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Sendo o advogado essencial à função jurisdicional do Estado[1], embora a este não vinculado,
a ele estar reservada a tarefa de servir de vanguarda na busca do direito fundamental de acesso
à justiça, o que torna o seu papel extremamente relevante no sistema de distribuição da
justiça.
Como resultado dessa prática, de explicação incompleta e periférica do Direito positivo vem a
desqualificação dos formados nesses cursos para lidarem com complexas questões sociais que
terão de enfrentar no seu dia-a-dia profissional. Essa questão - alerta Roberto Aguiar[5] - deve
ser encarada sob vários ângulos. Quando tratamos de qualificação ou não, resta implícito um
“para que” mensurador da adequação ou não do processo educativo e seu produto. A primeira
conclusão que se pode tirar é que, sob a ótica dos formados de Direito, os cursos jurídicos os
qualificam. Afinal, a esmagadora maioria dos bacharelandos não vai de fato exercer uma
atividade ligada ao direito, pelo que os cursos fornecem elementos mínimos para sua ascensão
social ou para a demonstração de certas luzes necessárias ao desempenho de suas funções.
Logo, para as demandas de natureza pessoal de grande parte dos estudantes, os cursos
jurídicos atendem suas necessidades.
Entretanto, se olharmos sob o ângulo das demandas sociais emergentes, das mudanças da
sociedade, se encararmos a questão com os olhos postos no desenvolvimento da produção e
dos problemas advindos, se percebermos a questão sob o ponto de vista das macrorrelações
políticas e econômicas emergentes da modernidade, certamente vamos constatar, com certa
facilidade, que o advogado formado nesses cursos - muitos deles apenas de finais de semana -,
verdadeiramente não se encontra preparado para enfrentar um mundo em transformação, onde
os problemas sociais evidenciam-se, onde existe uma permanente necessidade de criatividade,
de aprofundamento reflexivo para sua compreensão, onde os olhos do profissional devem
estar atentos à emergência de novos direitos, onde os movimentos e as lutas sociais apontam
novos caminhos para a solução de novos e complexos problemas.
Nesse quadro, parece evidente a necessidade da formação de um novo profissional, que seja
capaz de vivenciar seu tempo e tenha condições de enfrentar as demandas de compreensão da
sociedade e compromissos éticos com as forças que se enfrentam na luta pela hegemonia.
Terminou a era do advogado neutro que apenas postulava a solução de conflitos mediante o
enquadramento silogístico, dogmático dos fatos às normas postas pelo Estado. Já se vai longe
o tempo em que a função do advogado era apenas defender interesses individuais e não
sociais, características que lhes foram conferidas pela ideologia liberal. Hoje não se tem mais
dúvida que a atividade profissional do advogado deve ser vista como predominantemente
social.[6] O cunho social da profissão - alerta Antonio Claudio Cariz de Oliveira[7] - se
manifesta, ainda, pelo exercício da cidadania por profissionais responsáveis pela colocação
perante um dos poderes do Estado, dos anseios e aspirações da sociedade. Em verdade, o
advogado é um arauto das necessidades coletivas, e, de certa forma, agente de transformação
social e transmissor da própria dinâmica social, portanto, responsável pelas transformações
exigidas pela realidade.
Enquanto cidadão e profissional, já que sua atividade reúne essas duas dimensões, o advogado
deve estar consciente de que é um co-criador de direitos. Essa atividade de criação dá-se pelo
seu trabalho diário ao patrocinar os interesses de seus representados, mas é também traduzida
pela sua participação nos movimentos sociais de nomegenese e complementada pela ação
política explicita ou implícita que desenvolve.
Tem, pois, o profissional da advocacia um trabalho forense qualificado por Roberto Aguiar
como tradicional, um trabalho de ponta de racionalização dos novos direitos que vão
emergindo e um trabalho de questionamento no sentido do avanço das conquistas sociais.[8]
Assim, o direito que o advogado trabalha não se esgota na legalidade estatal, pois está nas
leis, nas ruas, nos movimentos sociais e nos avanços da ciência, da produção e da tecnologia.
Esse direito é uma expressão de um processo que faz do profissional da advocacia um sujeito
partícipe de sua criação, na medida em que ele representa interesses, expectativas e projetos
de grupos sociais e coletividades emergentes. O advogado é, pois, um explicitador de direitos.
Por isso além da necessidade de encontrar-se preparado para essa relevante missão, não deve,
nem pode desenvolver uma atividade de mera e restrita reprodução no âmbito do direito posto
ou das interpretações requentadas desse mesmo direito, pois assim agindo, perderá a valiosa
oportunidade de trabalhar o direito por inteiro. Afinal - alerta Roberto Lyra Filho -, quem
parte com a persuasão de que o direito é um sistema de normas estatais, destinadas a garantir
a paz social ou a reforçar o interesse e a convivência da classe dominante, nunca vai
reconhecer, no trabalho de campo, um direito praeter, supra ou contra legem e muito menos
descobrir um verdadeiro e próprio direito dos espoliados e oprimidos, pois de plano, já deu
por “não-jurídico” o que Ehlinch e outros, após ele, denominaram o “direito social”. O direito
precisa ser visto “não como ordem estagnada, mas positivação, em luta, dos princípios
libertadores, na totalidade social em movimento, onde o Direito, reino da libertação, tenha
como limites, apenas, a própria liberdade”.[9]
Assim, os cursos jurídicos precisam preparar os futuros advogados para o enfrentamento dos
novos e massificados conflitos emergentes de uma sociedade de economia globalizada em que
as desigualdades sociais intensificam-se a cada dia, em que o direito não está, como aliás
nunca esteve limitado ao mero fenômeno legal.
Somente com esses atributos, que a grande maioria dos cursos jurídicos no Brasil ainda não
transmite aos acadêmicos de Direito, estará o advogado preparado para enfrentar os novos e
instigantes problemas de uma sociedade desigual, conflituosa e em constantes mudanças e que
a eles são entregues para solução.
Afirmar que o acesso à justiça também depende da capacidade e da retidão ética do advogado,
é quase que um truísmo. É ele um importantíssimo agente do sistema de administração da
justiça. Precisa, pois, ser adequadamente preparado.
Notas:
[2]SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Advocacia e desenvolvimento social. In: Revista da
Ordem dos Advogados do Brasil, n. 20, ano VII. set./dez. 1976, p. 4.
[3] BITRAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 387.
[4] FARIA, José Eduardo. Ordem legal X Mudança social: a crise do Judiciário e a
formação do magistrado, p. 104.
[5] AGUIAR, Roberto A. R. A crise da advocacia do Brasil: diagnóstico e perspectiva.
São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1999, p. 81-82.
[6] COMPARATO, Fábio Konder. Para viver a democracia. São Paulo: Editora Brasiliense,
1989, p. 164.
[7] MARIZ DE OLIVEIRA, Antonio Claudio. A formação do advogado. In: José Renato
Nalini (coord.). Formação do advogado, 1994, p. 28.
[8] AGUIAR, Roberto A. R. Ob. cit. p. 152. Alerta Antonio Claudio Mariz de Oliveira que
uma das características marcantes da profissão do advogado é a completa ausência de
maniqueismo, pois lida com o homem, com suas misérias e grandezas, conhecedores da frágil
condição humana, por isso jamais adota diante de um conflito de interesses uma postura de
detentores das verdade porque sabe que a verdade não é única, pode vir tanto na inicial, como
após a contestação, posteriomente modificada pela instrução, provisoriamente posta na
sentença e fixada quando do seu trânsito em julgado. Mercê, pois, do próprio exercício
profissional a visão do ser humano e da vida é flexível, condescente e copalcente. In: Ob. cit.
P. 21.
[9] Apud SOUZA JUNIOR, José Geraldo de. Movimentos Sociais e Práticas Instituintes de
Direitos: Perspectivas para a pesquisa sócio-juridica no Brasil. Conferências na Faculdade
de Direito de Coimbra. STUDIA IVRIDICA 48, Colóquia - 6. Coimbra: Editora Coimbra,
2000, p. 234.
[10] Apud NALINI, José Renato. Ética Geral e Profissional. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001, p. 241-242.