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TEMAS DE TEOLOGIA

BÍBLICA I
Guia de Estudos

Facilitador: Júlio Paulo T. Mantovani Zabatiero

1a Edição
Potyguara – São Paulo – 2017
PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA GERAL DA IPIB:
Áureo Rodrigues de Oliveira

PRESIDENTE DA FECP:
Heitor Pires Barbosa Junior

MINISTRO DE EDUCAÇÃO DA IPIB:


Agnaldo Pereira Gomes

SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO TEOLÓGICA:


Clayton Leal da Silva

DIRETOR DA EAD-FECP:
Reginaldo von Zuben

AUTOR:
Júlio Paulo T. Mantovani Zabatiero

CAPA E PROJETO GRÁFICO:


Camyla Barreto e Daniel Vega

DIAGRAMAÇÃO:
Ana Paula Pires

ILUSTRAÇÕES:
FOTOLIA

REVISÃO:
Dorothy Maia

EDIÇÃO:
Reginaldo von Zuben e César Marques Lopes

Reservados todos os direitos desta edição. É proibida a reprodução total ou


parcial dos textos e do projeto gráfico desta obra sem autorização expressa de
autores, organizadores e editores.
Apresentação

Estamos iniciando nova etapa na vida da nossa igreja em


termos de educação teológica. Não se trata apenas de incorpo-
rar uma nova ferramenta que está em evidência nas instituições
educacionais, mas sobretudo de cumprir de modo mais efetivo o
mandado da grande comissão dada por Jesus à igreja: “Ide, fazei
discípulos, batizando, ensinando...”. A igreja, portanto, tem essa
tarefa de ensinar e cuidar da formação dos seus membros, capaci-
tando-os para a missão.
Como igreja de tradição reformada, trazemos também esta
herança da ênfase e do cuidado no ensino, não apenas da sua
liderança, mas de seus membros como um todo. Entendemos
que a fé cristã, baseada na revelação que nos foi dada em Cris-
to e testemunhada nas Escrituras, não prescinde do esforço da
inteligibilidade. Como bem sinalizou Anselmo de Cantuária, um
grande teólogo medieval, “creio para entender” (credo ut intelli-
gam); por outro lado, a fé requer o entendimento (fides quae-
rens intellectum)!
Democratizar a possibilidade de uma formação teológica a
irmãos e irmãs que não têm a oportunidade de frequentar pre-
sencialmente uma faculdade representa, sem dúvida, grande
avanço e empenho na tarefa de cumprir a grande comissão, sen-
do fiel à nossa tradição reformada. 
No anseio de que nossa igreja seja abençoada, mas também
meio de bênção, nossos votos de uma jornada proveitosa!

Rev. Áureo R. Oliveira


Presidente da Assembleia Geral da IPIB
FUNDAÇÃO EDUARDO CARLOS PEREIRA

É muito interessante o texto bíblico em que o apóstolo Pau-


lo, mesmo preso em Roma, pede para que Timóteo traga a sua
capa e os livros, principalmente pergaminhos, a fim de estudar
(2Timóteo 4.13). Até no final da sua vida e ministério, o apóstolo
dos gentios não deixa de se dedicar aos estudos e de se preparar
para conhecer e ensinar com zelo e presteza a Palavra do Senhor.
O Curso Livre de Teologia da Fundação Eduardo Carlos Pereira
(FECP) surge para abençoar muitos irmãos e irmãs com interesse
em, por meio do estudo da teologia, servir a Deus com mais zelo,
segurança e presteza. Nosso desejo é que, de fato, este Curso seja
meio pelo qual a ação poderosa de Deus se manifeste na vida de
todos os estudantes, irmãos e irmãs em Cristo. Com isto, a FECP
atende aos anseios da IPI do Brasil em garantir acesso ao curso de
Teologia não só aos candidatos e candidatas ao sagrado ministé-
rio, mas também a oficiais, liderança, membros e outros interessa-
dos, tanto da IPI do Brasil como de outras denominações cristãs.
Como cristãos, cremos que o Espírito Santo desperta, cha-
ma e capacita pessoas para atuarem nos diversos ministérios
da Igreja. Isto ocorre por causa da necessidade de edificação e
orientação do povo de Deus no mundo, bem como para o cum-
primento da missão de Deus em meio aos desafios do nosso
contexto. Deus faz a parte dele e nós temos a nossa. Temos
responsabilidades no que se refere à busca de excelência na
vida cristã, ao cumprimento da vontade de Deus em nossa vida
e à vitalidade da igreja no testemunho da graça e do amor divi-
nos. Diante destas responsabilidades, é fundamental o estudo
da Palavra de Deus, da história da igreja, da teologia cristã e das
ferramentas para o exercício pastoral e atuação como líderes
cristãos, tudo visando à boa preparação para desempenharmos
a privilegiada condição de servos e servas, sem deixarmos de
ser amigos e amigas do Senhor Jesus.
A exemplo do apóstolo dos gentios, sejamos dedicados nos
estudos e ricamente abençoados nesta caminhada de aprendi-
zagem e crescimento.

Deus abençoe a todos nós.


SUMÁRIO

MÓDULO 1:
Elementos fundamentais para a teologia bíblica da Aliança no
Antigo Testamento

1. A noção de aliança no Mundo do Antigo Testamento...............10


2. Aspectos fundamentais do conceito de aliança
no Antigo Testamento....................................................................16
3. Êxodo 6 – Libertação e Aliança......................................................23

MÓDULO 2:
A nova aliança em Jeremias

1. Jeremias 31.27-34 - A Nova Aliança...............................................31


2. Dialogando com Ezequiel 18..........................................................45
3. Refletindo sobre a teologia de Jeremias 31.27-34.......................52

MÓDULO 3:
Aliança e libertação no Novo Testamento

1. A Nova Benith em Hebreus..............................................................59


2. A Nova Benith em Paulo: o messias Jesus
liberta integralmente.........................................................................65
MÓDULO 1
Tema: Elementos fundamentais para a teologia
bíblica da Aliança no Antigo Testamento
Temas de Teologia Bíblica I

JJ PARA INÍCIO DE CONVERSA

Estamos iniciando mais uma disciplina de nosso curso teoló-


gico. Nas disciplinas da área de teologia bíblica estudaremos al-
guns dos principais conceitos presentes na Escritura, que servem
de fundamento para nossa fé e prática de vida cristã. Neste cur-
so, estudaremos os conceitos teológicos à luz de toda a Escritura,
escolha mais adequada à nossa tradição teológica reformada.
O primeiro conceito teológico-bíblico que iremos estudar é
o da aliança (pacto, tratado, testamento). Vamos analisar textos
bíblicos do Antigo e do Novo Testamentos a fim de construir
uma visão geral do conceito de aliança nas Escrituras e sua im-
portância para os dias atuais. A escolha do tema da aliança se
dá porque (a) é um dos assuntos centrais de toda a Bíblia; (b)
nos permite perceber que, em certo sentido, cada conceito teo-
lógico incorpora em si mesmo uma série de outros conceitos; e
(c) é um dos conceitos fundamentais da tradição reformada que
serve de base para a nossa identidade.
Antes de entrar no tema, precisamos conversar um pou-
co sobre o que é teologia e o que queremos dizer com o ter-
mo “teologia bíblica”. Teologia é um tipo de discurso que tem
como foco principal entender o que Deus faz e como responder
adequadamente ao que Ele faz em nossos dias. Ao iniciarmos o
estudo de temas teológicos, devemos ter claro em mente que
fazer teologia não é apenas estudar doutrina, mas refletir sobre
a prática do povo de Deus (e do homem ou mulher de Deus)
como resposta à ação de Deus (revelada na história, testemu-
nhada nas Escrituras e recebida por nós).
A partir desta definição, podemos refletir sobre o que seja
teologia bíblica. Trata-se de uma especialidade acadêmica da
teologia, que se ocupa da análise e da reflexão sobre teologias
presentes nos textos bíblicos. É, portanto, uma ciência mais vol-
tada para a compreensão dos conceitos bíblicos em seu próprio

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

contexto, e não o entendimento dos conceitos teológicos em


nosso contexto, intérpretes e praticantes da Palavra. Sua me-
todologia, portanto, é exegética e histórica. Ao estudarmos os
temas da teologia bíblica veremos o funcionamento do método.
Vista desse modo, a teologia é uma atividade contextual, ou
seja, só pode ser bem-feita e bem entendida se conhecermos o
contexto em que ela é feita, se soubermos quais situações, con-
flitos, lutas, possibilidades e desafios enfrentados pela pessoa
ou comunidade que faz teologia. Assim também era no mundo
bíblico. Por isso, iniciaremos nossa reflexão teológica estudando
o uso do termo “aliança” no mundo bíblico veterotestamentário.
Os nossos objetivos para este módulo são que, ao final dele,
você seja capaz de: 1) diferenciar os dois usos principais da no-
ção de aliança no Antigo Oriente Próximo; 2) descrever as princi-
pais características do relacionamento de Deus com o seu povo
através do termo berith no Antigo Testamento, e 3) explicar a
relação entre libertação e berith em Êxodo 3 e Êxodo 6.
Estes objetivos indicam as áreas importantes sobre as quais
você pode concentrar o seu esforço de aprendizagem. Bom tra-
balho, e que Deus lhe abençoe!

JJ 1. A NOÇÃO DE ALIANÇA NO MUNDO DO


ANTIGO TESTAMENTO

1.1. O Antigo Oriente Próximo


Vamos relembrar parte do que estudamos em Introdução
Histórico-Literária ao Antigo Testamento. Que região é essa que
chamamos de Antigo Oriente Próximo? É a região que abran-
ge os seguintes territórios e países principais: (1) Egito e Etió-
pia (Cuxe), (2) Canaã – cidades cananeias, Ugarite, Israel, Edom,
Moabe, Amon (3) Aram – Síria, Fenícia, (4) Mesopotâmia – As-
síria e Babilônia, (5) Pérsia. Inclui também a região do deserto
da Arábia. Oriente refere-se à região leste do globo terrestre. É

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Temas de Teologia Bíblica I

chamado de Próximo porque está mais próximo da Europa do


que a Índia e a China, por exemplo. Por que Antigo? Porque nos
interessamos pelo período que vai do 2º Milênio a.C. até os dois
primeiros séculos da Era Cristã.
O povo de Israel surgiu e teve sua história no Antigo Oriente
Próximo (AOP daqui em diante). Povos do Egito, da Assíria, da
Babilônia e outros já existiam muitos séculos antes de Israel se
tornar povo e país. Se datamos o êxodo em cerca de 1.250 a.C.
e a entrada em Canaã por volta de 1.200 a.C., a monarquia isra-
elita começou em torno de 1.050 a.C. O Reino de Israel foi con-
quistado pelos assírios por volta de 722 a.C. e o Reino de Judá,
587 a.C. aproximadamente. Os persas passaram a dominar Judá
e Israel a partir de 539 a.C., e Alexandre conquistou o império
persa em cerca de 330 a.C.. Israel (Judá) teve um pequeno perí-
odo de independência sob os Macabeus (c. de 140-70 a.C.), mas
submeteu-se ao domínio do Império Romano até a revolta que
levou à destruição de Jerusalém e do Templo em 70 d.C. Daí em
diante, Israel se tornou um povo sem “país”, sem “governante”,
apenas um povo submisso ao Império Romano.
Essas lembranças visam, principalmente, a mostrar que:
(a) Israel era um povo que se formou tarde no mundo do
AOP. Sua terra era território que pertencia a outros povos. Sua
cultura recebeu influência de outros povos. Sua religião rece-
beu influência das religiões de outros povos. Seu modo de fazer
política também foi influenciado por outros povos.
(b) Para entender a teologia bíblica é preciso levar em conta
que um dos principais problemas que Israel e, mais tarde, tam-
bém as comunidades cristãs primitivas, teve de enfrentar foi o
imperialismo estrangeiro. Ou seja, ter sua terra conquistada por
outros povos, sua forma de governo submissa a outros povos,
sua cultura e religião subordinadas às de outros povos, a vida
cotidiana sob ameaça permanente da invasão estrangeira, do
cativeiro e da morte.

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

Quando chegamos ao Novo Testamento, ainda não temos


propriamente dita uma Igreja Cristã! As comunidades de segui-
dores de Jesus Cristo não viam a si mesmas como uma nova
religião diferente do Judaísmo. Viam-se como fieis seguidoras
do Deus de Israel (YHWH), e sua Bíblia era o nosso Antigo Testa-
mento (As comunidades cristãs primitivas comumente usavam
a Septuaginta como sua Bíblia.). Porém, depois da revolta ju-
daica contra o Império Romano em 70 d.C., o Judaísmo oficial
considerou os judeus cristãos como heréticos e os expulsou de
suas sinagogas e da vida comunitária. A partir daí as comunida-
des cristãs foram se desenvolvendo de modo autônomo até se
tornarem o que chamamos hoje de Igrejas Cristãs.
Para os romanos, a noção de berith (aliança) como parceria
era irrelevante. Em seu lugar, eles priorizavam a noção de lei
(legis em latim), que correspondia à noção de berith enquanto
um contrato mediado por regras. Outra noção importante na
prática romana era a de padroado ou patronato. As relações
pessoais entre os romanos eram definidas pelo lugar social ocu-
pado por elas. As pessoas de famílias tradicionais, as com mais
dinheiro ou com mais prestígio político e poder assumiam uma
espécie de controle sobre várias famílias socialmente inferio-
res. O Imperador, por exemplo, era o primeiro patrono de toda
população do Império, e a relação de patronato abrangia toda
a hierarquia social – com exclusão dos escravos, que não eram
considerados pessoas, mas mera propriedade. Os patronos ofe-
reciam benefícios socioeconômicos aos seus clientes que, em
compensação, não só os serviam mas os homenageavam cons-
tantemente em festas e outras cerimônias. O conceito cultural
que sustentava a prática social do patronato era o de honra: as
pessoas eram classificadas em diferentes graus de honra – pri-
meiro o Imperador, depois os nobres etc.. Obediência e honra
(glória) eram as obrigações dos clientes para com os patrões,
e dos patrões para com os deuses. Para os romanos, então, a

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Temas de Teologia Bíblica I

salvação era equivalente a expandir o Império para ampliar o


patronato romano e seus benefícios aos povos incivilizados de
seu tempo.

1.2. A noção de aliança e/ou contrato no Antigo Oriente Próximo


1.2.1. A berith no Antigo Oriente Próximo
A palavra hebraica que costumamos traduzir por aliança é
‫( ְּב ִרית‬berith). Nos diversos países do Antigo Oriente Próximo,
existiam diferentes noções das palavras equivalentes à palavra
hebraica. Não podemos entrar em detalhes no estudo dessas
noções, nem discutir os significados diferentes em cada país ou
região. Duas concepções principais, presentes em praticamente
todo o AOP, porém, podem ser estudadas. De diferentes mo-
dos, elas influenciaram o sentido da palavra berith no Antigo
Testamento e a ideia de aliança do povo de Israel.
Essas duas noções fundamentais existiam no ambiente da
política. Em primeiro lugar, havia a ideia de que entre um ser-
vidor do rei e o rei existia uma obrigação de obediência. Era co-
mum, em vários países do AOP, quando alguém assumia uma
função importante no palácio (no governo), fazer um juramento
ao rei – o servidor prometia obediência, fidelidade e amor ao
rei. Em segundo lugar, havia a ideia de que entre reis poderiam
existir diferentes tipos de “compromisso”. Os dois mais comuns
eram: (a) relação em termos de igualdade, ou seja, reis com
poder militar parecido se reuniam para enfrentar um inimigo
comum. O compromisso, então, era mútuo: cada um deveria
ajudar o outro na guerra; (b) relação em termos assimétricos
(desiguais). O rei mais fraco militarmente jurava servir, obede-
cer e amar ao rei militarmente mais forte. Neste caso, na lingua-
gem técnica, temos um tratado de suserania (soberania) ou de
vassalagem (serviço).
Note que, embora nos juramentos e nos tratados de vassala-
gem a parte mais fraca jurasse amar ao rei mais poderoso, não

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

há um relacionamento de amizade ou companheirismo, mas de


submissão e dependência. Assim, podemos dizer que o amor,
nestes casos, era apenas um modo “bonito” ou ideológico (falso,
mas politicamente apropriado) de fazer uma relação de submis-
são parecer uma ligação entre iguais.
Uma primeira conclusão sobre as noções aqui discutidas: ao
lermos textos do Antigo Testamento, devemos entender e tra-
duzir a palavra berith conforme o sentido que a ela é dado no
próprio texto. Quando o relacionamento é entre iguais, com os
mesmos deveres e direitos, podemos falar em parceria, com-
panheirismo ou aliança. Quando o relacionamento é entre de-
siguais, com diferentes deveres e direitos, podemos falar em
contrato, pacto ou tratado.

1.2.2. A berith no Antigo Testamento


Berith é a palavra que, no Antigo Testamento, explica as
responsabilidades presentes em diferentes tipos de relaciona-
mento: (a) na relação interpessoal (amizade, casamento), a res-
ponsabilidade de ser fiel; (b) na institucionalização da interação
social em um determinado grupo social (e.g., o rei governa com
base em uma aliança), a responsabilidade de ser obediente; (c)
nas relações internacionais (tratados de cooperação ou de vas-
salagem), a responsabilidade de ser fiel (se aliança entre iguais)
ou submisso (se o tratado for entre desiguais); (d) nas relações
de seres humanos com os seres não-humanos na criação, a res-
ponsabilidade de cuidar; (e) na relação de Deus com sua cria-
ção, a responsabilidade divina de cuidar e a responsabilidade
da criação (incluindo os seres humanos) de ser cuidada e cuidar
de si mesma.
O significado básico da palavra berith (e seus equivalentes em
outros idiomas da época) é o de um compromisso entre pesso-
as, compromisso este que varia de acordo com o tipo de berith
que é realizado. No caso ideal, a noção básica subjacente é a de

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Temas de Teologia Bíblica I

que os membros da berith criam laços de pertença mútua (iden-


tidade), equidade e corresponsabilidade. Estabelece-se, assim,
um reconhecimento mútuo entre coparticipantes de um mes-
mo projeto de vida. A mesma palavra, porém, também pode
ser usada para relações injustas assimétricas e desiguais. Neste
caso, a pessoa dominada tem de aceitar a dominação como se
ela fosse uma “parceria”, pois não tem alternativa. Quando as
relações são de dominação, ao invés de reconhecimento mú-
tuo, podemos dizer que se cria um relacionamento de desrespei-
to da parte dominadora em relação à dominada.
Do ponto de vista teológico, o que é importante destacar-
mos? Em primeiro lugar: que a palavra berith deve ser traduzida
de modos diferentes, conforme o tipo de compromisso envol-
vido no relacionamento. Por exemplo, em Gn 9.11 – “Sim, esta-
beleço a minha berith convosco: não será mais destruída toda a
terra pelas águas do dilúvio, e não haverá mais dilúvio para des-
truir a terra” –, ao invés de pacto (Almeida) deveríamos traduzir
por juramento ou compromisso. A palavra é usada no mesmo
sentido dos juramentos do AOP. Deus faz um juramento a Noé
e assume um compromisso com ele e com toda a criação (cf. Gn
9.12-16) – nunca mais destruir a terra com um dilúvio.
Em segundo lugar, quando analisamos textos bíblicos em que
a palavra berith explica o relacionamento entre Deus e Israel, te-
mos de levar em consideração que esse relacionamento pode
ser do tipo de uma parceria (fidelidade) ou de um contrato (obe-
diência). É preciso saber diferenciar, nos textos, esses dois tipos
de relacionamento, a fim de entendermos bem este aspecto im-
portante da teologia no Antigo Testamento. A relação entre Deus
e o seu povo é descrita em alguns textos como uma parceria,
logo, o relacionamento que se espera é o da fidelidade, do amor,
da amizade. Em outros textos, o relacionamento é descrito como
um contrato ou um tratado. Então o que se espera do povo é
obediência, submissão. Em outros textos, ainda, encontramos

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

uma situação muito interessante. Como vimos ao mencionar


Gn 9.11ss, é possível que textos descrevam a relação entre
Deus e Seu povo como uma relação em que Deus, voluntaria-
mente, assume uma posição “inferior” à do povo e lhe presta
um juramento!
No primeiro e no terceiro casos, podemos dizer que o relacio-
namento entre Deus e Seu povo é de companheirismo, ou seja,
baseado na graça, na misericórdia ou na fidelidade de Deus. No
segundo caso, o relacionamento é contratual, ou seja, baseado
no dever que o povo tem para com Deus. Assim, podemos enten-
der que no Antigo Testamento a berith entre Deus e Israel pode
ser descrita de dois modos teológicos: (a) no modo da graça e (b)
no modo da lei. É preciso, então, em cada texto estudado, anali-
sar bem que tipo de relacionamento está presente.

JJ 2. ASPECTOS FUNDAMENTAIS DO CONCEITO DE ALIAN-


ÇA NO ANTIGO TESTAMENTO

Vimos na seção anterior os diferentes usos de berith e seus


termos correlatos nas sociedades do Antigo Oriente Próximo.
Agora, vamos estudar como Israel deu sentido teológico à sua
relação com Deus através do termo berith. Nosso estudo co-
meçará com Êxodo 3, passagem em que Deus chama Moisés
para libertar os “filhos de Israel” do Egito. A primeira lição que
aprendemos é: a berith entre Deus e seu povo no AT sempre
teve início na ação libertadora de Deus: Ele toma a iniciativa,
mostra como viver em relação de fidelidade, mostra o caminho
e orienta a andar nele.
2.1. Êxodo 3 - Libertação & Aliança
2.1.1. A parceria entre Deus e Moisés
Leia atentamente Êxodo 3.1-12:
1
Apascentava Moisés o rebanho de Jetro, seu sogro, sacerdote

16
Temas de Teologia Bíblica I

de Midiã; e, levando o rebanho para o lado ocidental do deserto,


chegou ao monte de Deus, a Horebe. 2 Apareceu-lhe o Anjo de YHWH
numa chama de fogo, no meio de uma sarça; Moisés olhou, e eis
que a sarça ardia no fogo e a sarça não se consumia. 3 Então, disse
consigo mesmo: Irei para lá e verei essa grande maravilha; por que
a sarça não se queima? 4 Vendo YHWH que ele se voltava para ver,
Deus, do meio da sarça, o chamou e disse: Moisés! Moisés! Ele res-
pondeu: Eis-me aqui! 5 Deus continuou: Não te chegues para cá; tira
as sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é terra santa. 6

Disse mais: Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de


Isaque e o Deus de Jacó. Moisés escondeu o rosto, porque temeu
olhar para Deus. 7 Então disse YHWH: Com efeito vi a opressão do
meu povo, que está no Egito, e ouvi o seu clamor por causa dos
seus exatores, porque conheço os seus sofrimentos; 8 e desci para o
livrar da mão dos egípcios, e para o fazer subir daquela terra para
uma terra boa e espaçosa, para uma terra que mana leite e mel;
para o lugar do cananeu, do heteu, do amorreu, do ferezeu, do
heveu e do jebuseu. 9 E agora, eis que o clamor dos filhos de Israel é
vindo a mim; e também tenho visto a opressão com que os egípcios
os oprimem. 10 Agora, pois, vem e eu te enviarei a Faraó, para que
tireis do Egito o meu povo, os filhos de Israel. 11 Então Moisés disse
a Deus: Quem sou eu, para que vá a Faraó e tire do Egito os filhos
de Israel? 12
Respondeu-lhe: Certamente eu serei contigo; e isto te
será por sinal de que eu te enviei: Quando houveres tirado do Egito
o meu povo, adorareis a Deus neste monte.

O relato do chamado e envio de Moisés como parceiro de


YHWH para libertar os hebreus do Egito possui duas partes. A
primeira é um relato de teofania em que YHWH (ou o Seu Anjo,
sugerindo que os termos são intercambiáveis) se manifesta a
Moisés, revelando-se como o Deus de seus ancestrais. A teofa-
nia, um evento que transcende as regras da natureza, provoca
assombro e temor – elementos que compõem o conceito mais

17
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

antigo de santidade na tradição israelita. Santidade é, primaria-


mente, o poder de outorgar e retirar a vida, por isso provoca
medo e respeito. Aqui a santidade de YHWH provoca o temor
propriamente religioso – o respeito e a reverência pelo Deus
que dá a vida e dirige a caminhada de seu povo. A face oculta de
Deus, que não permite a Moisés aproximar-se suficientemente
da sarça, indica a radical diferença entre Deus e o ser humano:
não é possível ver Deus e continuar vivendo.
A segunda parte do relato é estilizada como uma vocação
profética, e destaca o papel de Moisés como parceiro de YHWH
na libertação dos hebreus do Egito. Destaco aqui os versos 10-
12 em que Moisés recebe a incumbência de tirar do Egito o meu
povo, os filhos de Israel. Moisés fará o que YHWH faz (conforme
os versos 7-9), indicando que o homem chamado por Deus é
parceiro de aliança e convocado para ser fiel, ou seja, para agir
como o parceiro que o chamou age. Como é relativamente típi-
co dos relatos de vocação, Moisés reluta em aceitar o chamado,
apontando sua insignificância. Deus, porém, rejeita a relutância
e reafirma sua aliança com Moisés, dando-lhe duas provas de
sua parceria: (a) a promessa de que certamente eu serei contigo,
e (b) o sinal após a libertação. A relutância de Moisés reapare-
cerá mais adiante, só que naquela vez ela suscita o desgosto de
YHWH contra o seu escolhido.
Do ponto de vista da identidade do povo de Deus, temos aqui
dois termos fundamentais: (a) meu povo e (b) filhos de Israel. O
segundo termo aponta para a história dos pais e das mães de
Israel, indicando a origem ancestral e a linhagem que garante a
posse da terra. O segundo termo, típico da profecia do VIII século
a.C., refere-se à condição de opressão ou sofrimento do povo de
Deus, condição, porém, conhecida por Deus que agirá para mo-
dificá-la. No período do Segundo Templo, Israel continua sendo
meu povo – precisa da ação libertadora de YHWH.

18
Temas de Teologia Bíblica I

CONCEITO
Esta expressão é usada por historiadores
e historiadoras de Israel para se referir ao
período de tempo entre 500 a.C e 134 d.C
aproximadamente. É chamado de período
do Segundo Templo porque o primeiro Tem-
plo de Jerusalém, construído na época de Salo-
mão, havia sido destruído pelos babilônios em 587
a.C. O Templo começou a ser reconstruído por volta de
515 a.C., na época da pregação do profeta Ageu, logo
após o primeiro retorno de exilados judeus da Babilônia
(em 539 a.C.).

Leia, agora, Êxodo 3.16-22.


16
Vai, ajunta os anciãos de Israel e dize-lhes: YHWH, o Deus de
vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó,
me apareceu, dizendo: Em verdade vos tenho visitado e visto o que
vos tem sido feito no Egito. 17 Portanto, disse eu: Far-vos-ei subir da
aflição do Egito para a terra do cananeu, do heteu, do amorreu, do
ferezeu, do heveu e do jebuseu, para uma terra que mana leite e
mel. 18 E ouvirão a tua voz; e irás, com os anciãos de Israel, ao rei do
Egito e lhe dirás: YHWH, o Deus dos hebreus, nos encontrou. Agora,
pois, deixa-nos ir caminho de três dias para o deserto, a fim de que
sacrifiquemos a YHWH, nosso Deus. 19
Eu sei, porém, que o rei do
Egito não vos deixará ir se não for obrigado por mão forte. 20 Por-
tanto, estenderei a mão e ferirei o Egito com todos os meus prodí-
gios que farei no meio dele; depois, vos deixará ir. 21 Eu darei mercê
a este povo aos olhos dos egípcios; e, quando sairdes, não será de
mãos vazias. 22 Cada mulher pedirá à sua vizinha e à sua hóspeda
joias de prata, e joias de ouro, e vestimentas; as quais poreis sobre

19
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

vossos filhos e sobre vossas filhas; e despojareis os egípcios.

Na segunda seção da vocação de Moisés, destaca-se o seu


papel como líder dos filhos de Israel no Egito. Após receber a
revelação e a vocação divinas, Moisés age como profeta, anun-
ciando a palavra de Deus para o povo. Convocando os anciãos
de Israel (termo que indica os chefes de clã ou de famílias, no
Segundo Templo, os chefes das bet “avot – os parceiros da lide-
rança religiosa sob a dominação persa), Moisés lhes anuncia a
disposição de YHWH em libertar o seu povo das mãos do Faraó.
A pregação aos anciãos já inclui a resistência do Faraó à saída
dos hebreus, de modo que YHWH promete realizar sinais e pro-
dígios que obrigarão o Faraó a deixar o povo ir. Em contraste
com o sinal da primeira seção (adorar a Deus no monte Hore-
be), os sinais aqui são manifestações de poder divino contra os
inimigos de seu povo. A saída do Egito é estilizada como uma vi-
tória militar, com os fugitivos levando os despojos dos egípcios.
A fuga é vista, assim, como vitória!
Do ponto de vista da identidade israelita, destaco a expres-
são Deus dos hebreus (v. 18, presente também em Êx 1.15 e 2.12).
Nas três vezes em que é usada no livro do Êxodo a expressão
está presente nos lábios de egípcios ou na fala com egípcios, de
modo que devemos levar em conta que o termo hebreus não
era de escolha própria dos filhos de Israel, mas um termo usado
contra eles pelos seus dominadores. A pesquisa tem sugerido
que a palavra hebreu tem, nesse contexto, o significado de mar-
ginalizado, marginal, ou algo similar. É uma expressão predomi-
nantemente sociológica, indicando aqueles que não têm terra
ou que não vivem de acordo com as normas da cidade monár-
quica. Os apiru na correspondência entre os reis de Canaã e os
faraós egípcios são descritos como guerrilheiros, bandoleiros e
desordeiros, sendo a maior causa de apreensão daqueles reis,
que pedem proteção contra eles ao Faraó. Ao aceitar a pecha

20
Temas de Teologia Bíblica I

de hebreus, a identidade israelita como meu povo recebe um


reforço terminológico: Israel sofre, mas YHWH jamais desiste
de seu povo.

2.1.2. O Deus Libertador-Parceiro


Leia, de novo e atentamente, Êxodo 3.7-12. Neste trecho
uma série de verbos nos ajuda a conhecer o caráter e o modo
de agir do Deus Libertador-Parceiro:
(1) Ver, ouvir, conhecer (7, 9) indicam a disposição ativa e a
solidariedade de Javé em reconhecer a condição de opressão e
injustiça dos hebreus no Egito, o que O motiva a agir libertado-
ramente em seu favor;
(2) Descer, livrar, fazer subir (8) indicam a coparticipação divina
na busca dos hebreus por libertação; e
(3) Enviar, estar contigo (10.12), tendo Moisés como destina-
tário das ações verbais, indicam a participação humana no agir
libertador divino.
YHWH, o Deus dos hebreus, é intensamente pessoal, compas-
sivo, misericordioso e poderoso. Não é um deus vinculado ao rei
(ou ao Estado), como era comum nas religiões do Antigo Oriente,
mas um Deus que se vincula a pessoas e faz aliança (parceria)
com elas. É poderoso, pois para livrar os hebreus da dominação
faraônica deve vencer os deuses do Egito, representados pelo
próprio Faraó (conforme os relatos das pragas indicam, mais
adiante no livro). Entretanto, YHWH não age sozinho, ele age sem-
pre em parceria com o ser humano (ou com outros sujeitos ou
elementos de sua criação). Ele faz aliança, se compromete com
pessoas e as incorpora em seu agir – aqui, é Moisés quem recebe
a incumbência de tirar o povo de Deus do Egito.

21
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

PENSE NISSO
Se prestarmos atenção ao padrão relacional presente no
texto, veremos que ele é o mesmo presente na vinda de Jesus
como Messias: (a) Deus nos amou sendo nós ainda pecadores;
(b) Deus, na forma do Filho, se encarnou e participou de nossa
busca por justiça e liberdade; e (c) Deus nos envia para
testemunhar a libertação messiânica. Os hinos
messiânicos de Fp 2.5-11 e Cl 1.15-20 dão tes-
temunho desse padrão, assim como o prólogo
do Evangelho de João.

Leia, agora, Êxodo 3.13-15.


Disse Moisés a Deus: Eis que, quando eu vier aos filhos de Is-
13

rael e lhes disser: O Deus de vossos pais me enviou a vós outros; e


eles me perguntarem: Qual é o seu nome? Que lhes direi? 14
Disse
Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU (‘ehyeh ‘aser ‘ehyeh). Disse mais:
Assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU (‘ehyeh) me enviou a vós
outros. 15 Disse Deus ainda mais a Moisés: Assim dirás aos filhos de
Israel: YHWH, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de
Isaque e o Deus de Jacó, me enviou a vós outros; este é o meu nome
eternamente, e assim serei lembrado de geração em geração.

Há muita discussão e especulação na pesquisa exegética e


histórica sobre o nome de Deus anunciado no verso 14, desde
a hipótese de que a resposta é uma evasiva, que não anuncia o
nome, até a hipótese de que o nome simplesmente significa que
Deus é aquele que está sempre presente. Não podemos entrar

22
Temas de Teologia Bíblica I

nessas discussões. O que é claro no texto e na história da pes-


quisa do AT, porém, é: (a) a expressão do verso 14 é construída
com o verbo hyh, que não equivale exatamente ao verbo ser em
português, mas engloba o sentido dos verbos ser, estar, exis-
tir, agir, tornar-se; (b) o tempo verbal hebraico é o incompleto,
de modo que a tradução pode usar qualquer combinação de
verbos no presente e/ou no futuro: serei o que serei; sou o que
serei; serei o que sou etc., sempre indicando o aspecto durativo
do verbo e dando um sentido dinâmico ao “ser” de Deus; (c) a
explicação da frase na perícope identifica YHWH com o Deus
dos pais, o Deus pessoal que fez berith com Abraão e seus des-
cendentes e agora irá libertá-los por ser fiel à berith.
A revelação de Deus a Moisés e através de Moisés não elimina
completamente o nosso desconhecimento a respeito de Deus –
que não pode ser visto por olhos humanos, nem compreendi-
do pela mente humana. O que é compreensível para nós é que
YHWH é Deus libertador, parceiro, compassivo e justo – e como
seu nome deve ser lembrado para sempre, é Deus exclusivo.

JJ 3. ÊXODO 6 – LIBERTAÇÃO E ALIANÇA

Ao estudar Êxodo 6 procure se lembrar do que você estudou


sobre Êxodo 3. Preste atenção às diferentes ênfases e vocabulá-
rio destes dois textos bíblicos. Mas lembre-se: nosso propósito
principal é compreender como Deus age e como podemos ser
fieis a Ele. Não custa nada, porém, também prestarmos atenção
a detalhes conceituais e textuais.

3.1. A vocação de Moisés


Leia atentamente Êxodo 6.1-12.
1
Então disse YHWH a Moisés: Agora verás o que hei de fazer a
Faraó; pois por uma poderosa mão os deixará ir, sim, por uma
poderosa mão os lançará de sua terra. 2 Falou mais Deus a Moisés,

23
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

e disse-lhe: Eu sou YHWH. 3


Apareci a Abraão, a Isaque e a Jacó,
como El Shadai; mas pelo meu nome YHWH, não lhes fui conhecido.
4
Estabeleci minha berith com eles para lhes dar a terra de Canaã, a
terra de suas peregrinações, na qual foram peregrinos. 5 Ademais,
tenho ouvido o gemer dos filhos de Israel, aos quais os egípcios vêm
escravizando; e lembrei-me de minha berith. 6
Portanto dize aos
filhos de Israel: Eu sou YHWH; eu vos tirarei de debaixo das cargas
dos egípcios, livrar-vos-ei da sua servidão, e vos resgatarei com bra-
ço estendido e com grandes juízos. 7 Eu vos tomarei por meu povo e
serei vosso Deus; e vós sabereis que eu sou YHWH vosso Deus, que
vos tiro de debaixo das cargas dos egípcios. 8 Eu vos introduzirei na
terra que jurei dar a Abraão, a Isaque e a Jacó; e vo-la darei por he-
rança. Eu sou YHWH. 9 Desse modo falou Moisés aos filhos de Israel,
mas eles não atenderam a Moisés, por causa da ânsia de espírito
e da dura escravidão. 10 Falou mais YHWH a Moisés, dizendo: 11 Vai
ter com Faraó, rei do Egito, e fala-lhe que deixe sair de sua terra os
filhos de Israel. 12 Moisés, porém, respondeu a YHWH, dizendo: “Eis
que os filhos de Israel não me têm ouvido; como, pois, me ouvirá
Faraó? E não sei falar bem”.

O capítulo 6 oferece a Moisés uma confirmação de seu cha-


mado e de sua missão como parceiro de YHWH na libertação
dos hebreus do Egito. Após o relato da chamada e do primeiro
contato de Moisés com os anciãos israelitas (Êx 3), o capítulo
4 passa a descrever com mais detalhes a tarefa de Moisés e
a sua capacitação com poder para realizar sinais. Isto, porém,
não é suficiente para Moisés se tornar confiante e ele desperta
o desgosto (ira) de YHWH ao questionar sua capacidade de fa-
lar. O episódio serve para introduzir Arão na tarefa libertadora:
“Então se acendeu a ira de YHWH contra Moisés, e disse: Não é
Arão, o levita, teu irmão? Eu sei que ele falará muito bem; e eis
que ele também sai ao teu encontro; e, vendo-te, se alegrará em
seu coração. E tu lhe falarás, e porás as palavras na sua boca;

24
Temas de Teologia Bíblica I

e eu serei com a tua boca, e com a dele, ensinando-vos o que


haveis de fazer. E ele falará por ti ao povo; e acontecerá que ele
te será por boca, e tu lhe serás por Deus. Toma, pois, esta vara
na tua mão, com que farás os sinais” (4.14-17). Moisés volta à
casa do sogro, que o libera para retornar ao Egito, o que ele faz
após a circuncisão de seu filho (que lhe rende o desgosto de sua
esposa Zípora). Arão vai ao seu encontro no caminho e, juntos,
os irmãos falam com os israelitas, que aceitam sua palavra e si-
nais e ficam confiantes na possibilidade de libertação: “E o povo
creu; e quando ouviram que YHWH visitava aos filhos de Israel,
e que via a sua aflição, inclinaram-se e adoraram”.
A narração do primeiro encontro de Moisés e Arão com o Fa-
raó proporciona o pano de fundo para a confirmação do chama-
do de Moisés no capítulo 6. Após anunciar a intenção de YHWH
libertar seu povo do Egito ao Faraó, este se indigna com Moisés
e Arão e, em troca, recrudesce a exigência de trabalho aos israe-
litas e amplia a sua agonia com dose extra de esforço (5.1-19). O
povo, antes confiante, agora murmura contra Moisés: “Quando
saíram da presença de Faraó, encontraram Moisés e Arão, que
estavam à espera deles; e lhes disseram: Olhe YHWH para vós
outros e vos julgue, porquanto nos fizestes odiosos aos olhos
de Faraó e diante dos seus servos, dando-lhes a espada na mão
para nos matar. Então, Moisés, tornando-se a YHWH, disse: Ó
Senhor, por que afligiste este povo? Por que me enviaste? Pois,
desde que me apresentei a Faraó, para falar-lhe em teu nome,
ele tem maltratado este povo; e tu, de nenhuma sorte, livraste
o teu povo” (5.20-23). Moisés, acuado pela atitude dos israelitas,
volta-se a YHWH em oração, expondo sua dúvida e seu lamento
pela situação em que ele e seu povo se encontravam.
A resposta de YHWH é composta pelo novo relato de voca-
ção, que confirma a tarefa de Moisés, mas está centrado na
autorrevelação de YHWH. Àquele que duvidava Deus afirma
que ele verá a manifestação do seu poder libertador diante do

25
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

Faraó. Em paralelo com o relato no capítulo 3, Deus oferece a


Moisés o seu nome (desta vez sem que Moisés tenha de pedir
a sua identidade). A afirmação de que somente agora Israel co-
nhecerá YHWH como YHWH, ao invés de como El Shadday, tem
oferecido material para muita discussão – tanto do ponto de
vista histórico, como do ponto de vista textual e teológico. Basta
lembrar que a revelação do nome é a revelação do caráter da
pessoa – YHWH, o Deus dos hebreus, é um deus libertador e
abençoador, tirará Israel do Egito e lhe dará uma terra como
herança. Enquanto no capítulo 3 Moisés é apresentado como
parceiro de YHWH no ato de tirar os israelitas do Egito, aqui so-
mente YHWH é o agente da libertação. Moisés é seu intermediá-
rio: fala com o Faraó e com o povo.
Mais uma vez, porém, Moisés está relutante. Volta a YHWH
em oração e se queixa: o meu próprio povo não me ouve, como
o Faraó me ouvirá? A culpa da desatenção do povo é autoatribu-
ída – novamente afirma: não sei falar! (10-12). YHWH reafirma a
tarefa e passa a listar as famílias dos que sairão do Egito, finali-
zando com a descrição de Moisés e Arão como intermediários
de YHWH na saída do Egito (13-27). Na perícope seguinte (6.28-
7.1), que tanto serve como conclusão desta seção quanto como
introdução da próxima, YHWH reafirma a vocação de Moisés e
Arão e eles, então, obedecem ao chamado e vão ao Faraó inter-
mediar a saída – não antes, porém, de mais uma vez Moisés se
queixar diante de YHWH que não sabe falar (6.28-30).
Do ponto de vista da construção da identidade israelita no
período do Segundo Templo, podemos destacar alguns aspec-
tos deste relato confirmatório: (a) a relutância de Moisés tipifica
a rebeldia constante de Israel diante de seu Deus, causa de sua
frequente desgraça e de sua condição quase “permanente” de
povo exilado; (b) a lista de famílias no capítulo 6 reforça a visão
do período do Segundo Templo de que deve haver pureza étni-
ca, bem como a necessidade de provar a descendência a fim de

26
Temas de Teologia Bíblica I

garantir a propriedade de terra como herança divina; (c) a nova


autorrevelação de YHWH a Moisés e ao povo, bem como a rea-
firmação de seu poder para libertar os israelitas do Egito, serve
como conforto para os judaístas sob dominação estrangeira:
YHWH continua Deus libertador e poderoso. Basta agir como
Moisés e Arão: obedecer à palavra de YHWH e a libertação virá.
No relato confirmatório da vocação de Moisés, outro ponto
de vista sobre o nome de YHWH é apresentado. Ele é, sim, o
Deus dos pais, mas, conforme o texto, não foi conhecido pelos
pais por seu nome, mas pelo título El Shadday. YHWH é o Deus
que faz aliança e que liberta quem sofre. Predomina nesta pe-
rícope a linguagem profético-sacerdotal da autorrevelação de
Deus no livro de Ezequiel “sabereis que eu sou...”. Ele é Deus
que exige lealdade absoluta de seu povo, sob pena de contami-
nação da terra por ele dada aos seus parceiros de aliança. Aqui,
além da linguagem da aliança e da autorrevelação de Deus,
também se destaca a linguagem do poder libertador (versos
6-8): para tirar o povo do Egito é preciso arrancá-lo da mão do
Faraó, ou seja, é preciso ter mais força do que ele para obrigá-lo
a abrir a mão e deixar o povo ir.

27
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

JJ ANTES DE VIRAR A PÁGINA

Vimos, portanto, que o termo berith se refere a diferentes


tipos de relacionamento. Quando é usado para descrever o re-
lacionamento entre Deus e Israel, comumente seu significado é
de “parceria”, pois apresenta uma relação pessoal sem media-
dores. No livro do Êxodo estudamos os capítulos 3 e 6 que des-
crevem com visões teológicas complementares a relação entre
a libertação e a berith. A relação de berith entre Deus e seu povo
é sempre iniciada pelo ato libertador de Deus; isto ocorre no
êxodo e ocorrerá também na volta do exílio babilônico (cfe. a
pregação em Isaías 40-55).
Veremos na próxima unidade que, durante a monarquia,
reis e sacerdotes passaram a ser reconhecidos como mediado-
res entre Deus e o povo, alterando, assim, a forma da berith de
parceria para “contrato”. A pregação sobre a Nova Aliança em
Jeremias e em Ezequiel faz uma crítica a essa alteração na teo-
logia da berith e propõe a restauração da teologia da parceria
pessoal entre Deus e seu povo. O Novo Testamento retoma a
pregação de Jeremias e entende a berith no modo da parceria. O
estudo da teologia da berith no Antigo Testamento mostra que
a graça de Deus precede a ética do povo de Deus em resposta à
Sua ação libertadora e salvífica.

28
Temas de Teologia Bíblica I

29
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

MÓDULO 2
Tema: A nova aliança em Jeremias

30
Temas de Teologia Bíblica I

JJ PARA INÍCIO DE CONVERSA

Muito bem! Você já aprendeu que a palavra berith é usada


com diferentes sentidos no mundo bíblico. Você já estudou
os textos de Êxodo e já viu diferentes ênfases do conceito de
aliança. No livro de Jeremias encontramos uma novidade (lite-
ralmente falando) sobre a berith. O profeta Jeremias viu, na sua
própria época, que o povo de Israel (principalmente rei e sacer-
dotes) não era fiel ao Deus da aliança. Por isso, ele afirma que
Deus fará uma nova aliança com o seu povo. Ao apresentar sua
noção de uma nova berith ele faz uma releitura do texto de Êxo-
do 6 que nós estudamos no módulo anterior. Portanto, nossa
atenção, agora, será voltada para responder a pergunta: Quais
serão as características da nova berith entre YHWH e seu povo?
Para este segundo módulo, os nossos objetivos são que você
seja capaz de: 1) descrever as principais características da mo-
dernidade israelita; 2) explicar o sentido da nova berith em Jere-
mias, e 3) descrever os principais aspectos da fidelidade a Deus
em Ezequiel 36. Vamos ao estudo!

JJ 1. JEREMIAS 31.27-34 - A NOVA ALIANÇA

1.1. O contexto da pregação de Jeremias


Sobre a realidade da época de Jeremias, podem ser consul-
tadas as Histórias de Israel ou as Introduções ao Antigo Testa-
mento. Se você já estudou a disciplina de Introdução Históri-
co-Literária ao Antigo Testamento lembrar-se-á das principais
informações sobre o período de Jeremias. Em síntese, podemos
lembrar que: (a) Jeremias prega durante os últimos anos do rei-
no de Judá antes de sua conquista e anexação ao império pelos
babilônios; (b) a conquista babilônica teve como um dos efeitos
a deportação de quase toda a elite governamental, sacerdotal,

31
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

militar e econômica de Jerusalém, que se tornou uma cidade


praticamente desabitada e inativa; (c) a reorganização política e
econômica de Judá e Jerusalém no período da vida de Jeremias
foi muito complicada e não teve grande sucesso; (d) eventual-
mente, Jeremias foi obrigado a mudar-se para o Egito, seguindo
alguns líderes de Jerusalém que não conseguiram se adaptar ao
governo imperial babilônico.
Podemos olhar para o contexto do livro de Jeremias como um
período que é possível nomear de a modernidade judaico-israe-
lita. É claro que, do ponto de vista tecnológico e das instituições
políticas, este período não é moderno (ocidental). Entretanto,
sua nova visão da pessoa humana o caracteriza adequadamente
como moderno, é claro, usando provocativamente o termo.

CURIOSIDADE
Uso o termo modernidade, aqui, de modo provocador.
Costumeiramente, nomeia-se Modernidade como o perí-
odo iniciado com os movimentos intelectuais da Renas-
cença e da Reforma Protestante e com os movimentos de
democratização na Europa a partir do século XVI d.C.. Na
descrição padrão da Modernidade, há evidente juízo de
valor negativo em relação aos tempos pré-modernos, sub-
desenvolvidos intelectualmente e politicamente
em relação aos tempos modernos. Adotando
um viés não teológico-desenvolvimentista,
considero legítimo falar em uma Moderni-
dade neste período entre os séculos VII e V
a. C., posto que neste período encontramos
profunda alteração no modo de conceber a
relação das pessoas entre si e com as divindades –
um modo focado no indivíduo e não na coletividade.

32
Temas de Teologia Bíblica I

Apresentarei uma síntese conceitual do que chamo de mo-


dernidade judaico-israelita, ou seja, o novo lugar do indivíduo
nas relações sociais e com o divino (baseada principalmente em
Dt 7.9-10; 24.16; Jr 31.27-37 e Ez 18.1ss). O objetivo é mostrar
como uma nova – moderna – descrição da relação da pessoa
com Deus e, consequentemente, com outras pessoas, está pre-
sente nesses textos, testemunhando significativa transforma-
ção do modo tradicional da descrição dessas mesmas relações.
Ao usar o termo transformação, porém, não estou afirmando
que a mesma ocorreu eliminando o modo tradicional. À luz da
história posterior de Judá, é mais adequado afirmar que esta
transformação é mais teórica do que prática. Semelhantemen-
te, não postulo nenhum tipo de unidade teológica entre esses
diferentes escritos e seus respectivos projetos identitários.
Antes de apresentar minha descrição, vejamos avaliações
similares na pesquisa recente. “Podemos, portanto, afirmar
que, na época exílica e pós-exílica, a fé em Javé assumiu, sob
a influência das novas estruturas comunitárias, feições bem
mais pessoais, se comparada com teologias tribais e estatais.
Em analogia às antigas divindades da família, Javé tornou-
-se a alteridade pessoal para cada membro, individualmente”
(GERSTENBERGER, 2007, p. 267s.). Semelhantemente, a des-
crição de Levinson (2008, p. 67) é impactante, mesmo que não
concordemos plenamente com ela:

Embora celebrado amplamente em textos-padrão


de Teologia do Antigo Testamento pelo seu foco
sobre o indivíduo, a formulação de liberdade em
Ezequiel representa um marco comumente não
reconhecido na história do pensamento. A despei-
to de sua terminologia religiosa, é essencialmente
moderno em sua estrutura conceitual. Graças ao
seu poderoso engajamento crítico com conceitos
previamente existentes, ela equivale a uma teoria

33
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

da ação humana que rejeita o determinismo, afirma


a responsabilidade individual pela própria conduta
no presente e exalta a importância da escolha moral.

Não só em Israel, mas em todo o Antigo Oriente, em seu perí-


odo “pré-moderno” a unidade social e legal era a família extensa
rural e patriarcal, de modo que a responsabilidade financeira e
criminal do pai de família se estendia a todos os seus membros,
que podiam ser escravizados e até executados por causa dos er-
ros do chefe da unidade familiar. Nesse tipo de arranjo social, o
indivíduo é uma parte da família, é esta quem constitui a iden-
tidade e a ela se subordina a identidade pessoal ou individual.
Neste contexto vétero-oriental, patriarcal, o indivíduo é subordi-
nado à estrutura familiar hierárquica, ao domínio do pai. Nas Es-
crituras judaicas há vários exemplos de filhos pagando pelos er-
ros de seus pais, mas um único exemplo de um pai pagando com
a morte o erro de um filho (Gn 34 que narra a vingança dos filhos
de Jacó contra Hemor por ter seu filho, Siquém, violado Diná).
A simbolização teológica dessa forma sociocultural de rela-
ções jurídicas se encontra em um importante credo judaico-is-
raelita, do qual Dt 7.9-10 é uma forma moderna: “YHWH, YHWH,
Deus de ternura e de piedade, lento para a cólera, rico em graça
e fidelidade; que guarda sua graça a milhares, tolera a falta, a
transgressão e o pecado, mas a ninguém deixa impune e castiga
a falta dos pais nos filhos, e os filhos dos seus filhos, até a tercei-
ra e a quarta geração” (Êx 34.6-7); “YHWH é lento para a cólera
e cheio de amor, tolera a falta e a transgressão, mas não deixa
ninguém impune, ele que castiga a falta dos pais nos filhos até a
terceira e quarta geração” (Nm 14.18); “Não te prostrarás diante
desses deuses e não os servirás, porque eu, YHWH teu Deus,
sou um Deus ciumento, que puno a iniquidade dos pais nos fi-
lhos até a terceira e a quarta geração dos que me odeiam, mas
que também ajo com amor até a milésima geração para com

34
Temas de Teologia Bíblica I

aqueles que me amam e guardam os meus mandamentos” (Ex


20.5-6 = Dt 5.9-10).
Estas formulações tradicionais destacam o caráter transgera-
cional da punição até a terceira e a quarta geração, que demar-
cam claramente o padrão tradicional da família extensa rural em
que até quatro gerações viviam juntamente nas terras do pai.
Este padrão será quebrado pelo crescente processo de urbaniza-
ção e reterritorialização rural a partir da dominação assíria sobre
Judá, bem como pela nova condição dos judaístas após a des-
truição de Jerusalém, que passam a se perguntar por que estão
pagando pelos erros de seus pais/antepassados. Vejamos, então,
como se dá a formulação moderna destas relações.
Encontramos em forma sintética as bases da Modernidade
judaico-israelita em quatro textos interrelacionados: “Saberás,
portanto, que YHWH teu Deus é o único Deus, o Deus fiel, que
mantém a aliança e o amor por mil gerações em favor daque-
les que o amam e observam os seus mandamentos; mas tam-
bém é o que retribui pessoalmente (usando uma expressão
hebraica que significa “diante da face de”) aos que o odeiam:
faz com que pereça sem demora aquele que o odeia, retribuin-
do-lhe pessoalmente” (Dt 7.9-10); “Os pais não serão mortos
em lugar dos filhos, nem os filhos em lugar dos pais. Cada um
será executado por seu próprio crime” (Dt 24.16); “Nesses dias
já não se dirá: ‘os pais comeram uvas verdes e os dentes dos fi-
lhos se embotaram’. Mas cada um morrerá por sua própria fal-
ta. Cada pessoa que tenha comido uvas verdes terá os dentes
embotados” (Jr 31.29-30); e “A palavra de YHWH me foi dirigida
nestes termos: ‘que vem a ser este provérbio que vós usais na
terra de Israel: os pais comeram uvas verdes e os dentes dos
filhos ficaram embotados?’. Por minha vida, oráculo do Senhor
YHWH, não repetireis jamais este provérbio em Israel. Todas as
pessoas me pertencem, tanto a do pai, como a do filho. Pois
bem, a pessoa que pecar, essa morrerá” (Ez 18.1-4).

35
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

O primeiro texto (Dt 7.9-10) se destaca na medida em que


a formulação transgeracional-familiar é substituída pela sincrô-
nica-pessoal, ressaltando-se o fato de que mesmo nos textos
deuteronomistas do Decálogo a fórmula tradicional é mantida.
O princípio jurídico da execução pessoal em Dt 24.16 não só se
destaca pelo seu conteúdo, mas também por sua localização
estrutural no chamado Código Deuteronômico, posto que não
está nas seções que tratam dos crimes passíveis de pena de
morte e se encontra no centro estrutural das normas dos caps.
24-25, que tratam das relações interpessoais do povo de YHWH,
emolduradas por normas à relação com não-israelitas (24.5
e 25.17-19). Estes textos revelam as modificações internas ao
deuteronomismo em sua maneira de conceber a sociedade e
o lugar do indivíduo nela e nas relações com o divino. Sugerem
que tal mudança não se deu em um curto espaço de tempo,
nem foi aceita com facilidade e rapidez – como é comum em
mudanças culturais desta amplitude. Os textos de Jeremias e
Ezequiel provêm de outro ambiente textual, mas testemunham
– interdiscursivamente – do mesmo processo de transição para
a modernidade. A punição de YHWH não deve mais ser conce-
bida como transgeracional e familiar, mas como pessoal e ime-
diata. Em Jeremias 31 essa mudança é ampliada e aprofundada
pelo conceito da nova aliança, que também ataca a visão tradi-
cional da mediação sacerdotal entre YHWH e seu povo – seja no
ensino, seja no perdão – e afirma a modernidade das relações
entre Deus e povo, mediante a escrita da Torá na mente e no
coração das pessoas e mediante o perdão direto dos pecados
por YHWH – que combate o monopólio sacerdotal do perdão e
do ensino da Torá (“Porque esta é a aliança que firmarei com a
casa de Israel depois desses dias, oráculo de YHWH: porei mi-
nha lei no fundo de seu ser e a escreverei em seu coração, então
serei seu Deus e eles serão meu povo. Eles não terão mais que
instruir seu próximo ou seu irmão, dizendo: ‘conhece a YHWH’,

36
Temas de Teologia Bíblica I

pois todos me conhecerão, do menor até o maior, oráculo de


YHWH, porque perdoarei sua culpa e não mais me lembrarei de
seu pecado” Jr 31.33-34).
A “nova aliança” de Jeremias, então, juntamente com os de-
mais textos acima mencionados, aponta socioculturalmente
para: (a) uma estrutura social pós-convencional, baseada em
famílias de indivíduos e não mais em famílias coletivas, o que
coloca a relação entre o crente e YHWH no âmbito pessoal e não
institucional; e (b) o fim do monopólio monárquico-sacerdotal
sobre a instrução (Torá) e o perdão dos pecados, reforçando a
pessoalidade da relação individual com YHWH, que não preci-
sa da mediação institucional para se concretizar. Em Ezequiel
18 o ideário de uma nova “aliança” está presente, embora com
formulação textual distinta: “Por isso mesmo eu vos julgarei, a
cada um conforme o seu procedimento, ó casa de Israel, orácu-
lo do Senhor YHWH. Convertei-vos e abandonai todas as vos-
sas transgressões; não torneis a buscar pretexto para fazerdes
o mal. Lançai fora todas as transgressões, moldai um coração
novo e um novo espírito. Por que haveis de morrer, ó casa de Is-
rael? Eu não tenho prazer na morte de quem quer que seja, orá-
culo do Senhor YHWH. Convertei-vos e vivereis” (Ez 18.30-32).
Esta mudança de modo de ser, enfim, foi fundamental para
que a guarda do sábado, a prática da circuncisão e as restrições
alimentares transcendessem os diversos projetos identitários em
disputa e se firmassem, progressivamente, como as marcas mais
explícitas da diferenciação entre judeus-israelitas e seus outros.
Estes três rituais culturais inscrevem no próprio corpo a identida-
de em construção e tornam-na independente do território – em
qualquer lugar podem ser praticados, independem da presença
de um Templo e de um sacerdócio para legitimá-los. Em meio
às incertezas do período, em meio à reterritorialização dispersa
do povo, em meio às disputas internas por hegemonia, em meio
à imposição de um novo idioma, o Israel de YHWH precisava de

37
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

portos seguros para a reconstrução de sua identidade. Institu-


cionalmente, o Templo e a Torá serão as âncoras da nova iden-
tidade; pessoalmente, o sábado, a circuncisão, a alimentação.
A adoção deste modo “moderno” da relação com Deus, po-
rém, não concretizou a passagem da religião judaica de um “cul-
to comunitário” a uma “comunidade religiosa”, tendo em vista
que não se consumou a passagem para o individualismo e para
a privatização da religião. Somente com a destruição do Templo
de Jerusalém pelos romanos em 70 d.C. e com o advento do Cris-
tianismo é que temos duas formas de religião judaica que po-
dem ser descritas como “comunidade religiosa”: o Cristianismo,
que, separando-se de sua matriz judaica, funciona como uma
“religião messiânica de salvação”, e o Judaísmo rabínico, que per-
mite ao povo judeu disperso manter a sua identidade religiosa
mesmo na impossibilidade de viver na sua própria terra com sua
própria nação e seu próprio governo e instituição religiosa base-
ada no Templo. Como uma religião de salvação precisa de uma
“alma perdida” para se estabelecer, a fé em YHWH recebeu o im-
pulso da destruição do estado e do Templo para se mover nessa
direção mediante a confissão do pecado. Entretanto, a manu-
tenção da estrutura familiar das bet “avot (“casa dos pais”) e da
estrutura política na forma de província (ou qualquer denomi-
nação adequada) de um império, brecou tal avanço, mantendo,
lado a lado, os modos moderno e pré-moderno de fé em YHWH.
Isto explica por que a identidade étnica religiosa monocêntrica
impediu a concretização da transformação “moderna” iniciada,
assim como a universalização da fé em YHWH. A modernida-
de judaico-israelita tornou-se uma força subterrânea dentro
do “culto comunitário” e só conseguiu florescer como religião
salvífica após a dissolução da comunidade política judaica pelo
Império Romano. Neste sentido, o cristianismo primitivo é uma
testemunha da adoção da “modernidade” pelos israelitas que
acreditaram que Jesus era o Messias.

38
Temas de Teologia Bíblica I

1.2. Fazendo a exegese (interpretação) do texto bíblico


1.2.1. Interpretando Jeremias 31.27-34
Leia Jeremias 31.27-34:
27
Eis que vêm dias, oráculo de YHWH, em que semearei a casa
de Israel e a casa de Judá com a semente de homens e de animais.
28
Como velei sobre eles, para arrancar, para derribar, para sub-
verter, para destruir e para afligir, assim velarei sobre eles para
edificar e para plantar, oráculo de YHWH. 29
Naqueles dias já não
dirão: Os pais comeram uvas verdes e os dentes dos filhos se embo-
taram. 30 Cada um, porém, será morto pela sua iniquidade; de toda
pessoa que comer uvas verdes os dentes se embotarão. 31 Eis aí vêm
dias, oráculo de YHWH, em que firmarei nova aliança com a casa de
Israel e com a casa de Judá. 32 Não conforme a aliança que fiz com
seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para os tirar da terra
do Egito; porquanto eles anularam a minha aliança, não obstante
eu os haver desposado, oráculo de YHWH. 33 Porque esta é a aliança
que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, oráculo de
YHWH: Na mente lhes imprimirei as minhas leis, também no cora-
ção lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo. 34
Não ensinará jamais cada um ao seu próximo, nem cada um ao seu
irmão, dizendo: Conhece a YHWH, porque todos me conhecerão,
desde o menor até ao maior deles, oráculo de YHWH. Pois perdoarei
as suas iniquidades e dos seus pecados jamais me lembrarei.

Em Jeremias 31.27-34 encontramos um exemplo de anúncio


de restauração. O texto é subdividido em três seções iniciadas
com a expressão “dias virão” ou “naqueles dias”. Na primeira
seção, YHWH promete restaurar a casa de Israel (que havia sido
destruída pelos assírios no VIII século a.C.) e de Judá após o fim
do reino de Judá (tomado pelos babilônios no VI século a.C.) –
vigiei (juízo) e vigiarei (restauração). Na segunda seção, o Senhor
anuncia uma nova mentalidade sobre o pecado e a culpa –
cada um morrerá pela sua própria iniquidade –, rompendo com

39
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

a forma tradicional de incluir filhos e netos na culpa dos pais/


avós (quando um fazendeiro ficava endividado, por exemplo,
suas filhas e filhos poderiam ser escravizados para abater a dívi-
da), mentalidade que permitia, na prática, isentar os pais pode-
rosos de castigo (note, por exemplo, que é o filho de Davi com
Bate-Seba que morre, ao invés do pecador Davi, e isto é atribuído
pelo escritor ao juízo de Deus). Na terceira seção temos um dos
textos mais famosos do Antigo Testamento para os cristãos: o
anúncio da nova aliança! Vejamos, então, o texto e sua teologia.
(a) A restauração da casa de Israel e da casa de Judá (27-28)
Os versos 27-28 apresentam uma promessa de salvação
construída como a inversão do juízo descrito no chamado de
Jeremias no capítulo 1 (texto citado no verso 28). A abertura
da promessa é composta por duas frases cruciais, a primeira
se referindo ao tempo (Eis que dias veem) e a segunda se re-
ferindo ao autor da promessa (oráculo de YHWH). A promessa
resume o conteúdo da pregação de salvação no capítulo 30 e é
construída a partir da lógica da inversão:
Em primeiro lugar, a inversão da separação das casas de Is-
rael e de Judá. Sabemos que os reinos do Sul (Judá) e do Norte
(Israel) se dividiram politicamente na época de Jeroboão (cf. 1Rs
11-12). Apesar da separação política, as populações de Judá e
Israel mantinham a noção de que eram um só povo, a família
de YHWH, Deus da aliança. Quando da destruição de Israel pe-
los assírios, no século VIII a.C., boa parte da população de Israel
migrou para Judá (os “peregrinos” ou “estrangeiros” do livro do
Deuteronômio e do livro de Isaías). Teologicamente falando, a
questão crucial era a da fidelidade de YHWH à aliança – YHWH
havia firmado uma aliança com os pais de Israel (o patriarca
Jacó-Israel), com a descendência de Abraão, e essa aliança não
fora revogada –, mesmo com o advento da monarquia, da alian-
ça com a casa de Davi e com a separação dos reinos. Na aliança,
YHWH prometera terra e descendência a Abraão, e tanto a casa

40
Temas de Teologia Bíblica I

de Israel como a casa de Judá estavam, na época de Jeremias,


sem terra e sem descendência (exílio e dominação imperial). As-
sim, o profeta, em nome de YHWH, anuncia a chegada de uma
época em que a desgraça que acometera Israel e Judá seria
encerrada. Israel e Judá se reuniriam novamente como um só
povo, sob um único Deus, e viveriam em sua própria terra, com
condições para sua descendência se expandir e prosperar.
Em segundo lugar, a inversão da punição a Judá (e Israel)
mediante o exílio e a dominação imperial. Em todo o livro de
Jeremias a culpabilidade dos líderes de Judá (especialmente os
religiosos) é ressaltada. A própria vocação de Jeremias foi apre-
sentada na forma de chamado para pregar o juízo e a possível
restauração (1.4-19). Os verbos aqui usados sobre a ação de
YHWH retomam os mesmos de 1.10, e o verbo “vigiar” retoma o
mesmo de 1.12. O exílio e a dominação imperial representavam
o pior castigo possível para um povo, pois não só o tirava da
sua terra, mas também reduzia drasticamente suas chances de
vida saudável e próspera, na medida em que a tributação exi-
gia dos conquistados parcela significativa de sua produção e de
sua energia de trabalho. Esta inversão retoma elementos já pre-
sentes nas seções anteriores do “livrinho” (veja quadro abaixo):
30.10-11 sobre o retorno do cativeiro; 30.17-20 sobre o retorno
do cativeiro e a multiplicação da população; 31.3-5 sobre a volta
e a plantação; 31.8-17 sobre o retorno do cativeiro, a população
crescente e a prosperidade agrícola.

CURIOSIDADE
Os capítulos 30 e 31 de Jeremias contêm
uma pequena coleção de oráculos de
esperança que é conhecida como “Livrinho
da Consolação”.

41
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

A volta do cativeiro, a reunificação das casas de Israel e de


Judá são, consequentemente, a expressão da fidelidade de
YHWH ao seu compromisso (aliança) assumido com Abrão (Gn
12.1ss e paralelos). Apesar da infidelidade de seu povo, YHWH
permanece fiel. Foi fiel na punição e continuará fiel na restaura-
ção – linguagem que se retoma em 32.37-44. Em 33.10-26 a fide-
lidade de YHWH é ligada à aliança com a casa de Davi, de modo
que o novo Israel estará unificado sob um novo rei davídico e
um novo sacerdócio. O próximo percurso (versos 29-30) justifi-
ca a punição da casa de Judá e anuncia uma nova característica
do Israel restaurado.
(b) A revogação do patriarcado (29-30)
Os versos 29-30 ampliam o sentido de 27-28 mediante nova
inversão. Desta vez, uma inversão “moral”, ou seja, nova maneira
de compreender a responsabilidade pessoal em relação ao pe-
cado e à justiça. O verso inicia com a expressão “não mais”, que
retoma Jr 3.16 e 14-15=23.5-8, vinculando a mudança aqui anun-
ciada com a restauração da dinastia davídica (cf. 23.5-8). Nos no-
vos dias haverá novamente um rei, mas a forma de governar de-
verá ser radicalmente diferente, baseada na fidelidade à aliança
com YHWH e não de acordo com “as demais nações” (1Sm 8.1ss).
Implícita aqui está a discussão sobre a monarquia e sua relação
com a Torá presente em Dt 17.14-20 e na pregação dos profetas
pré-exílicos. Ressalta, aqui, portanto, a inversão moral, que Jere-
mias – muito provavelmente – adotou de Ezequiel 18.
Bem, Jeremias 31.29-30 é uma síntese desse capítulo de
Ezequiel, com o foco sobre a punição individual-pessoal. Im-
plícita aqui está a questão da fidelidade de YHWH e da fideli-
dade a YHWH. YHWH é fiel a si mesmo e a seu compromisso,
e seu compromisso é com cada pessoa, com cada membro
de seu povo. Assim, demanda fidelidade de cada membro do
povo, “desde o maior até o menor deles”. A lógica da respon-
sabilidade individual, aqui, não é individualista, mas crítica da

42
Temas de Teologia Bíblica I

moralidade convencional hierárquica do patriarcado judaico-is-


raelita. Nessa lógica do patriarcado, a elite político-econômica
descrevia a si mesma como isenta de punição, como uma casta
privilegiada na relação com YHWH, não sujeita aos mesmos cri-
térios morais do restante da população. YHWH, portanto, atra-
vés dos profetas, anuncia o fim dessa lógica e o início de uma
nova lógica moral e social: cada pessoa é igualmente valiosa – as
diferenças sociais, de gênero, raça, políticas, econômicas, não
afetam o valor da pessoa diante de Deus e diante umas das
outras. Na apresentação resumidíssima de Jeremias, todos são
pecadores (do maior até o menor) e todos são responsáveis in-
dividualmente diante de YHWH. Mas esta não é a última palavra
de YHWH. A dimensão positiva e transformadora da nova lógica
é apresentada na segunda parte da perícope, no terceiro per-
curso – o da nova aliança.
(c) A nova aliança (31-34)
Esta seção final da perícope é dividida em duas partes que se
complementam pelo contraste. Na primeira parte temos, inicial-
mente, o anúncio da chegada de uma nova berith a ser firmada
entre YHWH e as casas de Israel e de Judá. No verso 32 temos
uma explicação da necessidade dessa nova berith: a aliança em
vigor na época de Jeremias, firmada no êxodo do Egito, foi anu-
lada pelos “seus pais”. Na segunda parte temos a explicação
dessa nova berith, que será firmada “depois daqueles dias”, e
que consistirá em uma “escrita” da Torá no corpo de cada mem-
bro da casa de Israel. Implícita neste esquema estrutural está
a crença na fidelidade de YHWH – “os pais” foram infiéis, mas
YHWH permanece fiel.
A nova aliança se funda no “novo êxodo”, ou seja, no retorno
dos exilados como o evento fundante da nova casa reunificada
de Israel e de Judá. Entretanto, a novidade essencial não está aí,
mas na “escrita” da Torá no corpo das pessoas do povo e em suas
consequências. Os textos sobre o novo coração em Jeremias,

43
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

Deuteronômio e Ezequiel são importantes paralelos a esta des-


crição da nova aliança e, de fato, a nova aliança pressupõe com-
preensão dos israelitas como “duros de coração” ou de “coração
maligno”, de tal modo que, apesar de terem sido “desposados”
por YHWH, jamais foram fieis a Ele. Assim, a solução definitiva
para Israel não é meramente a posse da terra e a autonomia
política, mas, sim, uma nova subjetividade – para usar um termo
atual. E é esta a novidade da nova aliança: YHWH instituirá uma
nova subjetividade, criará, enfim, um novo povo, subjetividade
e povo com potencial de fidelidade a YHWH, assim como YHWH
sempre é fiel.
Além do novo povo, uma nova relação com Deus. Duas afir-
mações de Jeremias são fundamentais: “ninguém ensinará a
seu próximo” e “perdoarei os pecados”. Ora, se “ninguém en-
sinará ninguém” e se o “próprio YHWH perdoará os pecados”,
então o que temos é uma reestruturação das funções institucio-
nais da religião – o problema da antiga aliança estava nos “pais”
(símbolo de todas as autoridades), ou nos sacerdotes e escribas
a quem Jeremias acusa repetidamente de não conhecer a Torá
(conforme também Oséias 4). Para ser fiel a YHWH não é possí-
vel depender de intermediários, é preciso se relacionar direta-
mente com Ele. Essa relação, porém, não pode ser baseada na
experiência individual, nem deve ser individualista. Seu eixo é a
Torá de YHWH e seu meio ambiente é a vida do povo de Deus.
Assim, todos saberão que YHWH é o único Deus de Israel, não
sendo necessário nenhum outro senhor, divino ou humano!
Para sintetizar um texto tão rico: Jeremias está afirmando
que o tempo da berith baseada na obrigação de obedecer à lei
está terminando, e chegará o tempo em que a berith será nova:
baseada no perdão de YHWH, em seu compromisso de ser o
Deus de cada membro do seu povo, e no compromisso de cada
pessoa em ser fiel a seu Deus. Podemos, assim, perceber que
o contraste entre lei e graça já está presente no próprio Antigo

44
Temas de Teologia Bíblica I

Testamento! No próximo Módulo estudaremos a nova berith no


Novo Testamento, que se apropriou de Jeremias 31.31-34 para
construir seu conceito de berith.

JJ 2. DIALOGANDO COM EZEQUIEL 18

Para entendermos bem, vale a pena ler e reler todo o tex-


to de Ezequiel. A seguir, apresento o texto mostrando sua
estrutura argumentativa:
Abertura (v. 1)
1
De novo veio a mim a palavra do Senhor, dizendo:
Questionamento de YHWH (v. 2-3)
2
Que quereis vós dizer, citando na terra de Israel este pro-
vérbio: Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos se
embotaram? 3
Vivo eu, diz o Senhor Deus, não se vos permite
mais usar este provérbio em Israel.
O Critério do Juízo de YHWH (v. 4)
4
Eis que todas as pessoas “para mim”; tanto a vida do
pai, como a vida do filho “para mim”: a pessoa que pecar, ela
mesma morrerá.
Três Gerações e o Juízo (v. 5-19)
5-9 Primeira Geração 5
Sendo pois o homem justo, e proce-
dendo com direito e justiça, 6
não comendo sobre os montes,
nem levantando os seus olhos para os ídolos da casa de Israel,
nem contaminando a mulher do seu próximo, nem se chegando
à mulher na sua separação; 7 não oprimindo a ninguém, tornan-
do, porém, ao devedor o seu penhor, e não roubando, repartindo
o seu pão com o faminto, e cobrindo ao nu com vestido; 8
não
emprestando com usura, e não recebendo mais do que empres-
tou, desviando a sua mão da desonestidade, e fazendo verdadei-
ra justiça entre homem e homem; 9 andando nos meus estatutos,
e guardando as minhas ordenanças, para proceder segundo a
fidelidade; esse é justo, certamente viverá, diz o Senhor Deus.

45
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

10-13 Segunda Geração 10 E se ele gerar um filho que se torne


salteador, que derrame sangue, que faça a seu irmão qualquer
dessas coisas; 11
e que não cumpra com nenhum desses deve-
res, porém coma sobre os montes, e contamine a mulher de
seu próximo, 12
oprima ao pobre e necessitado, pratique rou-
bos, não devolva o penhor, levante os seus olhos para os ídolos,
cometa abominação, 13
empreste com usura, e receba mais do
que emprestou; porventura viverá ele? Não viverá! Todas estas
abominações, ele as praticou; certamente morrerá; o seu san-
gue será sobre ele.
14-17 Terceira Geração 14 Eis que também, se este por sua vez
gerar um filho que veja todos os pecados que seu pai fez, tema,
e não cometa coisas semelhantes, 15
não coma sobre os mon-
tes, nem levante os olhos para os ídolos da casa de Israel, e não
contamine a mulher de seu próximo, 16 nem oprima a ninguém,
e não empreste sob penhores, nem roube, porém reparta o seu
pão com o faminto, e cubra ao nu com vestido; 17
que aparte
da iniquidade a sua mão, que não receba usura nem mais do
que emprestou, que observe as minhas ordenanças e ande nos
meus estatutos; esse não morrerá por causa da iniquidade de
seu pai; certamente viverá.
18-19 Recapitulação da 2ª e 3ª Gerações 18
Quanto ao seu pai,
porque praticou extorsão, e roubou os bens do irmão, e fez o que
não era bom no meio de seu povo, eis que ele morrerá na sua ini-
quidade. 19 Contudo dizeis: Por que não levará o filho a iniquida-
de do pai? Ora, se o filho proceder com direito e justiça, e guardar
todos os meus estatutos, e os cumprir, certamente viverá.
Repetição Ampliada do Critério do Juízo de YHWH (v. 20)
20
A pessoa que pecar, essa morrerá; o filho não levará a
iniquidade do pai, nem o pai levará a iniquidade do filho. A jus-
tiça do justo ficará sobre ele, e a perversidade do perverso cairá
sobre ele.
A Pessoa Perversa e a Pessoa Justa (v. 21-29)

46
Temas de Teologia Bíblica I

21-23 A Pessoa Perversa 21


Mas se o perverso se converter de
todos os seus pecados que cometeu, e guardar todos os meus
estatutos, e proceder com direito e justiça, certamente viverá;
não morrerá. 22 De todos os seus crimes que cometeu não have-
rá lembrança contra ele; pela sua justiça que praticou viverá. 23

Tenho eu algum prazer na morte do perverso? diz o Senhor Deus.


Não desejo antes que se converta dos seus caminhos, e viva?
24-26 A Pessoa Justa que se Desvia 24 Mas, desviando-se o justo
da sua justiça e cometendo a iniquidade, fazendo conforme to-
das as abominações que faz o perverso, porventura viverá? De
todos os atos de justiça que tiver feito não se fará memória; pois
pela traição que praticou, e pelo pecado que pecou ele morrerá.
25
Dizeis, porém: O caminho do Senhor não é reto. Ouvi, pois,
ó casa de Israel: Acaso não é reto o meu caminho? Não são os
vossos caminhos que são tortuosos? 26 Desviando-se o justo da
sua justiça, e cometendo iniquidade, morrerá por ela; na sua
iniquidade que cometeu morrerá.
27-29 A Pessoa Perversa que se Converte 27 Mas, convertendo-
-se o perverso da sua perversidade que cometeu, e procedendo
com retidão e justiça, conservará este a sua alma em vida. 28

Pois que reconsidera, e se desvia de todos os seus crimes que


cometeu, certamente viverá, não morrerá. 29 Contudo, diz a casa
de Israel: O caminho do Senhor não é reto. Acaso não são retos
os meus caminhos, ó casa de Israel? Não são antes os vossos
caminhos que são tortuosos?
Conclusão (v. 30-32)
30
Portanto, eu vos julgarei, a cada um conforme os seus ca-
minhos, ó casa de Israel, diz o Senhor Deus. Voltai e convertei-
-vos de todos os vossos crimes, para que a iniquidade não vos
leve à perdição. 31
Lançai de vós todos os vossos crimes que
cometestes contra mim; e criai em vós um coração novo e um
espírito novo; pois, por que morrereis, ó casa de Israel? 32
Por-
que não tenho prazer na morte de quem morre, diz o Senhor

47
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

Deus; convertei-vos, pois, e vivei.

2.1. Interpretando o texto de Ezequiel


A estrutura desse capítulo de Ezequiel é argumentativa –
após o questionamento de YHWH (2-3) temos a resposta do
próprio YHWH baseada em um critério por Ele mesmo estabe-
lecido (4). A resposta é expandida na forma de argumentação
que visa a romper com a lógica patriarcal da propriedade e da
moralidade (incluindo as relações sociais). Na lógica patriarcal,
a responsabilidade pelo pecado era entendida, primeiramente,
como coletiva e não individual e, em segundo lugar, entendida
como subordinada à autoridade do pai, ou seja, do chefe da fa-
mília (o patriarca). Essa lógica não só valia para a família e o clã,
mas também valia para a organização monárquica (o rei como
o grande pai). Na discussão do contexto vimos como funcionava
essa lógica patriarcal e como no período de Jeremias essa lógica
estava sendo contestada.
Os versos 5-9 nos oferecem um vislumbre importante da vi-
são ética do sacerdote-profeta Ezequiel. Em seu livro, diversas
vezes ele denunciou os pecados de Judá, tanto na área “religio-
sa” como na “social”, mas aqui ele oferece o critério de avalia-
ção da conduta humana justa. A linguagem é tradicional, com
acúmulo dos seguintes termos: justiça/justo, direito e fidelidade.
Esses termos fazem sentido dentro do complexo de ideias da
aliança, ou seja, do relacionamento de parceria entre YHWH e
seu povo, que se configura mediante o agir libertador e abenço-
ador de YHWH cuja resposta é o agir justo e abençoador do seu
povo em sua vida cotidiana. Os aspectos concretos da fidelidade
à aliança são descritos nesta perícope:
(a) exclusividade na adoração a YHWH, ou, em termos negati-
vos, não praticar a idolatria: “não comendo sobre os montes, nem
levantando os seus olhos para os ídolos da casa de Israel” (v. 6ª);
(b) manutenção da pureza nas relações sexuais: “nem

48
Temas de Teologia Bíblica I

contaminando a mulher do seu próximo, nem se chegando à


mulher na sua separação” (v. 6b), na visão sacerdotal, a conta-
minação sexual provocava a contaminação da terra e, eventual-
mente, do próprio santuário;
(c) relações econômicas que favorecem a equidade e a so-
lidariedade: “não oprimindo a ninguém, tornando, porém, ao
devedor o seu penhor, e não roubando, repartindo o seu pão
com o faminto, e cobrindo ao nu com vestido; não emprestando
com usura, e não recebendo mais de que emprestou, desviando
a sua mão da desonestidade” (v. 7-8). Note que esta dimensão
ocupa a parte central e mais longa da seção, demandando das
pessoas com mais bens que tratem com solidariedade as que
têm menos bens – em uma economia predominantemente agrí-
cola, os produtores que tivessem uma safra ruim entrariam em
situação de desequilíbrio financeiro e precisariam da ajuda de
seus vizinhos para se recuperar até a próxima boa safra. Desta-
que é dado ao empréstimo, que não pode ser usado como fonte
de lucro para quem empresta, mas deve ser visto como expres-
são de solidariedade para com o necessitado (compare com as
leis em Deuteronômio capítulo 15, que tratam exatamente des-
ta questão dos empréstimos);
(d) mantendo os julgamentos nos tribunais dentro dos limi-
tes do direito e da justiça: “e fazendo verdadeira justiça entre
homem e homem” (v. 8b), à luz das normas sobre a não-corrup-
ção dos juízes nas cortes. Não havia sistema judicial autônomo,
os conflitos jurídicos eram decididos por anciãos nas próprias
vilas e cidades, de modo que a honestidade e a integridade de
juízes e testemunhas eram requisitos fundamentais para o su-
cesso das arbitragens entre pessoas em conflito; e
(e) dependendo da Torá de YHWH para definir a conduta
cotidiana – provavelmente uma alusão aqui à consulta aos sa-
cerdotes em momentos específicos, bem como à meditação
sobre a torá oral ensinada pelo sacerdócio nas vilas: “andando

49
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

nos meus estatutos, e guardando as minhas ordenanças, para


proceder segundo a fidelidade” – aqui a linguagem é também
sacerdotal, mas enfatiza a necessidade de aprendizado na “ins-
trução de YHWH” e não apenas em participação ritual.
A injustiça é descrita apenas com o termo ‘avel, não muito co-
mum na Bíblia Hebraica, mais usado na tradição deuteronômi-
ca do que na sacerdotal, embora frequente em Ezequiel. É um
termo genérico que geralmente se traduz por injustiça, mas aqui
preferi traduzir por desonestidade em função do contexto (cp.
Dt 25.16), conforme o uso mais comum em Ezequiel (ver 3.20;
18.24-26; 33.13.15.18, especialmente 28.18). Em linhas gerais, no
livro de Ezequiel, esta palavra denota o oposto da justiça, e fun-
damenta a punição do ímpio e sua morte, podendo ser traduzida
não só por injustiça e desonestidade, mas também por opressão.
Em síntese: justiça, para Ezequiel, é viver em conformidade
com o compromisso de parceria (aliança) com YHWH, pratican-
do a exclusividade da relação com o Deus único e a justiça social
na vida cotidiana – as duas coisas que a elite judaísta não foi
capaz de fazer, o que a levou ao fim do reino e ao exílio.

2.2 Refletindo sobre a teologia de Ezequiel


Como no caso de Jeremias 31, aqui o tema é provocado
pela visão tradicional de moralidade em Judá, configurada no
provérbio “interditado” no início da perícope: “Os pais comeram
uvas verdes, e os dentes dos filhos se embotaram”. Como já vi-
mos nos textos introdutórios a esta disciplina, este provérbio
representa a visão tradicional patriarcal de moralidade – sen-
do o pai a autoridade da família e na sociedade, os seus erros
não poderiam recair sobre ele mesmo, sob pena de caos social.
Desta forma, a punição era pensada e praticada em relação aos
filhos “até terceira e quarta geração”, ou seja, ao conjunto de
gerações que habitava na mesma casa simultaneamente. Em Je-
remias, a interdição é simplesmente apresentada, mas Ezequiel

50
Temas de Teologia Bíblica I

desenvolve longa argumentação, discutindo com seus ouvintes,


tentando convencê-los de sua própria visão da moralidade.
A diferença deve-se, primariamente, aos destinatários dos
dois profetas. Ezequiel está se dirigindo a exilados, declarados
culpados pelos profetas do juízo de Judá, mas que se conside-
ram inocentes. Eles culpavam a geração anterior, os seus pais,
pela destruição do reino de Judá, e acabavam considerando
YHWH injusto: a pergunta retórica no verso 23 muito provavel-
mente se baseia na acusação dos exilados a YHWH: “Tenho eu al-
gum prazer na morte do perverso?”. Eles deixaram de aceitar que
YHWH é Deus de vida e passaram a acusá-Lo de ser um deus
perverso e assassino. A acusação se repete no verso 29: “Con-
tudo, diz a casa de Israel: O caminho do Senhor não é reto. Aca-
so não são retos os meus caminhos, ó casa de Israel? Não são
antes os vossos caminhos que são tortuosos?”. Ezequiel, então,
se esforça na argumentação por mostrar que YHWH deseja a
vida, mesmo a vida do ímpio – que é o modo como ele conclui a
discussão com seus ouvintes: “Porque não tenho prazer na morte
de quem morre” (v. 32). YHWH é, sim, Deus de vida e não de
morte. A mortandade causada pela guerra não tem como base
a ação de YHWH, mas a rebeldia e a maldade da liderança de
Judá. Eles apenas colheram o que plantaram!
E eis o primeiro aspecto da modernidade em Ezequiel: o juízo
é ação de Deus, sim, mas é para ser entendido como reação
de Deus à ação das lideranças do seu povo. O juízo não ocor-
re porque há sadismo no caráter de Deus, mas porque houve
infidelidade à aliança – se corrompemos um relacionamento, o
erro volta para nós. É isso que Ezequiel está tentando inculcar
na mente de seus ouvintes: vocês foram os culpados desta situ-
ação, não os seus pais, nem YHWH, apenas vocês mesmos.
A argumentação é brilhante, na medida em que Ezequiel uti-
liza modos de pensamento de seus próprios ouvintes. A estrutu-
ração do argumento em três gerações segue o padrão tradicional

51
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

da fazenda rural com três/quatro gerações vivendo simultanea-


mente na casa. Ao mesmo tempo, quebra esse modo de pensar
ao apontar que não é a autoridade que define quem pode ser
punido ou não, mas a ação. Não é a posição social que possibi-
lita escapar do juízo divino ou da justiça humana, mas a ação.
Que esta questão era muito séria pode ser comprovada no fato
de que até hoje temos de lidar com este tipo de problema, mes-
mo em sociedades bastante diferentes das antigas! Entra aqui
o segundo elemento da modernidade: cada um é responsável
pelos seus próprios atos e deve arcar com as consequências
– boas ou más – de suas ações e escolhas na vida. A respon-
sabilidade é individual – mas, claramente, não é individualista.
Ezequiel não é um moderno ocidental do século XVIII d.C. que
confunde individualidade com individualismo. O “cada um” en-
dereçado pelo profeta é membro de um povo e é como membro
de um povo que ele ou ela é avaliado(a), e as consequências de
seus atos não são meramente individuais, mas coletivas!

JJ 3. REFLETINDO SOBRE A TEOLOGIA DE JEREMIAS 31.27-34

Agora que já estudamos o texto exegeticamente, e fizemos


o diálogo com Ezequiel 18, que tal refletir teologicamente sobre
a nova aliança em Jeremias? Farei isto lendo a teologia do texto
em diálogo com o conceito de Modernidade (a chegada de um
novo mundo).
O velho mundo em desaparecimento na época de Jeremias
era o mundo rural, do reino de Judá independente, protegido
por YHWH, o Deus de Davi, morador do Templo em Sião, che-
fe dos exércitos do rei, abençoador do povo. O novo mundo
nascente era um mundo urbanizado, gente se acotovelando em
poucas cidades, gente sem-terra tendo de aprender nova pro-
fissão, morar em casinhas apertadas, pegar o ônibus da perife-
ria para o centro. A urbanização fora provocada pelas seguidas

52
Temas de Teologia Bíblica I

incursões militares estrangeiras que obrigavam as populações


rurais migrarem para as cidades em busca de proteção. YHWH
não parecia ser um Deus muito amigo do rei, nem do seu povo.
O velho mundo teológico de Jeremias tinha suas certezas
teológico-políticas. Eram pelo menos três: (1) YHWH escolheu
Davi e sua família para reinar para sempre em Israel (tudo bem
que Israel já deixara de fazer parte do domínio dos descenden-
tes de Davi no século IX a.C. e se tornara província do Império
assírio no séc. VIII. A linhagem davídica reinava apenas em Judá,
mas quem se preocupa com exatidão quando ouve a profecia?);
(2) YHWH era o Deus do rei de Judá e, assim, o comandante-
-em-chefe dos exércitos terrestres do rei e dos celestes dele
mesmo, e olha que YHWH é retratado como “bom de briga” nas
tradições antigas de Israel e Judá; (3) YHWH mora no Templo,
por isso, Sião será inabalável, montanha da felicidade, refúgio
seguro em tempos de aflição, umbigo do universo.
O novo mundo jeremiânico, porém, nasce rompendo com
essas certezas. Desde o rei Acaz, mais de cem anos antes do
tempo de Jeremias, um descendente de Davi continuava no tro-
no, mas era servo de outros reis – da Assíria ou do Egito ou
da Babilônia. Nos dias de Jeremias, porém, não mais havia um
descendente de Davi no trono. A primeira certeza desmoronou.
YHWH era bom guerreiro mas, aparentemente, os deuses da
Assíria, do Egito e da Babilônia, na ordem cronológica, eram me-
lhores. O exército de Judá, segunda certeza, foi para o cemité-
rio. Os muros de Jerusalém, que livraram Ezequias da morte,
mas não do tributo, ainda estavam em pé depois das guerras
contra assírios e egípcios; o Templo mantinha sua imponên-
cia. De três certezas, uma ainda funcionava. Mas nos dias de
Jeremias o Templo foi destruído, os muros de Jerusalém foram
demolidos, quase metade da população morreu. A terceira
certeza, literalmente, desabou.
A teologia da corte real de Jerusalém e do sacerdócio do

53
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

Templo de Jerusalém estava se esvaindo também, mas como a fé


não é vista, o rei e o sacerdócio ainda diziam: “YHWH nos livrará!”.
Entretanto, um sacerdote do interior, também profeta, não teria
medo de ficar na oposição. Outro sacerdote-profeta, Hananias,
peitou Jeremias várias vezes, e a dúvida se estabeleceu: quem era
o verdadeiro profeta? Jeremias ou Hananias? Moral da história:
Jeremias entrou para a Bíblia. Hananias só é lembrado porque
Jeremias colocou as discussões com ele no seu livro.
O novo mundo de Jeremias pode ser chamado de Moderni-
dade Judaíta. Jeremias foi um profeta-filósofo da Modernidade.
Vamos voltar ao pequeno texto de Jeremias 31.27-34.
* Lembra-se da profusão de verbos no futuro e do con-
traste entre o velho e o novo? Modernidade é o nome que se
dá exatamente ao tempo em que o velho é substituído pelo
novo, novo que sempre se renova. Por que não reconhecer a
Modernidade judaíta?
* Note quantas vezes aparece a expressão cada um e o pro-
nome da primeira pessoa do singular: quinze vezes! Moderni-
dade é o nome que se dá para a passagem do mundo feudal
da coletividade subalterna ao nobre para o mundo democrático
e capitalista dos direitos individuais e da iniciativa privada. Por
que não reconhecer a Modernidade judaíta?
* Note no texto a inversão da forma de conhecer as coisas: a
nova aliança não será como a antiga, escrita em tábuas de pedra,
mas estará gravada no íntimo e no coração de cada pessoa. Je-
remias está tirando dos sacerdotes o monopólio da Torá e o de-
mocratizando! Modernidade é o nome que se dá ao tempo em
que a autoridade exterior do dogma é substituída pela certeza
interior da razão pesquisadora do sujeito autônomo. Por que
não reconhecer a Modernidade judaíta?
* Note no texto a universalização individual da moralidade:
“Cada pessoa me conhecerá, da mais insignificante até a mais
poderosa ... perdoarei o seu delito e de seu pecado jamais

54
Temas de Teologia Bíblica I

me lembrarei”. A responsabilidade ética passa a ser reconhe-


cida como individual e o perdão dos pecados é um ato direto
de Deus, o que reforça o fim do monopólio sacerdotal, não só
sobre a instrução, mas também sobre o perdão. Modernidade
é o nome que se dá ao tempo em que os direitos individuais e a
igualdade de todas as pessoas são afirmados como inalienáveis.
Por que não reconhecer a Modernidade judaíta?
Por quê? Porque a Modernidade moderna se define como o
tempo em que não mais se precisa de Deus, que está quieto e
passivo no distante céu transcendental, enquanto a Modernida-
de judaíta é fruto da palavra e da ação de Deus “aqui e agora”
– note no texto a tríplice presença da fórmula do dito profético.
Porque a Modernidade moderna se define como o tempo das
relações contratuais, mediadas pela instituição estatal, enquan-
to a Modernidade judaíta se define como o tempo das relações
da aliança, sem mediação institucional, definidas pela fidelidade
– note no texto a linguagem afetiva da aliança. Porque a Moder-
nidade moderna é enganadora – a autonomia do sujeito indi-
vidual só existe para ricos, poderosos, filósofos e cientistas –, a
imensa maioria das pessoas só faz pagar a conta (tudo bem que
a gente ganha umas coisinhas interessantes – celular, computa-
dor, avião, televisão, DVD, HD ...). Por outro lado, a Modernidade
judaíta é esperançosa: esses dias virão – antes de chegarem, po-
rém, nós temos de mudar nosso estilo de vida, nossa fé, nossa
teologia, nosso mundo. Note no texto como o defeito da velha
aliança foi a traição dos pais e não um erro de YHWH.

55
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

JJ ANTES DE VIRAR A PÁGINA

Podemos formular uma breve síntese contextual do que


estudamos até agora: (1) no período anterior à monarquia, a
berith de YHWH com Israel era vista e vivida como um compro-
misso libertador de YHWH a favor de seu povo, que deman-
dava uma resposta de fidelidade a Deus e solidariedade com o
próximo; (2) durante a monarquia, os reis e o sacerdócio (os
“pais” de Jeremias 31.27ss) passaram a ensinar a berith como
um contrato entre YHWH e o seu povo, mediado pelo rei (que
também era o chefe do sacerdócio). Nessa visão, os requisitos
eram obediência às leis de Deus e submissão à vontade do rei;
(3) Jeremias e Ezequiel retomam a primeira compreensão da
berith e a apresentam como uma “novidade”: YHWH é o Deus
libertador que demanda fidelidade de seu povo e não precisa
de intermediários para se relacionar com o povo que libertou.
No próximo Módulo estudaremos aspectos da interpretação
da berith no Novo Testamento, que segue na tradição jeremiâ-
nica e acrescenta outra “novidade”: o Messias Jesus é o fiador
da nova berith e o Libertador de toda a humanidade, não só de
Israel.

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Temas de Teologia Bíblica I

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

MÓDULO 3
Tema: Aliança e libertação no Novo Testamento

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Temas de Teologia Bíblica I

JJ INTRODUÇÃO

Muito bem! Para concluir nossa reflexão sobre os concei-


tos de libertação e aliança, passaremos agora à interpretação
de como esses conceitos foram ressignificados por autores do
Novo Testamento. Este Módulo terá duas seções. Na primeira,
discutiremos Hebreus capítulos 8-10, que tratam da interpre-
tação cristológica do texto de Jeremias 31.31-34. Na segunda,
discutiremos o conceito paulino de libertação integral do ser
humano, que relê o conceito veterotestamentário de libertação.
Com isso, nossos objetivos para este último módulo são que,
ao final dos estudos, você seja capaz de: 1) explicar o sentido da
nova berith em Hebreus; 2) explicar o processo de libertação hu-
mana através de Jesus, e 3) descrever as principais dimensões
da libertação integral nos escritos paulinos.
Assim, chegaremos ao fim de nossa discussão teológico-bí-
blica sobre o conceito de aliança (fundado na ação libertadora
de Deus). Fim, porém, que é de fato um novo começo. O que
estudamos nesta disciplina é apenas um ponto de partida para
você continuar refletindo sobre o que Deus significa em sua
vida e em seu ministério. A teologia bíblica não termina “aqui”,
ela continua em sua vida, no cumprimento da vontade graciosa
de Deus para toda a humanidade.

JJ 1. A NOVA BERITH EM HEBREUS

Hebreus é um dos livros mais interessantes do Novo Testa-


mento. Sua linguagem e teologia são bem peculiares, pertencem
mais ao campo dos diálogos e das críticas com a fé e a teologia
de judeus que tinham uma atitude mais aberta em relação ao
mundo cultural greco-romano do que com a fé e a teologia de
fariseus, saduceus, essênios e dos judeus palestinenses em ge-
ral. O seu debate principal com o Judaísmo não tinha a ver com

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

a lei enquanto tal (como em Paulo, por exemplo), mas com o sis-
tema sacrificial-sacerdotal propriamente dito. Por isso, a imagem
de Jesus mais usada em Hebreus é a do sumo sacerdote que
também é o cordeiro sacrificado pelo pecado. Não poderemos,
é evidente, discutir esta carta em sua totalidade. Nosso foco é
o conceito da berith, discutido nos capítulos 8-10 de Hebreus.
Tendo em vista que é um texto longo, não o reproduzirei aqui,
mas trabalharei da seguinte maneira: (a) farei uma síntese da ar-
gumentação desses capítulos; e (b) darei ênfase maior aos tre-
chos em que o autor de Hebreus cita o texto de Jeremias 31 que
estudamos. Então, para acompanhar o que vem a seguir, será
muito bom que você primeiro leia Hebreus capítulos 8-10, para
poder seguir a apresentação e refletir criticamente sobre ela.
A partir de 8.1 o texto sintetiza a discussão nos capítulos
anteriores e fornece uma síntese especial da mesma, confor-
me lemos: “Ora, do que estamos dizendo, o ponto principal é
este: temos um sumo sacerdote tal, que se assentou nos céus
à direta do trono da Majestade, o ministro do santuário e do
verdadeiro tabernáculo, que o Senhor fundou, e não o homem”
(8.1-2). A partir destes versos o argumento dos três capítulos
visa a demonstrar a superioridade da nova aliança porque ela é:
(1) de origem divina e não de origem humana, (2) seu templo e
sacerdócio são celestiais e não terrenos, (3) sua berith é baseada
em promessas melhores do que as da antiga berith; (4) a nova
berith irá ocupar o lugar da antiga que já está desaparecendo
[tudo isto no capítulo 8]; (5) os sacrifícios e os sacerdotes da
antiga berith eram imperfeitos e ineficazes; (6) o sacrifício e o
sacerdócio do Messias Jesus, porém, são perfeitos e plenamen-
te eficazes; (7) só foram realizados uma vez, e sua eficácia dura
para sempre [tudo isto no capítulo 9]; (8) a ineficácia dos sacrifí-
cios da antiga aliança já havia sido ensinada pelos profetas; logo
(9) Deus faz uma nova berith com os pecadores, que é eficaz e
definitiva [tudo isto em 10.1-18].

60
Temas de Teologia Bíblica I

O texto de Jeremias é citado duas vezes: “8 E, de fato, repre-


endendo-os, diz: Eis aí vêm dias, diz o Senhor, e firmarei nova
aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá, 9 não segundo
a aliança que fiz com seus pais, no dia em que os tomei pela
mão, para os conduzir até fora da terra do Egito; pois eles não
continuaram na minha aliança, e eu não atentei para eles, diz o
Senhor. 10 Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Is-
rael, depois daqueles dias, diz o Senhor: na sua mente imprimi-
rei as minhas leis, também sobre o seu coração as inscreverei; e
eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo. 11 E não ensinará
jamais cada um ao seu próximo, nem cada um ao seu irmão,
dizendo: Conhece ao Senhor; porque todos me conhecerão,
desde o menor deles até ao maior. 12 Pois, para com as suas ini-
quidades, usarei de misericórdia e dos seus pecados jamais me
lembrarei” (Hb 8.8-12); e “15 E disto nos dá testemunho também
o Espírito Santo; porquanto, após ter dito: 16
Esta é a diatheke
que farei com eles, depois daqueles dias, diz o Senhor: Porei no
seu coração as minhas leis e sobre a sua mente as inscreverei, 17
acrescenta: Também de nenhum modo me lembrarei dos seus
pecados e das suas iniquidades, para sempre. 18
Ora, onde há
remissão destes, já não há oferta pelo pecado” (Hb 10.15-18).
Qual é a novidade da interpretação de Jeremias em Hebreus?
A vinculação da nova berith com a pessoa e ação do Messias
Jesus. O argumento de Jeremias e Ezequiel era baseado na in-
ternalização da Torá (lei ou instrução) de YHWH nos corações e
mentes dos israelitas. Em Hebreus, seria desnecessário o sis-
tema de sacrifícios e sacerdotes para intermediar entre Deus
e o povo, porque o perdão e o conhecimento de Deus seriam
imediatos, pessoais. O autor de Hebreus acrescenta este novo
argumento: a velha berith está desaparecendo porque, agora,
nos últimos dias, Deus enviou o Seu Filho como sumo sacerdote
e, simultaneamente, como sacrifício pelos pecados. Nessa con-
dição, o Messias anula a necessidade de novos sacrifícios, pois

61
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

o seu é perfeito. Anula, também, a necessidade de sacerdócio,


pois sem sacrifícios não há necessidade de sacerdotes. Como
sumo sacerdote, o Messias anula a necessidade do Templo e
dos sacrifícios nele realizados, pois sem sumo sacerdote terre-
no, chega ao fim a linhagem sacerdotal. Note como o argumen-
to é circular: sem sacrifícios não há sacerdote, sem sumo sacer-
dote terreno não há sacrifícios.
Historicamente, a profecia da nova berith não foi realizada
em Israel. Após o retorno de algumas das lideranças sacerdotais
e de escribas do exílio babilônico para Jerusalém, o Templo foi
reconstruído, o sacerdócio e o sacrifício foram reinstalados e a
lei de Deus passou a ser ensinada pelos escribas dos sacerdotes
– tudo isso aprendemos lendo os livros de Esdras e Neemias.
No período de Jesus, o Judaísmo oficial já havia consolidado a
manutenção da antiga berith criticada e tornada obsoleta por
Jeremias e Ezequiel, de tal modo que a ideia de uma nova berith
ficou esquecida ou ultrapassada, com a exceção dos essênios
[que eram considerados hereges pelos fariseus e saduceus] e
pelos seguidores de Jesus. Os seguidores de Jesus entenderam
o ministério do Mestre como o início dos “dias” prenunciados
por Jeremias. O autor de Hebreus, em particular, descreveu
Jesus como sacerdote e cordeiro celestiais, que coloca um fim
ao antigo modo de lidar com o pecado humano, e inaugura
definitivamente a nova berith. Já na tradição paulina e na dos
Evangelhos a noção de nova aliança aparece – 1Co 11.25 e Mc
14.24 –, temática que a carta aos Hebreus desenvolve com gran-
de detalhe.

PENSE NISSO
O tema da Nova Aliança é muito frequente nos Evangelhos.
O texto específico de Mc 14.24 que mencionei acima (bem

62
Temas de Teologia Bíblica I

como os seus paralelos em Mateus e Lucas) apresenta o tema


da Nova Aliança no âmbito da última refeição de Jesus com
os discípulos. Nos Evangelhos, a noção de Nova Aliança está
ligada à morte de Jesus Cristo como o ato libertador
de Deus que inaugura a nova berith. O tema em
si não é desenvolvido nos Evangelhos, mas a
sua presença revela a marca da teologia de
Jeremias 31.31-34.

Este texto de Marcos e seus paralelos (Mt 26.26-30; Lc 22.19-


23 e 1Co 11.23-25) tem sido usado desde o início do Cristia-
nismo como leitura inspiradora e orientadora da celebração da
Eucaristia (ou Ceia do Senhor). As Igrejas Cristãs demonstram,
assim, ter entendido a morte de Jesus como o ato libertador
climático de Deus, que inaugura definitivamente a sua nova be-
rith com toda a humanidade. Teologicamente, a nova berith nos
Evangelhos expressa os mesmos temas de Êxodo e de Jeremias:
a graça libertadora de Deus é a base de seu compromisso pes-
soal com o povo que deseja libertar. A berith é um convite de
Deus para que nos relacionemos com Ele de modo fiel, fazendo
parte de sua família/povo. O Batismo e a Ceia são os sacramen-
tos dessa resposta humana à graça divina – eles representam
simbólica e liturgicamente as transformações que Deus mesmo
opera no ser humano por sua graça.
Qual é a novidade principal da nova berith em Hebreus para
os seres humanos? O acesso a Deus agora está aberto para to-
das as pessoas, pois o sistema sacrificial-sacerdotal chegou ao

63
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

seu fim e, com ele, o interdito (tabu) que impedia as pessoas de


se encontrarem diretamente com Deus por causa do pecado. O
véu do santuário foi rasgado e agora não é mais necessário le-
var sacrifícios a um sacerdote, que entrará no Santo dos Santos
para intermediar entre o povo e Deus. O perdão divino é aberto
a quem quer que crer no Messias Jesus, sem distinção de raça,
cor, credo, nacionalidade etc.. Com o perdão, vem a comunhão
com Deus e a possibilidade de uma vida nova, capaz de superar
a velha vida de infidelidade a Deus. Nova vida esta que precisa
ser cultivada para dar frutos: manter a fé em Deus, a comunhão
com irmãs e irmãos na igreja, não fugir do compromisso com o
Senhor Jesus e viver pelo Espírito. Estas são as principais metá-
foras de Hebreus que descrevem a vida cristã.
Consequentemente, o autor de Hebreus chama Jesus de me-
diador ou fiador da nova berith/diatheke (8.15-21). Percebeu a ló-
gica da interpretação de Jeremias em Hebreus? A promessa da
nova aliança em Jeremias afirmava o fim dos mediadores huma-
nos (reis, sacerdotes, escribas, “pais”) na berith entre YHWH e seu
povo. O autor de Hebreus, porém, anuncia um novo mediador
– Jesus. Não é uma contradição? Não! Claro que não. Por quê?
Porque Jesus é divino, é um mediador divino que morre em prol
das pessoas, em favor de quem Deus estabelece Sua berith. Eis a
novidade inesperada! O próprio Deus se torna humano e morre
por toda a humanidade pecadora, para que toda a humanidade
possa ter acesso a salvação e perdão dos pecados, para viver
com Ele eternamente. Assim, o processo salvífico-libertador que
a graça de Deus iniciou no êxodo dos hebreus do Egito como
ponto de partida da berith libertadora é agora tornado pleno
pelo próprio Deus, que se torna libertador e libertado simultane-
amente, para que toda a humanidade possa desfrutar da relação
de fidelidade da berith. O Deus fiel, sempre fiel, abriu definitiva-
mente o acesso para que nós nos tornemos fieis a ele e uns aos
outros, no Messias Jesus, mediante a força do Espírito Santo.

64
Temas de Teologia Bíblica I

Vejamos, agora, outra descrição dessa nova aliança (sem o


uso da palavra) nos escritos de Paulo, que apresenta a noção de
libertação integral realizada pelo Messias Jesus.

JJ 2. A NOVA BERITH EM PAULO: O MESSIAS JESUS


LIBERTA INTEGRALMENTE

Como vimos, a condição humana de escravidão é de tal na-


tureza que não podemos nos autolibertar, precisando, portan-
to, de um Libertador ou Redentor que nos consiga o resgate,
a alforria, a própria liberdade. Por outro lado, se a libertação
simplesmente viesse de um ser divino, como presente impesso-
al, seria impotente, uma simples farsa moral. A libertação plena
do ser humano exigiu que o Libertador vivesse uma vida plena-
mente entregue ao Pai, de forma a revelar não só a fidelidade
amorosa do Pai, como também a plena humanidade fiel deseja-
da pelo Criador. Assim, a libertação é conferida à humanidade
mediante a integralidade da vida, da morte e da ressurreição de
Cristo, e não só pela “cruz”, como está em certos reducionismos
soteriológicos. Vejamos a integralidade do processo e dos efei-
tos da ação libertadora do Messias.

2.1. O processo de libertação


(a) Em primeiro lugar, o Messias Jesus liberta a criação
mediante a sua fidelidade a Deus – Gl 2.15-16 (cp. Gl 3.22; Rm
3.22.26): “Nós, mesmo sendo judeus por natureza, não peca-
dores dentre os gentios, temos o conhecimento de que ne-
nhum ser humano é justificado com base nas obras da lei, mas
mediante a fidelidade do Messias Jesus; por isso cremos no
Messias, a fim de sermos justificados com base na fidelidade do
Messias e não com base nas obras da lei, posto que com base
nas obras da lei ninguém poderá ser justificado”. O fundamento
veterotestamentário desta afirmação paulina é duplo: (1) Paulo

65
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

interpreta a Lei como posterior à promessa de Deus a Abraão


de que nele seriam abençoadas todas as famílias da terra – Gl
3.17s; (2) Paulo interpreta a vida justa – livre – como a vida do fiel
a Deus, seguindo Habacuque 2.4 (no idioma hebraico, o termo
que traduzimos por fé denota, igualmente, fé e fidelidade).
Em que consistiu a fidelidade do Messias, mediante a qual so-
mos libertados? Em sua completa e plena submissão à missão
que lhe foi confiada pelo Pai que o enviou (Gl 4.4ss). O jogo de
palavras é proposital, estar sob a missão representa a fidelida-
de do Messias – na medida em que representa a permanência
em uma relação de pertença mútua, em um projeto comum de
vida. A fidelidade do Messias, além de ser expressão da fideli-
dade de Deus à criação, é também representativa – o Messias
representa o Israel infiel diante de Deus, incorpora sua culpa e
se torna o portador do cumprimento das promessas abraâmi-
cas a toda a humanidade. Em sua fidelidade representativa, o
Messias possibilita a demolição do “muro de inimizade” entre
judeus e gentios, criado pela própria infidelidade de Israel ao
seu projeto comum de vida com YHWH.
O fundamento da libertação humana (e de toda a criação) é
a fidelidade do Messias, e isto é determinante para uma correta
compreensão de nossa libertação e justificação. Na tradição pro-
testante corre-se o risco de considerar a fé no Messias como o
fundamento da salvação, de modo que o pensamento e a prática
cristãos se tornam antropocêntricos. A fé é o meio pelo qual re-
cebemos a salvação e mesmo a nossa compreensão da fé preci-
sa ser ressignificada na relação com a fidelidade: é fé-fidelidade,
pois sua natureza não é a de adesão a um conjunto de verdades,
mas o compromisso de fidelidade a uma pessoa. O fundamento
da libertação é a fidelidade do Messias a Deus o Pai, que torna
presente na história (vindo a plenitude dos tempos) a graça liber-
tadora de Deus, agora disponível a todos os povos.
Esta compreensão do texto, embora não tão comum na

66
Temas de Teologia Bíblica I

tradição, mas cada vez mais presente na pesquisa exegética e


teológica de Paulo, é a que mais faz sentido para a compreen-
são doutrinária de que a salvação não tem base nas obras ou no
mérito do pecador. A base, o mérito da libertação é encontrado
no próprio Messias. A graça é a iniciativa divina de, na fidelidade
do Messias ao amor paterno, abrir as portas ao ato humano de
crer no Messias, assumindo a fidelidade a Ele como projeto de
vida que liberta em solidariedade e esperança. Assim, podemos
dizer com Paulo que estamos “no Messias”.
(b) Em segundo lugar, o Messias fiel liberta por sua solida-
riedade com a criação escravizada: “Jesus, nascido de mulher e
sujeito à Lei” (Gl 4.4) é quem pode libertar toda a criação e, nela,
o ser humano responsável pelo cativeiro da criação – somente o
humano pode libertar o humano. Jesus é o Libertador median-
te a sua solidariedade conosco na escravidão que caracteriza a
nossa humanidade. Sendo Filho de Deus, Jesus assume solida-
riamente a nossa escravidão para que possamos, nEle, ser tor-
nados filhos adotivos de Deus, deixamos de ser escravos e nos
tornamos filhos e herdeiros de Deus – herdamos a vida (Rm 8.15;
Gl 4.5; Ef 1.5). Sem a encarnação, não haveria libertação, posto
que o resgate teria de ser apenas uma ação isolada e impessoal
de Deus, o que eliminaria nossa autonomia e responsabilidade
diante dEle, e impediria uma relação de amizade fiel.
(c) Em terceiro lugar, Jesus é o nosso Libertador porque Ele
assume a nossa condição de malditos sob a Lei (Gl 3.12-14). O
domínio da Lei escraviza porque obriga a pessoa a guardar to-
das as suas prescrições e determinações, o que é impossível à
humanidade carnal. Incapazes de obedecer a todas as prescri-
ções da Lei, a humanidade recai sob a maldição da Lei. Em sua
morte na Cruz, Jesus torna-se o maldito por nós, libertando-nos
da maldição da Lei: a morte e morte de cruz. Mediante Sua morte
na cruz, Jesus assume a maldição da lei sobre Si mesmo, e torna,
assim, aberto o caminho da promessa, da bênção abraâmica, a

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

todas as nações. Doravante, o acesso à promessa é efetuado


mediante a fé-fidelidade, pela qual recebemos o Espírito Santo
prometido (cf. Gl 3.1-5). O Espírito Santo é a corporificação di-
vina, em nós, da promessa divina – o penhor da libertação, as
primícias da nova criação. A libertação, assim, é um processo
plenamente pessoal. O objeto da promessa não é desligado de
Deus, mas se identifica com o próprio Deus, Espírito, que con-
vive conosco e nos energiza para a vida em fidelidade a Deus. É
o Espírito do Messias que, em comunhão simultânea com a co-
munidade seguidora do Messias – o Filho e o Pai – faz frutificar
na comunidade a vida messiânica (cf. Gl 5.14ss).
No mundo greco-romano em que o povo judeu da época de
Paulo estava inserido, a escravidão somente poderia ser encer-
rada de duas formas: mediante a vitória militar contra o escravi-
zador ou mediante a adoção por um cidadão romano. Um meio
impessoal, violento; outro, pessoal e relacional. A resposta de
Paulo à condição de escravidão da criação se encontra no re-
gistro da pessoalidade e relacionalidade. Desta forma, a violên-
cia sofrida pelo Messias é o signo do fim de toda opressão, na
medida em que revela a impotência da violência para libertar
efetivamente. A libertação pela violência não gera liberdade,
gera apenas uma nova escravidão. A libertação pela fidelidade
da aliança, porém, gera liberdade.

2.2. Os efeitos da libertação


(d) Sendo assim nosso Libertador, o Messias nos abre o
acesso a uma vida de plena liberdade: “É para sermos verda-
deiramente livres que o Messias nos libertou. Permanecei, pois,
firmes e não vos deixeis sujeitar de novo ao jugo da escravi-
dão” (Gl 5.1-2). A condição humana é de tal modo frágil que, no
caminho árido da liberdade, as tentações para voltar ao seguro
e confortável caminho da escravidão são poderosamente sedu-
toras – seja a escravidão da Lei, seja a escravidão aos deuses,

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Temas de Teologia Bíblica I

que não o são de fato. É esta tentação para voltar “às panelas
do Egito” que está na fonte da carta de Paulo aos gálatas. Tendo
experimentado a libertação, recebido o Espírito da promessa,
vivido na liberdade do Messias, a comunidade está perigosa-
mente atraída pela sedução de uma vida rigorosa de cumpri-
mento da Lei.
Em que consiste a liberdade para a qual fomos libertos? A
liberdade não pode ser vista apenas como a vontade individual
de fazer o que se deseja (liberdade como dominação, concreti-
zada na “livre” iniciativa econômica), nem como a independência
social da comunidade civil na democracia e na revolução (liber-
dade como comunidade política transformadora). A liberdade
messiânica é, ao contrário,

paixão criativa pelo possível. Liberdade não é ape-


nas voltada para as coisas como elas são, como na
dominação. Nem é direcionada apenas à comuni-
dade de pessoas como elas são, como na solidarie-
dade. Ela se direciona para o futuro, pois o futuro
é o campo desconhecido das possibilidades, en-
quanto o presente e o passado representam esfe-
ras familiares de realidades. [...] Assim como Martin
Luther King, temos visões e sonhos de outra vida,
uma vida curada, justa e boa. Exploramos as possi-
bilidades do futuro a fim de realizar esses sonhos,
visões e projetos. Todas as inovações culturais e so-
ciais pertencem a esta esfera de liberdade para o
futuro. (MOLTMANN, 1999, p. 159-160).

Como a libertação messiânica é um ato escatológico-apoca-


lítico, a liberdade no Messias é vivida na futuridade, na tensão
entre a presença da liberdade e a sua ausência em um mun-
do ainda não plenamente renovado como nova criação. Sendo
centrada na futuridade,

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

A liberdade é um movimento criativo. Qualquer


pessoa que em pensamento, palavra e ação trans-
cende o presente na direção do futuro é verdadei-
ramente livre. O futuro é o livre espaço da liberdade
criativa. [...] Liberdade, como um transcender em
direção às possibilidades do futuro, é uma função
criativa. [...] É um acontecer. Somente temos nossa
liberdade criativa no processo de libertação. Nun-
ca somos livres de uma vez por todas, mas conti-
nuamente nos tornamos livres. E somente o povo
que faz uso da liberdade permanece livre (MOLT-
MANN,1999, p. 160).

Libertados pelo Messias, podemos viver em plena liberda-


de da fé-fidelidade. Ainda por causa da nossa condição carnal,
é necessária sempre a exortação: “Vós, irmãos, é para a liber-
dade que fostes chamados. Contanto, que esta liberdade não
dê nenhuma oportunidade à carne! Mas pelo amor estejais a
serviço uns dos outros. Pois toda a lei encontra o seu cumpri-
mento nesta única palavra: Amarás a teu próximo como a ti
mesmo” (Gl 5.12-13). E a liberdade dos que creem é a liberdade
para amar, pois a fé “age pelo amor” (Gl 5.6). Livres da lei e dos
ídolos, podemos viver na liberdade do amor, que é o fruto do
Espírito da promessa e o verdadeiro cumprimento da Lei. No
amor a Deus acima de todas as coisas, no amor ao próximo
como a nós mesmos, vivemos a futuridade criativa da liberda-
de – contra o amor não há lei. Diante do amor não há regras e
normas delimitadoras, cada situação possibilita uma resposta
única e criativa. O amor é a transcendência humana, não a ida
para um outro mundo, mas o ir decisivamente ao encontro do
próximo (humano e não-humano) na criação divina. O amor é
transcendência para dentro da vida, assim como a encarnação
foi a transcendência de Deus-Filho para dentro do mundo de
morte da criação escravizada.

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Temas de Teologia Bíblica I

Na sequência do capítulo, Paulo contrasta a vida da escravi-


dão (carne) e a vida da liberdade (Espírito). Somente no Espírito
se encontra a liberdade verdadeira. A liberdade é experimen-
tada, assim, sob o signo do conflito – o conflito entre o desejo
da carne e o desejo do Espírito (assim como em Romanos 8 há
a oposição entre a atitude da carne [inclinação para a carne] e
a atitude do Espírito [inclinação para o Espírito]). Por que o de-
sejo da carne se opõe ao do Espírito? Porque o desejo carnal é
egocêntrico, egoísta, antissolidário, fechado em si mesmo. Já o
desejo do Espírito é altruísta, solidário, amoroso, voltado para
o próximo. A descrição do fruto do Espírito aponta claramente
nesta direção e poderia ser resumido apenas na palavra amor,
caso esta não fosse, então e hoje em dia, tão facilmente mal
compreendida. Quem se deixa guiar pelo Espírito frutifica con-
forme a própria natureza do Espírito de Deus, que é amor – e,
consequentemente, será alegre, generoso, bondoso, terá per-
severança, autocontrole etc..
Dois verbos descrevem o processo de permanecer na liberda-
de do Espírito: (a) andar no Espírito – verbo que é bastante usado
por Paulo neste campo temático, e.g.: Rm 6.4; 8.4; 13.3; 1Co 3.3;
7.17; etc.. Refere-se à conduta, à prática cotidiana, às ações visí-
veis do ser humano. É tradução da raiz hebraica hlk, de onde vem
a palavra halakah – a espiritualidade na tradição judaica. Em ou-
tras palavras, Paulo está afirmando que os gálatas podem viver
como o Espírito vive, ou na força do Espírito, ou através da vida
do Espírito neles (as diferentes formas de entender o caso dativo
aqui) – o Espírito sendo fonte, instrumento ou energia da vida
messiânica; e (b) sois guiados pelo Espírito – na voz passiva, indi-
cando que o Espírito é aquele que orienta a vida humana, mostra
o caminho, conduz no caminho da liberdade e faz permanecer
nele. Viver no Espírito é viver sem a obrigação de obedecer à lei.
Quem anda no Espírito e é guiado por ele não está sob a dívida
ou sob a obrigação, caso de quem vive segundo a carne. Viver no

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

Espírito é viver em liberdade.

JJ ANTES DE VIRAR A PÁGINA



O Senhor Jesus, Messias universal, liberta integral e uni-
versalmente. Senhorio e Libertação peculiares, não existentes
em nenhum outro ser, em nenhum outro tempo, em nenhum
outro lugar. Senhorio e Libertação, porém, que se manifes-
tam em todo tempo e lugar na vida de qualquer pessoa que
exercer fé-fidelidade, se tornar fiel ao Pai amoroso que envia
o Messias e o Espírito da vida em liberdade: vida em amor. Eis
a novidade neotestamentária: a berith de Deus continua sen-
do o compromisso amoroso e gracioso do Pai em libertar toda
a humanidade. Agora, porém, o povo de Deus que é chamado
para testemunhar da berith não é definido pela etnia, mas pela
fé. Quem aceita a graça de Deus manifestada na vida e na morte
do Messias se torna membro do Israel de Deus, da Igreja-povo
que vive na fidelidade da nova berith e realiza a vontade de Deus
enquanto aguarda, esperançosamente, a volta de seu Senhor.

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Temas de Teologia Bíblica I

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

JJ CONCLUSÃO

Muito bem! Chegamos ao fim de mais uma disciplina de nosso


curso livre de Teologia. Aqui apenas iniciamos um percurso que
será completado em outros momentos do ensino, com novas te-
máticas e novos desafios para nosso aprendizado conjunto.
Você, acompanhando criticamente os textos e os materiais
de estudo, certamente descobriu que Teologia Bíblica é o nome
dado a uma disciplina do currículo teológico que se especiali-
za em estudar a Escritura (Antigo e Novo Testamentos) com o
olhar específico da construção de temas ou conceitos teológi-
cos. Viu, também, que a construção de conceitos de Teologia
Bíblica deriva do estudo exegético (interpretativo) dos textos
bíblicos e procura dar conta da Escritura como um todo (ou, se-
paradamente, da Teologia do Antigo Testamento ou da Teologia
do Novo Testamento).
Nós nos ocupamos de dois temas fundamentais da Teologia
Bíblica: libertação e aliança. Procurei mostrar a vocês que esses
dois temas andam juntos na Escritura. A libertação é o funda-
mento da aliança que, por sua vez, é consequência da liberta-
ção. Ao sermos libertados por Deus passamos a fazer parte do
povo de Deus, ou da família de Deus – ambas as metáforas es-
tão presentes na Bíblia.
Também procurei demonstrar que a ideia tradicional de que
o Antigo Testamento se refere à Lei e o Novo, à Graça não é ade-
quada. Tanto no Antigo quanto no Novo Testamentos a ação
libertadora de Deus é fruto da graça de Deus, graça que é expres-
sa por Sua amorosa fidelidade ao Seu próprio projeto de criar o
mundo e dar vida ao mundo, especialmente aos seres humanos
como parceiros primários na vida de toda a criação.
Vimos, também, que há textos do Antigo Testamento que
defendem uma visão da libertação e da aliança focada no cum-
primento da lei e na mediação do rei e dos sacerdotes. O estudo

74
Temas de Teologia Bíblica I

de Jeremias e Ezequiel mostrou que o povo de Israel não acei-


tou acriticamente essa transformação do conceito da aliança e
defendeu a manutenção da noção de aliança baseada na graça
libertadora de Deus. Entretanto, durante a dominação persa
(entre 539 e 333 a.C.) e durante a dominação greco-romana (c.
333 a.C. até c. 130 d.C.), os governantes de Israel (Judá) preferi-
ram manter a noção de que a aliança divina é mediada pela Lei
e pelo Sacerdócio.
Jesus e Paulo, no Novo Testamento, retomaram a teologia
de Jeremias e do êxodo e defenderam a noção de que é a gra-
ça libertadora de Deus que funda a aliança e que a fidelidade
é a resposta esperada por Deus de seu povo: fidelidade e não
obediência, fidelidade e não obrigação. Fidelidade, porém, não
é uma atitude “mais simples” do que obediência ou obrigação.
Ao contrário: ser fiel é impossível ao ser humano sem a ação do
próprio Deus em nós. Por isso, a libertação no Novo Testamen-
to se apresenta como uma transformação integral da pessoa
para que o Espírito de Deus frutifique nela e ela possa ser fiel a
Deus e fiel à criação de Deus.
Este foi, então, apenas o primeiro passo para conhecermos
melhor a Teologia Bíblica. Continue estudando em profundi-
dade as Escrituras! Acima de tudo, porém, viva intensamente
a fé – seja fiel a Deus, ao próximo e a toda criação, na força do
Espírito Santo.

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JJ REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GERSTENBERGER, Ehrard S. Teologias no Antigo Testamento - Plu-


ralidade e sincretismo da fé em Deus no Antigo Testamento.
São Leopoldo: Sinodal, 2007

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cient Israel. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.

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JJ BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

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Academia Cristã, 2014.

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2004.

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mento. São Paulo: Academia Cristã, 2005.

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tória da religião de Israel na perspectiva bíblico-teológica. São
Paulo: Teológica & Loyola, 2006.

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cas no debate atual. São Paulo: Academia Cristã, 2007.

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cia do divino no Antigo Israel. São Paulo: Paulus, 2006.

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ZABATIERO, J. P. T. Liberdade e Paixão. Missiologia Latino-ameri-


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