderam
a produzir utensílios de argila. Surgiu depois a tecelagem manual.
Teve importância particularmente grande a descoberta da fundição dos metais, a
princípio do cobre e depois do bronze, resultado da fusão do cobre com o estanho, o que
abriu amplas possibilidades para a produção de diferentes instrumentos e armas de
metal (enxadas de cobre com cabo de macieira, pás, serras, machados, lanças, etc.).
Começou a desenvolver-se, inicialmente apenas dentro de algumas
comunidades, a produção artesanal — tecelagem, ferraria, olaria. Tornava-se cada vez
mais difícil combinar estes tipos de atividade com o trabalho agrícola ou pastoril.
Gradualmente, foram destacando-se, nas comunidades, pessoas que se ocupavam com o
artesanato.
A separação do artesanato da agropecuária foi a segunda grande divisão social
do trabalho. A produção dos artesãos — dos tecelões, ferreiros, armeiros, oleiros, etc.
— destinava-se cada vez mais a troca. O domínio da troca ampliou-se
consideravelmente.
Nos primeiros tempos, a troca efetuava-se entre comunidades aparentadas. Nas
transações de troca, funcionavam como representantes das comunidades os mais velhos,
os patriarcas. O posterior desenvolvimento da divisão social do trabalho e a ampliação
da troca solapavam cada vez mais a propriedade comunitária. Em tais condições, os
chefes gentílicos, gradualmente, passaram a conduzir-se em relação aos bens da
comunidade, como se fossem propriedade sua.
De início, o principal objeto de troca era o gado. As comunidades pastoras
possuíam grandes rebanhos de ovelhas, cabras e de gado bovino. Os anciãos e os
patriarcas, que já enfeixavam um grande poder na sociedade, acostumaram-se a dispor
desses rebanhos como se fossem propriedade sua. Também os demais membros da
comunidade reconheciam-lhes o efetivo direito de dispor dos rebanhos. Assim, antes de
tudo, foi o gado que se transformou em propriedade privada, e depois, gradualmente,
21

todos os instrumentos de produção. A terra foi que, por mais tempo, permaneceu como
propriedade comum.
O desenvolvimento das forças produtivas e o aparecimento da propriedade
privada conduziram pouco a pouco a decomposição da “gens”. A “gens” desagregou-se
em grandes famílias patriarcais. Posteriormente, dentro da grande família patriarcal,
começaram a destacar-se células familiares que transformavam os instrumentos de
produção, os utensílios o gado, em sua propriedade privada. Com o crescimento da
propriedade privada iam-se afrouxando os vínculos gentílicos. O lugar da comunidade
gentílica passou a ser ocupado pela comunidade rural. Diferentemente da “gens”, a
comunidade rural, ou de vizinhança, era constituída de pessoas nem sempre ligadas por
laços de parentesco. A casa, a economia doméstica, o gado — tudo isto era propriedade
privada das famílias isoladas. Os bosques, prados, a água e outros bens semelhantes
constituíam propriedade comum, como, também, durante determinado período, os
campos de cultivo. Inicialmente, os campos de cultivo eram periodicamente repartidos
entre os membros da comunidade; mais tarde, porém, passaram a ser propriedade
privada.
O aparecimento da troca e da propriedade privada marcaram o começo de uma
profunda reviravolta em todo o regime da sociedade primitiva. O desenvolvimento da
propriedade privada e a acentuação das diferenças de bens fizeram com que, dentro das
comunidades, em diferentes grupos dos seus membros, surgissem interesses diversos.
Em tais condições, as pessoas que tinham na comunidade as atribuições dos
anciãos, de chefes militares, de sacerdotes, utilizavam-se de suas posições para
enriquecer. Tinham sob seu domínio uma parte considerável da propriedade
comunitária. Os detentores de tais atribuições distanciavam-se mais e mais da massa dos
membros da comunidade, constituindo uma aristocracia gentílica. Com frequência cada
vez maior, transmitiam o seu poder por herança. Ao mesmo tempo, as famílias
aristocráticas tornavam-se as famílias mais ricas. E a massa dos membros da
comunidade, em escala maior ou menor, ia caindo gradualmente na dependência dessa
cúpula aristocrática e rica.
Com o crescimento das forças produtivas, o trabalho do homem, aplicado na
pecuária e na agricultura, passou a proporcionar mais meios de existência do que os
necessários para manter a vida dos homens. Surgiu a possibilidade da apropriação do
trabalho suplementar e do produto suplementar, isto é, o excedente de trabalho e de
22

produto sobre aquilo que era indispensável para o sustento do próprio trabalhador e sua
família.
Revelava-se, assim, vantajoso não matar as pessoas aprisionadas em combates,
como antes se fazia frequentemente, mas sim, obrigá-las a trabalhar, transformando-as
em escravos. Dos escravos apropriavam-se as famílias mais ricas e aristocráticas. Por
sua vez, o trabalho escravo acarretou o constante incremento da desigualdade, pelo fato
de que as economias que empregavam escravos enriqueciam rapidamente.
Em face da acentuação da desigualdade de bens, os aristocratas passaram a
transformar em escravos, não apenas os prisioneiros, mas também os seus parentes e
compatriotas, que haviam empobrecido e contraído dívidas. Foi assim que surgiu a
primeira divisão da sociedade em classes — a divisão em senhores de escravos e
escravos. Surgiu a exploração do homem pelo homem, isto é, a apropriação gratuita por
umas pessoas do produto do trabalho de outras pessoas.
As relações de produção do regime comunitário primitivo decompuseram-se e
cederam lugar a novas relações de produção, que correspondiam ao caráter das novas
forças produtivas.
A propriedade social foi substituída pela propriedade privada, o trabalho coletivo
cedeu lugar ao trabalho individual, o regime gentílico a sociedade de classes. A partir
desse período, toda a história da humanidade, até a construção da sociedade socialista, é
a história da luta de classes.
Os ideólogos burgueses pintam as coisas de maneira tal como se a propriedade
privada tivesse existido eternamente. A história refuta essas invencionices e mostra
convincentemente que todos os povos passaram pelo estádio do regime comunitário
primitivo, que existiu durante muitos milênios.

4. APARECIMENTO DO REGIME ESCRAVISTA


Nas primeiras etapas do seu desenvolvimento, a escravidão apresentou durante
longo tempo um caráter patriarcal, doméstico. Havia relativamente poucos escravos. O
trabalho escravo ainda não constituía a base da produção, mas desempenhava apenas
um papel auxiliar na economia. A finalidade da economia, como antes, continuava
sendo a satisfação das necessidades da grande família patriarcal, que quase não recorria
a troca.
O poder do senhor sobre os seus escravos era já então ilimitado, apesar de
continuar limitado o campo de aplicação do trabalho escravo.
23

O contínuo incremento das forças produtivas, o desenvolvimento da divisão


social do trabalho e da troca constituíam a base para a transição da sociedade ao regime
escravista.
A passagem dos instrumentos de trabalho feitos de pedra para os de metal
determinou um considerável alargamento do âmbito do trabalho humano. Na
agropecuária, que permanecia sendo o principal ramo da produção, aperfeiçoaram-se os
métodos de cultivo da terra e da criação. Surgiram novos ramos na agricultura: a
vinicultura, o cultivo do linho, de plantas oleaginosas, etc.. Os rebanhos das famílias
ricas se multiplicavam. Os cuidados com o gado reclamavam mais e mais trabalhadores.
A tecelagem, a elaboração dos metais, os trabalhos em olarias e outros ofícios artesanais
aperfeiçoavam-se gradualmente.
Uma vez que a agricultura era a principal atividade econômica, enquanto o
artesanato tinha uma importância secundária, nas condições do escravismo a economia
era, em sua base, natural. Chama-se natural a economia na qual os produtos obtidos do
trabalho não se destinam a troca e são consumidos nos próprios marcos dessa economia.
Mas, ao mesmo tempo, desenvolvia-se a troca. Os artesãos produziam seus artigos
inicialmente a base de encomendas e depois para a venda no mercado. Ao lado disso,
muitos deles, no curso de um longo período, continuaram a possuir pequenas parcelas
de terra que cultivavam para a satisfação de suas necessidades. Os camponeses
exploravam fundamentalmente a economia natural, mas eram obrigados a vender certa
parte dos seus produtos no mercado, a fim de ter a possibilidade de comprar os artigos
produzidos pelos artesãos e pagar impostos em dinheiro. Assim, uma parte dos produtos
do trabalho dos artesãos e camponeses ia transformando-se paulatinamente em
mercadoria.
A mercadoria é um produto destinado não ao consumo imediato, mas a troca, a
venda no mercado. A produção para a troca é o traço característico da economia
mercantil. A separação do artesanato da agricultura, o aparecimento do artesanato como
um ofício independente significava que estava sendo gerada pouco a pouco a produção
mercantil.
Enquanto a troca teve um caráter fortuito, o intercâmbio de um produto do
trabalho por outro fazia-se diretamente. Mas, na medida em que a troca ampliou-se e
tornou-se um fenômeno regular, gradualmente foi-se destacando determinada
mercadoria pela qual trocava-se de bom grado qualquer outra. Esta mercadoria começou
24

a servir de dinheiro. O dinheiro é a mercadoria universal, com a ajuda da qual mede-se o


valor de todas as outras mercadorias e que serve de intermediário na troca.
O desenvolvimento do artesanato e da troca conduziu a formação das cidades. A
cidade surgiu na remota antiguidade, no alvorecer do modo de produção escravista.
Inicialmente, a cidade pouco se diferenciava do campo. Pouco a pouco, entretanto, o
artesanato e o comércio concentraram-se nas cidades. Pelo tipo de ocupação dos
habitantes, por seu modo de vida, a cidade separava-se cada vez mais do campo. Assim
teve início a separação da cidade do campo e começou a oposição entre a cidade e o
campo.
A medida que aumentava a massa de mercadorias destinadas ao intercâmbio,
ampliavam-se também os limites territoriais da troca. Surgiu a necessidade do
intermediário entre vendedores e compradores. Os comerciantes passaram a
desempenhar esse papel. A separação da classe dos comerciantes, que não se ocupava
da produção, mas somente da troca dos produtos, foi a terceira grande divisão social do
trabalho. Buscando a obtenção de lucros, os comerciantes compravam as mercadorias
aos produtores, transportavam-nas aos mercados de venda, as vezes bastante distantes
do lugar da produção, e as vendiam aos consumidores.
A ampliação da produção e da troca acentuou consideravelmente a desigualdade
de bens. O dinheiro, o gado de tração, os instrumentos de produção, as sementes
concentravam-se em mãos dos ricos. Os pobres viam-se obrigados, com crescente
frequência, a recorrer a eles para obter empréstimos, a maior parte em forma natural e as
vezes em forma monetária. Os ricos emprestavam instrumentos de produção, sementes e
dinheiro, tomando dependentes os seus devedores e, no caso do não pagamento das
dívidas, reduziam-nos a condição de escravos, tomavam-lhes as terras. Surgiu a usura,
que trouxe um maior crescimento da riqueza para uns e para outros a sujeição por
dívidas.
Também a terra passou a converter-se em propriedade privada. Começaram a
vendê-la e a comprá-la. Se o devedor não pudesse saldar sua dívida para com o usurário,
só restava ao devedor desfazer-se da terra, vender os próprios filhos e a si mesmo, como
escravos. Os grandes proprietários de terras, valendo-se de sua força, apoderavam-se de
uma parte dos prados e das pastagens das comunidades camponesas rurais.
A propriedade territorial, as riquezas em dinheiro e as massas de escravos
concentravam-se nas mãos dos ricos senhores de escravos. A pequena economia
camponesa arruinava-se cada vez mais, enquanto a economia escravista firmava-se e
25

ampliava-se, estendendo-se a todos os ramos da produção. O trabalho escravo tornou-se


a base da existência da sociedade. A sociedade cindiu-se em duas classes antagônicas:
escravos e senhores de escravos.

4. 1 Assim se formou o modo de produção escravista.


No regime escravista, a população dividia-se em homens livres e escravos. Os
primeiros, em menor ou maior grau, desfrutavam dos direitos de cidadania, de posse de
bens e políticos. Quanto aos escravos, eram privados de todos estes direitos. Os homens
livres, por sua vez, dividiam-se na classe dos grandes proprietários de terras, que eram
ao mesmo tempo grandes senhores de escravos, e na classe dos pequenos produtores
(camponeses e artesãos); destes, as camadas acomodadas também utilizavam o trabalho
escravo e eram senhores de escravos. Os sacerdotes, que desempenhavam um
importante papel na época da escravidão, por sua posição ingressavam na classe dos
grandes senhores de terras e de escravos.
O aparecimento da propriedade privada e a divisão da sociedade em classes
provocaram a necessidade do Estado. Com o aumento da divisão social do trabalho e o
desenvolvimento da troca, as diferentes “gens” e tribos aproximavam-se mais e mais,
constituindo uniões. Modificou-se o caráter das instituições gentílicas. Os órgãos do
regime gentílico iam perdendo seu caráter popular. Transformaram-se em órgãos de
domínio sobre o povo, em órgãos de rapina e opressão das suas tribos e das tribos
vizinhas. Os anciãos e chefes militares das “gens” e das tribos transformaram-se em
príncipes e reis. Anteriormente, eles desfrutavam de autoridade como pessoas eleitas
pela “gens” ou união de “gens”. Agora, passavam a usar o seu poder para a defesa dos
interesses da cúpula possuidora, para a repressão dos seus próprios parentes arruinados
e para o esmagamento dos escravos. A este fim destinavam-se os destacamentos
armados, os tribunais e os órgãos repressivos.

4.1.1 Assim foi criado o poder estatal.


O Estado surgiu para manter subjugada a maioria explorada, em benefício da
minoria exploradora.
O Estado escravista desempenhou um grande papel no desenvolvimento e na
consolidação das relações de produção da sociedade escravista. O Estado escravista
mantinha subjugadas as massas de escravos. Tornou-se um aparelho amplamente
ramificado de dominação e violência sobre as massas populares. A democracia da
26

Grécia e de Roma antigas, exaltada nos manuais de história burgueses, era


essencialmente uma democracia de escravistas.

4.1.1.1. As Relações Gerais entre a Produção e a Distribuição, a Troca e o


Consumo
Antes de prosseguir com a análise da produção, é necessário examinar as
diversas rubricas com que os economistas a associam. A primeira ideia que de imediato
se apresenta, é a seguinte: na produção, os membros da sociedade fazem com que os
produtos da natureza tomem formas adequadas às necessidades humanas.
A distribuição determina a proporção (o quantum) de produtos que cabem ao
indivíduo; a troca determina a produção, da qual o indivíduo reclama a parte que lhe foi
atribuida pela distribuição.
Segundo os economistas, produção, distribuição, troca e consumo constituem
assim um silogismo com todas as regras: a produção é o termo universal, a distribuição
e a troca são o termo particular, o consumo é o termo singular com o qual o todo se
completa. Há aqui, sem dúvida, um nexo, mas bastante superficial. A produção é
determinada por leis gerais da natureza; a distribuição resulta da contingência social e,
por isso, pode exercer urna ação mais ou menos estimulante sobre a produção; a troca
situa-se entre ambas, como um movimento formalmente social; o ato final do consumo,
que é concebido não apenas como resultado, mas também como objetivo final, situa-se,
a bem dizer, fora da economia (a não ser quando, por sua vez, reage sobre o ponto de
partida para iniciar um novo processo).
Os adversários dos economistas - tanto os que provêm da Economia Política,
como os que lhe são estranhos ) acusam-nos de dissociarem grosseiramente coisas que
constituem um todo, mas colocam-se no mesmo terreno, ou até muito mais abaixo. Com
efeito, não há nada mais trivial do que acusar os economistas de considerarem a
produção exclusivamente como um fim em si, e alegar que a distribuição é igualmente
importante.

4.2 Produção e Consumo


A produção é também imediatamente consumo. Duplo consumo, subjetivo e
objetivo: o indivíduo que, ao produzir, está desenvolvendo as suas capacidades, está
também dispendendo-as, isto é, consome-as no ato da produção, tal como na procriação
natural se consomem forças vitais. Em segundo lugar: consumo dos meios de produção
27

utilizados, os quais se desgastam e se dissolvem em parte (como na combustão, por


exemplo) nos seus elementos naturais; do mesmo modo, as matérias-primas utilizadas
perdem a sua forma e a sua constituição naturais: são consumidas. Portanto, em todos os
seus momentos, o próprio ato da produção é também um ato de consumo. Aliás, os
economistas admitem-no.
Chamam consumo produtivo à produção que corresponde diretamente ao
consumo e ao consumo que coincide imediatamente com a produção. Esta identidade da
produção e do consumo remete para a proposição de Espinoza: determinatio est negatio.
No entanto, os economistas apenas estabelecem esta definição de consumo
produtivo para dissociarem o consumo correspondente à produção, do consumo
propriamente dito - o qual tomam como antítese e destruição da produção.
O consumo é também imediatamente produção do mesmo modo que, na
natureza, o consumo dos elementos e substâncias químicas é a produção das plantas. E
claro que na nutrição, por exemplo – que é uma forma particular do consumo - o
homem produz o seu próprio corpo. Isto é válido para toda a espécie de consumo que,
por qualquer forma, produza o homem. Produção consumidora. Porém -
objetam os economistas -esta produção equivalente ao consumo é uma segunda
produção, surgida da destruição do produto da primeira. Na primeira, o produto
objetiva-se; na segunda, é o objeto criado por ele que se personifica. Por isso, a
produção consumidora - embora constitua a unidade imediata da produção e do
consumo - é essencialmente diferente da produção propriamente dita. Esta unidade
imediata, na qual a produção coincide com o consumo e o consumo coincide com a
produção, deixa subsistir a dualidade intrínseca de cada um.
Portanto, a produção é imediatamente consumo, e o consumo é imediatamente
produção; cada termo é imediatamente o seu contrário. Mas, simultaneamente, há um
movimento mediador entre ambos; a produção é intermediária do consumo, cuja matéria
cria; sem esta, aquele ficaria privado do seu objeto; por sua vez, o consumo é
intermediário da produção, pois proporciona aos seus produtos o sujeito para o qual eles
o são (produtos).
O produto só atinge o seu final no consumo. Uma via férrea onde não circulam
trens, que não é usada, que não é consumida, pode dizer-se que é imaginária, que não
existe.
Sem produção não há consumo; mas sem consumo, também não há produção,
pois, nesse caso, a produção seria inútil.
28

O consumo produz a produção de duas maneiras:


1) na medida em que só no consumo o produto se torna produto. Por exemplo: um terno
só se torna realmente um terno quando é vestido; uma casa desabitada não é realmente
uma casa.
Contrariamente ao simples objeto da natureza, o produto só se afirma como
produto, só se torna produto, no consumo.
Ao absorver o produto, o consumo dá-lhe o toque final [finish strok e, no ms. de
Marx], pois o [resultado] da produção é produto, não como atividade objetivada, mas só
como um objeto para o sujeito atuante.
2) na medida em que o consumo cria a necessidade de uma nova produção e, por
conseguinte, a condição subjetiva e o móbil interno da produção, a qual é o seu
pressuposto. O consumo motiva a produção e cria também o objeto que, ao atuar sobre
ela, vai determinar a sua finalidade.
Verdade que a produção fornece, no seu aspecto manifesto, o objeto do
consumo; mas também é evidente que o consumo fornece, na sua forma ideal, o objeto
da produção; este surge na forma de imagem interior, de necessidade, de impulso e
finalidade. O consumo cria os objetos da produção, mas sob uma forma ainda subjetiva.
Sem necessidade não há produção; ora, o consumo reproduz as necessidades.
Pelo lado da produção, o problema caracteriza-se assim:
1) A produção fornece ao consumo a sua matéria, o seu objeto. Consumo sem objeto
não é consumo; neste sentido, a produção cria, produz o consumo.
2) Porém, a produção não fornece apenas um objeto de consumo; dá-lhe também o seu
caráter específico e determinado, dá-lhe o toque final - tal como o consumo dá ao
produto o toque final que converte uma vez por todas em produto. Em suma, o objeto
não é um objeto em geral, mas sim, um objeto bem determinado e que tem de ser
consumido de uma maneira determinada, a qual, por sua vez, tem que ser mediada pela
própria produção. A fome é a fome, mas a fome que é saciada com carne cozida e
consumida com faca e garfo é diferente da fome do que devora carne crua e a come com
a mão, com unhas e dentes. Por conseguinte, o que a produção produz objetiva e
subjetivamente não é só o objeto do consumo; é também o modo de consumo. A
produção cria, pois, o consumidor.
3) A produção proporciona não só um objeto material à necessidade, mas também uma
necessidade ao objeto material. Quando o consumo emerge do seu primitivo caráter
natural, imediato e tosco - e o permanecer neste estágio resultaria do fato de a produção
29

não ter também ultrapassado o seu estágio natural, primitivo e tosco - passa a ser
mediado como impulso pelo objeto: a necessidade que o consumo sente deste último é
criada pela percepção do objeto. O objeto de arte - e analogamente, qualquer outro
produto - cria um público sensível à arte e capaz de fruição estética.
Deste modo, a produção não cria só um objeto para o sujeito; cria também um
sujeito para o objeto.
a) fornecendo-lhe a sua matéria;
b) determinando o modo de consumo;
c) provocando no consumidor a necessidade de produtos que ela criou originariamente
como objetos. Por conseguinte, produz o objeto de consumo, o modo de consumo e o
impulso para consumir.
Pelo seu lado, o consumo [cria] a disposição do produtor, solicitando-o como
necessidade animada duma finalidade (a produção).
A identidade entre o consumo e a produção reveste-se pois, de um triplo aspecto:
1) Identidade imediata. A produção é consumo: o consumo é produção. Produção
consumidora. Consumo produtivo. Os economistas designam ambos por consumo
produtivo; estabelecem, no entanto, uma distinção - consideram a primeira como
reprodução, e o segundo como consumo produtivo; todas as investigações sobre a
primeira referem-se ao trabalho produtivo e ao trabalho improdutivo; as investigações
sobre o segundo tem como objeto o consumo produtivo ou não produtivo.
2) Cada um dos termos surge como mediação do outro e mediado pelo outro. Isto
exprime-se como uma dependência recíproca, como um movimento através do que se
relacionam entre si e se mostram reciprocamente indispensáveis, embora permaneçam
exteriores um ao outro. A produção cria a matéria para o consumo, enquanto objeto
exterior a este; o consumo cria a necessidade enquanto objeto interno, enquanto
finalidade da produção. Sem produção não há consumo; sem consumo não há produção.
3) A produção não é apenas imediatamente consumo, nem o consumo é apenas
imediatamente produção; mais: a produção não é simplesmente um meio para o
consumo, nem o consumo, simplesmente um fim para a produção - o mesmo é dizer, tão
pouco é suficiente o fato de cada um proporcionar ao outro o seu objeto: a produção, o
objeto exterior, material, do consumo; o consumo, o objeto ideal da produção. Cada um
dos termos não se limita a ser imediatamente o outro, nem o mediador do outro: mais do
que isso, ao realizar-se, cria o outro, realiza-se sob a forma do outro. O consumo
consuma o ato de produção, dando ao produto o seu caráter acabado de produto,
30

dissolvendoo, absorvendo a sua forma autônoma e material, e desenvolvendo - através


da necessidade da repetição - a aptidão para produzir surgida no primeiro ato da
produção.
O consumo não é pois, apenas, o ato final pelo qual o produto se torna realmente
produto: é também o ato pelo qual o produtor se torna realmente produtor. A produção,
pelo seu lado, gera o consumo, criando um modo determinado de consumo, originando -
sob a forma de necessidade - o desejo e a capacidade de consumo.
3) é particularmente discutida pela economia política, a propósito da relação entre a
oferta e a procura, entre os objetos e as necessidades, entre as necessidades criadas pela
sociedade e as necessidades naturais.
Para um hegeliano não é agora mais fácil do que identificar a produção com o
consumo. E isso foi feito não só por escritores socialistas, mas até por economistas
vulgares (como, por exemplo, Say, quando pensam que, se considerarmos um povo - ou
a humanidade in abstracto - a sua produção é igual ao seu consumo. Storch denunciou o
erro de Say, notando que um povo, por exemplo, não consome simplesmente a sua
produção, que também cria meios de produção, etc., capital fixo, etc. Além do mais,
encarar a sociedade como um sujeito único é encará-la de forma falsa, especulativa;
para um dado sujeito, produção e consumo surgem como momentos de um mesmo ato.
Importa realçar sobretudo que, se se considerar a produção e o consumo como
atividades quer dum indivíduo, quer de um grande número de indivíduos [isolados],
tanto uma como outro seguem, em qualquer caso, como elementos de um processo no
qual a produção é o verdadeiro ponto de partida, sendo, por conseguinte, o fator
preponderante. O consumo, enquanto necessidade, é o próprio momento interno da
atividade produtiva; mas esta última é o ponto de partida da realização, e portanto
também o seu elemento preponderante, isto é: [etapa] pelo qual todo o processo se
renova.
O indivíduo produz um objeto e, ao consumir o seu produto, regressa ao ponto
de partida, procedendo como indivíduo que produz e que se reproduz. Deste modo, o
consumo representa um momento da produção.
Em contrapartida, na sociedade, a relação entre o produtor e o produto, uma vez
acabado este último, é uma relação exterior; o regresso do objeto ao sujeito depende da
contingência das relações que mantêm com os outros indivíduos; ele não se apropria
diretamente do produto; - além do mais, quando produz em sociedade, a finalidade do
31

sujeito não é a apropriação imediata do produto. Entre o produtor e os produtos


interpõe-se a distribuição, a qual, mediante leis sociais, determina a parte do mundo dos
produtos que cabe aquele; interpõe-se, portanto, entre a produção e o consumo.

4.2.1.1 Distribuição e Produção


Há um fato que não pode deixar de nos impressionar ao examinarmos os tratados
correntes de economia política: neles todas as categorias são apresentadas de duas
maneiras; por exemplo, na distribuição figuram a renda imobiliária, o salário, o juro, o
lucro, ao passado que a terra, o trabalho e o capital figuram como agentes da produção.
No tocante ao capital, vemos à evidência que aparece sob duas formas:
1) como agente da produção;
2) como fonte de rendimento, isto é: como elemento determinante de certas formas de
distribuição. Por isso que o juro e o lucro figuram também na produção, pois são formas
de que se reveste o crescimento do capital, quer dizer, são momentos da sua própria
produção. Na qualidade de formas da distribuição, juro e lucro pressupõem o capital
como agente da produção. São igualmente modos de reprodução do capital.
De modo análogo, o salário é o trabalho assalariado considerado noutra rubrica:
o caráter determinado que o trabalho possui aqui como agente da produção surge além
como determinação da distribuição. Se não estivesse determinado como trabalho
assalariado, o modo como o trabalho participa na repartição dos produtos não adquiriria
a forma de salário; veja-se o caso da escravatura. Finalmente, - se considerarmos a
renda imobiliária - que é a forma mais desenvolvida sob a qual a propriedade da terra
participa na distribuição dos produtos - vemos que ela pressupõe a grande propriedade
agrária (ou melhor a grande agricultura) como agentes de produção e não a terra pura e
simples, tal como o salário não pressupõe o puro e simples trabalho.
Por conseguinte, as relações e os modos de distribuição aparecem muito
simplesmente como o reverso dos agentes de produção: um indivíduo que contribui para
a produção com o seu trabalho assalariado participa, sob a forma de salário, na
repartição dos produtos criados pela produção. A estrutura da distribuição é
completamente determinada pela estrutura da produção. A própria distribuição é um
produto da produção, tanto no que se refere ao seu objeto (pois só se podem distribuir os
resultados da produção) como no que se refere à sua forma (posto que o modo
determinado de participação na produção determina as formas particulares da
distribuição, isto é: a forma sob a qual se participa na distribuição).
32

Por conseguinte, é uma rematada ilusão circunscrever a terra à produção, a


renda imobiliária à distribuição, etc. Economistas como Ricardo, a quem se reprova
com frequência o fato de apenas terem em vista a
produção definem a distribuição como o único objeto da economia. Na verdade,
consideravam instintivamente que são as formas de distribuição que melhor exprimem
as relações dos agentes de produção numa dada sociedade. Para o indivíduo isolado, a
distribuição aparece naturalmente como uma lei social que determina a sua posição no
seio da produção, isto é: no quadro em que produz e que, portanto, precede a produção.
Ao nascer, o indivíduo não tem capital nem propriedade agrária; logo
que nasce é condenado, pela distribuição social, ao trabalho assalariado. Na realidade, o
próprio fato de a tal ser condenado, resulta do fato de o capital e a propriedade agrária
serem agentes autônomos da produção.
Mesmo à escala das sociedades na sua globalidade, a distribuição parece
preceder e determinar, até certo ponto, a produção - surge, de certo modo, como um fato
pré-econômico. Um povo conquistador reparte a terra entre os conquistadores; deste
modo impõe uma certa repartição e uma forma dada de propriedade agrária: determina,
desse modo, a produção. Ou então reduz os conquistados à escravatura, e baseia a sua
produção no trabalho escravo. Ou então, um povo revolucionário pode parcelarizar a
grande propriedade territorial e, mediante esta nova distribuição, dar um caráter novo à
produção. Ou então, a legislação pode perpetuar a propriedade agrária nas mãos de
certas famílias; ou faz do trabalho um privilégio hereditário para fixar num regime de
castas. Em todos estes exemplos, extraídos da história, a estrutura da distribuição não
parece ser determinada pela produção; pelo contrário, é a produção que parece ser
estruturada e determinada pela distribuição.
Segundo a concepção mais simplista, a distribuição apresenta-se como
distribuição dos produtos, como se estivesse afastada da produção e, por assim dizer,
quase independente dela.
Porém, antes de ser distribuição de produtos, é:
1) distribuição de instrumentos de produção;
2) distribuição dos membros da sociedade pelos diferentes ramos da produção - e esta é
uma definição mais ampla da relação anterior (consideração dos indivíduos em
determinadas relações de produção).
Manifestamente, a distribuição dos produtos não é mais do que resultado desta
distribuição, que está incluída no próprio processo de produção e determina a estrutura
33

da produção. Se não se tiver em conta a última distribuição, englobada na produção,


esta aparece, evidentemente, como uma abstração oca; na verdade, a distribuição dos
produtos é determinada por esta distribuição, a qual, na sua origem, é um fator de
produção. Ricardo, que se esforçou por analisar a produção moderna na sua estrutura
social determinada e que é o economista da produção por excelência, declara,
precisamente por ssa razão, que o verdadeiro tema da economia moderna não é a
produção, mas sim a distribuição. Eis mais uma evidência da inépcia dos economistas
que encaram a produção como uma verdade eterna e relegam a história para o domínio
da distribuição.
Sem dúvida que a relação entre esta distribuição determinante da produção e a
própria produção constitui um problema situado também no quadro da produção. Poder-
se-ia replicar: posto que a produção parte necessariamente de uma dada distribuição de
meios de produção, pelo menos a distribuição assim entendida precede a produção e
constitui a sua condição prévia. Responder-se-ia então que a produção tem efetivamente
as suas próprias condições e premissas que constituem os seus próprios momentos. À
primeira vista, pode parecer que estas condições são fatos naturais, mas o próprio
processo da produção transforma-os de naturais em históricos: e, para um dado período,
aparecem como condições naturais da produção, para outro período aparecem como o
seu resultado histórico. Estes momentos são constantemente modificados no interior da
própria produção; a introdução das máquinas, por exemplo, modificou tanto a
distribuição dos instrumentos de produção como a dos produtos; a grande propriedade
latifundiária moderna é o resultado, tanto do comércio e da indústria modernos, como
da aplicação desta última à agricultura.
Em última análise, as questões formuladas reduzem-se a uma só: qual é o efeito
das condições históricas sobre a produção, e qual a relação entre esta e o movimento
histórico em geral?
Manifestamente, este problema depende da discussão e da análise desenvolvida
da própria produção.
Não obstante, dada a forma trivial sob que acima foram postas as questões,
podemos resolvê-lo expeditamente.
Todas as conquistas supõem três possibilidades: ou o povo conquistador impõe
ao conquistado o seu próprio modo de produção (é o que os ingleses fazem atualmente
na Irlanda e parcialmente na índia); ou então deixa subsistir o antigo e contenta-se com
um tributo (por exemplo, os Turcos e os Romanos); ou, por fim, produz-se uma ação
34

recíproca, de que resulta uma forma nova, uma síntese (em parte, nas conquistas
germânicas). Em qualquer dos casos o modo de produção - seja ele o do povo
conquistador,
o do povo conquistado ou o resultado da fusão de ambos - é determinante para a nova
distribuição que se estabelece. Mesmo que esta se apresente como condição prévia para
o novo período de produção, ela é já de si um produto da produção - não só da produção
histórica em geral, mas de uma produção histórica determinada. Por exemplo, ao
devastarem a Rússia, os mongóis agiram de acordo com a sua produção – a criação de
gado - que apenas exigia grandes pastagens, para as quais os grandes espaços
desabitados são uma condição fundamental.
Os bárbaros germanos, que viviam isolados nos campos e cuja produção
tradicional se baseava no trabalho agrícola realizado por servos, puderam submeter as
províncias romanas às suas condições tanto mais facilmente quanto a concentração da
propriedade da terra por que essas províncias tinham passado alterara já completamente
as antigas condições agrárias.
E verdade que em certas épocas se viveu unicamente da pilhagem; no entanto,
para haver pilhagem é necessário que haja qualquer coisa para pilhar, quer dizer,
produção. E o modo de pilhagem é, também ele determinado pelo modo de produção;
não se pode pilhar uma nação de especuladores de Bolsa da mesma maneira que se pilha
uma nação de criadores de gado.
Quando se rouba um escravo, rouba-se diretamente um instrumento de
produção; porém, é necessário que a estrutura produtiva do país a que se destina o
escravo roubado admita o trabalho dos escravos, caso contrário (como na América do
Sul, etc.) terá que se criar um modo de produção que corresponda à escravatura.
As leis podem perpetuar nas mãos de algumas famílias a propriedade de um
instrumento de produção, por exemplo, a terra. Estas leis só adquirem significado
econômico quando a grande propriedade agrária se encontra em harmonia com a
produção social, como na Inglaterra, por exemplo. Em França praticava-se a pequena
agricultura; apesar da existência da grande propriedade: por isso, esta última fase foi
destruída pela Revolução. Mas - e a perpetuação, por meio de leis, do parcelamento das
terras, por exemplo? A propriedade concentra-se de novo, apesar das leis. Determinar
mais em particular a influência das leis na manutenção das relações de distribuição, e a
sua influência, por conseguinte, na produção.
35

4.2.1 Troca e Produção


A circulação propriamente dita ou não é mais do que um momento determinado
da troca, ou é a troca considerada na sua totalidade. Na medida em que a troca não é
mais do que um momento mediador
entre, por um lado, a produção e a distribuição que aquela determina e, por outro lado, o
consumo – e dado que o próprio consumo aparece também como um momento da
produção - é evidente que a troca se inclui na produção, e é também um seu momento.
Em primeiro lugar, é evidente que a permuta de atividades e capacidades que
ocorre no interior da produção faz diretamente parte desta última - é até um dos seus
elementos essenciais. Em segundo lugar, o mesmo se aplica à troca de produtos, pois
esta é um meio que permite fornecer o produto acabado, destinado ao consumo
imediato. No que até agora vimos, a troca é um ato incluído na produção. Em terceiro
lugar, a chamada exchange entre dealers é, dada a sua organização, completamente
determinada pela produção; representa uma atividade produtiva.
Somente na sua última fase - no momento em que o produto é trocado para ser
consumido imediatamente - é que a troca se apresenta independente e exterior à
produção e, por assim dizer, indiferente a esta. Porém observamos que:
1) não existe troca sem divisão do trabalho, quer esta seja natural, quer seja um
resultado histórico;
2) a troca privada pressupõe a produção privada;
3) a intensidade da troca, assim como a sua extensão e a sua estrutura, são determinadas
pelo desenvolvimento e pela estrutura da produção. Por exemplo, a troca entre a cidade
e o campo, a troca no campo, na cidade, etc.
Portanto, a produção compreende e determina diretamente a troca em todas as
suas formas. natural, quer seja um resultado histórico.

5. TEORIA CLÁSSICA
Nas primeiras décadas do século XIX o ensino de economia política gira em
torno da obra de Adam Smith. Todo intelectual com preocupações sociais tem na
riqueza das nações. A circulação generalizada de dinheiro e um complexo sistema de
créditos suscitam controvérsias teóricas. Também as políticas de comércio exterior
desafiam a gestão econômica em questão que iam de proibições à importação passando
por taxas e impostos e a questão do câmbio.
36

Os pensadores que se debruçam nessas questões e seguem um modelo básico de


Smith irão compor a chamada economia política clássica. Muitos autores aparecem
como membros da escola como: McCulloch, J.B Say, James Mill, Senior, Cairnes,
Hodgskin, Thompson, Sismondi, Bailey, De Quincey entre outros.
No entanto destaca-se três autores clássicos mais importantes: Thomas Malthus,
David Ricardo e Jhon Stuart Mill. Partindo do paradigma smithiano, elege como
questão central da Economia Política o crescimento econômico, mas dão ênfase
particulares a diferentes temas ligados a questão básica: Malthus enfatiza a demanda,
Ricardo a distribuição dos rendimentos e Mill preocupa-se com a questão metodológica
e sobre a produção, distribuição e propriedades dos bens.
De fato Ricardo e Mill eram as maiores autoridades na fase áurea e da Economia
Política inglesa em meados do século XIX. Malthus foi relativamente superado por eles,
mas sua importância seria resgatada tempos depois.
As reflexões desses autores clássicos estarão em sintonia com os problemas da
época, embora a escola tenha se tornado ao longo do tempo excessivamente abstrata e
descolada desses problemas a estrutura de preços relativos em termos reais seria
explicada pela versão ampliada e aperfeiçoada da teoria do valor do trabalho de Smith.
Os problemas econômicos com raízes no setor financeiro ainda não são muito
estudado, e a teoria real mantém uma grande relação à teoria monetária. Nível dos juros
é governada pela demanda de empréstimos por capital de investimentos e pela oferta de
recursos reais disponíveis de capital, que por sua vez depende da oferta de poupança
bruta. Ao longo prazo, a oferta de moeda é neutra e não afeta os juros reais apenas o
preços.
A conexão entre mercados monetários e mercado de bens foi tentada por
Thornton, ele acreditava que ao longo prazo as taxas reais de retorno de capital fixo
seriam iguais às taxas de retorno no mercado de fundos emprestáveis, mas não sabiam
explicar direito estas conexão.
A relação entre taxa e juros de mercado e as taxas reais ou naturais de juros, não
eram bem investidas. Só no fim do século XIX Wicksell e Marshall iram lançar uma luz
verdadeiramente esclarecedora a temática monetária. Ricardo esteve envolvido nas
controvérsias monetárias da época e era adepto do estabelecimento de um padrão-ouro.
Para os clássicos algumas classes sociais eram improdutivas, e outras produtivas,
trata-se de um conceito importante entre eles, pois procuravam uma teoria da criação de
riquezas. Também os fisiocratas empregavam os termos produtivos e improdutivo para
37

analisar a realidade econômica, para os autores todas as classes eram improdutivas


menos os agricultores.
Os clássicos herdaram a terminologia dos fisiocratas, mais alteraram-lhe o
conteúdo, para eles os trabalhadores produtivos eram todos aquele que criavam a
riqueza material da nação, os demais trabalhadores eram considerados improdutivo. Um
exemplo de trabalhadores do setor de serviços, como médicos, advogados, sacerdotes,
professores, intelectuais, algum desses trabalhadores considerados improdutivos não
significavam um trabalho inútil ou desnecessário, pois alguns destes trabalhos são
essenciais e eram tidos como tais pelos clássicos. O termo produtivo e improdutivo não
traz nenhum julgamento de valor nem cotação negativa assim as categorias para a
análise da realidade econômica, para explicar o crescimento econômico eles foram
obrigados a criar um fator instrumental analítico que lhe permitisse a realidade.

5.1 Escola Clássica para Adam Smith


É pelo fato da visão da Economia no século XVIII ter caminhado firme em
direção a ideia de ordem natural que os avanços na física e demais ciências naturais são
bastante relevantes na economia como ciência.
Embora Adam Smith (1723/1790) seja considerado o pai da Economia Política,
sabemos hoje que boa parte de suas ideias já estavam presente em autores antecedentes
como Quesnay e Cantillon. O esforço analítico de Smith deve-se muito a esses outros
autores do século XVIII, por fornecerem os elementos que irão compor sua visão. Smith
destaca-se pelo tratamento sistemático das principais questões econômica da época em
um único tratado.
A qualidade literária e a pretensão didático de seu trabalho é evidente, há em sua
principal obra em Economia, A riqueza das nações, inúmeras considerações históricas
inéditas e até alguns procedimentos originais no tratado teórico.
Nesta seção trata-se de suas concepções no campo de ética e da filosofia da
ciência. O estudo da filosofia de Smith dificilmente seria apoiada apenas na literatura de
riqueza das nações, ele não explicita nela seus pressupostos filosóficos e metodológicos.
Mais revelador nesse sentido é o ensaio smithiano cujo título já revela o
conteúdo: Os princípios que guiam e conduzem, a investigação científica ilustrada pela
história da astronomia, Smith escreveu esse ensaio ainda jovem, entre 1746 e 1748, com
pouco mais de vinte anos, ele só apareceu ao público 19 anos depois da publicação de A
riqueza das nações, obra da fase madura de Smith. O estudo do método com a base em
38

ensaio de início de carreira pressupõe, a tese de que ele tenha mantido uma continuidade
de visão ao longo da vida, uma hipótese aceita pela maioria dos estudiosos de Smith.
Adam Smith era uma pessoa muito culta, que lera e escrevera em diversas áreas.
Quando ainda jovem, foi enviado para Oxford para estudar, ao chegar lá não
houve uma orientação precisa do estudo, como consequência disso acabou saindo do
foco de interesse em diversas áreas do conhecimento.
Com poucos compromissos formais, passava o dia todo na biblioteca da
faculdade de Balliol, ligada a Universidade de Oxford, em contato com os principais
clássicos gregos e latinos e com a literatura científica da época, incluindo as obras de
Newton, Bacon e Descartes. Logo em seguida, Smith viria escrever textos em diversas
áreas incluindo filosofia moral e estudos de linguística. O ensaio Histórico da
astronomia mostra claramente a influência do método newtoniano, como Newton,
Smith não acreditavam que o conhecimento científico possuísse um substrato
ontológico verdadeiro Smith analisa o funcionamento da mente do filósofo pelo exame
de três sentimentos que ocorrem sempre na mesma sequência: a surpresa, o espanto, e a
admiração, essa discrição da mente humana tem com base na mecânica de sentimentos
psicológico lembra o René Descartes. Sendo, Descartes fala sobre o processo de
descoberta científica como sendo movido pela ação de uma paixão fundamental a que
denomina de admiratio. Smith, por sua vez também descreve um mecanismo
psicológico para a descoberta científica, pois a teoria de Smith de fato não se confunde
com a de Descartes, com tudo Smith dava muita importância aos dados dos sentidos e
as observações dos fenômenos, portanto da tradição de Bacon e Lacke.
A base do pensamento da escola clássica é o liberalismo econômico, ora
defendido pelos fisiocratas. Seu principal membro é Adam Smith, que não acreditava na
forma mercantilista de desenvolvimento econômico e sim na concorrência que
impulsiona o mercado e consequentemente faz girar a economia.

5.1.1. Pressupostos teóricos desse pensamento:


Envolvimento mínimo do governo: As forças do mercado guiariam a produção,
de forma que a economia tornava-se, auto ajustável, proporcionando o emprego total,
porem, o governo somente deveria intervir na aplicação dos direitos de propriedade e da
defesa nacional, além fornecer a educação pública.
Comportamento econômico de auto interesse: os clássicos defendiam a idéia de
que se comportamento de auto interesse fizesse parte da natureza humana. Assim, os
39

produtores buscavam o lucro em suas vendas; os trabalhadores buscavam salários, ao


vender sua forca de trabalho, e os consumidores buscavam os bens de consumo e a
satisfação de seus desejos.
Harmonia de interesse: ao defender os interesses individuais, os interesses da
sociedade eram atendidos também, segundo os clássicos.
Importância de todos os recursos e atividade econômica: em junção e acréscimos
ao pensamento mercantilista e fisiocrata, os clássicos acreditavam que todos os recursos
econômicos, bem como as atividades econômicas que trabalhavam esse recurso, eram
essenciais para a riqueza de uma nação.
Leis econômicas: a escola clássica deixou enormes contribuições na criação de
teorias econômicas, ou lei. Alem de serem muito importantes, os clássicos acreditavam
que as leis da economia são universais e imutáveis.

5.1.1.1 O liberalismo econômico


A teoria de Smith ressalta que a desejada prosperidade econômica e a
acumulação de riquezas não são concebidas pela atividade rural e nem comercial, mas o
elemento de geração da riqueza está no trabalho sem ter, logicamente, o estado como
regulador e interventor.
O pai da economia constatou que as pessoas deveriam ser livres, tanto para
comprar e vender como para negociar de acordo com seus interesses, isso porque o
comportamento econômico do auto-interesse é um principio da natureza humana, assim,
quem produz o faz com desejo de obter lucros; quem trabalha o faz com o interesse de
receber um salário; e quem consome o faz em busca de satisfazer os seus desejos
básicos ou supérfluos.
Smith escreveu também sobre a livre concorrência, o que segundo ele seria o
ideal para o avanço do sistema econômico capitalista, que havia entrado em ascensão
com o advento da Revolução Industrial, já que fazia com que os preços fossem
distribuídos de forma igualitária, isto é, um monopólio seria capaz de conduzir os
preços de acordo com a sua necessidade, porem, esse monopólio deixa de ser
monopólio quando outra empresa que produz o mesmo bem ou um substituto perfeito
deste.
Smith ainda discorre sobre o fato de a pobreza e a miséria serem frutos da ordem
natural, e dessa forma o Estado nada poderia fazer em relação a isto. De acordo com os
clássicos, os trabalhadores deveriam ganhar apenas um salário de subsistência, pois eles
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não poderiam morrer de fome, a miséria era natural da sociedade, já que existia uma
divisão entre os empregados e os trabalhadores de salário muito baixo, o qual diminuía
as chances de tornar um simples trabalhador em um rico empregador.
Ressalta-se então que, segundo Smith, não deveria haver no sistema econômico
capitalista, a distribuição igualitária de renda, porque com isso, não só o ciclo
econômico seria alterado, mas também a divisão do trabalho, pois assim, esse processo
que para o fundador da escola clássico é tão importante para gerar a Riqueza das
Nações, desapareceria gradativamente. Contudo, ele era defensor da ideia de que todos
são iguais perante a lei, sendo sujeitos dos mesmos deveres e direitos, mas não iguais
perante a renda.

5.2 Desenvolvimento econômico para Smith


Para Adam Smith o desenvolvimento econômico depende do trabalho produtivo,
e este depende do liberalismo econômico (laissez-faire), do auto-interesse e do
aperfeiçoamento advindo da divisão do trabalho, ou seja, esses fatores estão interligados
em prol do crescimento econômico das nações, de modo que haja essencialmente a
divisão do trabalho para tal ganho.
Em sua obra “A Riqueza das Nações” ele usa como exemplo uma fabrica de
alfinetes que aumentou a sua produção quando a divisão do trabalho foi aplicada. Esse
processo faz com que um trabalhador desenvolva apenas uma ou até duas funções de
um produto, adquirindo habilidade e agilidade no desenvolvimento da produção. O
auto-interesse também é importante, à medida que ninguém produz apenas por produzir.
Em outro fragmento da obra o autor cita “não é da benevolência do padeiro, do
açougueiro ou do cervejeiro que eu espero que saia o meu jantar, mas sim do empenho
deles para promover seu auto-interesse”. Smith destaca que cada classe- produtora,
trabalhadora ou consumidora- tem o seu interesse, e que são individuais e diferentes uns
dos outros. Para que todos esses processos anteriormente citados aconteçam de forma
harmoniosa, o governo deve intervir de forma mínima, quase que imperceptível no
desenvolvimento econômico.

5.2.1 Preço natural e preço de mercado


Para Smith, o preço natural (pn) é calculado e obtido pelo conjunto de custos que
compões a produção de um objeto, incluindo o salário pago aos trabalhadores que
fizeram parte do processo produtivo. Tomando como exemplo a produção de alfinetes,
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na qual o preço natural seria obtido pelo preço do arame utilizado em sua produção e do
ferro, e o salário pago aos trabalhadores que participaram das atividades, assim fica
clara a maneira como o economista interpretava o conceito de preço natural.
Já o preço de mercado (PM) pode estar acima, abaixo ou exatamente sobre o
preço natural, tudo depende da quantidade de oferta e de demanda em certo período.
Um lucro pode ser obtido quando um produto é negociado em seu preço acima do preço
natural ou por uma medida desesperada, ele também poderá ser vendido abaixo do
preço natural, mas essa medida não deve ser continuada. Assim, o lucro passa a ser um
excedente que pode ou não ser reinvestido ou ainda poupado pelo empregador que o
obteve. Em suma, o preço de mercado é o valor pelo qual o produto esta sendo
comprado.
Assim, a interação entre o preço natural e o preço de mercado é que determina a
preço real e os lucros obtidos.
Adam Smith contribuiu grandemente para formação do sistema capitalista hoje
espalhado pelo mundo, suas teorias e fundamentos são de grande importância para
entendermos o sistema atual. Como o estado tinha o papel de intervir em todas as
relações fazendo com que não existisse liberdade, Smith lança uma tese de que o estado
não deveria intervir totalmente na economia, surgindo assim o liberalismo econômico.
Foi através de Smith que a economia passou a ser uma gama de conhecimentos
sistematicamente organizado, que se refere ao entendimento dos recursos escassos da e
na sociedade. Com isso há uma necessidade em se estudar e compreender a vida de
Smith, para assim entendermos como a economia iniciou, e como ela se estende hoje na
sociedade.
Um dos prolongamentos do pensamento de Adam Smith pode ser observado no
americano Frederick W. Taylor (1856-1915), ele elaborou a pratica do taylorismo, em
que o trabalho industrial foi fragmentado, pois cada trabalhador passou a exercer uma
atividade específica no sistema industrial. A organização foi hierarquizada e
sistematizada, e o tempo de produção passou a ser cronometrado. Observa-se então o
principio da divisão do trabalho com o objetivo de aumentar a produção.

6. ECONOMIA NEOCLÁSSICA
A Economia Neoclássica é uma abordagem da economia que estuda o
comportamento da oferta e da procura, tendo em conta a racionalidade de cada agente e
sua capacidade de maximizar os seus interesses fundamentais (utilidade no caso das
42

famílias ou o lucro no caso das empresas), tendo surgido como contraponto à


‘Economia Clássica’ e como forma de resolver as fragilidades da ‘Escola Ricardiana’.
Os avanços e as possibilidades abertas por esta nova abordagem da realidade são
tão vastas que atualmente, passado quase século e meio, ainda não estão esgotadas.
À Economia Clássica faltava-lhe resolver um problema conceptual central: de
onde provinha o valor que era atribuído a cada bem? No início da década de 70 do
século XIX foi efetuada uma descoberta que revolucionou a ciência económica (a
designada revolução marginalista), preconizada por três economistas: William S.
Jevons, Carl Menger e Léon Walras. Esta descoberta baseava-se nos pressupostos de
que o valor vinha da utilidade subjetiva que as pessoas atribuíam a cada bem, e de que
cada agente, sendo racional, procuraria conseguir a decisão que lhe fosse mais
favorável. Foi com base nestes pressupostos que nasceu a estrutura analítica da
economia moderna ou neoclássica.
O sucesso e aceitação generalizada do modelo Walrasiano de Léon Walras e dos
desenvolvimentos de Alfred Marshall na obra Principles of Economics de 1890, que
esteve na base da Economia Neoclássica, foi de tal ordem, que rapidamente substituiu a
anterior obra de Stuart Mill como manual de economia. Contudo, e apesar da economia
neoclássica ser ainda hoje a principal base científica da Teoria Económica moderna,
existem muitos economistas que afirmam que a economia neoclássica faz muitas
suposições infundadas e irrealistas, que não representam situações reais. Defendem, por
exemplo, que a suposição de que todas as partes se comportam racionalmente ignora o
fato de que a natureza humana é vulnerável a outras forças, que levam as pessoas a fazer
escolhas irracionais.
Após a revolução marginalista do fim do século XIX, há que destacar muitos
outros avanços surgidos no início do século XX, nomeadamente os trabalhos levados a
cabo por John Hicks que faz a chamada síntese neoclássica que incorpora a corrente
keynesiana. Aqui cabem também os progressos na análise estatística e o surgimento dos
computadores que abriram enormes possibilidades no campo da observação e do teste
empírico. Nas teorias monetárias foi estabelecida uma nova orientação, cuja articulação
com as teorias de valor foi revolucionária e atingiu o seu expoente máximo com a obra
«Teoria Geral do Emprego» de John Maynard Keynes. De referir ainda os contributos
de Joseph Schumpeter que transformou a compreensão da dinâmica socioceconómica
com as suas obras «Teoria do Desenvolvimento Económico» (1+11) e «Capitalismo,
Socialismo e Democracia» (1943).
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6.1 Pressupostos da Economia Neoclássica


O referencial da economia neoclássica assenta três pressupostos essenciais,
nomeadamente:
Objetivo da procura: o objetivo dos consumidores é maximizar os seus ganhos,
aumentando as suas compras até que o ganho de ter uma unidade extra do bem fique
equilibrado com o custo da sua obtenção. Este ganho é medido em termos de
‘utilidade’, ou seja, a satisfação associada ao consumo de produtos e serviços. A
utilidade obtida com a aquisição de uma unidade adicional de um bem depende de
quanto o consumidor já possua desse mesmo bem: quanto mais o tiver, menor será a
utilidade adicional que conseguirá obter com a nova unidade. Tal pressuposto
corresponde ao princípio da utilidade marginal decrescente, segundo o qual o consumo
de um bem traz utilidade à pessoa que o desfruta, mas à medida que aumenta o seu
consumo, cada unidade adicional (marginal) do bem traz cada vez menos utilidade ao
consumidor.
Fator trabalho: os indivíduos fornecem a sua mão-de-obra (trabalho) para as
empresas, procurando equilibrar o ganho de oferecer a unidade marginal dos seus
serviços (o salário a receber) com a ‘desutilidade’ do trabalho em si, que é a perda de
tempo livre ou de descanso.
Objetivo da oferta (produtores): as empresas ou produtores têm como objetivo a
maximização dos seus lucros, procurando produzir unidades de um bem de modo a
equilibrar a receita adicionada com a produção de uma unidade extra e respetivo custo
associado, bem como contratar funcionários (e adquirir meios de produção) até ao ponto
em que o custo de uma contratação adicional (ou de outros meios de produção) se
equilibre com o valor da produção que o trabalhador adicional produzirá.
Este pressuposto assenta na lei dos rendimentos marginais decrescentes ou lei
das proporções variáveis que se traduz no seguinte: se foram adicionadas quantidades de
uma mesma magnitude de um fator de produção variável a uma quantidade fixa de
outro, os acréscimos na produção serão inicialmente crescentes, crescendo contudo a
uma taxa cada vez menor e chegando mesmo a um ponto em que se tornarão
decrescentes.
Obs: princípio da utilidade marginal decrescente: “O consumo de um bem traz
utilidade à pessoa que o desfruta, mas quanto maior é o seu consumo, cada dose
adicional (marginal) do bem traz cada vez menos utiliade ao consumidor”.
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Trabalhadores: os indivíduos fornecem sua mão-de-obra para as empresas,


buscando equilibrar o ganho de oferecer a unidade marginal de seus serviços (o salário a
receber) com a desutilidade do trabalho em si, que é a perda de lazer.
Produtores: tentam produzir unidades de um bem de modo a equilibrar a receita
adicionada com a produção de uma unidade extra e seu custo, bem como contratar
funcionários até o ponto em que o custo de uma contratação adicional se equilibre ao
valor da produção que o trabalhador adicional produzirá.
Lei dos rendimentos decrescentes ou lei das proporções variáveis: “Se
adicionarmos quantidades de uma mesma magnitude de um fator de produção variável a
uma quantidade fixa de outro, os acréscimos na produção serão inicialmente crescentes,
porém depois se tornarão decrescentes podendo, inclusive, assumir valores negativos”
Dessa forma, para a visão neoclássica, estamos diante de “agentes econômicos”
que tentam otimizar o tanto quanto eles possam seus ganhos, sujeitos às restrições
relevantes. A atribuição de valor está relacionado aos desejos ilimitados, que colidem
com a escassez e as restrições.
Os preços são os sinais que indicam às famílias e às empresas que seus desejos
conflitantes podem ser conciliados. Conforme a dinâmica dos preços, a otimização sob
restrição e a interdependência de mercado levam ao equilíbrio econômico entre oferta e
demanda.
A economia neoclássica é uma metateoria, um conjunto de regras ou
entendimentos implícitos para construção de teorias econômicas satisfatórias, um
programa de pesquisa científica que gera teorias econômicas. Teorias que assumam seus
pressupostos serão neoclássicas (mesmo se não forem sobre mercados). Essas
suposições fundamentais incluem o seguinte:
1-Pessoas têm preferências racionais entre os resultados;
2- Indivíduos maximizam utilidade e empresas maximizam lucros;
3- Pessoas agem de modo independente, com base na informação completa e relevante.
O comportamento é dito como racional quando o indivíduo escolhe “mais” ao
invés de “menos” e quando ele é consistente em suas escolhas, sendo que o
comportamento de mercado observado não refuta essas hipóteses: consumidores
escolhem cestas de produtos, contendo mais de tudo, outras coisas permanecendo as
mesmas; escolhas não são obviamente inconsistentes uma com as outras; e
consumidores gastam suas rendas com um abrangente rol de bens e serviços.
45

A consistência entre as escolhas, na modelagem matemática, quer dizer que, se


você prefere A ao invés de B e B ao invés de C, você também prefere A ao invés de C,
ou seja, uma relação transitiva)
Alguns argumentam que existem várias escolas de pensamento na economia
hoje, com diferentes quadro metateóricos alternativos, como a economia (neo)marxista,
economia (neo)austríaca, economia pós-keynesiana ou economia (neo)institucional.
Economistas neoclássicos tiveram o que aprender com alguns insights dessas outras
escolas, contudo, na medida em que elas rejeitem os blocos de construção fundamentais
da economia neoclássica, como a rejeição da Escola Austríaca da otimização, elas são
desconsideradas pelos economistas neoclássicos. Em fato, a economia neoclássica é
mainstream, é a ortodoxia dominante.
Seu status de ortodoxia deveu-se ao processo de “ganhar cientificidade” e de
“matematização” da economia no início do século XX. Os agentes foram modelados
como otimizadores que buscam resultados “melhores” e o equilíbrio resultante é
“melhor” no sentido de que qualquer outro arranjo de bens e serviços deixaria alguém
em pior situação, inexistindo conflitos insolúveis no sistema social. Isso é semelhante
ao modelo da mecânica em meados do século XIX: agentes como átomos; utilidade
como energia; maximização da utilidade como minimização da energia potencial, e
assim por diante.
Contudo, como Buchanan e Tullock corretamente destacam em “The Calculus of
the Consent”, uma teoria igualmente lógica poderia ser construída com a premissa
oposta àquela adotada na economia: o indivíduo médio escolherá “menos” ao invés de
“mais”. Entretanto, ninguém já conseguiu propor uma tal teoria que fosse nem mesmo
remotamente descritiva da realidade.
Voltando ao verbete sobre a economia neoclássica, Weintraub conclui que o
valor da economia neoclássica deve ser avaliado em relação ao conjunto de verdades a
que somos conduzidos por sua luz: as verdades acerca de incentivos – sobre preços e
informações, sobre a interrelação das decisões e as consequências não intencionais das
escolhas – são todas bem desenvolvidas em teorias neoclássicas, como o é a auto-
consciência sobre o uso da evidência. A cientificidade da economia neoclássica é sua
força.

6.1.1 Nova Macroeconomia Neoclássica


46

Macroeconomia é o estudo do “funcionamento da economia como um todo e seu


objetivo é identificar e medir as variáveis que determinam o volume da produção total
de bens e serviços, o nível de emprego e o nível geral de preços do sistema econômico.
Enquanto a Microeconomia lida com as decisões individuais de produtores e
consumidores, a Macroeconomia trata do somatório das transações que são realizadas
pelas entidades que intervêm no processo produtivo da economia. Este somatórios são
denominados de agregados”.
Nova Macroeconomia Neoclássica se contrapõe com a Macroeconomia
Keynesiana, que dominou a macroeconomia em meados do século XX e que não deriva
a demanda a partir de escolhas individuais feitas dentro de limites especificados (como
o faz a macroeconomia neoclássica em geral), mas especifica diretamente uma regra de
comportamento seguido pela demanda, sem nenhuma presunção de que empresas e
famílias fizessem escolhas racionais. Existem três ideias fundamentais na visão
keynesiana:
1) Existe pouca presunção de que os resultados do mercado são desejáveis, o que deixa
bastante margem para a intervenção do governo.
2) Mudanças no lado da oferta do mercado são importantes, principalmente no longo
prazo, o que é considerado muito longe na maioria das situações políticas.
3) As autoridades fiscais e monetárias podem controlar as condições de demanda para
produtos específicos e para a economia como um todo.
Por outro lado, três ideias diametralmente opostas são fundamentais na Nova
Macroeconomia Neoclássica:
1) Como as decisões de demanda e de oferta no mercado são presumidamente feitas por
agentes econonomicamente racionais, essas decisões são consideradas eficientes para
aqueles que as tomam. Que a racionalidade individual em mercados geralmente levam a
resultados socialmente desejáveis, perpassa a análise econômica desde a “Riqueza das
Nações” de Adam Smith até a moderna economia do bem-estar. Assim, a intervenção
do governo requer duas etapas principais: a) identificação de uma “falha de mercado”;
b) demonstração de que o governo pode realmente fazer políticas que conduzam a
melhorias sociais.
2) Enfatiza sistematicamente a importância do comportamento de oferta para os
resultados do mercado, mesmo no curto prazo.
3) Questiona se os intrumentos políticos típicos podem ser manipulados para atingir
objetivos políticos específicos.
47

Após examinar os diferentes resultados em termos de políticas gerados por essas


diferentes visões sobre a macroeconomia, Robert King conclui que um aspecto muito
importante da Nova Macroeconomia Neoclássica é sua reorientação para além da
discussão de polítivas que visem “ajustar” a economia no curto prazo, típicas da
macroeconomia keynesiana, para dar mais atenção ao desenvolvimento de políticas
macroeconômicas que promovam a saúde de longo prazo da economia.
É o contrário do que acontece com os libertários bleeding heart (ou liberais
neoclássicos) que, por exemplo, como observado no blog Bleeding Heart Libertarians
usam a teoria da escolha pública, para mostrar que, apesar de identificada uma falha de
mercado, é preciso saber se não existem também “falhas de governo” que tornam a
opção pela intervenção uma opção pior.
A economia da escolha pública usa o quadro metateórico neoclássico, ao
intencionar explicar o comportamento político, dentro de determinado esquema de
tomada de decisão, como uma forma de troca complexa em que existem funções
diferentes de utilidade para indivíduos diferentes.
Ademais, é de se observar que a ênfase da Nova Macroeconomia Neoclássica
sobre políticas macroeconômicas de longo prazo, estáveis, significa uma importante
seara na qual a melhoria das condições de vida e trabalho das classes mais
desfavorecidas da sociedade sejam obtidas.
Por exemplo, a política monetária e creditícia inflacionária é uma forma de
confiscar o valor da moeda, em detrimento principalmente daqueles que recebem por
último a expansão artificial de oferta monetária adicional, os trabalhadores e as classes
mais pobres, e em grande medida beneficiando o Estado e o grande capital no processo,
bem como é uma forma de distorcer incentivos na estrutura de mercado, levando a um
ciclo de maus investimentos que termina em crise econômica, alto desemprego, etc.
(aliás, os austríacos têm insights muito interessantes nessa seara também)
Logo, a economia neoclássica, formalizada matematicamente, e a Nova
Macroeconomia Neoclássica ancoram o libertarianismo bleeding heart (e o liberalismo
neoclássico) sob uma base científica robusta e de evidência empírica significativa, ainda
que devam também incorporar análises da Nova Economia Institucional (citada por
Brennam inclusive) e da teoria da escolha pública (muito presente no blog Bleeding
Heart Libertarians), e, até mesmo, insights valiosos da escola austríaca e da escola
mutualista, se for o caso. Acima de tudo, são ferramentas importantes para compreender
48

como mercados promovem justiça social, em uma estrutura de incentivos adequada. Se


a sua preocupação é ter o coração no lugar certo, você não tem o coração no lugar certo,
como destacou David Schmidtz, no vídeo “Lessons From The Desert”.
No comentário de Peter Jaworski ao vídeo, a questão não é sinalizar aos outros
que você se importa muito com a água ser acessível e disponível, mas certificar-se que
água esteja disponível e acessível. Nós precisamos realmente saber o que ajuda as
pessoas mais pobres do mundo, o que funciona e chega nesse resultado. Mercados livres
e abertos funcionam.

7. A MACROECONOMIA CLÁSSICA
A macroeconomia clássica, como toda a teoria econômica clássica, parte do
pressuposto fundamental de que o mundo econômico é governado por leis naturais, as
quais, se forem deixadas a funcionar livremente, produzirão sempre os melhores
resultados possíveis.
Esta fé na "lei natural", fruto do racionalismo dos séculos XVIII e XIX, não
obstante seu caráter quase místico de crença e de mistério (afinal, o que há de mais
misterioso e indefinido do que a "lei natural"?), tem bases ideológicas nítidas. Não
vamos, porém, agora discuti-las. São por demais conhecidas as relações do naturalismo
com a emergência da burguesia e com seu interesse por uma política econômica baseada
no laissez-faire.
Além deste pressuposto geral, a macroeconomia clássica partia ainda de dois
pressupostos importantes: o de que os preços e salários eram sempre flexíveis e o de que
a moeda não era utilizada com fins de ente entesouramento. Estes dois pressupostos
permitiam o desenvolvimento dos dois modelos centrais da macroeconomia clássica: a
"lei do mercado", de Say, segundo a qual a oferta cria sua própria procura; a teoria
quantitativa da moeda, que, partindo da equação de trocas, concluía que, sendo a
velocidade da moeda constante, e dada uma determinada quantidade de moeda, a
produção variava em relação inversa e proporcional aos preços. Além destes dois
modelos, para equilibrar a poupança e o investimento, a macroeconomia clássica fazia
estas duas variáveis dependerem de taxa de juros, a qual era, por sua vez, determinada
pela oferta de poupança e a procura de investimentos.
O resultado de todo este processo era o pleno emprego no longo prazo, ou, o que
dá no mesmo, a impossibilidade de haver crises de longa duração, indefinidas, de
49

subconsumo ou superprodução. E assim, a conclusão exigida pela filosofia da lei natural


ficava assegurada.
O primeiro pressuposto, da existência de preços flexíveis, é importante para a
macroeconomia clássica, embora não absolutamente essencial. Veremos que este
pressuposto permite a garantia do pleno emprego sem qualquer intervenção do governo.
No momento em que uma queda momentânea na procura agregada levasse à
redução da atividade econômica e ao desemprego, os salários (o preço do trabalho)
seriam reduzidos, os preços das mercadorias produzidas com o respectivo trabalho
cairiam, a procura aumentaria, a produção voltaria a aumentar, e o pleno emprego seria
restabelecido.
O segundo pressuposto da macroeconomia clássica é o de que a moeda não é
utilizada para entesouramento. A moeda para os clássicos é uma unidade de conta e um
meio de troca. Além de servir para se somarem mercadorias diferentes, a moeda é
fundamentalmente um meio de troca.
Os homens só teriam interesse em mantê-la em seu poder na medida em que dela
necessitassem para realizar suas transações. Segundo os clássicos, portanto, existiria
apenas um motivo para a procura de moeda: o motivo transacional. O outro possível uso
do dinheiro, como um meio de reserva de ativos líquidos, e por de ativos líquidos, e
portanto seu consequente entesouramento, era considerado irracional. Conservando o
dinheiro em forma líquida, nos bancos, sem que haja tomadores de empréstimos ou
debaixo do colchão, o capitalista estaria perdendo os juros que poderia ganhar se
houvesse aplicado seu dinheiro em ativos fixos ou em títulos.
A respeito da expressão "entesouramento" cumpre aqui um
esclarecimento. Há economistas que limitam o uso deste termo para os casos em que os
indivíduos guardam dinheiro em forma líquida dentro de sua casa, embaixo do colchão,
em um cofre, escondido em qualquer parte, implicando, portanto, o entesouramento na
retirada do dinheiro de circulação. Nós, porém, seguindo a tendência mais recente,
estamos aqui usando o termo entesouramento em um sentido mais amplo, incluindo o
dinheiro que mantemos em forma líquida nos bancos, em forma de depósitos à vista,
além das nossas necessidades transacionais e de precaução. Nesses termos, o
entesouramento identifica-se com a moeda resultante da procura especulativa de moeda
de Keynes, que examinaremos mais adiante.

8. A ECONOMIA DE JOHN MAYNARD KEYNES


50

Contra esta visão idealista e alienada da economia, que acabamos de apresentar,


iria levantar-se a figura do grande economista que marcaria e dividiria a história do
pensamento econômico do Século XX: John Maynard Keynes. A macroeconomia
clássica, ou mais precisamente, neoclássica, sofria das mesmas limitações da análise
microeconômica, com a qual, na verdade, se confundia frequentemente.
Era um modelo matematicamente rigoroso, fruto da imaginação e da inteligência
de economistas brilhantes, mas não correspondia à realidade nem fornecia instrumentos
eficientes de política econômica para nela intervir. Na verdade, era sob muitos aspectos
mais uma peça de sistema ideológico alienado e conservador de justificativa do
liberalismo econômico, do laissez-faire.
A macroeconomia clássica transportava-nos para um mundo perfeito, em que as
forças do mercado, através de seus mecanismos automáticos de auto-ajustamento,
garantiriam pleno emprego, eficiência máxima da produção, maximização da satisfação
dos consumidores e dos lucros dos produtores ( os quais, todavia, corresponderiam
apenas ao lucro normal), e distribuição ótima da renda entre os proprietários dos fatores
de produção.
O irrealismo desta visão, porém, tornava-se cada vez mais patente. A grande
depressão dos anos trinta deste século tornou esse irrealismo gritante. E foi em meio aos
anos trinta que um economista inglês, John Maynard Keynes, que até então se
inscrevera entre os mais eminentes economistas clássicos de seu tempo, publica um
livro General Theory of Employmwent, Interest and Money (1936), que revolucionaria
a teoria econômica.
Esta obra seria antes de mais nada uma denúncia do laissez-faire. Keynes não
era marxista, sequer socialista. Pelo contrário, acreditava no sistema capitalista, dentro
do qual fora educado. Verificou, porém, que o sistema econômico capitalista estava
longe de assegurar automaticamente o pleno emprego e o desenvolvimento econômico
sem crises crônicas, de duração indefinida, como pretendia a teoria econômica vigente.
Este fato fora também constatado pela maioria de seus contemporâneos. Mas
apenas Keynes logrou montar um modelo teórico que tivesse condições de fazer frente
ao modelo clássico.
Tarefa aparentemente com o mesmo sentido já fora realizada no século anterior,
por Marx. Mas é preciso distinguir com clareza as duas contribuições. Marx fez sua
crítica da teoria vigente, visando condenar e ajudar a liquidar o sistema capitalista. Sua
crítica foi tão profunda e severa, que jamais foi incorporada à teoria econômica
51

ortodoxa, vindo a constituir-se em uma teoria econômica paralela - a teoria econômica


marxista. Já a crítica de Keynes tem um sentido completamente diverso. Não visava
condenar o capitalismo, mas apontar suas fraquezas e indicar os remédios adequados.
Não era o capitalismo que era condenado, mas o laissez-faire. É certo que a
política para salvar o capitalismo era suficientemente ousada para praticamente propor a
socialização dos investimentos, seu controle pelo governo.
O máximo que se poderia dizer, portanto, é que para salvar o sistema capitalista,
Keynes admitia um grau de intervenção do Estado que a longo prazo poderia implicar
no desaparecimento do sistema capitalista.
Basicamente, porém, Keynes foi um economista ortodoxo, que, embora
rompendo em alguns pontos importantes com a teoria econômica do seu tempo, a ponto
de sua contribuição poder, com justiça, ser considerada revolucionária, nem por isso
deixou de ser fiel às linhas gerais do pensamento econômico ortodoxo, marshalliano,
em que foi formado.
Conforme observou com muita felicidade Paul Sweezy, Keynes "por preparação,
era um neoclássico estrito, e jamais se sentia realmente bem, a não ser em discussão
com seus colegas neoclássicos.
Na verdade, estaríamos perfeitamente justificados ao dizer que Keynes é ao
mesmo tempo o mais importante e o mais ilustre produto da escola neoclássica... Sua
missão foi de reformar a Economia, trazê-la de volta ao contato com o mundo real do
qual se afastara cada vez mais desde o rompimento com a tradição clássica no século
XIX; e precisamente porque era um deles, e não um estranho, é que Keynes pôde
exercer uma influência tão profunda sobre seus colegas".
A denúncia de Keynes ao laissez-faire partia da verificação que, deixado o
sistema econômico por sua própria conta, tenderia ele, inexoravelmente, à crise crônica
de subconsumo, e ao desemprego. A análise keynesiana estava de acordo com a
realidade que se observava no mundo, Por outro lado, Keynes não se limita à análise.
Embora um teórico, foi ele sempre um homem preocupado com a prática, com a
política econômica. Pôde, assim, partindo de uma análise teórica do sistema econômico
capitalista muito mais realista do que a que fora até então, construir uma política
econômica operacional, realmente capaz de atuar sobre o sistema econômico.
Desta forma, criticando a teoria econômica neoclássica e propondo seu próprio
modelo alternativo, Keynes denunciou o laissez-faire e devolveu à Economia o contato
com a realidade. Isto tudo implicou em uma revolução no campo da Economia - uma
52

revolução bem sucedida. De fato, embora ainda se possa falar, hoje, na existência de
uma escola keynesiana e uma escola neoclássica, na verdade seria mais correto afirmar
que todos os economistas ortodoxos, não marxistas, foram influenciados por Keynes. E
a macroeconomia keynesiana foi incorporada pelos neoclássicos depois de devidamente
neutralizada no que diz respeito à sua demonstração da ineficiência do sistema de
mercado.

9. A CRISE ATUAL DO CAPITALISMO


9.1 Determinantes gerais da crise
A atual crise econômica geral do capitalismo tem, como todas as anteriores,
determinante geral (comuns a todas elas) e históricos (próprios de cada uma). Os
primeiros estão relacionados às características intrínsecas desse modo de produção e
derivam internamente da sua estrutura e dinâmica de funcionamento – em que pese a
existência de distintos momentos históricos de seu desenvolvimento, que conformam
padrões de acumulação e formas político-institucionais singulares.
O fundamental aqui é o reconhecimento da existência de leis imanentes ao
capital, que governam o seu movimento e que sempre atuarão e serão válidas enquanto
o regime de produção capitalista existir.
Isso significa dizer que, nesse âmbito mais geral, a crise é um fenômeno objetivo
do próprio movimento do capital, constituindo-se em momento necessário do seu
processo de valorização.
Portanto, a crise se caracteriza, antes de tudo, por ser um fenômeno endógeno ao
capitalismo e que, ao mesmo tempo, explicita e sintetiza as suas contradições, mas
também se apresenta como solução momentânea das mesmas – ao reconstituir as bases
e condições necessárias para a retomada da acumulação.
Em suma, as barreiras que levam à desaceleração e, no limite, ao estancamento
do processo de acumulação (a crise), são levantadas e ultrapassadas, em cada momento,
pelo próprio movimento do capital, no seu afã desmedido de valorização e acumulação.
Por isso, a crise é um fenômeno cíclico, necessário ao regime de produção
capitalista, determinada pela lei da mais-valia como fundamentalmente de valorização
do capital e por todas as demais que dela derivam – que se impõem aos capitais
individuais através da concorrência, de forma coercitiva e inexorável, explicitando-se
como tendências que evidenciam a natureza contraditória desse regime de produção.
53

Na essência, as crises gerais capitalistas sempre se definem como crises de


superacumulação de capital, expressando-se, ao mesmo tempo, em superprodução
generalizada, subconsumo das massas e desproporções e assimetrias intersetoriais.
O capital, nas suas mais diversas formas – capital-dinheiro, capital-mercadoria,
capital-produtivo e capital-financeiro, torna-se excessivo.
A crise explicita também que o capital financeiro ultrapassou a sua função
específica, que é, na divisão social do trabalho, de financiar o processo de produção e
consumo (na condição de “capital portador de juros”), dando origem ao “capital
fictício”, na forma de papéis e títulos dos mais variados tipos, cujos valores não têm
correspondência com a riqueza real existente.
O movimento desse capital tende a se descolar do processo de produção, criando
um circuito autônomo de valorização, embora tenha, em última instância, que retirar
suas rendas do processo produtivo de criação do valor, do qual não participa. Em
síntese, o crédito, que de início é poderosa alavanca do processo de acumulação, se
transforma, em sua expansão desmesurada, em um dos elementos fundamentais do
surgimento e desenvolvimento da crise geral.
Finalmente, a crise, como solução momentânea das contradições do processo de
acumulação capitalista, desencadeia um movimento de desvalorização e, no limite, de
destruição dos capitais excedentes (produtivos e fictícios). A crise não tem a capacidade
de superar essas contradições; mas, ao deslocá-las momentaneamente, recria as
condições imprescindíveis para a retomada da acumulação.
O Estado capitalista também é elemento essencial da engrenagem da
acumulação, tanto nos momentos de aceleração quanto nas crises. Na expansão,
cumprindo o papel de criar e manter as condições necessárias para viabilizar o processo
de expropriação do trabalho e valorização dos capitais – através da garantia da
propriedade privada dos meios de produção; da regulação política dos mercados de
trabalho e dinheiro; da demarcação das relações internacionais do país; da reorientação
da mais-valia social e da ampliação das fronteiras da acumulação, com o crescimento da
dívida pública.
Nas crises, por sua vez, o Estado é chamado a arbitrar o processo de
desvalorização dos capitais, socializando os prejuízos com toda a sociedade e
coordenando a disputa intercapitalista pelas novas frentes de expansão.

9.1.1 Determinantes históricos da crise


54

Por sua vez, os determinantes históricos, específicos de cada crise, dizem


respeito às características do padrão de acumulação, e ao seu respectivo arcabouço
institucional, existentes em cada período do desenvolvimento capitalista, o que envolve
os seguintes aspectos: a forma de capital dominante, que detém a hegemonia do
processo de acumulação; as condições político-institucionais que condicionam e
delimitam a relação capital-trabalho, no interior das quais se desenvolve a luta de
classes; a extensão e o grau de internacionalização do regime de produção capitalista e
as características institucionais da ordem internacional prevalecente; e a forma e
amplitude da regulação política da acumulação, a partir do Estado e das relações
estabelecidas entre as distintas frações do capital.
Assim, a atual crise geral do capitalismo expressa tanto as contradições
imanentes do capitalismo em geral, derivadas das próprias leis de movimento do capital,
quanto as que são produto de um padrão de acumulação particular, construído, a partir
da década de 1970, sob o comando e a hegemonia do capital financeiro.
Este submeteu à lógica da financeirização todas as outras formas de capital, o
modo de estruturação e intervenção do Estado e, no limite, as próprias relações sociais e
políticas.
Esse padrão de acumulação tem, entre outras, as seguintes principais
características estruturais:
1. Aprofundamento da assimetria de poder, entre capital e trabalho, a favor do primeiro;
2. Adoção de novas formas de organização da produção e do processo de trabalho, que
potencializam a apropriação de mais-valia relativa;
3. Recuperação de velhos modos de exploração do trabalho, que ampliam a capacidade
de extração de mais-valia absoluta;
4. Adaptação operacional das empresas produtivas à lógica rentista;
5. Desregulamentação e liberalização dos mercados em geral, e dos financeiros em
especial – com permissão de livre movimentação e valorização dos fluxos de produção
e financeiros;
6. Aceleração vertiginosa da velocidade desses fluxos, através do uso de novas
tecnologias da informação e das redes produtivas internacionais das grandes
corporações;
7. Integração estreita desses mercados, em particular dos mercados financeiros, com a
radicalização da tendência de autonomização da criação de riqueza financeira; e,
55

8. Apropriação direta do Estado pelo grande capital, através da despolitização da


economia e da criação de mecanismos e instrumentos que passam ao largo do controle
da sociedade – que reduz a capacidade da política institucional de intervir nos assuntos
que são caros ao capital financeiro.
Do ponto de vista político, esse padrão de acumulação afirmou-se e foi
construído por sobre os escombros da ordem internacional resultante da Segunda Guerra
mundial e da Guerra Fria.
A crise capitalista nos países desenvolvidos, na virada dos anos 1960 para 1970,
jogou por terra o Acordo de Bretton Woods e abriu caminho para a construção da
hegemonia do capital financeiro – ancorada ideológica e politicamente na vitória do
neoliberalismo e na falência e transformismo da social-democracia. A derrocada do
“socialismo real”, no final da década de 1980, consolidou, no plano mundial, a
hegemonia militar, econômico-financeira e política dos EUA.
Nos anos 1990, os mercados financeiros e os estados dos países da periferia
(através da dívida pública) foram incorporados à ordem financeira internacional e, nos
anos 2000, a total integração da China ao circuito internacional de valorização do
capital abriu uma nova e ampla fronteira de acumulação – que permitiu o crescimento
da produção, do comércio e dos fluxos internacionais de capital.
Em contrapartida, assistiu-se a um enorme e acelerado endividamento do Estado,
das corporações e das famílias nos EUA, o que se tornou evidente com a eclosão da
presente crise geral.

9.1.1.1 Surgimento e evolução da crise


O surgimento desse novo ciclo de acumulação nos anos 2000, cuja fase
ascendente perdurou até meados de 2007, foi suficiente para que os apologistas políticos
do capital decretassem o fim das contradições, dos ciclos e das crises gerais do
capitalismo.
No entanto, a crise atual veio desfazer as ilusões. Ela é uma crise geral do capital
e, em particular, do atual padrão global de acumulação capitalista; sintetiza o conjunto
de suas contradições e não pode ser resolvida como se fosse uma mera crise conjuntural.
Esse padrão de acumulação carrega em si, além de todas as contradições e
tendências imanentes do capital, características próprias que as radicalizam, tornando-o
profundamente instável econômica, social e politicamente. A crise produzida em suas
entranhas é tão ou mais grave que a crise de 1929 e está exigindo dos Estados
56

capitalistas uma socialização dos prejuízos nunca vista na história do capitalismo –


tendo em conta o montante absurdo de capital a ser desvalorizado.
Com ela, todos os mitos criados pela ideologia neoliberal e pelo pensamento
econômico hegemônico das últimas décadas – variantes do pensamento neoclássico –
foram, um a um, sendo desmistificados. Mais do que imobiliária, financeira e localizada
nos EUA e países desenvolvidos, ela é uma crise econômica global e sistêmica.
A sua origem mais remota pode ser localizada em 2000, quando, nos EUA, a
queda da taxa de juros e o relaxamento nas condições de financiamento estimularam a
expansão do mercado imobiliário, impulsionada por empréstimos bancários sob a forma
de hipotecas.
Esse movimento, ao ampliar a capacidade de gasto através do acelerado
endividamento das empresas e famílias, levou ao crescimento da economia norte-
americana, dando origem a um novo ciclo de consumo e valorização de ativos
financeiros.
A crise geral do capitalismo: possibilidades e limites de sua superação • 25 dos
EUA, financiados pelos países com grandes superávits nas suas relações econômicas
internacionais, sobretudo China e Japão.
Entre 2002/2003 e o terceiro trimestre de 2007, assistiu-se a um crescimento
global da produção, do comércio e dos fluxos internacionais de capital. A queda da taxa
de juros e a maior liquidez estabeleceram um típico processo especulativo no mercado
imobiliário dos Estados Unidos.
Os créditos hipotecários daí decorrentes foram securitizados (transformados em
títulos financeiros e negociados em mercados secundários) e vendidos para bancos de
investimento e, no final da linha, comprados por fundos de pensão e fundos de
investimentos globais – dos EUA, da Europa e do Japão. Assim, os canais da
acumulação fictícia se ampliaram, dando origem a uma gigantesca “bolha especulativa”.
Os limites da fase expansiva do novo ciclo de acumulação começaram a ser
anunciados em 2004, quando do aumento das taxas de juros pelo Banco Central dos
EUA; e os primeiros sinais da crise apareceram no ano de 2006, quando a inadimplência
no cumprimento dos contratos hipotecários nos EUA começou a crescer. Com isso, a
oferta de crédito imobiliário se contraiu e os preços dos imóveis começaram a cair,
ampliando ainda mais a incapacidade de pagamento dos empréstimos contraídos.
57

Em meados de 2007 apareceram os primeiros sinais de que as instituições


financeiras faziam parte do núcleo do problema, em razão de sua atuação no
financiamento da especulação imobiliária e na securitização das dívidas.
A crise, ao atingir os bancos e os mercados secundários de títulos, contaminou e
infligiu pesadas perdas aos fundos de pensão e de investimentos, portadores de papéis
derivados das dívidas hipotecárias. No segundo semestre de 2008 a crise se generalizou,
atingindo todos os tipos de instituições financeiras e os sistemas financeiros de todos os
países desenvolvidos.

9.2 A crise no Brasil


No Brasil, apesar da subestimação por parte do Governo, a crise também se
iniciou pelo mercado financeiro. A existência de livre mobilidade de capitais provocou,
imediatamente, uma grande saída de capitais e forte desvalorização do real a partir de
outubro de 2008, em virtude da venda de papéis brasileiros (ações, títulos públicos e
outros papéis de empresas) pelos fundos de investimentos, motivados pela necessidade
de compensar perdas em outros mercados.
Em seguida, os impactos se fizeram sentir no fim do financiamento internacional
às grandes empresas brasileiras, o que afetou as exportações e obrigou-as a recorrer ao
mercado interno de crédito e pressionar o Governo por maior liquidez.
Na sequência, afetou o balanço de pagamentos do país, com redução das
exportações e do superávit da balança comercial em razão da queda da demanda e dos
preços internacionais das commodities (agrícolas e industriais), que representam parte
majoritária da pauta de exportações do país.
Apesar disso, a resposta do Governo, através da flexibilização da política
monetária e fiscal, tem conseguido reduzir o impacto da crise, especialmente em virtude
da demanda da China por produtos brasileiros e, no início deste ano, do aumento da
especulação nos mercados financeiros – ambas circunstâncias que inflaram de novo os
preços das commodities.
No entanto, essa resposta se limita a reagir aos efeitos mais dramáticos da crise,
à espera de uma melhora no quadro internacional. Não há qualquer iniciativa – como
ocorreu durante a crise de 1929 – na direção de mudanças estruturais, que reorientem a
estrutura e a dinâmica da economia brasileira para outro padrão de desenvolvimento
capitalista.
58

Nem pode haver, uma vez que o atual bloco de poder dominante – sob
hegemonia do capital financeiro (nacional e internacional), dos grandes grupos
econômicos financeirizados e do capital exportador – é inteiramente sintonizado,
econômica e politicamente, com o atual padrão mundial de acumulação capitalista, no
qual o país se articula de forma subordinada.

9.2.1 Possibilidades e limites de superação


No plano mundial, a superação da crise pelo capital não é trivial. Ela demanda
mudanças estruturais no padrão de acumulação; a socialização dos prejuízos e a adoção
de políticas monetárias e fiscais expansionistas como as que já vêm sendo utilizadas são
condições necessárias, mas não suficientes.
Embora, num primeiro momento, elas possam reduzir os estragos da crise e
reativar a demanda efetiva, não alterarão fundamentalmente as características básicas do
padrão de acumulação – que o tornam radicalmente instável e que levaram à atual crise.
Além disso, o enorme endividamento dos estados dos países desenvolvidos,
decorrente dessas políticas, terá fortes e duradouras repercussões no ritmo de
acumulação e desenvolvimento capitalista. Particularmente importantes serão os seus
efeitos sobre a capacidade de o dólar continuar mantendo o seu papel de moeda-reserva
internacional. Além disso, a relação China-EUA, aparentemente “virtuosa” e
complementar até a eclosão da crise, tenderá a ser questionada, cada vez mais, pela
disputa de mercados e fontes de recursos naturais – condição fundamental para a
manutenção/superação da hegemonia dos EUA.
O mesmo se pode dizer de uma maior regulação dos mercados e dos fluxos
financeiros. Ela tem limites claros: além das dificuldades, praticamente intransponíveis,
de “enjaular” o capital financeiro, não poderá retroceder a mundialização das finanças
nem a internacionalização já alcançada palas forças produtivas.
Por outro lado, a nova fronteira de expansão da acumulação – sobretudo a China
e a Índia – não permite que a superexploração e a precarização do trabalho, em escala
global, sejam revertidas por iniciativa do próprio capital, a ponto de permitir a
redistribuição dos ganhos de produtividade.

10. A GLOBALIZAÇÃO DA ECONOMIA MUNDIAL


Para entender a evolução da economia mundial do Século XV ao Século XX, é
preciso retroagir no tempo, desde as origens do capitalismo. Além disso, é necessário
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entender o capitalismo da forma como concebeu Braudel (1982), que admitiu ser ele
constituído por uma camada superior de uma estrutura em três patamares: a camada
inferior, a mais ampla, de uma economia extremamente elementar e basicamente auto-
suficiente, que denominou de vida material, a camada da não-economia, o solo em que
o capitalismo crava suas raízes, mas na qual nunca consegue penetrar.
Acima dessa camada, vem o campo da economia de mercado, com suas muitas
comunicações horizontais entre os diferentes mercados em que há uma coordenação
automática que liga a oferta, a demanda e os preços.
Depois dessa camada e acima dela, vem a zona do antimercado onde circulam os
grandes predadores e vigora a lei das selvas a questão principal não é identificar quando
e como uma economia mundial de mercado ergueu-se acima das estruturas primordiais
da vida cotidiana, mas quando e como o capitalismo ergueu-se acima das estruturas da
economia mundial de mercado preexistente e, com o correr do tempo, adquiriu seu
poder de moldar de maneira nova os mercados e as vidas do mundo inteiro.
Defende a tese de Braudel quando afirma que Segundo Arrighi (1996), em parte
alguma do planeta essa metamorfose aconteceu, à exceção da Europa onde algumas
nações foram impelidas à conquista territorial do mundo e à formação de uma economia
mundial capitalista poderosa e verdadeiramente global.
Considera ainda que a transição importante que precisa ser elucidada não é a do
feudalismo para o capitalismo, mas a do poder capitalista disperso para um poder
concentrado, e que o aspecto mais importante desta transição é a fusão singular do
Estado com o capital, que em parte alguma se realizou de maneira mais favorável ao
capitalismo do que na Europa.
Apoiando-se em Braudel, Arrighi (1996) acrescenta que o capitalismo só triunfa
quando se identifica com o Estado, quando é o Estado. Em sua primeira grande fase, a
das cidadesestado italianas de Veneza, Gênova e Florença, o poder estava nas mãos da
elite endinheirada.
Na Holanda do Século XVII, a aristocracia dos regentes governou em benefício
dos negociantes, mercadores e emprestadores de dinheiro, e até de acordo com as suas
diretrizes.
Do mesmo modo, na Inglaterra, a Revolução Gloriosa de 1688 marcou uma
ascensão dos negócios semelhante à da Holanda. O desenvolvimento do capitalismo
histórico como sistema mundial baseou-se na formação de blocos cosmopolitas-
imperialistas (ou corporativos-nacionalistas) cada vez mais poderosos de organizações
60

governamentais e empresariais, dotados da capacidade de ampliar (ou aprofundar) o raio


de ação da economia mundial capitalista, seja do ponto de vista funcional, seja espacial.
Para Arrighi (1996), em cada um dos ciclos de acumulação do capital a
expansão comercial e da produção ocorrida no início deu lugar no final a uma
especialização mais concentrada nas altas finanças, isto é, na especulação e na
intermediação financeira. Essa mudança de orientação aconteceu devido à queda nas
taxas de lucro na expansão comercial e na produção.
Pode-se afirmar que a globalização é um processo que se iniciou há mais de
cinco séculos, que se aprofundou ao longo do tempo com a evolução da economia-
mundo capitalista e se consolidou na era atual englobando todo o sistema econômico do
planeta.
Ao longo do processo de globalização, em diferentes momentos históricos, as
classes dominantes da Holanda, do Reino Unido e dos Estados Unidos se substituíram
na liderança da economia mundo capitalista assumindo, com o decisivo apoio de seus
Estados-Nações, a hegemonia da dinâmica de acumulação do capital. Os estudos de
Fernand Braudel, Immannuel Wallerstein e Giovanni Arrighi demonstram a validade
dessa tese.
Trata-se, portanto, de um equívoco, considerar a globalização um acontecimento
recente, isto é, do Século XX, e traduzi-la como sinônimo da hegemonia mundial dos
Estados Unidos na era atual.
O processo de globalização tem, portanto, suas raízes há muito tempo, no
mínimo há cinco séculos, passando desde então por etapas diversas. Antes de ter início
a primeira fase da globalização, os continentes encontravam-se separados por
intransponíveis extensões acidentadas de terra e de águas, de oceanos e mares, que
faziam com que a maioria dos povos e das culturas soubesse da existência uma das
outras apenas por meio de lendas e imaginários relatos de viajantes como Marco Polo.
Cada povo vivia isolado dos demais, cada cultura era auto-suficiente; nascia,
vivia e morria no mesmo lugar, sem tomar conhecimento da existência dos outros.
O processo de globalização se inicia com a expansão da economia-mundo
Europa no sentido de estabelecer relações mercantis com as demais economias-mundo
podendo-se afirmar que ele se desenvolveu em quatro períodos.
De fato, o processo de globalização nunca se interrompeu. Se ocorreram
momentos de menor intensidade, de contração, como se verificou no período 1950–
1989, cuja expansão foi limitada pela Guerra Fria e pelos movimentos de
61

descolonização e de libertação nacional em diversos países, quando o planeta estava


dividido em dois blocos, o capitalista sob a liderança dos Estados Unidos e o socialista
sob a liderança da ex-União Soviética, o processo de globalização nunca chegou a
cessar totalmente.
A primeira globalização, resultado da procura de uma rota marítima para as
Índias, assegurou o estabelecimento das primeiras feitorias comerciais européias na
Índia, China e Japão, e, principalmente, abriu aos conquistadores europeus as terras do
Novo Mundo, o que Adam Smith, em sua visão eurocêntrica, considerou os maiores
feitos em toda a história da humanidade.
Enquanto as especiarias eram embarcadas para os portos de Lisboa e de Sevilha,
de Roterdã e Londres, milhares de imigrantes ibéricos, ingleses e holandeses, e, um bem
menor número de franceses, atravessaram o Atlântico para vir ocupar a América.
Pode-se afirmar que a economia capitalista mundial deu seus primeiros passos
com as atividades de comércio, de banco e de finanças que desabrocharam nas
repúblicas italianas nos séculos XIII e XIV.

10.1 Globalização recente: Declínio do Estado-Nação – Reestruturação do sistema


interestatal (pós–1989)
As principais características da globalização recente são o declínio do Estado-
Nação e a reestruturação do sistema interestatal para fazer frente à crise da economia-
mundo capitalista na era contemporânea. O declínio do Estado-Nação está configurado
na perda de sua capacidade de constituir uma economia nacional confinada
territorialmente e em tê-la sob seu controle.
Desde a Segunda Guerra Mundial, mas especialmente desde a década de 1960, o
papel das economias nacionais tem sido corroído ou mesmo colocado em questão pelas
principais transformações na divisão internacional do trabalho, cujas unidades básicas
são organizações de todos os tamanhos, multinacionais e transnacionais, e pelo
desenvolvimento correspondente dos centros internacionais e redes de transações
econômicas que estão, para fins práticos, fora do controle do governo do Estados.
Bobbio, Matteucci e Pasquino (1986) enfatizam que existem outros espaços não
mais controlados pelo Estado soberano. O declínio do Estado-Nação significa também o
comprometimento da República democrática entendida como expressão da soberania
popular.
62

A República democrática é a expressão da soberania popular porque as leis


aprovadas pelo corpo legislativo de uma nação traduzem, em última instância, a vontade
popular. Foi o conceito de soberania que possibilitou a formação do Estado moderno e a
elaboração de uma teoria acabada do Estado.
Todas as nações que se constituíram a partir de 1776 dentro dos princípios da
República democrática, com base nos regimes presidencialista e parlamentarista,
reforçavam em maior ou menor grau a soberania do Estado.
Hoje, defronta-se com o eclipse da soberania. O conceito de soberania entrou em
crise tanto teórica quanto praticamente. Teoricamente, com o prevalecer das teorias
constitucionalistas com sua tese do Estado misto, da separação dos poderes e da
supremacia da lei e, na prática, com a crise do Estado moderno, que não é mais capaz de
se apresentar como centro único e autônomo de poder, sujeito exclusivo da política,
único protagonista na arena internacional.
O Estado-Nação que sempre foi um importante parceiro das classes dominantes
capitalistas passou a representar a partir da década de 1970 um obstáculo à plena
expansão do processo de acumulação do capital em termos nacionais e planetário. Essa
situação resultava do fato dos estados nacionais apresentarem, de forma generalizada,
déficits fiscais e endividamento interno e externo crescentes, restringirem o livre fluxo
de capitais, mercadorias e serviços com suas políticas monetárias, fiscais e cambiais e
absorverem grande parte do excedente econômico para a realização de investimentos
sociais, sobretudo nos países onde se implantou o Welfare State.
O crescimento dos negócios e das finanças multinacionais concomitantes é,
indubitavelmente, uma das mais importantes mudanças estruturais da história
econômica moderna. Diante do seu poderio concentrado, a capacidade do Estado-Nação
de controlar seu próprio sistema econômico está sendo posta em dúvida. Embora
continue reinando, o Estado-Nação parece já ter sido privado do seu poder de governar.
Está sendo gradativamente minado no poder sobre sua economia como ocorre
atualmente com o Brasil que há 20 anos encontra-se à mercê do capital financeiro
internacional e das empresas multinacionais. O Estado-Nação perdeu a capacidade de
estabelecer políticas monetárias e fiscais consistentes nos seus territórios.
O modelo keynesiano, que se tornou regra quase geral nos países capitalistas, no
pós-guerra, visando a obtenção da estabilidade econômica e do pleno emprego, perdeu a
sua eficácia em muitos países, em face da atuação das empresas multinacionais de modo
global.
63

Imagina-se que a Globalização, seguindo o seu curso natural, irá enfraquecer


cada vez mais os estados nacionais surgidos há cinco séculos, ou dar-lhes novas formas
e funções, fazendo com que novas instituições supranacionais gradativamente os
substituam. Vive-se no presente uma curiosa combinação de tecnologia do final do
Século XX com o livre comércio do Século XIX e com o renascimento de centros
intersticiais característicos do comércio mundial no período da Idade Média. Cidades-
Estados como Hong Kong e Cingapura ressuscitam “zonas industriais” multiplicadas
dentro de Estados-Nações tecnicamente soberanos e situadas fora do território.
A crescente mundialização do capital, por sua vez, estava impondo como
exigência a liberalização da economia mundial. Esse fato associado à crise fiscal dos
estados nacionais colocou na ordem-do-dia a reestruturação do sistema interestatal para
superar a crise econômica global.
Para assegurar a coordenação global em suas políticas econômicas, os países
capitalistas mais desenvolvidos estruturaram o G–7 composto pelos países
industrializados (Estados Unidos, Japão, Canadá, Alemanha, França, Inglaterra e Itália).
Além disso, foram constituídos vários blocos econômicos regionais e
intercontinentais. Com a formação dos mercados regionais ou intercontinentais (Nafta,
União Européia, Comunidade Econômica Independente [a ex-URSS], o Mercosul e o
Japão com os tigres asiáticos) e com a consequente interdependência entre eles,
assentam-se as bases para os futuros governos transnacionais que, provavelmente,
servirão como unidades federativas de uma administração mundial a ser constituída.
É bem provável que, ao findar o Século XXI, talvez até antes, a humanidade
venha a conhecer, por fim, um governo universal, atingindo-se assim o sonho dos
filósofos estóicos do homem cosmopolita, aquele que se sentirá em casa em qualquer
parte da Terra.

11. AS DESIGUALDADES ECONÔMICAS E SOCIAIS MUNDIAIS NO


SÉCULO XX
O capitalismo tem gerado, ao longo de sua história, desigualdades de toda ordem
(econômicas, sociais, regionais e internacionais) começando pelas disparidades de renda
e riqueza entre os habitantes de um mesmo país ou região. Essas disparidades, que
existiam nas sociedades pré-capitalistas, assumiram grandes proporções com o
predomínio do modo de produção capitalista no planeta. Marx (1980) expôs em sua
obra
64

O Capital que, a partir do capitalismo, reside na mais-valia, isto é, no valor do


trabalho não pago pelos detentores do capital (burguesia) aos trabalhadores a origem
dessas disparidades com base na qual se realiza o processo de concentração e
acumulação de capital.
A mais-valia, extraída pela burguesia dos trabalhadores, tem sido maximizada ao
longo da história do capitalismo através de vários meios, tais como, a maximização das
horas de trabalho, a utilização da mão-de-obra feminina e infantil de valor mais baixo, a
substituição do trabalho vivo (trabalhadores) pelo trabalho morto com o uso de
máquinas e equipamentos redutores de mão-de-obra e do tempo de trabalho, bem como
a redução do valor do trabalho com a existência de um exército industrial de reserva
(desempregados).
Está nesse processo a origem das desigualdades econômicas e sociais entre os
habitantes de um determinado país ou região.
As desigualdades entre as localidades de uma mesma região ou país se explicam
pela tendência do capital em se concentrar em localidades e regiões que reúnam as
melhores condições para maximizar seus lucros.
As localidades e regiões que disponham de melhores condições em termos de
recursos humanos, recursos naturais, mercados, infra-estrutura econômica e social e
redes de empresas que se articulem entre si como supridoras de matérias-primas ou
insumos ou demandadoras de matérias-primas e produtos intermediários ou acabados
são as mais credenciadas a fazerem parte do circuito de acumulação de capital.
A origem das desigualdades econômicas e sociais no Brasil na atualidade é
produto da crescente taxa de exploração da força de trabalho resultante da maximização
das horas de trabalho, da utilização da mão-de-obra feminina e infantil de valor mais
baixo e, até mesmo, do trabalho escravo, da substituição do trabalho vivo
(trabalhadores) pelo trabalho morto com o uso de máquinas e equipamentos redutores
de mão-de-obra e do tempo de trabalho, bem como da redução do valor do trabalho
devido à existência de um grande exército industrial de reserva (desempregados) e à
fraqueza do movimento sindical brasileiro.
Pode-se afirmar, pelo exposto, que a expansão da economia-mundo Europa,
movida pelo incessante processo de acumulação do capital, levou à integração
progressiva da economia mundial em benefício das classes dominantes das potências
capitalistas mais desenvolvidas que lideraram esse processo ao longo dos últimos 500
anos.
65

Constatou-se que o crescimento econômico dos países capitalistas avançados


resultou do incessante processo de acumulação do capital e do progresso técnico que se
realizou ao longo de cinco séculos às custas de desigualdades sociais e regionais de
renda entre seus habitantes e às custas de outros países por eles explorados. Reside na
exploração do homem pelo homem o incremento das desigualdades sociais no interior
desses países e nas práticas imperialistas ou colonialistas a origem das desigualdades
econômicas entre os países capitalistas centrais, periféricos e semiperiféricos Constatou-
se, também, que a organização da classe operária e seu fortalecimento contribuíram
decisivamente para arrancar das classes dominantes inúmeras concessões durante o
Século XX.
Essa é, sem sombra de dúvidas, a condição sem a qual os trabalhadores não
conseguirão reduzir a exploração do trabalho pelo capital. A história da humanidade no
Século XX demonstra que apenas com o fortalecimento das organizações sindicais e da
Sociedade Civil em geral, bem como dos partidos políticos progressistas é possível
arrancar concessões das classes dominantes.
Ficou demonstrado que as concessões feitas pelo capital em relação ao trabalho,
sobretudo na Europa Ocidental, com a constituição do Welfare State após a Segunda
Guerra Mundial, resultaram, de um lado, da necessidade de expandir o mercado
consumidor e da produção em massa fordista e, de outro, do imperativo de refrear ou
disciplinar as lutas políticas comandadas pelos partidos de esquerda e as lutas sindicais
que pudessem alimentar o movimento comunista.
Os impactos do processo de globalização da economia capitalista mundial sobre
o Brasil e, por extensão, sobre a Bahia vêm ocorrendo desde a primeira fase da
globalização quando foi colonizado por Portugal em 1500. O Brasil foi vítima de
pilhagem de suas riquezas por parte de Portugal e Inglaterra durante o período colonial e
o Império. Durante a República até o presente, o Brasil sempre esteve dependente de
capitais e tecnologia externa para se desenvolver, como pode ser visto no capítulo.
O atraso econômico do Brasil em relação aos países capitalistas centrais resulta,
principalmente de sua dependência em relação aos países líderes do capitalismo
mundial, sobretudo dos Estados Unidos. O Estado da Bahia apresenta em grau maior
um duplo quadro de dependência de capitais, tecnologia e mercados. O primeiro, em
relação ao Exterior e, o segundo, em relação a São Paulo, onde se localiza o principal
mercado consumidor do país e se concentra a produção econômica nacional.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁICAS

ANDERSON, P. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, E., org. Pós-neoliberalismo.


Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
AZEVEDO, C.B. A estrela partida ao meio. São Paulo: Ed. Entrelinhas, 1995
IANNI, Octavio. Teorias da globalização. 13 ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003.

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