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Hartog, François
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desdobrado nas suas múltiplas idas e vindas, mas ambos serão essen- indo muito depressa, avançava rapido demais para ele! Seria pre-
cialmente examinados do ponto de vista do tempo. Para a memória, ciso, observará nas iWemórías, poder “fazer história de caleche”.
Les Lieux de mémoiw nos servirão para começar. Quanto ao patrimô- Na Alemanha, Lorenz von Stein, teórico da história, observava
nio, uma visão de conjunto nos servirá de fio interrogativo. De que do mesmo modo em 1843: “É como se a historiografia tivesse
ordem do tempo esses termos são a tradução e, talvez, igualmente, certa dificuldade em seguir a históriam". Evidentemente, dizendo
sado, uma nostalgia pelo velho modelo da historia nzqgistra ou, antes, briand poderia figurar como epígrafe das obras de muitos deles, dos
uma predominância, inédita até então, da categoria do presente? O
mais ousados ao menos, ao longo dos séculos XIX e XX. Ate Lavisse,
próprio momento do presentismo. Mas o patrimônio é obrigatoria- certamente, e mesmo até o próprio projeto dos Líeux de mémoíi” de
mente “passadista”? Não, na medida em que a conduta que consiste
em patrimonializar o meio ambiente leva a reintroduzir o futuro. 'm
STEIN. Lorenz von, citado por KOSELLECK. Ltjfilrtrrpizssr',p. 18H,
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após outro, deu sua “interpretação” da história da França, quase no tamente justifica-la, a Revolução Francesa pode ser de-
tentaram
sentido musical da expressão: sua “pequena musica”. cifrada, particularmente, como um conflito entre dois regimes de
Comojá anunciei, a questão que nos serve de fio condutor e historicidade. Apelou-se para o passado, convocou-se amplamente
aquela da ordem do tempo, testeniunhado pelos Lieux, percebidos Roma e Plutarco, enquanto se proclamava bem alto que não havia
acima de tudo como projeto intelectual. Colocando a memória à modelo e que não se devia imitar nada. A própria trajetória de Na-
frente, com que articulação do passado, do presente e do futuro eles poleão pode ser explicada desse modo. Levado pela nova ordem do
joganfjá que e evidente que começam por não restabelecer o regi- tempo, ele sempre quis estar à frente de si mesmo “ia tão rápido -
as temporalidades mobilizadaspelo gênero da história nacional no Plutarco, ate entrar no seu futuro recuando, como notava Valery,
curso de sua história. Mas, antes, distanciemo-nos um pouco nova- formando uma pseudolinhagem3”. Tambem ele teceu seu destino
mente e pratiquemos uma outra modalidade de olhar distanciado. de herói finalmente trágico entre dois regimes de historicidade.
As característicasdo regime moderno, tais como se destacam das
As crises do regime moderno análises agora clássicas de Koselleck, são, comojá vimos, a passagem
Não se poderia inscrever, como hipótese, o regime moderno do plural alemão die Cesclzíchtcn ao singular die Cesrlzirhte: a Histó-
de historicidade entre as duas datas simbólicas de 1789 e 1989? Seria ria. “Para alem dashistórias, há a História”, a História em si, que
preciso proclamar que elas manifestam sua entrada e sua saída de segundo a expressão de Droysen, deve tornar-se “conhecimento de
cena da grande história? Ou, pelo menos, que marcam dois cortes, si mesmawl”.Particularmente, ela e doravante compreendida como
duas fendas na ordem do tempo?? Desse ponto de vista, o 11 de processo, com a ideia de que os acontecimentos não se produzem
setembro de 2001 não provocaria grande questionamento desse mais somente no tempo, mas através dele: o tempo torna-se ator,
se não o Ator. Então a exigência de previsões substitui as lições da
esquema, a não ser que a administração norte-americana decidisse
fazer disso um marco zero da história mundial: um novo presente, história, já que o passado não explica mais o futuro. O historiador
um único presente, o da guerra contra o terrorismo. Em todo caso, não produz mais a exemplaridade, mas está em busca do único. Na
o 11 de setembro leva ao extremo a lógica do acontecimento con- historia magísrra, o exemplar ligava o passado ao futuro, por meio
temporâneo que, se deixando ver enquanto se constitui, se histori- da figura do modelo a ser imitado. Atrás de mim, o homem ilustre
ciza imediatamente ejá e em si mesmo sua própria comemoração: estava tanto na minha frente como à frente de mim.
sob olho da câmera”. Nesse sentido, ele e totalmente presentista. Com o regime moderno, o exemplar coino tal desaparece
para dar lugar ao que não se repete. O passado e, por princípio ou
por posição, ultrapassado. Um dia, mais tarde, quando as condições
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Entre inuitas outras P ossibilidades, citenios um historiador, observador en g aadoJ no seu século.
Eric Hobsbawni: "Verv few P eo P le Would denv that an e P och in \YOYlCl liistorv ended With the
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colla P se of the Soviet bloc and the Soviet Union. Whatever We read in the events of 1989-91.
A page in history has been turned" (On Ilísrziry. London: Abacus Book, 1998,. p. 311). “Muito
pelos Estados Unidos por meio de uma "etnografia" da midia. Atenta a exposição instantânea da
pouca gente iaegaria que, com o colapso do bloco soviético e da União Soviética, encerrou-se uma
guerra. ela ¡ião niedita sobre L1 autocomcmoração imediata coilstitutixzi do acontecimento.
e oca na história do mundo. q ual q uer (ucl J a interlareta Ç ão q ne dernios aos acontecimentos
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de 198971991. Foi virada uma p .inrina
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da históriaÍ° Tradu(c*ão de Teniístocles Cezar .
PLUTARQUE. l'u'5¡n1›u1/ÍÂ'/ex, p. 35-36. "Entrer Clans son avenir à recnlons" e exprcssit) de
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GLUCK, Carol. 11 septembre, Guerre television au 21” siecle. ,Aluna/vs 14.85, n. 1, 2003, P-
et Valery.
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135462. Carol Gluck propõe uma história-testemunho da “guerra contra o terrorismo" conduzida KOSELLECÉK. Lc_fitrz4›'¡›z1_<_<e. p. 43.
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modo algum o dos cristãos (abrindo para o horizonte de um ainda a dominação do ponto de vista do futuro. Este é o sentido imperati-
não). Não resulta que esse antigo regime de historicidade não tenha Vo da ordem do tempo: uma ordem que continua acelerando ou se
experimentado muitos questionamentos na sua longa história. Na apresentando como tal. A história é feita então em nome do futuro e
França, por exemplo, na segunda metade do século XVI: entre deve ser escrita do mesmo modo. O movimento futurista estimulou
muitas indicações possíveis, poderíamos lembrar a publicação, em
essa postura ao extremo. A exemplo do .Marztfesto do partido conmnista,
1580, dos Ensaios de Montaigne, onde vemos o excmp/ztm antigo o il/Iarzyfestojfutuasta, lançado por Marinetti em 1909, pretende ser
desestabilizado em um mundo em perpétuo movimento. Ele se
um ato retumbante de ruptura em relação à antiga ordem.
desfaz transformando-se em “singularidadeíl”. Lançando-se como
um novo Plutarco, Montaigne escreve finalmente os Ensaios.
A ascensão do presentísmo
O século XX aliou, finalmente, futurismo e presentismo. Se, em
primeiro lugar, ele foi mais futurista do que presentista, terminou mais
presentista do que futurista. Foi futurista com paixão, com cegueira,
até o pior, hoje todos sabem. Futurismo deve ser entendido aqui como
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HARTOG, François. Prefácio. ln: PLUTARQUE. Vias ¡rarallei/cs, p. 26727.
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HARTOG, François. Du parallelc ã la comparaisoii. ln: PAYEN, Pascal (Sel). Plurarqrle: Crea
:r JUIHNÍILV m qzlusrzlni, Entrvricns zí'ii›z'/lrnltjgír> v! zW/¡tlrrrv/'rtñ St. Bertrand de (Íoiiiminges, 1999. p-
lólrlóf); YILMAZ. La quere/lr' das mudcmrs.
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presente nos próprios títulos dos seus manifestos, suas reivindicações surgem seus recursos heuristicos.
presentistas, eu diria. Ao lado do Futurismo presentista de Marinetti, Publicada em 1938, A Aláusea de Sartre pode também apre-
evocado há pouco, podemos citar o Simultaneismo, o Praesentísmus, sentar-se como um fragmento presentista. Roquentin, o narrador,
o Nunismo (de mm, “agora” em grego), o PREsentismo, o Instan- escreve livro de história. De fato, ele consagra-se à realização
um
taneísmom. A literatura não ficaria atrás, primeiramente porque é de uma biografia do marques de Rollebon (que se parece mais ou
parte integrante de muitos desses manifestos. Basta pensar no lugar menos com Talleyrand). Mas um dia, de repente, foi impossível
ocupado por Apollinaire. Poderíamos também, retrocedendo um continuar, pois subitamente impusera-se a ele como uma evidência
pouco, pensar no papel de inspiração representado por Considera- tangível que existia apenas “o presente, nada além do presente”.
ções extemporâncas (1874) de Nietzsche. O Imoralísta (1902) de Gide O presente era “o que existe, e tudo o que não era presente, não
seria um bom exemplo. O herói, Michel, descobre, após ter quase existia. O passado não existia. Absolutamente. Nem nas coisas,
morrido, que seus estudos de erudição perderam seu atrativo: “Eu nem mesmo no meu pensamento”. Conclusão: “O marques de
descobri que, para mim, algo havia, senão suprimido, pelo menos, Rollebon acabava de morrer pela segunda vez”. Ele era “meu as-
modificado o seu gosto; era o sentimento do presentem”. Encon- sociado: precisava de mim para existir e eu precisava dele para não
trariamos algo análogo em Hedda Cabler de Ibsen, ou ainda, nos sentir meu ser". “Eu existo." Da mesma forma que “as coisas são
anos 1920, com as reñexões _já evocadas de Paul Valery sobre, ou inteiramente o que elas parecem” e que “atrás delas... não há nada”,
melhor, contra a história”. o passado não é nada”.
De modo que, se quisesse responder e escapar à “falência da Mas tampouco o futuro, mais exatamente o ponto de vista do
história” (que se tornou patente com a Guerra de 1914), a história futuro. Por isso, em 1945, Sartre mais uma vez, no editorial do pri-
profissional teria então de começar por demonstrar que o passado não meiro número de Tcmps modernas, persistia e assinalava: “Escrevemos
era sinônimo de morte e que não queria sufocar a vida. Precisou propor para nossos contemporâneos, não queremos olhar nosso mundo
um modo de relação entre o passado e o presente, tal que o passado com olhos futuros, isso seria o modo mais certo de mata-lo, mas
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PASCAL. Pensões. 172 (Brunschvicg). “W
Aux lecteurs. ln: xiizniz/Usrfliisroírt* Liuizoririqitc UI :tirinha n, 1_ 1929: “Ainda que para os (iocumentos
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MICHAUD. Éric, Lc pnícunr de: auanr-,gzznícs (No prelo). do passado. os historiadores apliquem seus bons Velhos métodos provados. cada Vc7 mais homens
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CIDE, André. LY/nmura/ísrc. Paris: Mercure de France, 1961. p. 60. consagram. não sem ardor_ ;is vezes, sua ;itividade ao estudo das sociedades e das economias
Em muitas ocasiões_ Lucien Febvre opõerse a Valery, renunciando à história sem vida e contemporâneas: :luas classes de trabalhadçires feitas para se compreender e que. como de costume.
censurando-o por ignorar a história viva (1941): Ver FEBVRE. (Íunzlum pour ¡Viisriiinz p. 2-1. 102. se relacionam sem se conhecer",
e 2-13. W
SARTREJeaikPaLil.La rzausiie. Paris: Callimard. 1938. p. 124-125 e 127.
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v; tir »ismeuíijacr- vazswwwo 'e sxvrzmtx
administrações auxiliaramos arquivos departamentais a se preparar da Argélia). Relatórios foram solicitados, prometeu-se uma nova lei
para isso, enquanto muitas cidades médias dotavam-se de serviços de
que, finalmente, não foi criada, houve uma mobilização por uma
arquivos. Com efeito, a partir de então, mais da metade dos leitores "cidade dos Arquivos", por ora inexistente, mas se teve direito a
eram genealogistas comuns. Esse período corresponde também a duas circulares do primeiro ministro. A circular de 3 de outubro de
uma produção em massa dos arquivos. Sua quantidade multiplicou- 1997 (a alguns dias da abertura do caso Papon e após a declaração
-sepor cinco desde 1945 e, um ao lado do outro, se desdobrariam de arrependimento da Igreja da França) tornou menos rígidas as
por mais de três mil quilômetros linearesy”. Acompanhando esse regras de consulta dos documentos relativos ao periodo 1940-1945.
movimento, a lei de 1979 sobre os arquivos (a primeira desde a Lembrando que “É um dever da República perpetuar a memória dos
Revolução) dava uma definição bem ampla: “Os arquivos são o acontecimentos que ocorreram em nosso pais entre 1940 e 1945”,
conjunto dos documentos, qualquer que seja sua data, sua forma e ela convidava a ir mais longe em matéria de derrogações, sem se
seu suporte material, produzidos ou recebidos por toda pessoa fisica fixar “na personalidade ou na motivação das pessoas que solicitam
ou moral, e por todo serviço ou organismo público ou privado, no uma derrogação”. Traduzia, em suma, para a administração, o dever
exercicio de sua atividade”. Tudo pode, em última instância, ser de memória. A segunda, de 5 de maio de 1999, anunciava: “Em
arquivado, e os arquivos "constituem a memória da nação e uma busca de transparência e em respeito às vítimas e suas familias, o
parte essencial de seu patrimônio histórico”. Os termos-chave es- governo tomou a resolução de facilitar as buscas históricas sobre
tão aqui: memória, patrimônio, história, nação. Eles assinalam que a manifestação organizada pela Frente de Libertação Nacional da
entramos efetivamente nos anos-patrimônio. Os arquivos tinham, Argélia (PLN), em 17 de outubro de 1961 ”.
nesse contexto, evidentemente, seu lugar. Contudo, os arquivistas Maurice Papon, que acabava de perder o processo de difama-
tiveram o sentimento, mais ou menos justificado, de terem sido, ção que havia intentado (como ex-chefe de polícia de Paris) contra
afinal, os abandonados daqueles anos, enquanto os museus e as jean-Luc Einaudi, relativo à questão das vítimas da manifestação,
bibliotecas faziam mais sucesso junto aos poderes públicos. O que fazia, mais uma vez, a ligação com a atualidade. Considerado em
é uma das componentes da crise dos arquivos. toda .sua duração, o caso Papon é, aliás, um exemplo esclarecedor
Proclamados memória, história, patrimônio da nação, os arqui- dessas modificações de comportamento em relação ao tempo.
vos foram necessariamente recuperados pelo presente. Aqui está a
/v menor rT/zilsnvríivz cn Fnmrc, 194371995. Paris: lvlaisou des Sciences de L'Homme. 1995. p.
1'/
894111). HARTOC, François. Archives: la loi. la mémoire, fhistoire. Le Delzar, n. 1 12, 2000. p.
45448. Para uma ;ipresentação do dossiê completo. Ver CGEUR É. Sophie; DUCLERT, Vincent.
Lc: art/lives'. Paris: La Découverte. 20111.
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A norma de referencia e a da comunicação imediata dos tloçumentos. mas os decretos de
aplicação
da lei de 1979 fixaram os prazos para alguns arquivos: 31) ou 61) anos (para os documentos que
contem informações que discutem a vida primda ou que dizem respeito a
segurantja do Estado
ou a Llefesa nacional). Em 1995. o relatório Braibant visava reduzir esses
prazos para 25 e 51| anos.
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