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2. PBQP-H: OBJETIVOS
O Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade na Construção
Habitacional/PBQP-H, posteriormente ampliado para o Programa Brasileiro da
Qualidade e Produtividade do Habitat - foi instituído pelo governo federal brasileiro em
1998. De acordo com sua portaria de criação, o PBQP-H tem como objetivo básico
apoiar o esforço brasileiro de modernidade e promover a qualidade e produtividade do
setor da construção habitacional, com vistas a aumentar a competitividade de bens e
serviços por ele produzidos (BRASIL, 1998).
O exercício do poder de compra pelo Estado é o maior propulsor do programa. A
principal obrigação a que a AP se submete com a adoção ao PBQP-H é a de que seus
órgãos contratantes aderentes inserirão, em todas as modalidades de licitações de
obras, projetos e consultorias de engenharia, exigências relativas à prévia
demonstração da qualidade das empresas licitantes. Esta demonstração é satisfeita
pelas empresas com a certificação do seu sistema de gestão da qualidade por um
Organismo Certificador Credenciado (OCC), conforme as metas e prazos estabelecidos
em acordos setoriais.
No longo prazo, busca-se criar um ambiente de isonomia competitiva - competição
entre empresas que atendam minimamente aos requisitos de qualidade - que propicie a
melhoria da qualidade e a redução de custos das obras e serviços de engenharia
realizados, sobretudo daqueles empreendidos pelo poder público. Assim, tenta
satisfazer o difícil equacionamento da satisfação das necessidades da população frente
aos escassos recursos públicos disponíveis.
Foco do estudo
Ainda que o PBQP-H trate de obras de engenharia civil, de forma geral – abrangendo
atualmente obras de edificações, saneamento, pavimentação e obras de arte -, sua
vocação inicial era direcionada às obras habitacionais, foco deste trabalho.
A provisão habitacional pelo poder público pode ser obtida de diversos modos. De
acordo com Werna et al (2002) um “modo de provisão” pode ser entendido como um
conjunto específico de ações empreendidas por diversos agentes, governamentais e/ou
não-governamentais, que resultam em um ou diversos tipos de unidades habitacionais.
Como exemplo de modos de provisão, podemos mencionar: mutirão, requalificação,
cooperativas de construção, programas de arrendamento, etc..
Este trabalho restringirá a análise ao modo de provisão caracterizado pela atuação do
setor público como planejador, financiador e fiscalizador da construção de habitações
de interesse social (HIS) e do setor privado enquanto executante da obra. O foco é
justificado pela eficácia deste modo na provisão de grande número de unidades
(WERNA et al, 2002) e por ser a universalização do acesso à moradia pela ampliação
do estoque de moradias um dos objetivos específicos do PBQP-H.
Para contextualizar a avaliação do alcance dos objetivos do programa, bem como suas
ênfases e limitações, são inicialmente discutidas a amplitude e as abordagens do
conceito de qualidade.
3. QUALIDADE
A despeito dos esforços direcionados para a obtenção da qualidade, a sua
conceituação ainda não é clara para as empresas que a pretendem (KURTZ, 2003).
Picchi (1993) situa sua base conceitual na conformidade com requisitos ou no
atendimento às normas, preconizando a ausência de falhas no produto ou o “zero
defeito”. Ainda segundo o autor, a esta base foram agregadas novas ênfases
ampliando e tornando mais complexo o conceito de qualidade:
a) Atendimento às necessidades do cliente, deslocando o foco da conformidade do
produto para a satisfação do cliente. A garantia da qualidade passa a pressupor um
esforço para a caracterização das necessidades do cliente e a oferta de produtos e
serviços que as atendam;
b) O cliente pode ser externo, interno e a sociedade em geral. Devem ser observados
não apenas os usuários finais do produto ou serviço, mas todas as pessoas
afetadas pela existência da empresa ou de seus produtos;
c) As necessidades do cliente podem ser explícitas ou implícitas. Devem ser
consideradas não apenas as necessidades estabelecidas em contrato, mas também
as necessidades implícitas, que devem ser identificadas, definidas e atendidas;
d) A satisfação das necessidades dos clientes deve ser alcançada com economia,
aproximando a qualidade da produtividade (qualidade do produto e do processo);
e) A qualidade não se restringe ao produto, mas a todos os serviços a ele agregados,
tais como assistência técnica, informações e atendimento ao cliente;
f) A qualidade de um produto deve ser confrontada com a qualidade de seus
concorrentes, de forma a torná-lo mais atrativo ao cliente e definir sua preferência.
Além de julgada por comparação, a qualidade também passa a ser considerada
dinâmica, estando as necessidades dos clientes em constante mudança;
g) A qualidade deve ser percebida pelo cliente. A percepção das características
apresentadas pelo produto (confiabilidade, vida útil, facilidade de uso, garantia,
aparência, preço, etc.) varia conforme as características do cliente, seus valores,
sexo, idade, nível de instrução, renda, etc.;
h) A qualidade deve maximizar o valor do produto: proporcionar desempenho a preço
aceitável ou conformidade a custo aceitável;
i) A qualidade deve possuir a capacidade de “seduzir” o cliente, não apenas de
satisfazê-lo. Adiciona, assim, fatores emocionais ao seu conceito (TEBOUL apud
PICCHI, 1993).
Vários autores - Deming, Juran, Crosby, Ishikawa, Campos - tendem a definir qualidade
como o ajuste do produto à demanda a ser satisfeita (KURTZ, 2003). Esta
generalização acaba por restringir qualidade apenas à adequação ao uso, criando uma
relação direta entre a produção e o cliente que não considera o contexto em que estão
inseridos (PALADINI, 2004).
Sendo a qualidade um termo de domínio público, o mesmo permite variadas
interpretações, não existindo um conceito único. A conceituação incorreta ou a
percepção diferenciada do que vem a ser qualidade entre fornecedor e cliente pode
dificultar sua obtenção.
4. ABORDAGENS DA QUALIDADE
Paladini (2004) coloca que o maior equívoco na conceituação da qualidade está em
pensar que a mesma é composta por apenas uma ou por algumas das ênfases
mencionadas no item anterior. A qualidade deve ser vista como um conjunto – variável
– de atributos relacionados ao produto ou serviço.
Garvin apud Kurtz (2003) definiu abordagens fundamentais da qualidade, as quais
agrupam diferentes conceitos a ela atribuídos. Cada uma destas abordagens tem sido
interpretada como um elemento considerado pelo consumidor no momento da
aquisição do produto:
a) Confiança no processo produtivo: a qualidade é percebida como a capacidade da
produção atender às especificações de projeto. Tem, portanto, foco interno e não no
consumidor, mesmo quando considerado que um produto que não se desvia de
suas especificações lhe traga maior satisfação que outro “sem defeitos”.
b) Aceitação do produto: esta abordagem entende que a qualidade é mensurável. Os
atributos de um produto são identificados e medidos objetivamente, servindo ao
consumidor como parâmetro de comparação;
c) Adequação ao usuário: a qualidade é definida pela capacidade de um produto
atender aos desejos e necessidades do consumidor. Paladini (2004) afirma que
essa abordagem é a que, atualmente, mais se aproxima do núcleo conceitual da
qualidade. Esta abordagem enseja dificuldades tais como a conciliação de
preferências individuais de forma a definir os atributos de um produto e a
diferenciação dos atributos que atendem às necessidades do consumidor daqueles
que superam sua expectativa;
d) Confiança na imagem ou na marca: uma das razões que levam o consumidor a
optar por um produto é a sua experiência com o próprio produto ou com a empresa
que o produz, seja ela direta (aquisições anteriores) ou indireta (imagem percebida).
Esta abordagem considera que a qualidade não deriva das características
específicas do produto, mas de fatores transcendentes;
e) Baseada no valor do produto: a qualidade é analisada a partir da relação entre o
valor agregado ao produto (desempenho, conformidade e o atendimento/superação
das necessidades e expectativas do consumidor) frente à aceitabilidade do seu
custo. Óbvia, esta abordagem é tratada por Garvin apud Kurtz (2003) como a
“excelência que se pode adquirir”.
5. IMPACTO DO PBQP-H SOBRE A QUALIDADE.
Neste item, é discutida a influência do PBQP-H na melhoria da qualidade das HIS,
consideradas as abordagens fundamentais de Garvin.
b) Aceitação do produto
Paladini (2004) entende como usual a utilização desta abordagem pelo consumidor
para fins de seleção de um produto, através da comparação objetiva e direta de seus
atributos com os atributos dos produtos concorrentes.
Considerado o mecanismo de contratação das HIS analisadas, a construtora
contratada não é remunerada caso acrescente ou melhore os atributos previstos em
projeto pelo contratante, hipótese que pode ser entendida como perda.
A qualidade incremental nos atributos do produto fica a cargo do contratante público,
responsável pelo projeto e suas especificações. Como as melhorias pretendidas pelo
PBQP-H supõem a garantia dos atributos do produto com possíveis reduções de custo
(CARVALHO, 2006), a economia então obtida poderá ser revertida:
− Para a oferta de um maior número de unidades, mantidos os atributos já existentes,
alternativa que pode parecer atraente às empresas públicas provedoras de HIS pelo
maior atendimento da demanda habitacional ou
− Para o aumento da qualidade das HIS, pela inserção de novos atributos ao projeto
ou pela melhoria dos já existentes, ambas as opções estreitamente vinculadas à
participação ativa do contratante público e não explicitamente referenciadas pelo
PBQP-H. É preciso estar atento à hipótese de que o repasse ao cliente do aumento
do custo de produção pode afetar negativamente a qualidade da unidade - ver item
e), adiante.
c) Adequação ao usuário
No contexto das HIS analisadas neste artigo, Szücs (2003) elege 3 grupos de variáveis
relacionadas à satisfação dos usuários: a) características físicas do grupo familiar; b)
as suas referências culturais relacionadas ao uso dos espaços domésticos e c) os
atributos físicos (dimensões, posicionamento, acesso, etc.) dos espaços. Alerta ainda
que, não bastasse a dificuldade de conciliação das diferentes necessidades de cada
família, estas necessidades também variam com o tempo.
Segundo Szücs (2003), atender aos desejos e necessidades de cada consumidor (ou
família) individualmente na etapa de projeto é ainda incompatível com a realidade
econômica nacional. Some-se a isso, que a ênfase na abordagem da “confiança no
processo produtivo” (item a) tende a uniformizar o projeto de produtos, o que é
facilmente verificável em obras públicas.
Como efeito da inadequação dos projetos, a personalização da unidade é
constantemente relatada pela bibliografia da avaliação pós-ocupação (APO). Algumas
configurações de projeto, no entanto, dificultam a alteração ou a inserção de novos
elementos, ensejando um maior custo e resultados insatisfatórios, muitas vezes com o
comprometimento de atributos inicialmente atendidos.
Em resposta a esta situação, mesmo considerados limites econômicos impostos ao
projeto e que redundam numa pequena área construída, Szücs (2003) propõe projetos
flexíveis como forma de garantir a possibilidade de adequação futura pelo próprio
usuário.
A responsabilidade pelo projeto e, portanto, pela sua adequação ao uso é do setor
público. Com foco nas empresas construtoras e fornecedores de materiais, o PBQP-H
não privilegia a qualificação do projeto. Essa desatenção soa inoportuna quando já se
verifica que o projeto – ou sua inexistência/inadequação - é citado como uma
deficiência causadora de problemas como superfaturamento, atrasos no cronograma e
paralisação de serviços no setor público (SOARES & SPOSTO, 2001). Some-se a
percepção de que a administração pública tem investido na contratação de projetos à
iniciativa privada, desmontando não apenas sua capacidade de elaboração de projetos,
mas também de análise e referenda dos mesmos.
8. CONCLUSÕES
O mecanismo de funcionamento do PBQP-H - exigência de prévia demonstração da
qualidade pelas empresas licitantes através da certificação do seu sistema de gestão
da qualidade - enfatiza a qualidade relacionada com a confiança no processo produtivo,
com foco nas empresas construtoras e não no consumidor.
A adequação ao usuário - abordagem que, atualmente, mais se aproxima do núcleo
conceitual da qualidade – é desconsiderada pelo programa. A satisfação das
necessidades do usuário não é necessariamente obtida por produtos “sem defeitos”,
mas, antes, depende do projeto básico e, portanto, da Administração Pública (AP).
Mesmo se considerado o benefício de um maior compromisso por parte das
construtoras com a conformidade do produto com o projeto básico, a sua garantia
depende fortemente da estrutura de controle interno existente na AP.
Observadas as devidas adaptações, o foco deste artigo e de suas conclusões - qual
seja as habitações de interesse social – pode ser ampliado para as demais obras
públicas abrangidas pelo PBQP-H.
Considerando o papel relevante da AP na obtenção da qualidade, a mesma é pouco
provocada pelas diretrizes de atuação do PBQP-H. Sugere-se que o PBQP-H estimule,
nos acordos setoriais já firmados ou a firmar, o vínculo de metas de qualificação do
projeto básico e da gestão dos contratos pela Administração Pública às metas de
certificação impostas às empresas licitantes.
9. REFERÊNCIAS
CARVALHO, M. S.. A Contribuição dos órgãos de controle externo ao PBQP-H.
Florianópolis, SC. 2006. 10p. In: ENCONTRO NACIONAL DE TECNOLOGIA DO
AMBIENTE CONSTRUÍDO, 11, 2006, Florianópolis. Anais... Florianópolis:
ANTAC/UFSC, 2006. 1 CD-ROM.
BRASIL. Lei nº 8.666 de 1993. Aprova a Lei de licitações e contratos. Diário Oficial
[da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 1993. Disponível
em <www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Leis/L8666cons.htm>. Acesso em: 11 mai 2006.
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[da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 2000. Disponível em
<www.presidencia.gov.br/ccivil/leis/LCP/Lcp101.htm>. Acesso em: 11 mai 2006.
PALADINI, E. P.. Gestão da qualidade: teoria e prática. São Paulo: Ed. Atlas, 2ª ed,
2004. 344 p.
PARÁ (Estado). Pará Obras: acordo setorial com as construtoras. Belém, 2001.
Disponível em <www.paraobras.pa.gov.br>. Acesso em: 11 mai 2006.
SZÜCS, C. P.. Habitação social: alternativas para o terceiro milênio. São Paulo, SP.
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WERNA, E.; ABIKO, A.; COELHO, L.. O novo papel do Estado na oferta de
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Roberto Lamberts e Maria Lúcia Horta de Almeida. São Paulo, SP: FAUUSP, 2002.
cap. 3.