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TRANSFORMAÇÕES URBANÍSTICAS, MERCADO IMOBILIÁRIO E


PERCEPÇÕES AMBIENTAIS NA LAGOA DA TIJUCA/RJ
Aline Viana de Sousa1

O município do Rio de Janeiro vem, ao longo de seu desenvolvimento, sofrendo


intervenções urbanísticas que resultaram no crescimento desorganizado igualmente como
ocorrido nas demais metrópoles brasileiras. Em particular, as transformações urbanísticas da
Barra da Tijuca se diferem do resto do território carioca, sendo sua atual configuração urbana
fruto do projeto de urbanização para a baixada de Jacarepaguá realizado pelo arquiteto Lucio
Costa a convite do Governo do Estado da Guanabara no ano 1969 (REZENDE; LEITÃO,
2003). Ao recordar do Plano Piloto de Brasília, elaborado por Lúcio Costa em 1957, onde o
processo das periferias se deu primeiramente a partir de um modelo estético de “cidade
perfeita” e planejada, idealizado dentro dos princípios do urbanismo modernista
(GORELICK, 2005), é possível certamente estabelecer referências conceituais para o projeto
carioca desenvolvido na região que anteriormente era caracterizada por seus aspectos
essencialmente rurais, com difícil acesso viário e poucas habitações.

De acordo com Resende e Leitão (2014, p. 675), o caso da Barra da Tijuca é


semelhante ao processo de implementação do Plano Piloto de Brasília, onde “os princípios
espaciais do ideário moderno estão presentes em ambos os planos: a ausência de lotes ou
quadras tradicionais e a verticalização utilizada como estratégia para a concentração de áreas
edificadas com a criação de áreas vazias”.

É possível identificar que desde a década 1930 a região da Baixada de


Jacarepaguá era ocupada. Havia baixa ocupação demográfica e características essencialmente
rurais, com a predominância da atividade de pesca artesanal em suas lagoas, que podem ser
verificadas no livro “O Sertão Carioca” escrito em 1936 por Magalhães Corrêa (1936). Para
Sarmento (1998, p. 5) os escritos de Corrêa evidenciam aspectos de etnógrafo amador, que
“estabeleceu um critério interpretativo deste quadro como o de uma 'realidade' tipicamente
sertaneja, distinta da que a ele se apresentava nas demais regiões da cidade do Rio de Janeiro
à época”. Além de apresentar descrições geográficas, Corrêa descrevia os aspectos da
organização social da região e o cotidiano desses sertanejos cariocas, como a “caracterização

1Discente do mestrado em Ciências Sociais no PPCIS/UERJ. Orientação: Roberta Guimarães.


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dos pescadores, agricultores, avicultores e de artesãos como os cesteiros, os tamanqueiros e os


tecelões de redes para a pesca” (SARMENTO, 1998, p. 8). Assim, o conhecimento sobre a
obra de Corrêa faz com que seja possível verificar aspectos já perdidos daquela região e
compreender o impacto da urbanização naquele espaço após a década de 1970.

Na década de 1970, o Plano Piloto para Urbanização da Barra da Tijuca, Pontal de


Sernambetiba e de Jacarepaguá pretendia orientar o crescimento urbano a partir de normas
para o uso e ocupação do solo, através de mecanismos para controlar a expansão urbana,
aliado às questões ambientais da Baixada de Jacarepaguá (SILVA, 2004). Segundo Abreu
(1997), no Rio de Janeiro a intensificação do processo de concentração de renda foi
viabilizada pela política econômica pós 1964, onde na Barra da Tijuca isso possibilitou o
processo de especulação imobiliária, que direcionou a expansão da parte rica da cidade em
direção à Baixada de Jacarepaguá. Assim, a preocupação com a construção de um novo
“centro metropolitano” fez com que viabilizasse o desenvolvimento da questão da mobilidade
urbana naquela região, com as construções de vias de acesso, como o Elevado e o Túnel do
Joá.

Sendo assim, desde sua concepção, o bairro da Barra da Tijuca possuía uma
função traçada; apesar de ser um bairro periférico encontra-se com a sua ocupação atual sendo
realizada por classes de alta renda, que fazia Abreu (1997) acreditar que o bairro seria parte
integrante do núcleo metropolitano.

Como já exposto, a região da Barra da Tijuca manteve, até a década de 1970,


baixa ocupação demográfica e características essencialmente rurais. Após esse período, as
ocupações se deram, em primeira ordem, por empreendimentos imobiliários – condomínios
residenciais de alto padrão, centros comerciais e de serviços e por ocupações desordenadas
informais que deram origem bairros como Curicica, Camorim, Rio das Pedras e Itanhangá.
Estes repartem o entorno da Barra da Tijuca mantendo ali relações econômico-sociais
variadas que se destacam daquelas estabelecidas nos condomínios e shopping centers da
Barra da Tijuca, sobretudo quando analisadas à luz da divisão social do trabalho. Verifica-se a
Barra da Tijuca como o lugar do capital e da elite, vinculada a uma personalidade da “nova
classe alta” ou “emergente”.

Além disso, “este histórico inclui a Barra da Tijuca como uma região planejada, em
que se investia com vistas à modificação de sua imagem predominante, ou seja, converter-se
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em uma centralidade” em que o bairro vem exercendo “sobre os bairros vizinhos da zona
Oeste a condição de polo, cumprindo todas as suas exigências: a concentração que traria para
seus estabelecimentos a mão-de-obra da região” (LOPES, 2009, p. 252).

Deste modo, as particularidades desse espaço produzido pelo planejamento


contribuíram para considerar os desdobramentos que incidem nas relações em seu entorno,
objeto de atenção deste trabalho. Pretendo, aqui, fazer uma pequena reflexão das
transformações urbanísticas da região da Barra da Tijuca para a formação de ambientes
construídos e práticas de agentes do Estado no Itanhangá, bairro originado das ocupações
correspondentes ao antigo “Sertão Carioca” de Magalhães Corrêa (1936), além de retratar os
diferentes usos em contraponto àqueles existentes na Barra da Tijuca. Contudo, vale indicar
que este trabalho trata-se de uma análise de caráter antecessor à entrada etnográfica, pois esta
está destinada à produção da dissertação de mestrado.

A partir desta discussão, buscarei desenvolver um trabalho etnográfico que coloca


como central em sua análise os significados da atuação dos agentes do Estado na configuração
dos ambientes construídos na cidade, com o objetivo geral de abordar sobre processos de
simbolização e agenciamento do espaço urbano do Itanhangá.

Em referência aos técnicos estatais chamados de “elite burocrática” por Gomes


(1994), a autora indica que para compreender parte dessa elite, é necessário analisa-la
conforme as indicações estabelecidas a partir dos seus próprios discursos formulados. Com
isso, vale estabelecer que “a análise do discurso que estuda o discurso sem estudar as
condições sociais da produção do discurso não compreende nada” (BOURDIEU, 2012, p. 53).
Tal percepção se aplica ao objeto em questão, uma vez que arquitetos do setor privado atuam
de maneira indireta como agentes do Estado, na perspectiva apresentada por Bourdieu (2012). Commented [L1]: Formular melhor

Para o objeto de pesquisa, é possível a reflexão através da antropologia do poder,


especialmente no âmbito do político. De acordo com Barandier (1969), o político está ligado à
estratificação, poder e conflito, onde permeiam relações de poder, sendo o poder necessário
para que a sociedade mantenha uma conformidade. Nisto, as relações de poder não são
estáticas, pois o poder é aquela ação que age para manter a unidade da sociedade. O
fenômeno do poder é um atributo da ação exercida por atores políticos, que participam de
ações para a manipulação do poder (BARANDIER, 1969).

Em consideração metodológica, em Gluckman (1987) observa-se que o estudo do


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poder indica uma perspectiva ritualista de poder simbólico, na perspectiva que os indivíduos
possuem agências e escolhas nos sistemas sociais, pois o poder trafega entre os grupos e
estabelece relações sociais. Assim, o antropólogo pode observar uma parcela da vida social,
numa perspectiva da análise situacional em interesses comuns que reúnem os indivíduos, a
partir dos conflitos sociais (GRUCKMAN, 1987).

Sobre a noção de conflito, Simmel (1971) identifica-o como uma forma de


sociação, “a mais vívida”, fundadora do laço social. O conceito de "sociação" é formulado
pelo autor para designar mais apropriadamente as formas ou modos pelos quais os atores
sociais se relacionam. É importante destacar que as interações sociais e as relações de
interdependência não representam, necessariamente, a convergência de interesses entre os
atores sociais envolvidos. O argumento de Simmel é de que o conflito obriga as partes a
reconhecerem umas às outras ainda que a relação seja de caráter antagônico, de modo
circunstancial ou perene (SIMMEL, 1971).

Gluckman (1987) demostra que um evento pode direcionar o interesse da


discussão para o antropólogo. A partir de um evento pode-se verificar em primeiro lugar o que
precede a situação. Em seguida, busca-se identificar seus participantes e acompanha-los;
investigar como se organizam e quem estabelece as regras sociais naquele contexto. Além
disso, verificar as atuações desses atores sociais envolvidos e descrever suas mediações em
relação a um recorte de pesquisa.

Além disso, Mauss (1974) apresentam elementos etnográficos de abordagem


analítica para observação do ambiente e seus símbolos, ou seja, detalhes dos ritos, posições,
organização e hierarquia que caracterizam as especificidades do campo. É na preparação do
rito (neste caso, o ato político) que é possível observar os aspectos envolvidos parar articular a
reflexão da natureza simbólica das ações humanas. Neste aspecto, por exemplo, as narrativas
criam realidades e discursos criam ações. Em síntese, a partir de Mauss (1974) o antropólogo
busca identificar as formas de classificação dos agentes e verificar o que depende para a
criação da crença nas relações de poder; nos atos políticos analisar as formas de nomeação as
coisas na linguagem própria dos agentes. E por fim, ao analisar as representações observar as
ideias através da linguagem, refletir sobre qual é a relação entre os agentes, que produzem
crenças coletivas em contextos específicos para o que o discurso produza eficácia.

Neste aspecto, verifica-se como interlocutores arquitetos e urbanistas da


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Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (ADEMI). Meu primeiro


contato com a organização se deu pela minha participação em um grupo de pesquisa que
buscava resgatar narrativas de atores atuantes nas práticas do planejamento urbano no
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (IPPUR/UFRJ), chamado “Análise da implantação dos planos diretores nos
municípios fluminenses pelos diversos atores políticos e sociais: horizontes para a revisão”.
Neste tempo no grupo pude perceber que esses arquitetos e urbanista participam de forma
política e organizada de reuniões e audiências que envolvem decisões da política urbana do
município do Rio de Janeiro, a partir de seus interesses coletivos, com participação árdua em
atividades desenvolvidas pelo Conselho Municipal de Política Urbana (COMPUR), que
envolve discursões de projetos urbanos, e outras relacionadas à aprovação de projetos e leis
municipais.

A ADEMI foi fundada nos anos 1970 por empresários do mercado imobiliário do Rio
de Janeiro e sua atuação se apresenta como interlocução com o poder público para garantia do
desenvolvimento dos projetos de associados e do mercado, se configurando como uma
representatividade política do setor. Os associados são caracterizados principalmente por
empreiteiras, imobiliárias, incorporadoras, administradoras de imóveis, outros
(FAULHABER, 2016).

Como recorte temporal, indica-se o período de 2010 a 2016 devido aos grandes
projetos desenvolvidos no Rio de Janeiro para preparação de grandes eventos de abrangência
mundial, os chamados “megaeventos”. Os preparativos para a Copa FIFA 2014 e Olimpíadas
de 2016 no Rio de Janeiro apresentaram diversos efeitos e consequências na organização da
cidade, e envolveram aspectos relacionados às práticas estatais em diferentes espaços urbanos,
como obras para melhoria dos equipamentos públicos, ações de segurança pública e remoções
de favelas, entre outros (MAGALHÃES, 2013; VAINER, 2011). Neste contexto, observa-se
que essas diversas práticas estatais desenvolveram o estímulo do mercado imobiliário e da
lógica mercadológica da cidade, onde poderão ser observados os aspectos envolvidos entre “o
concebido e o realizado” (SILVA, 2004).

Ao longo dos anos, o bairro do Itanhangá experimentou as variáveis ouriundas da


expansão metropolitana do Rio de Janeiro, consolidando novas formas de estar e de morar,
com o surgimento de diferenciações entre seus habitantes. Isto contribui para a reflexão sobre
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os padrões construtivos como condomínios fechados e moradias de baixa renda, esta última
relacionada a núcleos de favelas.

Itanhangá é um bairro localizado na zona oeste do município e tem como bairros


limítrofes Jacarepaguá, Barra da Tijuca e Alto da Boa Vista. Situada à beira da Lagoa da
Tijuca (Figura 1). A Estrada do Itanhangá é a principal via do bairro e compreende fluxos
diários de pessoas, devido ao acesso da Barra da Tijuca às localidades de Jacarepaguá, como
Rio das Pedras e Anil, bem como o acesso ao Alto da Boa Vista.

Figura 1: Localização do bairro Itanhangá. Fonte: Google Earth, 2018.

Além da sua proximidade com a Floresta da Tijuca, o bairro possui áreas de


preservação permanente (APP), que atingem casas e condomínios na margem da Lagoa da
Tijuca e rios Muzema, Itanhangá, Cachoeira e Jacaré. Conforme exposto no Código Florestal
(BRASIL, 2012), a APP corresponde a áreas protegidas com a função da preservação
ambiental de rios, lagoas, solo, fauna e flora, como também a paisagem e biodiversidade. Sua
extensão de margem varia de 30 metros para lagoas e uma faixa de 50 metros para rios.

De acordo com Sousa (2016), o Itanhangá se originou das comunidades ribeirinhas


existentes na Lagoa da Tijuca, já estabelecidas antes do processo de urbanização da Barra da
Tijuca idealizado pelo Plano Lucio Costa. Vale citar que alguns antigos pescadores da Lagoa,
os quais permaneceram após esta ocupação da Barra da Tijuca, hoje são moradores da Favela
da Muzema (SOUSA, 2016).

Sobre a história do bairro, é possível identificar poucos escritos. Sabe-se que nos
anos 1930 foi construída uma área de golfe no bairro, o atual Itanhangá Golf
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Club, frequentado pelo então presidente Getúlio Vargas. Já na década de 1950 houve o
surgimento de loteamentos próximos às áreas verdes, como o “Jardim da Barra”, condomínio
residencial às margens da Lagoa da Tijuca (SOUSA, 2016).

Atualmente o Itanhangá apresenta limites administrativos que contêm tanto


condomínios de apartamentos e casas, favelas, pequenos comércios e serviços. Compreende
moradores de classe alta na área mais próxima à Barra da Tijuca, a classe média em
condomínios de casas, moradores de classe baixa distribuídos em favelas e pela Estrada do
Itanhangá. De forma significativa, vale indicar que ali residem muitos imigrantes nordestinos
que compõem parte expressiva da população da Zona Oeste, principalmente na favela da
Muzema (OBERG, 2007). Ainda, sabe-se que o bairro se divide nas seguintes localidades:
Dois Corações, Barrinha, Floresta da Barra, Morro do Banco, Tijuquinha, Recanto da Barra,
Vila da Paz, Sítio do Pai João, Pedra do Itanhangá e Muzema (OBERG, 2007).

Conforme a análise dos Censos Demográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e


Estatística (IBGE), no ano de 2010 havia 38.415 pessoas residentes no Itanhangá, enquanto
em 2000 correspondia a 21.813 moradores. Já o quantitativo de domicílios praticamente
dobrou de 2000 para 2010, passando de 6.295 moradias para 12.782 (IBGE, 2001; 2011).

Já dados sobre a situação econômica dos moradores também podem ser observados
no Censo Demográfico do IBGE. Em 2010, a maioria dos moradores, em idade
economicamente ativa, estava concentrada na faixa de rendimento mensal correspondente a
mais de 1/2 a 2 salários mínimos (salário mínimo utilizado: R$ 510,00), ou seja, mais de 40%
(IBGE, 2011). Segundo esses dados, um quantitativo significativo de moradores encontrava-
se sem rendimento. Vale indicar que a classe “sem rendimento” inclui as pessoas que
recebiam somente em benefícios. Assim, verifica-se que boa parte da população moradora do
Itanhangá em 2010 correspondia às classes D e E, segundo critérios de Classes Sociais por
Faixa de Salário-Mínimo, adotado pelo IBGE.

De acordo com Oberg (2007, p. 133), a parte do bairro mais próxima de Jacarepaguá
encontra-se como “parte dos fundos da Barra da Tijuca”, onde a “própria geografia da região
reproduz a mesma exclusão analisada nos espaços privados: os trabalhadores menos
qualificados permanecem nos fundos”. Já a parte mais próxima da Barra da Tijuca traduz “a
Barra da Tijuca de costas” em uma perspectiva menos estigmatizada (OBERG, 2007, p. 133).
Com isso, a perspectiva da paisagem local é percebida de forma distinta entre os habitantes do
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lugar, sejam moradores, trabalhadores e visitantes, o que influencia nas subjetividades


produzidas nessa construção social do bairro.

Por outro lado, o Itanhangá experimenta ao longo dos anos a especulação imobiliária.
Desde os anos 2000, observa-se um aumento populacional na Estrada do Itanhangá, sobretudo
de moradores de classe média. Certos aspectos de sofisticação, como aponta Oberg (2007, p.
134), representados “por casas de decoração e artesanato”, indicou a procura por condomínios
no bairro. Fatores como curta distância entre as praias, proximidade com a Floresta da Tijuca
e comércios e serviços da Barra da Tijuca atraiu moradores de outras partes da cidade e com
maior poder aquisitivo.

Contudo, a valorização do local apresenta um estigma associado a “predominância


de casas e o surgimento de comunidades carentes”, como mostra o material jornalístico de
Calabre (2013, não paginado). A reportagem indica também a seguinte passagem: “a
existência de comunidades ali inibe uma maior valorização, mas não paralisa o bairro”. Essa
inibição pode estar associada à dinâmica espacial atual do bairro, onde a “maior valorização”
pode ser associada à classe alta, esta limitada à proximidade com a Barra da Tijuca.

Nesse contexto, vale arriscar que a chegada do Metrô ao Jardim Oceânico pode ter
fomentado novamente o mercado imobiliário no Itanhangá. Verificam-se novas formas de
transporte na Lagoa da Tijuca, como, por exemplo, balsas que fazem ligação à estação Jardim
Oceânico, o que facilita a circulação dos moradores e trabalhadores permitindo escapar dos
congestionamentos da Avenida das Américas e Estrada do Itanhangá.

Enquanto a Lei Municipal no 5.751 de 09 de junho de 2014 estabelece, sem previsão,


a implantação de transporte marítimo no sistema lagunar da Barra da Tijuca e de Jacarepaguá,
com a criação de cinco estações ao longo das lagoas, as balsas se tornaram a alternativa mais
eficaz em curto prazo. Tal prática já era comum em trajetos para a Ilha da Gigóia, como
também em condomínios na Lagoa de Marapendi, próximo ao Recreio dos Bandeirantes.
Segundo Altino (2017, não paginado) a “praticidade, a economia de tempo e o passeio em
clima bucólico” traduzem as vantagens do uso das balsas pelos passageiros entrevistados.
Diante disto, a demanda pelo transporte se desenvolve na região, criando concorrências entre
os proprietários de barcos, até mesmo a circulação de não habilitados nas lagoas.

De forma significativa, as balsas atendem os moradores de diferentes classes sociais


das localidades do Itanhangá. Há um pequeno cais construído junto à estação Jardim
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Oceânico e ao “prédio da Unimed” (referência para os moradores da região), onde as balsas


realizam o trajeto até os variados destinos, passando pelas ilhas da Gigóia e Primeira, até
Jacaré/Cloro, para onde vai a população de localidades como Muzema e Tijuquinha; e Ilha
dos Pescadores, localidade mais próxima dos condomínios e moradias de classe alta.

Portanto, como objeto de pesquisa para a dissertação, pretende-se realizar uma


análise das transformações urbanísticas a partir da visão dos planejadores urbanos, no que diz
respeito à formação de ambientes construídos no bairro do Itanhangá, município do Rio de
Janeiro. Ao longo dos anos, o bairro do Itanhangá experimentou as variáveis oriundas da
expansão metropolitana do Rio de Janeiro, consolidando novas formas de estar e de morar,
com o surgimento de diferenciações entre seus habitantes. Isto contribui para a reflexão sobre
os padrões construtivos como condomínios fechados e moradias de baixa renda, esta última
relacionada a núcleos de favelas.

Como construção do objeto de pesquisa, verifica-se uma tentativa de desvendar os


caminhos existentes para compreensão dos efeitos das transformações urbanísticas, de modo a
permitir observar como os planejadores urbanos verificam as transformações aquele espaço
urbano. Logo, a pesquisa se concentrará em entender os processos de reconfiguração do
tecido urbano e seus efeitos na dinâmica social no bairro do Itanhangá, a partir de duas
vertentes. A primeira está destinada a compreender os discursos de planos urbanísticos
existentes direcionados à região da Barra da Tijuca; a segunda será verificar seus efeitos sobre
a formação de condomínios de casas no Itanhangá na visão de profissionais da arquitetura e
urbanismo, que desempenham função mediadora decisiva ao elaborarem intelectualmente
categorias que incidem sobre a cidade. Em linhas gerais, buscarei verificar a visão de cidade
portada pelos “planejadores urbanos” envolvidos em práticas e medidas estatais sobre o
território, onde suas atuações produzem efeitos nas organizações espaciais e nas formas de
morar e circular dos habitantes.

Esta última será direcionada à entrada etnográfica, como vetor do desenvolvimento


do objeto de pesquisa, sendo o instrumento mais adequado para descrever e analisar os
significados dos processos e categorias que permitem que espaços sejam produzidos ou
transformados no Itanhangá e as interações de ordem social, institucional e intelectual entre
profissionais de arquitetura e urbanismo atuantes na cidade. A entrada etnográfica inclui a
realização de pesquisas de campo e entrevistas junto a profissionais de arquitetura e
urbanismo envolvidos em projetos desenvolvidos na região da Barra da Tijuca e Itanhangá,
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com o propósito de reunir depoimentos sobre suas atuações para observação, descrição e
análise das estruturas desses espaços em transformação, das representações e usos que
suscitam.
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