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CURSOS TÉCNICOS
LITERATURA E ANÁLISE I
AULA 4
Ambientação Histórica:
Quer devido à adversidade da época, quer à negligência dos homens, que tinham pouco
apreço não apenas pela música, mas também por outros estudos, a música desceu da suprema
altura a que outrora se elevara, caindo na baixeza mais abjeta. Enquanto outrora era objeto de
enorme veneração, veio mais tarde a ser considerada tão vil e desprezível que os homens
instruídos mal reconheciam a sua existência. Isto sucedeu, a meu ver, por ela não ter conservado
a menor parcela ou vestígio dessa severidade honrada que a caracteriza. Por conseguinte, todos
se compraziam em destroçá-la e em tratá-la da pior forma, de muitas e indignas maneiras. Porém,
a Deus onipotente agrada que o seu infinito poder, bondade e sabedoria sejam exaltados e
manifestados aos homens através de hinos acompanhados de graciosas e doces inflexões. Não
lhe pareceu tolerável que a arte que serve ao seu culto fosse tida por vil, se até aqui na Terra se
reconhece quanta doçura pode haver no canto dos anjos que nos céus louvam a sua majestade.
Por isso, concedeu ao nosso tempo a graça do nascimento de Adrian Willaert, na verdade um dos
mais raros intelectos que alguma vez se exercitaram na prática musical. À guisa de um novo
Pitágoras, examinando minuciosamente aquilo de que a música carecia e encontrando uma
infinidade de erros, começou a removê-los e a devolver a música ao lugar honroso e digno que
outrora teve e, segunda a razão, deve ter. Demonstrou uma ordem racional de compor cada peça
musical de maneira elegante, disso dando claros modelos nas suas composições.
Le Instituitioni harmoniche, 1559, Gioseffo Zarlino, teórico musical.
É através destes dois testemunhos de época que gostaria de iniciar o tema desta aula.
Tratamos na aula passada de um período de grande experimentação musical chamado Ars Nova.
Neste período surge o moteto, grande gênero da época, que introduz na polifonia a possibilidade
da sobreposição de vários textos em várias línguas. A técnica contrapontística avançou, saindo
do organum paralelo (em intervalos de quartas e quintas) até imitação e suas variantes: consistia
em repetir a mesma linha melódica entre as vozes em momentos diferentes, alterando-as através
de alguns artifícios (inversão, diminuição, aumentação, linha retrógrada); são algumas das
técnicas avançadas que nascem no fim da Ars Nova se desenvolvem na primeira parte da
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Renascença, e que estão sendo duramente criticadas nos trechos citados. Mas do que um retorno
à música da antiguidade clássica (esta era desconhecida pela ausência de registro, diferente da
escultura e arquitetura clássica, cujas obras alcançaram a idade moderna), a Renascença foi um
repensar do papel da música à luz daquilo que se podia ler-se nas obras dos antigos filósofos,
poetas, ensaístas e teóricos musicais. A este movimento deu-se o nome de humanismo, que
consistia num reavivar dos domínios da gramática, retórica, poesia, história e filosofia moral.
Artistas plásticos e arquitetos puderam executar um grande resgate não só de estilo, mas também
técnico, coisa que a música não pôde acompanhar, e acabou tomando seus próprios rumos,
baseada nas pesquisas sobre os tratados musicais antigos: de Boécio, dos bizantinos (Quintiliano,
Ptolemeu, Cleónides, Euclides e Plutarco), do pseudo-aristóteles (capítulo sobre música do livro
Problemas), do livro Deipnosofistas de Ateneu, e ainda passagens sobre a música do livro Política
de Aristóteles e República e As Leis, de Platão. Assim surgem novos tratados discutindo assuntos
importantes como os modos, a consonância e dissonância, sistema tonal, afinação, relação entre
música e palavra e a harmonia da música, do ser humano, do espírito, do cosmos.
A passagem do período medieval para a idade moderna é marcada pela queda do Império
Bizantino (Império Romano do Oriente), com a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos
ainda em 1453. As grandes navegações de Portugal e Espanha estão vivendo ainda seu período
embrionário enquanto que a Itália, através dos famosos mercadores (como Marco Polo, 1254), já
inicia um processo de mercantilização e abandono do sistema feudal. Por tal razão esta nação
(que de fato ainda não é uma nação inteira, pois unifica-se somente no fim do séc. XIX), avança
antes para o humanismo, tendo em Dante (1265) seu grande precursor e representante literário,
e nos pintores e escultores como Leonardo da Vinci (1452), Michelangelo (1475) e Rafael Sanzio
(1483) o auge estilístico.
É perceptível através da ambos testemunhos de época que o retorno aos ideais clássicos
não é somente aos ideais grego-romanos mas também ao período inicial da idade média e à
renascença carolíngia; e, em realidade, uma oposição aos fatos ocorridos durante a baixa idade
média na Ars Nova, através da liberdade exagerada de experimentação nas artes (principalmente
música e literatura), na liberdade exagerada das discussões filósoficas da disputatio escolástica e
além do surgimento de vários movimentos heréticos que ameaçam a unidade cristã da Europa. A
Renascença retoma o estabelecimento de padrões de expressão técnica e busca do sentimento
humano nas artes, principalmente na música: o desenvolvimento filósofico-científico musical
(acima citado), a busca pelo ethos e a retórica e gêneros literários clássicos com suas temáticas
mitológicas: a tragédia grega, e a poesia latina (com seu desenvolvimento medieval). O
nascimento da Ópera é um esforço em busca do resgate da tragédia grega e os Lusíadas é um
grande exemplo de retorno à Ilíada e Odisséia. O uso do texto e de sua prosódia volta a ter grande
importância, em uma alusão ao poeta-músico clássico.
Um outro elemento enriquecedor do período é Reforma Protestante e a reação da Igreja
Católica através do Concílio de Trento (contrarreforma): filosoficamente a reforma protestante foi
embrionada pelas ideias nominalistas nascidas ainda no período escolástico assim como
filosoficamente a reação a esta se deu no movimento filosófico de Salamanca (Universidade que
preparava os missionários jesuítas). Nas artes, a reforma protestante se limitará à expressão
musical do coral protestante, que traz de volta a funcionalidade do texto utilizado no rito (exegese
bíblica) retomando o aspecto inicial do canto gregoriano (agora em língua vernácula), visto que o
protestantismo estrito retoma a discussão da iconoclastia e não admite o uso de imagens no culto
(esculturas e pinturas). A contrarreforma na música se deu através do esforço em manter a
polifonia, com seus elementos medievais, porém com um uso mais adequado e claro do texto,
retirando os abusos que se estabeleceram durante a Escola de Notredame e da Ars Nova, na
tentativa de enfrentar as críticas do protestantismo.
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Caraterísticas do Repertório
Exemplos Musicais
Bibliografia:
- BENNETT, Roy. Uma breve história da música. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1986.
- GROUT, Donald J.; PALISCA, Claude V. História da Música Ocidental. 2a. ed. Lisboa:
Gradiva, 2001.