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PBQP-H: FERRAMENTA DE MELHORIA DA

QUALIDADE DAS OBRAS PÚBLICAS?

Márcio Santana de Carvalho


Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco
msc@tce.pe.gov.br
1. INTRODUÇÃO
Muito se tem discutido no âmbito dos Tribunais de Contas sobre a legalidade do
Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade do Habitat/PBQP-H. Decisões e
pareceres favoráveis e contrários ao programa têm sido emitidos por órgãos de
controle e do judiciário, sem que ainda tenha se formado jurisprudência sobre a
matéria.
O óbice legal ao PBQP-H geralmente está relacionado ao artigo 30 da Lei de Licitações
e Contratos (BRASIL, 1993). Isto deve-se ao fato de que o programa propõe aos
órgãos contratantes aderentes que passem a exigir em suas licitações de obras e
serviços de engenharia a apresentação de certificação de sistema de gestão da
qualidade pelas empresas licitantes, inibindo a competição.
Na direção das auditorias de desempenho desenvolvidas pelo Tribunal de Contas do
Estado de Pernambuco/TCE-PE, este trabalho não enfoca os aspectos da legalidade
normalmente tratados nas auditorias de conformidade. Volta sua atenção para o
potencial efeito do programa sobre o público-alvo (sociedade) e procura identificar
pontos de atuação para o alcance dos resultados propostos, na busca da efetividade
da Administração Pública (AP).

2. PBQP-H: OBJETIVOS
O Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade na Construção
Habitacional/PBQP-H, posteriormente ampliado para o Programa Brasileiro da
Qualidade e Produtividade do Habitat - foi instituído pelo governo federal brasileiro em
1998. De acordo com sua portaria de criação, o PBQP-H tem como objetivo básico
apoiar o esforço brasileiro de modernidade e promover a qualidade e produtividade do
setor da construção habitacional, com vistas a aumentar a competitividade de bens e
serviços por ele produzidos (BRASIL, 1998).
O exercício do poder de compra pelo Estado é o maior propulsor do programa. A
principal obrigação a que a AP se submete com a adoção ao PBQP-H é a de que seus
órgãos contratantes aderentes inserirão, em todas as modalidades de licitações de
obras, projetos e consultorias de engenharia, exigências relativas à prévia
demonstração da qualidade das empresas licitantes. Esta demonstração é satisfeita
pelas empresas com a certificação do seu sistema de gestão da qualidade por um
Organismo Certificador Credenciado (OCC), conforme as metas e prazos estabelecidos
em acordos setoriais.
No longo prazo, busca-se criar um ambiente de isonomia competitiva - competição
entre empresas que atendam minimamente aos requisitos de qualidade - que propicie a
melhoria da qualidade e a redução de custos das obras e serviços de engenharia
realizados, sobretudo daqueles empreendidos pelo poder público. Assim, tenta
satisfazer o difícil equacionamento da satisfação das necessidades da população frente
aos escassos recursos públicos disponíveis.

Foco do estudo
Ainda que o PBQP-H trate de obras de engenharia civil, de forma geral – abrangendo
atualmente obras de edificações, saneamento, pavimentação e obras de arte -, sua
vocação inicial era direcionada às obras habitacionais, foco deste trabalho.
A provisão habitacional pelo poder público pode ser obtida de diversos modos. De
acordo com Werna et al (2002) um “modo de provisão” pode ser entendido como um
conjunto específico de ações empreendidas por diversos agentes, governamentais e/ou
não-governamentais, que resultam em um ou diversos tipos de unidades habitacionais.
Como exemplo de modos de provisão, podemos mencionar: mutirão, requalificação,
cooperativas de construção, programas de arrendamento, etc..
Este trabalho restringirá a análise ao modo de provisão caracterizado pela atuação do
setor público como planejador, financiador e fiscalizador da construção de habitações
de interesse social (HIS) e do setor privado enquanto executante da obra. O foco é
justificado pela eficácia deste modo na provisão de grande número de unidades
(WERNA et al, 2002) e por ser a universalização do acesso à moradia pela ampliação
do estoque de moradias um dos objetivos específicos do PBQP-H.
Para contextualizar a avaliação do alcance dos objetivos do programa, bem como suas
ênfases e limitações, são inicialmente discutidas a amplitude e as abordagens do
conceito de qualidade.

3. QUALIDADE
A despeito dos esforços direcionados para a obtenção da qualidade, a sua
conceituação ainda não é clara para as empresas que a pretendem (KURTZ, 2003).
Picchi (1993) situa sua base conceitual na conformidade com requisitos ou no
atendimento às normas, preconizando a ausência de falhas no produto ou o “zero
defeito”. Ainda segundo o autor, a esta base foram agregadas novas ênfases
ampliando e tornando mais complexo o conceito de qualidade:
a) Atendimento às necessidades do cliente, deslocando o foco da conformidade do
produto para a satisfação do cliente. A garantia da qualidade passa a pressupor um
esforço para a caracterização das necessidades do cliente e a oferta de produtos e
serviços que as atendam;
b) O cliente pode ser externo, interno e a sociedade em geral. Devem ser observados
não apenas os usuários finais do produto ou serviço, mas todas as pessoas
afetadas pela existência da empresa ou de seus produtos;
c) As necessidades do cliente podem ser explícitas ou implícitas. Devem ser
consideradas não apenas as necessidades estabelecidas em contrato, mas também
as necessidades implícitas, que devem ser identificadas, definidas e atendidas;
d) A satisfação das necessidades dos clientes deve ser alcançada com economia,
aproximando a qualidade da produtividade (qualidade do produto e do processo);
e) A qualidade não se restringe ao produto, mas a todos os serviços a ele agregados,
tais como assistência técnica, informações e atendimento ao cliente;
f) A qualidade de um produto deve ser confrontada com a qualidade de seus
concorrentes, de forma a torná-lo mais atrativo ao cliente e definir sua preferência.
Além de julgada por comparação, a qualidade também passa a ser considerada
dinâmica, estando as necessidades dos clientes em constante mudança;
g) A qualidade deve ser percebida pelo cliente. A percepção das características
apresentadas pelo produto (confiabilidade, vida útil, facilidade de uso, garantia,
aparência, preço, etc.) varia conforme as características do cliente, seus valores,
sexo, idade, nível de instrução, renda, etc.;
h) A qualidade deve maximizar o valor do produto: proporcionar desempenho a preço
aceitável ou conformidade a custo aceitável;
i) A qualidade deve possuir a capacidade de “seduzir” o cliente, não apenas de
satisfazê-lo. Adiciona, assim, fatores emocionais ao seu conceito (TEBOUL apud
PICCHI, 1993).
Vários autores - Deming, Juran, Crosby, Ishikawa, Campos - tendem a definir qualidade
como o ajuste do produto à demanda a ser satisfeita (KURTZ, 2003). Esta
generalização acaba por restringir qualidade apenas à adequação ao uso, criando uma
relação direta entre a produção e o cliente que não considera o contexto em que estão
inseridos (PALADINI, 2004).
Sendo a qualidade um termo de domínio público, o mesmo permite variadas
interpretações, não existindo um conceito único. A conceituação incorreta ou a
percepção diferenciada do que vem a ser qualidade entre fornecedor e cliente pode
dificultar sua obtenção.
4. ABORDAGENS DA QUALIDADE
Paladini (2004) coloca que o maior equívoco na conceituação da qualidade está em
pensar que a mesma é composta por apenas uma ou por algumas das ênfases
mencionadas no item anterior. A qualidade deve ser vista como um conjunto – variável
– de atributos relacionados ao produto ou serviço.
Garvin apud Kurtz (2003) definiu abordagens fundamentais da qualidade, as quais
agrupam diferentes conceitos a ela atribuídos. Cada uma destas abordagens tem sido
interpretada como um elemento considerado pelo consumidor no momento da
aquisição do produto:
a) Confiança no processo produtivo: a qualidade é percebida como a capacidade da
produção atender às especificações de projeto. Tem, portanto, foco interno e não no
consumidor, mesmo quando considerado que um produto que não se desvia de
suas especificações lhe traga maior satisfação que outro “sem defeitos”.
b) Aceitação do produto: esta abordagem entende que a qualidade é mensurável. Os
atributos de um produto são identificados e medidos objetivamente, servindo ao
consumidor como parâmetro de comparação;
c) Adequação ao usuário: a qualidade é definida pela capacidade de um produto
atender aos desejos e necessidades do consumidor. Paladini (2004) afirma que
essa abordagem é a que, atualmente, mais se aproxima do núcleo conceitual da
qualidade. Esta abordagem enseja dificuldades tais como a conciliação de
preferências individuais de forma a definir os atributos de um produto e a
diferenciação dos atributos que atendem às necessidades do consumidor daqueles
que superam sua expectativa;
d) Confiança na imagem ou na marca: uma das razões que levam o consumidor a
optar por um produto é a sua experiência com o próprio produto ou com a empresa
que o produz, seja ela direta (aquisições anteriores) ou indireta (imagem percebida).
Esta abordagem considera que a qualidade não deriva das características
específicas do produto, mas de fatores transcendentes;
e) Baseada no valor do produto: a qualidade é analisada a partir da relação entre o
valor agregado ao produto (desempenho, conformidade e o atendimento/superação
das necessidades e expectativas do consumidor) frente à aceitabilidade do seu
custo. Óbvia, esta abordagem é tratada por Garvin apud Kurtz (2003) como a
“excelência que se pode adquirir”.
5. IMPACTO DO PBQP-H SOBRE A QUALIDADE.
Neste item, é discutida a influência do PBQP-H na melhoria da qualidade das HIS,
consideradas as abordagens fundamentais de Garvin.

a) Confiança no processo produtivo


Considerado o mecanismo de contratação das HIS analisadas, a implantação do
PBQP-H pelos órgãos públicos determina que participem de suas licitações apenas as
construtoras capacitadas a garantir a conformidade do produto com o projeto.
Considerado o alto nível de não conformidade das obras (CARVALHO, 2006;
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2002), esta simples garantia pode trazer ganhos
imediatos de qualidade para o usuário final.
É preciso ressaltar que a simples apresentação de um certificado da qualidade pela
construtora não garante a conformidade do produto, apenas demonstra o seu
compromisso em atender aos requisitos contratuais. A conformidade do produto com o
projeto dependem, mais efetivamente (CARVALHO, 2006; SOARES & SPOSTO,
2001):
− Da existência de suporte normativo para a execução dos contratos e recebimento
das obras, na forma de padrões tecnicamente corretos, a serem obrigatoriamente
adotados pela contratante pública. A exigência de produtos padronizados faz com
que as empresas que são suas fornecedoras habituais organizem mais
adequadamente sua estrutura produtiva;
− Da desejável melhoria da estrutura de fiscalização do órgão público contratante e da
conseqüente maior exigência do cumprimento das especificações contratuais, nem
sempre atendidas.
A ausência de padrões de execução (cadernos de especificações) e a deficiente
estrutura de controle da Administração Pública, somadas ao grande volume de obras
públicas contratadas e à sua dispersão geográfica, ensejam a obtenção de produtos
que, mesmo especificados identicamente, possuam características variadas.
A definição de procedimentos para a execução e recebimento dos serviços pela
empresa contratante – ou pela empresa contratada, na omissão da primeira – facilita o
exercício do controle pela redução da variabilidade dos produtos intermediário e final. A
avaliação da conformidade do produto passa a ser feita com base em critérios
objetivos, calcados nas normas técnicas e nos padrões internos estabelecidos pelas
contratantes.
Conquanto a padronização de procedimentos para a execução e recebimento dos
serviços deva ser compromisso assumido pela Administração Pública, a sua
observação pelas empresas contratadas é requisito imposto pela certificação do seu
sistema de gestão da qualidade.

b) Aceitação do produto
Paladini (2004) entende como usual a utilização desta abordagem pelo consumidor
para fins de seleção de um produto, através da comparação objetiva e direta de seus
atributos com os atributos dos produtos concorrentes.
Considerado o mecanismo de contratação das HIS analisadas, a construtora
contratada não é remunerada caso acrescente ou melhore os atributos previstos em
projeto pelo contratante, hipótese que pode ser entendida como perda.
A qualidade incremental nos atributos do produto fica a cargo do contratante público,
responsável pelo projeto e suas especificações. Como as melhorias pretendidas pelo
PBQP-H supõem a garantia dos atributos do produto com possíveis reduções de custo
(CARVALHO, 2006), a economia então obtida poderá ser revertida:
− Para a oferta de um maior número de unidades, mantidos os atributos já existentes,
alternativa que pode parecer atraente às empresas públicas provedoras de HIS pelo
maior atendimento da demanda habitacional ou
− Para o aumento da qualidade das HIS, pela inserção de novos atributos ao projeto
ou pela melhoria dos já existentes, ambas as opções estreitamente vinculadas à
participação ativa do contratante público e não explicitamente referenciadas pelo
PBQP-H. É preciso estar atento à hipótese de que o repasse ao cliente do aumento
do custo de produção pode afetar negativamente a qualidade da unidade - ver item
e), adiante.

c) Adequação ao usuário
No contexto das HIS analisadas neste artigo, Szücs (2003) elege 3 grupos de variáveis
relacionadas à satisfação dos usuários: a) características físicas do grupo familiar; b)
as suas referências culturais relacionadas ao uso dos espaços domésticos e c) os
atributos físicos (dimensões, posicionamento, acesso, etc.) dos espaços. Alerta ainda
que, não bastasse a dificuldade de conciliação das diferentes necessidades de cada
família, estas necessidades também variam com o tempo.
Segundo Szücs (2003), atender aos desejos e necessidades de cada consumidor (ou
família) individualmente na etapa de projeto é ainda incompatível com a realidade
econômica nacional. Some-se a isso, que a ênfase na abordagem da “confiança no
processo produtivo” (item a) tende a uniformizar o projeto de produtos, o que é
facilmente verificável em obras públicas.
Como efeito da inadequação dos projetos, a personalização da unidade é
constantemente relatada pela bibliografia da avaliação pós-ocupação (APO). Algumas
configurações de projeto, no entanto, dificultam a alteração ou a inserção de novos
elementos, ensejando um maior custo e resultados insatisfatórios, muitas vezes com o
comprometimento de atributos inicialmente atendidos.
Em resposta a esta situação, mesmo considerados limites econômicos impostos ao
projeto e que redundam numa pequena área construída, Szücs (2003) propõe projetos
flexíveis como forma de garantir a possibilidade de adequação futura pelo próprio
usuário.
A responsabilidade pelo projeto e, portanto, pela sua adequação ao uso é do setor
público. Com foco nas empresas construtoras e fornecedores de materiais, o PBQP-H
não privilegia a qualificação do projeto. Essa desatenção soa inoportuna quando já se
verifica que o projeto – ou sua inexistência/inadequação - é citado como uma
deficiência causadora de problemas como superfaturamento, atrasos no cronograma e
paralisação de serviços no setor público (SOARES & SPOSTO, 2001). Some-se a
percepção de que a administração pública tem investido na contratação de projetos à
iniciativa privada, desmontando não apenas sua capacidade de elaboração de projetos,
mas também de análise e referenda dos mesmos.

d) Confiança na imagem ou na marca


As HIS têm sido, historicamente, alvo de experimentação – muitas vezes, mal sucedida
- de materiais e sistemas construtivos alternativos. Na tentativa de redução de custo,
abordagens como a minimização da área da unidade e a supressão de elementos
construtivos (tais como revestimentos, esquadrias internas e instalações) contribuíram
negativamente para a construção da sua imagem, à qual estão vinculados a baixa
qualidade e o alto custo (KURTZ, 2003).
A preocupação das empresas públicas provedoras de HIS com sua imagem parece
estar antes voltada para a divulgação da quantidade de unidades ofertadas que para as
suas características. Essa intenção é compreensível uma vez que sua existência se
justifica pelo atendimento da demanda habitacional.
O PBQP-H não traz entre suas diretrizes a construção de uma imagem de excelência
na produção de HIS ou de quaisquer outras obras. A marca “PBQP-H”, criada para
identificar as entidades aderentes ao programa e as obras sob sua égide, não traz
vínculo com a qualidade do produto habitação. Ainda que o mesmo pudesse,
errôneamente, ser interpretado como um atestado de qualidade das obras executadas
pela Administração Pública, são os resultados positivos alcançados pela implantação
do programa que podem trazer aos potenciais clientes a confiança (transcendente) no
produto ofertado.

e) Baseada no valor do produto


Kurtz (2003) coloca o fator preço ou condições de pagamento como o aspecto da
qualidade de maior relevância do ponto de vista dos clientes.
Carvalho (2006) discorre sobre fatores intervenientes na composição dos custos de
contratação decorrentes da implantação do PBQP-H. Considerando que os usuários
das HIS situam-se em faixas de renda menos favorecidas e que as opções de moradia,
dentro de sua condição de investimento, não são muitas, é preciso observar em que
medida o eventual aumento do custo de contratação pode ser repassado ao cliente.
Salvo raras exceções, as obras são contratadas pelos órgãos públicos através de
licitações do tipo “menor preço” (BRASIL, 1993). Observada a conformidade com o
projeto básico, é contratada a empresa que apresenta a proposta de menor preço.
Concorrendo para a redução dos custos de produção e, consequentemente, do valor
das propostas ofertadas pelas empresas licitantes estão:
− o maior controle sobre o processo produtivo pelas empresas contratadas e os
conseqüentes ganhos de eficiência, decorrência natural da implantação de sistemas
de gestão da qualidade (PALADINI, 2004). Algumas empresas percebem reduções
de custos e melhoria da qualidade de seus produtos mesmo sem terem seus
sistemas totalmente implantados.
− A padronização das especificações exigidas pelo contratante público, a qual facilita a
organização da estrutura produtiva das construtoras.
Por outro lado, no âmbito da Administração Pública, a desejável melhoria do controle
interno no gerenciamento de contratos e a conseqüente maior exigência do
cumprimento das cláusulas estabelecidas implicarão um aumento do custo de
contratação.
Para entender este paradoxo, deve-se levar em conta a prática de alguns licitantes de
apresentar propostas abaixo do custo de execução. No intuito de reverter o potencial
prejuízo em lucro, estas empresas comumente fazem uso de artifícios tais como:
a) substituir serviços e materiais especificados por outros "similares" de valor e
qualidade inferiores, de forma autorizada ou não pelo órgão contratante;
b) alterar os quantitativos da planilha contratual através do aditivo de itens de serviço
melhor remunerados e da supressão daqueles itens em que o “mergulho” nos preços
foi mais pronunciado (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2002);
c) propor a substituição de serviços especificados por outros não licitados
(denominados serviços extras), cujos preços não foram submetidos à competição;
d) dilatar prazos para possibilitar reajustamentos;
e) utilizar mão-de-obra não qualificada, etc..
Há ainda artifícios não ligados à atividade produtiva, tal como a sonegação de impostos
pela empresa. Contratos levados a termo nestas condições freqüentemente são
rescindidos ou geram produtos com padrão de qualidade inferior ao especificado e
conseqüente redução da vida útil da obra.
O atual e reconhecido quadro de deficiência do controle interno exercido pelos
contratantes aumenta a confiança dos licitantes de que suas propostas – subvaloradas
- poderão resultar vantajosas. Quanto mais eficaz o controle interno, mais próximos das
reais condições de execução estarão os valores das propostas e, possivelmente, mais
altos (CARVALHO, 2006).
A melhoria das especificações de projeto pela Administração Pública, também
desejável, aumentará o valor agregado à habitação. O maior valor agregado poderá, ou
não, aumentar o custo de contratação do projeto. Iniciativas como a de flexibilização de
projeto não envolvem custos adicionais significativos. Já o aumento das dimensões da
unidade, a especificação de materiais de melhor desempenho ou a reinserção de
elementos construtivos por vezes dispensados poderão aumentar o custo de
contratação da unidade.
Conjugadas estas variáveis, Carvalho (2006) acredita que a implantação do programa
promoverá, de início, um aumento do custo de contratação das obras. Não se deve
entender, no entanto, que este aumento do custo representa o insucesso do programa
ou a perda da qualidade baseada no valor do produto. Para o usuário, o custo total de
uma unidade não é representado apenas pelo seu custo de aquisição, mas também por
outras parcelas derivadas da qualidade do projeto e de sua execução, entre elas os
custos da correção de falhas, da sua manutenção preventiva/corretiva e de
adaptação/reforma para o adequado atendimento aos requisitos do usuário.
6. A CONTRAPARTIDA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Consideradas as abordagens de Garvin, percebe-se que muito do potencial de
melhoria da qualidade pela implantação do PBQP-H depende de iniciativas da AP. Os
acordos setoriais firmados têm determinado compromissos às empresas fornecedoras
quanto à procedimentos, metas e prazos para a implantação de PSQs. Queixa
recorrente entre as empresas construtoras é a de que estes mesmos acordos setoriais
não têm previsto contrapartidas da AP quanto à qualificação dos seus processos
ligados à gestão dos contratos.
Carvalho (2006) relaciona uma série de aspectos da AP críticos para a melhoria da
qualidade pretendida, dos quais são citados a seguir aqueles mais diretamente
relacionados às abordagens de Garvin:
− Desconhecimento dos requisitos a serem atendidos pelas obras ou serviços, o que
leva a projetos inadequados e, portanto, ineficazes e ineficientes já na sua origem;
− Projetos inexistentes, incompletos ou inconsistentes (SOARES & SPOSTO, 2001)
que fazem da execução do contrato um contínuo exercício de ajuste, em que são
experimentadas soluções ao longo da realização da obra;
− Falhas na quantificação e orçamentação dos serviços, que implicam em
reconsiderações por parte da contratada quanto ao seu planejamento de compras,
aluguel e contratação de insumos, bem como no seu planejamento físico-financeiro.
Somadas à necessidade de aditivos contratuais, que costumam paralisar as obras e
serviços até a sua aprovação, este tipo de falha pode ocasionar danos à
economicidade do contrato;
− Pouca ou inadequada estrutura para o acompanhamento das obras pode
comprometer a sua adequada realização (SOARES & SPOSTO, 2001). A prévia
demonstração de qualidade da empresa certificada por um Organismo Certificador
Credenciado não garante por si só a qualidade da execução futura. As construtoras
estão, inclusive, sujeitas à perda da certificação ao longo do contrato;
− Carência de padrões para a fiscalização e recebimento das obras (SOARES &
SPOSTO, 2001), até mesmo em razão da ausência de especificações e requisitos
claros de construção. Neste caso, fica a AP sujeita a receber obras ou serviços que
não atendam ao fim a que se destinam, restando comprometida a sua efetividade;
− Atrasos na realização das medições, liberações e pagamento de faturas, motivados
pela insuficiente estrutura do órgão contratante ou pela inadequada gestão
financeira dos contratos (indisponibilidade de recursos financeiros), são motivo para
aumento dos custos contratuais pela consideração do risco financeiro ou para a
paralisação da obra pela falta de capacidade financeira da empresa.
Alguns programas estaduais – como, por exemplo, o QUALIOP (BAHIA, 2000) e o Pará
Obras (PARÁ, 2001) – têm previsto ações de melhoria por parte da AP quanto aos
processos que envolvem o ciclo de vida dos empreendimentos, desde sua concepção
até o recebimento da obra, passando por desenvolvimento e recebimento dos projetos,
licitação, contratação, fluxo de pagamento, fiscalização, tramitação de aditivos,
manutenção e conservação das obras na fase de uso.
Werna et al (2002) - em estudo realizado em São Paulo, cidade em que o PBQP-H e,
antes dele, o QUALIHAB, tem suas raízes mais antigas – aponta que o nível de
satisfação dos usuários com as HIS no que concerne à unidade habitacional, ao
conjunto no qual a unidade está inserida e à localização do conjunto no tecido urbano
não mais reflete as queixas do passado. Explica ainda que esta satisfação deve-se a
uma habitação efetivamente de boa qualidade, fruto do amadurecimento da gestão das
diversas etapas do processo de provisão, entre elas o licenciamento de terrenos e/ou
das construções, os projetos e a fiscalização financeira e do processo de construção.

7. A CONTRIBUIÇÃO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS


O decreto de criação do PBQP-H prevê a atuação de diversos agentes (BRASIL,
1998), entre eles os agentes de fiscalização e de direito econômico. Os mesmos
podem participar do programa promovendo a isonomia competitiva do setor por meio
de ações de combate à produção que não obedeça as normas técnicas existentes e de
estímulo à ampla divulgação e respeito ao Código de Defesa do Consumidor.
Entre estes agentes encontram-se os Tribunais de Contas. Cabe salientar que a
satisfação de boa parte das deficiências verificadas no âmbito da AP é exigida pela Lei
de Licitações e pela Lei de Responsabilidade Fiscal (BRASIL, 2000), sendo o seu
cumprimento fiscalizado pelos TCs.
No âmbito do PBQP-H e de forma generalista, o foco de atuação dos TCs está na
efetividade dos contratos, ou seja, na sua eficácia e eficiência.
A eficácia, a qual pode ser lida como qualidade, diz respeito à adequada especificação
da obra ou serviço e na sua correspondente execução, de forma a atender aos
requisitos do público alvo: a obra ou serviço deve atender ao papel a que se destina.
Os TCs devem verificar se o controle interno exercido pelos órgãos contratantes é
capaz de garantir a realização dos serviços pelas construtoras conforme definido em
contrato.
A eficiência refere-se à economicidade do contrato: alcançar a eficácia ao menor custo
possível. Equação aparentemente simples, a efetividade das obras não é muitas vezes
alcançada, considerando-se o grande número de obras inacabadas ou que não se
encontram em operação devido a falhas de projeto ou executivas.
Em sua esfera de competência, os TCs possuem relevante potencial de contribuição
para o atendimento dos objetivos e diretrizes do PBQP-H. Entre outras possibilidades,
está em seu campo de atuação (CARVALHO, 2006):
− Fomentar a melhoria da qualidade das obras e serviços públicos de engenharia
através da verificação de sua conformidade com as normas técnicas vigentes e da
avaliação da sua economicidade (eficácia e eficiência). Deve-se fazer a ressalva de
que o esforço para o aumento da qualidade e produtividade das obras e serviços de
engenharia tem seu foco nas ações da Administração Pública;
− Promover a difusão de normas técnicas, códigos de práticas e códigos de
edificações entre os agentes públicos executores de obras e serviços de engenharia;
− Estimular a utilização de mecanismos de controle interno pela Administração Pública
que visem à garantia da qualidade de projetos, obras, materiais, componentes e
sistemas construtivos;
− Empreender e apoiar ações que visem ao fortalecimento da capacidade gerencial
dos agentes públicos nas atividades relacionadas à contratação e execução das
obras e serviços de engenharia, possibilitando a melhoria da qualidade dos serviços
prestados;
− Participar de ações coordenadas com outros agentes de fiscalização e de direito
econômico relativas aos projetos componentes do PBQP-H.

8. CONCLUSÕES
O mecanismo de funcionamento do PBQP-H - exigência de prévia demonstração da
qualidade pelas empresas licitantes através da certificação do seu sistema de gestão
da qualidade - enfatiza a qualidade relacionada com a confiança no processo produtivo,
com foco nas empresas construtoras e não no consumidor.
A adequação ao usuário - abordagem que, atualmente, mais se aproxima do núcleo
conceitual da qualidade – é desconsiderada pelo programa. A satisfação das
necessidades do usuário não é necessariamente obtida por produtos “sem defeitos”,
mas, antes, depende do projeto básico e, portanto, da Administração Pública (AP).
Mesmo se considerado o benefício de um maior compromisso por parte das
construtoras com a conformidade do produto com o projeto básico, a sua garantia
depende fortemente da estrutura de controle interno existente na AP.
Observadas as devidas adaptações, o foco deste artigo e de suas conclusões - qual
seja as habitações de interesse social – pode ser ampliado para as demais obras
públicas abrangidas pelo PBQP-H.
Considerando o papel relevante da AP na obtenção da qualidade, a mesma é pouco
provocada pelas diretrizes de atuação do PBQP-H. Sugere-se que o PBQP-H estimule,
nos acordos setoriais já firmados ou a firmar, o vínculo de metas de qualificação do
projeto básico e da gestão dos contratos pela Administração Pública às metas de
certificação impostas às empresas licitantes.

9. REFERÊNCIAS
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Florianópolis, SC. 2006. 10p. In: ENCONTRO NACIONAL DE TECNOLOGIA DO
AMBIENTE CONSTRUÍDO, 11, 2006, Florianópolis. Anais... Florianópolis:
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<www.sucab.ba.gov.br/int_qualiop.html>. Acesso em: 11 mai 2006.

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[da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 1993. Disponível
em <www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Leis/L8666cons.htm>. Acesso em: 11 mai 2006.

BRASIL. Ministério do Planejamento e Orçamento. Portaria nº 134 de 1998. Cria o


Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade na Construção Habitacional. Diário
Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 1998.
Disponível em <www.cidades.gov.br/pbqp-h>. Acesso em: 11 mai 2006.

BRASIL. Lei nº 101 de 2000. Aprova a Lei de responsabilidade fiscal. Diário Oficial
[da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 2000. Disponível em
<www.presidencia.gov.br/ccivil/leis/LCP/Lcp101.htm>. Acesso em: 11 mai 2006.

KURTZ, C. E.. A qualidade a partir dos conceitos de Garvin na percepção do


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161 f.. Dissertação (Programa de Pós-Graduação de Engenharia da Construção Civil) -
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PALADINI, E. P.. Gestão da qualidade: teoria e prática. São Paulo: Ed. Atlas, 2ª ed,
2004. 344 p.

PARÁ (Estado). Pará Obras: acordo setorial com as construtoras. Belém, 2001.
Disponível em <www.paraobras.pa.gov.br>. Acesso em: 11 mai 2006.

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cap. 3.

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