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1
Universidade Federal do Ceará, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Fortaleza, CE, Brasil
2
Secretaria da Saúde do Estado do Ceará, Laboratório Central de Saúde Pública, Fortaleza, CE, Brasil
3
Universidade Federal do Ceará, Departamento de Saúde Comunitária, Fortaleza, CE, Brasil
4
Centro Universitário Christus, Fortaleza, CE, Brasil
Resumo
Objetivo: descrever os aspectos entomológicos e epidemiológicos das epidemias de dengue ocorridas em Fortaleza,
Ceará, Brasil, de 2001 a 2012. Métodos: estudo descritivo com dados dos Sistemas de Informação de Agravos de Notificação
(Sinan), de Informações Hospitalares (SIH), do Programa de Febre Amarela e Dengue (2001-2009), do Programa Nacional
de Controle da Dengue (2010-2012) e Levantamento Rápido do Índice de Infestação de Aedes aegypti, referentes aos anos
quando a incidência da doença superou o percentil 75%. Resultados: De 2001 a 2012 foram notificados 194.446 casos
suspeitos de dengue. Os anos epidêmicos foram: 2001, 2006, 2008, 2011 e 2012. Houve aumento progressivo da incidência
(587,0/100 mil hab. [2001] e 1.561,1/100 mil hab [2012]), com cocirculação de até três sorotipos e elevada infestação
vetorial, principalmente em depósitos para armazenar água. Conclusão: após longo período de circulação do vírus em
Fortaleza, a dengue permanece como importante problema de saúde, com casos graves e alta letalidade.
Palavras-chave: Dengue; Vigilância Epidemiológica; Aedes; Epidemiologia Descritiva.
*Esse artigo constitui o produto da dissertação de Mestrado da autora Rhaquel de Morais Alves Barbosa Oliveira, intitulada
‘Aspectos clínicos e entomo-epidemiológicos das epidemias de dengue ocorridas em Fortaleza, Ceará, nos anos de 2001 a
2012’, defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Ceará em dezembro de
2014. O estudo foi financiado pela Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP): Edital
03/2012-PPSUS-MS/CNPq/FUNCAP.
50.000 2.000
DENV4 e DENV1
DENV1, DENV3 e
30.000 DENV2 DENV2 e DENV1 1.200
DENV3 e DENV1 DENV2
20.000 800
DENV3
10.000 400
0 0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Figura 1 – Número de casos, taxa de incidência e sorotipos circulantes de dengue. Fortaleza, Ceará, 2001,
2006-2012
Entre os indivíduos hospitalizados, a permanência seis ciclos de visitas (2006). Os índices de infestação
média de internação foi de 6,4 dias (1 a 30). Nas vetorial oscilaram entre 0,5% durante o terceiro ciclo
epidemias de 2001, 2006, 2008 e 2011, a maior parte realizado em 2008 (entre os dias 13 e 18 de outubro) e
dos indivíduos permaneceu internada por um período 9,2% durante o segundo ciclo de 2001 (realizado entre
de um a cinco dias. Em 2012, a maior parte das in- 3 de maio e 24 de agosto). Quatro ciclos apresentaram
ternações (57,4%) referiu permanência de seis a 14 infestação inferior a 1%. O ano de 2001 apresentou a
dias, sugerindo maior gravidade dos casos (Tabela 2). infestação mais elevada, chegando a 9,2% (Figura 2).
Em geral, o sexo feminino predominou entre os casos Quando analisados os dados por Secretaria Executiva
graves, com destaque para o ano de 2001 (62,1%); a Regional – SER – isoladamente, observa-se que os índi-
exceção coube a 2011, com 48,5% dos casos no sexo ces de infestação predial oscilaram entre 0,2% e 14,0%
feminino (Tabela 2). As maiores frequências de casos nas SER II e IV, respectivamente, durante o segundo ciclo
com formas graves da doença corresponderam às faixas de visitas domiciliares, nos anos epidêmicos avaliados. A
etárias de 20 a 49 (49,8%) e 10 a 19 anos (19,5%). Em SER III foi a que apresentou infestações mais elevadas,
2008, os casos graves em crianças menores de nove anos seguida das SER V, I, II, IV e VI. Em 17 ciclos durante
representaram 19,6% dos casos. A letalidade média por esses anos epidêmicos, a infestação predial, indepen-
FHD no período foi de 13,7%, variando entre 17,2% em dentemente da SER avaliada, esteve acima de 1%.
2001 e 3,4% em 2008 (Tabela 2). Os depósitos utilizados para armazenar água desti-
A taxa de incidência da doença foi sempre maior nada a consumo humano representaram mais de 40%
no sexo feminino, variando entre 662,0 casos/100 mil de todos os depósitos infestados pelo mosquito Aedes
habitantes em 2006 e 1.675,5 casos/100 mil habitantes aegypti, em todos os anos epidêmicos. Houve aumento
em 2012. Destacou-se aumento importante na faixa na proporção de vasos e pratos de plantas infestados,
etária <9 anos, chegando a 2.331,3 casos/100 mil de 3,4% em 2001 para 21% em 2012 (dados não
habitantes na epidemia de 2008 (Tabela 3). apresentados em tabela). Os depósitos utilizados para
O número de ciclos de visitas domiciliares e os armazenar água (de tipo A2) foram os mais infestados,
levantamentos de índices de infestação por Aedes, entre aqueles com a presença de larvas de mosquitos
realizados pelos agentes de endemias e que ocorriam nas SER I, III, V e VI. Nas SER II e IV, destacaram-se os
de forma concomitante, variaram de três (2008) a ralos e vasos sanitários (tipo C) (Tabela 4).
Tabela 1 – Distribuição dos casos notificados de dengue segundo o mês de notificação, classificação e evolução,
por ano epidêmico, Fortaleza, Ceará, 2001, 2006, 2008, 2011 e 2012
Tabela 2 – Período de permanência hospitalar, número e percentual de casos confirmados de dengue, dengue
com complicações, febre hemorrágica da dengue e síndrome do choque da dengue, segundo sexo e
faixa etária, e letalidade, Fortaleza, Ceará, 2001, 2006, 2008, 2011 e 2012
estudados, o que corrobora outras epidemias documen- A maior incidência da doença em adultos jovens,
tadas entre os anos de 2000 e 2012 – nas cidades de encontrada no presente estudo, corrobora as revela-
Manaus, Natal e São Luís.17,18,20 Entretanto, os inquéritos das por pesquisas realizadas nas cidades de Manaus,
epidemiológicos sobre dengue realizados no Brasil Natal e São Luís.17,18,20 Em São Luís, assim como em
não apontam maior risco em relação ao sexo.21,22,23 Fortaleza, verificou-se um aumento das formas graves
Este achado evidencia um provável viés de registro dos da doença em populações previamente expostas aos
casos notificados, por se tratar, predominantemente, de sorotipos 1, 2 e 3.20
transmissão domiciliar; e possivelmente, pelo fato de as Uma maior gravidade dos casos foi detectada em
mulheres costumarem buscar mais os serviços de saúde 2008, possivelmente devida à maior ocorrências em
e o atendimento médico que os homens. menores de 9 anos e ao fato de o DENV-2 ter sido o
Tabela 3 – Taxa de incidência de dengue (por 100 mil habitantes) segundo faixa etária e sexo, Fortaleza, Ceará,
2001, 2006, 2008, 2011 e 2012
10
8
Índice de infestação predial
0
2001 2006 2008 2011 2012
1o ciclo 2o ciclo 3o ciclo 4o ciclo 5o ciclo 6o ciclo
Figura 2 – Índice de infestação predial por Aedes aegypti, por ciclo de controle de visita domiciliar, Fortaleza,
Ceará, 2001, 2006, 2008, 2011 e 2012
principal sorotipo circulante naquele ano, levando a Saúde Pública (Lacen).24 Essa articulação local poten-
um grande número de hospitalizações.19 Na epidemia cializa a capacidade dos serviços de saúde em detectar
de 2008, provavelmente, o número de óbitos não foi óbitos suspeitos, não percebidos pela assistência no
maior pela intensa mobilização da assistência à saúde. curso da evolução clínica.
Nos anos epidêmicos, pode ser maior a sensibilidade Em relação aos indicadores entomológicos, o per-
dos profissionais de saúde e da própria rede de servi- centual de caixas d’água infestadas por Ae. aegypti
ços diante da infecção, o que, a despeito do aumento apresentou redução de mais de três vezes, e o de
da demanda durante as epidemias, geraria atendimento pneus, de mais de nove vezes, considerando-se as epi-
precoce aos casos graves e, consequentemente, redu- demias de 2001 a 2012. Entretanto, foi observado um
ção na letalidade pela doença. Ademais, a percepção aumento importante da infestação proporcional nos
do maior número de óbitos está diretamente ligada pratos e vasos de plantas, conforme estudos realizados
à existência de um serviço de verificação de óbitos em Manaus, de 2000 a 2012, e na região Nordeste,
(SVO) implantado e funcionando em articulação com em 2016.17,25 Provavelmente, essa mudança reflete
a vigilância epidemiológica e o Laboratório Central de quase três décadas de informações disponibilizadas
Tabela 4 – Percentual dos depósitos infestados pelo mosquito Aedes aegypti durante os anos epidêmicos, por
Secretaria Executiva Regional, Fortaleza, Ceará, 2001-2012
pelos órgãos da saúde sobre a predominância desses simultaneamente à circulação de outras doenças
reservatórios para acúmulo de água no Nordeste, bem exantemáticas, como sarampo em 2013 e 2015,27 Zika
como as ações de controle desenvolvidas, como veda- e chikungunya em 2015 e 2016.28
ção definitiva de caixas d´água, vedação temporária Será cada vez mais complicado falar em casos
com telas de nylon e até mesmo o uso de mecanismos confirmados de dengue tendo por referência testes
biológicos, como peixes larvófagos. como IgM ou mesmo NS1, técnicas cuja sensibilidade
Cabe destacar que mesmo uma infestação pelo Ae. e especificidade estará bastante comprometida com a
aegypti relativamente baixa, segundo a maior parte circulação simultânea desses outros arbovírus.29,30 O
dos levantamentos de índice de infestação realizados, problema da sensibilidade das técnicas laboratoriais
não impediu a ocorrência de epidemias importantes. poderia ser minimizado com a disseminação das téc-
Embora baixos, os valores desse indicador quase nicas moleculares de diagnóstico e/ou implantação
nunca estiveram inferiores a 1%, conforme divulgou a de uma vigilância integrada para arboviroses. Entre-
Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza. Observa- tanto, o custo dessas técnicas moleculares poderia
-se, outrossim, maior incidência da doença e índices inviabilizar sua disseminação e a possibilidade de
de infestação mais elevados no primeiro semestre de vigilância integrada. Sobre essa questão ainda não
cada ano. Outro aspecto a ser compreendido é que há consenso, nem mesmo entre os especialistas. Os
possivelmente, há diferenças de competência vetorial dados secundários referentes aos registros de casos
em cada região, sugerindo que em algumas áreas, os de dengue no Brasil precisarão ser revisitados a partir
vetores conseguem se adaptar melhor às condições dessa circulação simultânea. Provavelmente, teremos
ambientais, aumentar seu tempo de vida e consequen- casos de dengue, zika e chikungunya confundindo-se
temente, transmitir dengue por mais tempo. clinicamente, com reflexo no número de notificações,
Diante desse cenário, a dengue continua a ser um sendo necessária, por conseguinte, a investigação
grave problema de Saúde Pública na cidade de Fortale- dos casos.
za. Após 30 anos de circulação, com quatro sorotipos Uma limitação deste estudo refere-se ao fato de
circulantes, a presença constante de seu principal fundamentar-se em diferentes bases de dados se-
vetor disseminado pelos bairros da cidade, somada cundários, utilizadas pela vigilância local, além da
à recente cocirculação de outros arbovírus como incompletude de algumas variáveis analisadas. O uso
Zika e chikungunya – o que aumenta a dificuldade de desses dados pode levar à subestimação do número
diagnóstico e tratamento precoce adequado –, as epi- real de casos ocorridos nas epidemias. Não obstante, a
demias de dengue passam a ser potencialmente mais compreensão dessas epidemias foi útil à identificação
graves.26 O desafio que se apresenta neste momento de suas principais características entomológicas e
é compreender o desenvolvimento dessas epidemias epidemiológicas em Fortaleza.
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Abstract Resumen
Objective: to characterize the entomological and Objetivo: caracterizar los aspectos entomoepidemiológicos
epidemiological aspects of dengue epidemics occurred de epidemias de dengue ocurridas en Fortaleza, Ceará, Brasil,
in Fortaleza, Ceará, Brazil, from 2001 to 2012. Methods: entre 2001 y 2012. Métodos: estudio descriptivo con datos
descriptive study with data from the Information System del Sistema de Información de Agravios de Notificación
for Notifiable Diseases (Sinan), Information System of (Sinan), de Hospitalizaciones, del Sistema de Información
Hospitalizations due to Yellow Fever and Dengue (2001- de Fiebre Amarilla y Dengue (2001-2009), SisPNCD
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and Rapid Survey of Aedes aegypti Infestation Index, Infestación de Aedes aegypti, referentes a los años cuando
referring to the years when the incidence of dengue was la incidencia de dengue fue superior al percentil 75%.
above 75%. Results: from 2001 to 2012, 194,446 cases of Resultados: en 2001-2012, se notificaron 194.446 casos
suspected dengue were notified; the epidemic years were sospechosos de dengue; los años epidémicos fueron 2001,
2001, 2006, 2008, 2011 and 2012; there was a progressive 2006, 2008, 2011 y 2012; hubo un aumento progresivo
increase in the incidence of the disease (587.0/100 de incidencia de dengue (587,0/100 mil hab. en 2001 y
thousand inhabitants in 2001 and 1,561.1/100 inhabitants 1.561,1/100 hab. en 2012), con co-circulación de hasta tres
in 2012); there was co-circulation of up to three serotypes serotipos y elevada infestación vectorial, principalmente
and high vector infestation, especially in water tanks. en depósitos utilizados para almacenar agua. Conclusión:
Conclusion: after a long period of virus circulation in tras un largo período de circulación del virus en Fortaleza,
Fortaleza, dengue remains as an important health issue, el dengue permanece como un importante problema de
with severe cases and high fatality rate. salud, con casos más graves y alta letalidad.
Keywords: Dengue; Epidemiological Surveillance; Palabras-clave: Dengue; Vigilancia Epidemiológica;
Aedes; Epidemiology, Descriptive. Aedes; Epidemiología Descriptiva.
Recebido em 05/06/2017
Aprovado em 02/10/2017