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04362019 1627
artigo article
Adolescents’ preferences regarding health care
Nos grupos nominais (Fase 2), para além maioria dos dados recolhidos, passou-se à respe-
do planeamento e recrutamento, seguiram-se as tiva análise.
cinco etapas preconizadas pelos autores23 a seguir
durante as entrevistas. O moderador, após o aco- Análise dos dados
lhimento já referido, expôs ao grupo as questões
relacionadas com o tema em discussão e os ado- Os dados foram tratados recorrendo à aná-
lescentes pensaram em silêncio nas respostas e lise de conteúdo temática categorial segundo
registaram individualmente as suas ideias numa Bardin24. O corpus de análise resultou das trans-
folha de registo preparada para o efeito. Poste- crições integrais das entrevistas. Procedeu-se à
riormente, cada um, por sua vez, apresentou ao codificação, organização e reorganização da in-
grupo, uma das ideias que havia escrito e, uma formação encontrando o seu sentido, atribuindo
a uma, percorrendo os diferentes elementos, fo- significado ao seu conteúdo, e construindo uma
ram apresentando todas as suas ideias, enquan- grelha de análise com temas, categorias, subcate-
to o moderador ia registando a informação no gorias e unidades de registo ilustrativas.
quadro negro visível a todos os participantes. Este processo de codificação foi realizado
Passou-se à discussão em grupo para clarificação pela investigadora e por três juízes, proceden-
das ideias obtidas, promovendo a participação de do-se à comparação das diferentes codificações,
todos os elementos do grupo. para assegurar a consistência e o rigor do mesmo.
Após a clarificação, cada elemento, indivi- Na Fase 1, na contagem das frequências consi-
dualmente e em silêncio, selecionava cinco dos derou-se o número de adolescentes que fizeram
aspetos que considerava mais importantes, entre referência aos vários assuntos (extensividade) in-
a totalidade da lista obtida em grupo, e atribuía dependentemente do número de vezes que foram
uma pontuação a cada aspeto selecionado, or- referidos. As percentagens foram calculadas em
denando-os pelo grau de importância que lhes função dos 33 adolescentes que participaram nos
conferia. Esse registo foi feito em folha de papel grupos focais.
preparada para o efeito. Na Fase 2, seguiram-se os métodos de análi-
Por fim, partilhavam-se os resultados finais, se e de cotação preconizados para a NGT23. Um
mais uma vez registrados no quadro negro e após processo que envolveu a transcrição das grava-
discussão, na maioria dos grupos, muito partici- ções e respetiva validação através da informação
pada e disputada, encontrava-se o consenso em escrita pelos adolescentes durante a realização
relação ao conjunto de ideias mais importantes dos grupos. De seguida procedeu-se à organi-
para o grupo em questão. Os participantes assis- zação da listagem das características e atitudes
tiam à contagem da pontuação e tinham a opor- dos profissionais consideradas mais importantes
tunidade de confirmar e manifestar mais uma por cada grupo de adolescentes, com a respeti-
vez a sua concordância com o resultado final. va cotação atribuída individualmente e validada
Os 31 adolescentes que participaram, nesta em grupo para cada afirmação produzida. Para a
Fase 2, foram organizados igualmente em quatro atribuição de uma pontuação, pelos adolescentes,
grupos mistos, respeitando as mesmas idades da foi utilizada uma escala tipo likert que variava
Fase 1, e a composição dos grupos variou entre entre 1 e 5, do menos ao mais importante. No fi-
seis e nove adolescentes. As entrevistas foram rea- nal, construíram-se quatro quadros, com a infor-
lizadas nas escolas com uma duração média de mação produzida e hierarquizada por cada grupo
90 minutos. de adolescentes. Posteriormente agruparam-se os
Em geral, e em ambas as fases, as discussões dados por grupo etário e por ordem decrescente
decorreram com entusiasmo. Os adolescentes re- de pontuação.
velaram muito interesse pelos temas propostos e
os grupos foram bastante dinâmicos. Partilhan-
do das ideias de Morgan22 que os incentivos mo- Resultados
tivam a comparência dos participantes nos gru-
pos e estimulam a participação, particularmente Quanto à caracterização sociodemográfica dos
neste grupo etário, no final de cada sessão foram 64 adolescentes que participaram no estudo (33
distribuídos alguns brindes (sobretudo material na Fase 1 e 31 na Fase 2), 35 eram raparigas e 29
escolar), anunciados previamente no convite rapazes, com idades compreendidas entre os 13
para colaborarem no estudo. e 18 anos, que frequentavam o 8º ano, o 11º e
Após terem sido realizados os quatro gru- o 12º ano de escolaridade de duas escolas públi-
pos em cada fase (1 e 2), por haver saturação na cas de Lisboa. Pertenciam na sua maioria ao ní-
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têm uma doença respiram para cima dos outros… uma das condições preferidas como um atendi-
(A5); há grande probabilidade de apanhar doen- mento mais rápido num horário mais alargado,
ças (A7). Os horários desadequados e a falta de no sentido de diminuir o tempo de espera e pro-
profissionais também foram aspetos de relevo, longar o horário disponível.
nos centros de saúde não respondem às nossas ne- No segundo tema, os adolescentes e os profis-
cessidades (A30). sionais de saúde, (Tabela 2), são relatadas as expe-
Destaca-se o sentimento de desvalorização das riências concretas de relação com vários grupos
suas ideias ninguém nos ouve (A32), bem como profissionais assinalando os aspetos positivos e
das suas sugestões têm uma caixa de sugestões, mas negativos referentes a cada um dos grupos que
não mudam nada (A15) associado ao facto de se destacaram20. Ao abordarem as experiências de
sentirem tratados como crianças consideram-nos atendimento com profissionais de saúde os ado-
como crianças… não temos idade… (A21). lescentes reportam-se sobretudo aos médicos e
Ao serem estimulados a falar sobre as suas aos enfermeiros, mas alguns referem também o
preferências referiram praticamente o oposto farmacêutico, como um recurso eficaz e esclare-
do que identificaram como aspetos negativos no cedor.
funcionamento dos serviços, destacando-se a ne- Relativamente aos médicos identificaram um
cessidade de mais profissionais para satisfazerem conjunto de experiências que remetem quase
No diálogo com os adolescentes, foi notório o dos jovens, o que vem contrariar as tarefas desen-
predomínio das referências aos serviços hospita- volvimentistas da adolescência26.
lares e à condição de doença comparativamente Os relatos das experiências com os profissio-
à discussão e aspetos relacionados com a saúde nais focaram-se em primeira instância na intera-
e o recurso aos serviços de saúde para vigilância ção que estes estabelecem com os adolescentes,
ou promoção da saúde, em concordância com partindo predominantemente de atitudes nega-
resultados de outros estudos25. Quando os aspe- tivas para concluírem qual o perfil do bom pro-
tos mais preventivos foram abordados, foi prin- fissional. O conjunto de resultados aponta, por
cipalmente em referência à vacinação, associada um lado, para a valorização das atitudes relacio-
à vigilância de saúde. Estes resultados remetem nais, de proximidade, simpatia, disponibilidade e
para uma visão predominantemente biomédica, ajuda20, mas por outro, destaca-se a importância
sendo o médico o profissional de referência. Tal atribuída ao conhecimento, ao tratamento corre-
pode acontecer pelo facto de tanto os serviços to e evitamento do erro, à informação associada
como os profissionais estarem mais direcionados ao esclarecimento de dúvidas e à clareza da lin-
para o tratamento da doença do que para uma vi- guagem utilizada na explicação.
são de promoção da saúde com uma abordagem Em suma, as competências técnicas surgem
mais integrativa e holística4. reforçadas, fundamentalmente pelos resultados
Na globalidade os dados são concordantes obtidos na segunda fase deste estudo, embora
com a literatura internacional11-15. Os adolescen- não dissociadas das competências relacionais já
tes expressaram claramente as suas opiniões e emergentes na fase anterior. Estes resultados são
expetativas, e manifestaram as suas preferências, semelhantes aos dos estudos pioneiros de Gins-
com base nas suas experiências com os cuidados burg e colegas13,14. Os adolescentes pretendem
de saúde. Houve uma primazia na abordagem profissionais que sejam competentes para tratar
das características dos profissionais em relação as doenças, que os informem esclarecendo as suas
às condições dos serviços, o que parece tradu- dúvidas e que saibam relacionar-se com eles tra-
zir uma maior valorização dos recursos huma- tando-os como jovens e que, de preferência, gos-
nos13,14,20. Contudo, algumas condições dos ser- tem de trabalhar com adolescentes.
viços foram manifestamente valorizadas como As preferências expressas foram, em parte,
negativas, enquanto outras, quase em oposição, concordantes com a literatura internacional11-15,
se incluíram nas preferências e parecem ser con- embora com algumas especificidades que se
sideradas como condições necessárias à procura prendem com a realidade dos serviços de saúde
dos serviços de saúde pelos adolescentes. do nosso país20. As sugestões que emergem dos
O risco de contágio nos serviços de saúde, dados para mudanças futuras assentam em al-
nomeadamente nas urgências, foi intensamente guns dos critérios de qualidade definidos para
valorizado, pressupondo a necessidade de con- os serviços de saúde amigos dos adolescentes16,17,27,
trole da infeção, possivelmente relacionados com como o serem mais acessíveis com horários, locais
as especificidades do desenvolvimento nesta fase, e funcionamento, que permitam o fácil acesso,
uma vez que os adolescentes estão ainda cen- apropriados ao disponibilizarem serviços ade-
trados na causalidade fisiológica da doença por quados às suas necessidades, e aceitáveis quando
contágio ou contaminação26, associadas às con- oferecem cuidados que respondem às expetativas
dições de uma frequente sobrelotação e escassa dos adolescentes motivando a procura16,17,20. Estes
higiene dos serviços20, frequentemente discutidas requisitos têm subjacente a filosofia dos cuidados
nos media. centrados na pessoa do adolescente, uma medida
Surgiram também como importantes as da qualidade de cuidados em saúde18,19.
questões da pouca adequação dos serviços às ne-
cessidades dos jovens, bem como as questões da
acessibilidade25, não só pela dificuldade de mar- Conclusões
cação de consultas, mas também pelo excessivo
tempo de espera, frequentemente referido na li- As entrevistas de grupo permitiram ouvir os
teratura, e que pode reforçar outros obstáculos à adolescentes, dando-lhes a oportunidade de in-
procura dos serviços de saúde pelos adolescentes. formar, quer os profissionais de saúde quer as
Também expressaram um sentimento de desva- entidades políticas, das suas preferências relati-
lorização das suas opiniões e sugestões, resultan- vamente à necessidade de mudanças.
do no ser tratado como uma criança e uma falta Conhecer o que pensam, sentem e preferem
de reconhecimento de um estatuto autónomo os adolescentes sobre os cuidados de saúde, per-
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Colaboradores
Agradecimentos
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