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revisão review
Saúde: uma revisão sistemática
Abstract The 1988 Constitution increased the Resumo A Constituição Federal de 1988 am-
Public Prosecutor’s Office attributions and facil- pliou as atribuições do Ministério Público e possi-
itated social participation through management bilitou a participação popular por meio de conse-
councils in the construction of public policies and lhos gestores na construção de políticas públicas e
in the implementation of social control. In this na efetivação do controle social. Realizou-se uma
context, it is necessary to reflect critically on the revisão sistemática da literatura com o intuito de
Public Prosecutor’s Office work and its interaction conhecer o panorama nacional sobre a interação
with Health Councils to strengthen social control entre o Ministério Público e os Conselhos de Saúde
in the National Unified Health System. We con- e a importância desse relacionamento para o for-
ducted a systematic literature review to identify talecimento do controle social no Sistema Único
the national panorama of the relationship be- de Saúde, buscando refletir criticamente sobre a
tween the Public Prosecutor’s Office and Health atuação do Ministério Público para o bom fun-
Councils with a view to providing answers on this cionamento desses instrumentos democráticos de
institution’s contributions toward effective social poder. Consultaram-se as bases: PubMed, BVS,
control in the National Unified Health System Periódicos CAPES e BDTD. Para a composição da
(SUS). The following databases were consulted: amostra de 17 artigos e dissertações, selecionados
PubMed, BVS, CAPES Journals and BDTD. We entre 2006 e 2015, foram associados os descrito-
included 17 studies, papers and dissertations, res: Ministério Público, Controle Social, Partici-
which were selected in the period 2006-2015. Re- pação Popular e Conselhos de Saúde. A análise
sults summarize that the Public Prosecutor’s Of- dos resultados demonstra que existe diálogo entre
fice should focus its activities on health, especially Ministério Público e Conselhos de Saúde, e ele traz
on the operative and extrajudicial matrix, in or- benefícios recíprocos que são imprescindíveis para
der to boost popular participation and overcome o fortalecimento e efetivação do controle social no
1
Departamento de Pós- Health Councils’ shortcomings. An essential dia- SUS. Na área da saúde, a atuação do Ministério
Graduação, Universidade
Ceuma. R. Josue Montuelo, logue between the Public Prosecutor’s Office and Público sobre a matriz resolutiva e extrajudicial
Jardim Renascença. 65075- Health Councils is in place and mutually benefits estimula a participação popular e a superação das
900 São Luís MA Brasil. the strengthening and effectiveness of social con- deficiências enfrentadas pelos Conselhos de Saúde.
ilmapp@uol.com.br
2
Departamento de Pós- trol in the SUS. Palavras-chave Ministério Público, Controle so-
Graduação em Direito, Key words Public prosecutor’s office, Social con- cial, Conselhos de saúde, Participação popular
Universidade Federal do trol, Health councils
Maranhão. São Luiz MA
Brasil.
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Pereira IP et al.
Quadro 1. Caracterização dos estudos incluídos de acordo com os eixos temáticos, principal objetivo e resultado.
Eixos
Autor/Ano Objetivo principal Resultado principal
Temáticos
Oliveira et Analisar as possibilidades de A atuação extrajudicial do Ministério
al., (2015)13 contribuição do Ministério Público em Público mostra-se mais adequada para
favor da efetividade do direito à saúde. lidar com a complexidade do direito à
saúde e das políticas de saúde no Brasil.
Machado, Analisar como o MP pode contribuir Há importância na interface entre o MP
(2013)4 para a efetividade dos conselhos resolutivo, a gestão social e os conselhos
gestores. gestores.
Lehmann, Análise de como deve agir o Ministério O Ministério Público deve focar sua
(2013)8 Público no campo da participação atuação no fortalecimento da participação
Ministério Público, o Direito à Saúde e o Controle Social no SUS
Farias Verificar a atuação dos conselheiros Ações marcadas pela cooptação dos
Filho et al., de saúde, sobre suas ações coletivas de conselheiros de saúde e pela definição de
(2014)18 participação. agendas deliberativas pelo gestor.
Bispo Analisar os Conselhos de Saúde Conselhos de Saúde são mecanismos de
Junior e enquanto espaços de ampliação da ampliação da democracia, compreendida
Gerschman, democracia. como garantia dos direitos sociais.
(2013)5
Oliveira et Descrever e analisar a dinâmica da O Conselho de Saúde aciona diversos
al., (2013)19 participação social no CMS de Belo mecanismos para aprimorar seus modos de
Horizonte (MG) e verificar a existência ação, organização e comprometimento dos
de sinais de reação institucional frente atores para com esse fórum.
às dificuldades relatadas.
Moreira Compreender reações e regras do Conselhos de Saúde têm problema de
e Escorel, processo de institucionalização dos autonomia e organização.
(2009)9 Conselhos de Saúde.
Van Stralen Investigar a efetiva participação de Os conselhos têm pouco impacto sobre a
et al., Conselhos Municipais de Saúde na reestruturação dos serviços de saúde.
(2006)20 gestão das políticas de saúde.
Oliveira e Analisar as práticas de participação Autoritarismo e cooptação nas
Pinheiro, presentes no Conselho Municipal de relações entre os gestores municipais
(2010)21 Saúde de uma capital do Nordeste e os representantes da sociedade civil.
brasileiro e sua relação com a cultura Conselheiros reconhecem o frágil poder
política local. deliberativo e fiscalizador dos conselhos de
saúde.
para que o Ministério Público realize com su- cem, especialmente nas discussões que envolvam
cesso a aproximação dos demais atores sociais e as questões regimentais e técnicas, embora o pro-
fomente uma nova moldagem, mais resolutiva e cesso de discussão seja prejudicado por uma cul-
contemplativa das sugestões plurais, do controle tura política que tem dificuldades em reconhecer
social no SUS. e respeitar o outro como cidadão19. O MP deve
Asensi12 afirma que por meio do recurso do propiciar uma interlocução cada vez maior entre
diálogo desenvolve-se a juridicidade da saúde, a gestão dos serviços e os Conselhos de Saúde,
que é a abordagem do conflito sob o ponto de objetivando encontrar solução para os proble-
vista jurídico, sem ocorrer necessariamente uma mas de saúde do município.
judicialização, levando a uma valorização das O espaço de diálogo entre essas instâncias
instituições pelo uso de práticas democráticas. funda um novo campo de práticas de aprimora-
Na defesa do regime democrático, a atuação mento do Estado democrático, instituindo novas
do Ministério Público na seara sanitária deve se formas e mecanismos de pactuação entre as dife-
direcionar não só para a garantia do direito à rentes esferas dos poderes públicos e sua relação
saúde, mas sobretudo para o correto funciona- com a sociedade16, pois o Ministério Público deve
mento do sistema de saúde8. A instituição minis- estar presente, dialogando, fomentando e quali-
terial deve focar sua atuação principalmente na ficando a participação popular, cumprindo im-
defesa da democracia deliberativa, materializada portante papel educativo e criativo na mudança
na forma da participação popular, este último social3,16.
princípio do SUS preconizado na Constituição Lehmann8 usa a expressão democracia parti-
Federal4. cipativa, repetindo Paulo Bonavides, e a ela atri-
Machado3 afirma que são nas próprias ins- bui o papel de resgate da sociedade como sujeito
tituições do Estado que desembocam as ações de direito ativo na fiscalização e gestão dos bens
da sociedade civil. Todavia, esta afirmação deve coletivos extrapatrimoniais, usando como instru-
ser vista não só na perspectiva da sociedade que mento a participação popular em espaços delibe-
busca tutela, mas na perspectiva da sociedade rativos, como os conselhos de saúde8. Os atores
que busca parceiras institucionais que fortaleçam sociais devem se apropriar desses espaços demo-
movimentos ou lutas sociais existentes, que via- cráticos, estabelecendo sólidas parcerias e inter-
bilizem o impacto ou a legitimidade necessários nalizando as constantes lutas pela garantia dos
à efetivação de direitos. E a parceria institucional direitos sociais constitucionalmente assegurados6.
mais vocacionada à defesa do direito à saúde é Claro que estes autores se apropriam dos an-
aquela que se dá entre Ministério Público e Con- tecedentes epistemológicos contidos no discurso
selhos de Saúde, pois é elemento de fortaleci- estruturante dos direitos sociais inscrito na teo-
mento do controle social e da defesa da saúde co- ria da metódica jurídica22-27 e da percepção que o
letiva, o que explica a relevância da estruturação discurso jurídico se constitui no modo constru-
e interação dessas duas instâncias de controle. tor das identidades constitucionais de um povo
e sua capacidade de articulação e de ação como
Conselhos de Saúde, Democracia condições de reação aos processos de exclusão
participativa e participação popular sociais e da iconização do povo no viés de uma
participação política meramente retórica22,23,25.
Admitindo que o Conselho de Saúde é o Durante o processo de redemocratização do
principal parceiro do MP, Machado3 observa que país, os movimentos sociais retomaram a temáti-
existem vantagens recíprocas na atuação coope- ca da participação popular como reivindicatória
rativa, uma vez que o MP enriquece a atuação do da democracia, vislumbrando um novo instru-
CS de recursos simbólicos e práticos, e este legiti- mento de expressão, representação e participação
ma a ação do MP na defesa do direito à saúde tra- da sociedade, tendo a oportunidade de imprimir
zendo demandas que têm como conteúdo a rea- novo formato às políticas públicas, especialmen-
lidade social. O diálogo entre as duas instâncias te na área da saúde6. Com a percepção da insu-
é exemplo de como é possível ao MP escapar de ficiência da democracia representativa em en-
práticas paternalistas que substituam a atuação contrar solução para os problemas apresentados,
da sociedade civil, e repensar sua prática jurídica, surge o ideal da democracia participativa como
a partir de uma aproximação com a realidade da estratégia capaz de garantir maior participação
saúde pública3,16. dos cidadãos5,21.
O Ministério Público deve buscar contribuir Com a adesão da Constituição Federal de
com os Conselhos de Saúde para que estes avan- 1988 às bandeiras democráticas da Reforma Sa-
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de trabalho, paridade na composição ou mesmo recíproco das duas instâncias e para a efetivação
no cumprimento das diretrizes da Resolução nº do controle social do SUS, pois o Ministério Pú-
453/201229; e b) externa, fomentando a partici- blico pode garantir o funcionamento autônomo
pação popular, a transparência, a pactuação e a e o cumprimento das decisões dos Conselhos
efetividade das deliberações tomadas pelos con- de Saúde e estes, por sua vez, podem legitimar
selhos de saúde, evitando a desmobilização pela a atuação do Ministério Público, ou seja, os da-
participação desligada da decisão15. dos parecem confirmar que há a necessidade de
A política de saúde no Brasil é uma dinâmica aproximação e interlocução entre as instâncias de
que envolve muitos agentes em um novo mode- controle, com ganhos para todos.
lo de participação implantado após a redemo- O atual contexto político brasileiro, com a
cratização no país, em que o Ministério Público ameaça de congelamento dos recursos da saúde,
tem um papel de articulação fundamental16. Se exige que o Ministério Público esteja cada vez
o Conselho de Saúde é o sujeito empenhado na mais próximo das demandas sociais, estimulan-
materialização do direito à saúde, o Ministério do e fortalecendo a participação popular e a su-
Público é o agente canalizador dessa reivindica- peração das deficiências enfrentadas pelos Con-
ção4. selhos de Saúde, buscando impedir o retrocesso
democrático.
Os resultados sugerem que os Conselhos de
Considerações finais Saúde já consolidaram sua criação, mas ainda
persistem dificuldades e desafios para a gestão
Observa-se que a maioria dos artigos científicos democrática e transparente dos recursos na saú-
e dissertações de mestrados analisados apontam de, o que abre espaço e justifica a prontidão da
para a importância da interface entre relação en- atuação extrajudicial e resolutiva do Ministério
tre o Ministério Público e os Conselhos de Saúde Público, especialmente no que diz respeito ao:
no fortalecimento do controle social. (a) fomento da participação popular, por meio
Verificou-se que cabe ao Ministério Público da mobilização social e da articulação política,
contribuir para a efetividade do direito à saúde, (b) estímulo e fiscalização da capacitação técnica
que pode se dar por meio do fortalecimento do regular dos conselheiros de saúde, (c) mediação
controle social exercido com os conselhos muni- para a instituição de novas formas de pactuação
cipais de saúde. O controle institucional no SUS entre gestores e sociedade no enfrentamento das
realizado pelo Ministério Público, principalmen- problemáticas que apontam desvios de execução
te no que diz respeito à sua atuação e interação das políticas dos serviços de saúde, d) aprimora-
com os Conselhos de Saúde, vem sendo desen- mento das condições estruturais e administrati-
volvido mais sobre a matriz resolutiva e extraju- vas de trabalho dos conselheiros; e) fiscalização
dicial, com o fortalecimento da interlocução com do cumprimento da Resolução 453/2012, princi-
os demais órgãos de controle social, tornando palmente no que diz respeito à eleição para a pre-
mais horizontais e permeáveis as relações entre sidência dos conselhos de saúde, verificando-se a
Estado e sociedade. necessidade de alteração das legislações locais, e a
Verificou-se que existe diálogo interinstitu- g) judicialização racional e adequada das políti-
cional, bem como que ele inovou na resolução de cas de saúde buscando o reequilíbrio das respon-
conflitos imprescindível para o fortalecimento sabilidades federativas.
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IP Pereira trabalhou na concepção, no delinea- 1. Figueiredo HC. Saúde no Brasil: Sistema constitucional
assimétrico e as interfaces com as políticas públicas. Curi-
mento, na análise e interpretação dos dados e na
tiba: Juruá; 2015
redação do artigo; CG Chai trabalhou na análise 2. Mendes KR. Curso de Direito da Saúde. São Paulo: Sara-
e interpretação dos dados, na redação do artigo iva; 2013
e na versão final a ser publicada; CMD Loyo- 3. Machado FRS. Direito à saúde, integralidade e partic-
la trabalharam na versão final a ser publicada; ipação: um estudo sobre as relações entre sociedade e
Ministério Público na experiência de Porto Alegre [dis-
IMA Felipe e MAB Pacheco trabalharam na con-
sertação]. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do
cepção e delineamento, na sua revisão crítica e Rio de Janeiro; 2006.
na aprovação da versão a ser publicada; RS Dias 4. Machado EP. Ministério Público, gestão social e os con-
participou da análise e interpretação dos dados, selhos gestores de políticas públicas. Lavras: UFLA; 2013.
da revisão crítica e da aprovação da versão a ser 5. Bispo Júnior JP, Gerschman S. Potencial participativo
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publicada.
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Pereira IP et al.
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