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Creta e a Integração do Egeu ao Mediterrâneo oriental no

2o milênio a.C.
Crete and the Integration of the Aegean Sea and the Eastern
Mediterranean in the Second Millennium BC.
1
Juliana Caldeira Monzani
Resumo
As ideias de Max Weber e Karl Polanyi a respeito da economia do
mundo antigo como sendo essencialmente agrária e que negavam
a importância das atividades comerciais ainda influenciam os
pesquisadores do Egeu que consideram a redistribuição, a troca
de presentes e a movimentação de bens a curta distância mais
importantes do que o comércio a longa distância. Andrew e Susan
Sherratt propuseram combinar a teoria do sistema mundo com a
de consumo ostentatório de para uma abordagem mais específica
do Egeu na Idade do Bronze, quando processos dinâmicos e
qualitativos teriam estimulado a proliferação de centros de
comércio e da concorrência entre eles. É essa abordagem que nos
interessa apresentar neste artigo e Creta no 2o milênio a.C. seria
um exemplo desse tipo de dinâmica.
Palavras-Chave: Creta micênica – Mediterrâneo e
Mediterranização – Consumo ostentatório.
Abstract
Max Weber’s and Karl Polanyi’s views of the ancient-world
economy as essentially agrarian and the trade as unimportant still
greatly influence the Aegean researchers who consider the
redistribution, gift exchange, and the short-distance trade more
important than the long-distance commerce. Andrew and Susan
Sherratt proposed
1
A autora é doutoranda em História Social na Universidade de São Paulo com
tema de pesquisa sobre Creta Micênica. Mestre em Ciências Arqueológicas pelo
Museu de Arqueologia e Etnologia da USP. Membro do Laboratório de Estudos
do Império Romano e Mediterrâneo Antigo (LEIR-MA/USP). Professora de
História Antiga e Medieval na Universidade Cidade de São Paulo (UNICID).

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merging the world-system theory to conspicuous consumption


concept more specifically approach the Aegean Bronze Age when
dynamic and qualitative processes would have promoted the
proliferation of commerce centers and the competitiveness
among them. With this approach that we intend to discuss in this
paper, and Crete, in the second millennium B.C., can be seen as an
example of such dynamics.
Keywords: Mycenaean Crete – Mediterranean and
Mediterraneanization – Conspicuous consumption.
Introdução
O presente artigo é fruto da apresentação a respeito do modelo
de Susan e Andrew Sherratt para uma abordagem do Egeu na
Idade do Bronze na IV Semana Internacional de Arqueologia dos
discentes de Pós-Graduação do Museu de Arqueologia e Etnologia
da Universidade de São Paulo. A dita apresentação é parte
integrante dos estudos que integram a pesquisa de doutoramento
cujo objetivo principal é entender a natureza e a extensão da
ocupação micênica em Creta e que visa conjugar fontes materiais,
vestígios arquitetônicos, e as fontes escritas, ou seja, os
documentos em Linear B. O enfoque temporal da pesquisa é o
final da Idade do Bronze em Creta, ou seja, o período Palaciano
Final. É necessário considerar cada região e suas especificidades
ao mesmo tempo em que se pretende estabelecer critérios que
sejam capazes de determinar a natureza e a extensão de tal
domínio. A pesquisa se insere em questões mais amplas com
relação à integração do Mediterrâneo durante a Idade do Bronze
e a pergunta mais importante a ser feita é: por que os micênios se
instalaram em Cnossos, o principal centro administrativo de
Creta? A hipótese central é que, seja de forma planejada ou seja
porque a oportunidade se apresentou (distúrbios internos em
Creta), a ocupação de Cnossos deve ter uma explicação histórica.
Esta ocupação pode ser entendida como uma iniciativa para
controlar as rotas comercias marítimas que pertenciam a Creta,
bem como o controle das oficinas minoicas que se especializaram
em produzir bens de luxo destinados a um comércio de longa
distância que envolvia várias civilizações e sociedades.
O que se pretende aqui é refletir sobre o uso de modelos teóricos
para uma abordagem desse período e de que forma a
documentação arqueológica pode dialogar
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com as teorias. Tendo em vista a natureza das apresentações da


IV Semana Internacional de Arqueologia, nosso enfoque foi uma
explanação sucinta e inicial da abordagem de Susan e Andrew
Sherratt que congrega as ideias da teoria de sistema mundo e de
consumo ostentatório para o Egeu na Idade do Bronze, e de que
forma tal abordagem se insere em um debate mais amplo sobre
as economias do mundo antigo.
A Idade do Bronze
A Idade do Bronze no Egeu compreende a história do continente
grego, de Creta e das ilhas no período que marca a introdução do
bronze na produção de ferramentas e armas até a difusão do uso
do ferro, compreendendo, grosso modo, entre 3000 e 1100 a.C.
As pesquisas sobre o período de iniciaram no final do século XIX e
foram fortemente influenciadas pelo chamada arqueologia
filológica ou baseada em textos e tinha como objetivo comprovar
a existência dos sítios citados nos textos antigos através de uma
pesquisa baseada nas descrições e referências geográficas. Os
pioneiros foram Schliemann, que fundou os estudos da pré-
história grega no continente e na costa da Anatólia, e Evans e seus
seguidores, responsáveis pelas pesquisas em Creta e pela
2
divulgação da disciplina
No caso de Schliemann a base de suas pesquisas foram as obras
atribuídas a Homero. A partir de tais textos e do estudo da
geografia da região, ele apontou a elevação Hissarlik como o local
da Troia homérica, sendo em grande parte desacreditado, uma
vez que o candidato mais aceito na época era a colina de
Burnarbashi. O início das escavações, no entanto, provou que
Schliemann estava certo. A seguir, a escavação do círculo
funerário e das Shaft Graves em Micenas foi a mais espetacular
descoberta da Arqueologia no continente grego e a mais
importante por suas implicações históricas. As descobertas de
Schliemann em Micenas foram tão surpreendentes que pareceu
natural atribuir a nomenclatura micênico a todo material
semelhante encontrado em vários sítios no Egeu.
A primeira escavação estratigráfica em grande escala no Egeu foi
realizada pela Escola Britânica de Atenas no sítio de Phylakopi, na
ilha de Melos, entre 1896 e 1899.
2
Faz necessário mencionar, no entanto, que a primeira pesquisa científica na
região foi conduzida pela Expedição Francesa na Moreia (nome medieval da
península do Peloponeso) entre 1828 e 1833.

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Mas na época da publicação, em 1904, as pesquisas em Phylakopi


foram eclipsadas pela grandiosa escavação em Cnossos conduzida
por Arthur Evans desde 1900. A civilização de Creta foi nomeada
segundo o legendário rei de Creta, Minos. A comparação da
civilização minoica com as grandes civilizações do Oriente
Próximo, já presente desde os primeiros artigos de Evans, teve, no
entanto, dois efeitos problemáticos. Em primeiro lugar
concentrou o foco de atenção das pesquisas nos períodos
palacianos e no material ligado aos chamados palácios. A segunda
consequência foi a postura assumida de que não apenas a
sociedade minoica era semelhante às do Oriente Próximo, como
também tinha se originado nesta região, seja pela difusão ou pela
migração de populações, em especial do Egito. Deste modo,
termos como palácio, rei e cidade passaram a ser utilizados sem
nenhuma crítica ou comprovação arqueológica.
Pensar o Mediterrâneo
Em um artigo intitulado Mediterraneanization, Ian Morris (2003)
explora este novo modelo para o estudo da História. Desde a
década de 1990 tem sido desenvolvida uma nova abordagem que
enfatiza a conectividade e a fluidez no movimento de pessoas,
3
mercadorias e ideias no Mediterrâneo . Foi Fernand Braudel
(1949) o primeiro a pensar o Mediterrâneo como unidade. Esta
sua ideia, entretanto, não teve grande alcance, e os trabalhos
sinóticos desenvolvidos sobre o Mediterrâneo são poucos quando
comparados ao número de pesquisas dedicadas a outras áreas
marítimas como o Atlântico ou o Índico.
O modelo antigo baseava-se em Moses Finley que, por sua vez,
fora influenciado pela obra de Max Weber (1966) e pelo conceito
de cidades consumidoras que exploravam o campo e obtinham
produtos através do comércio. A abordagem de Finley (1973) tem
como pressuposto estruturas rígidas no tempo e no espaço,
fronteiras definidas e instituições poderosas. Tal abordagem
enfatizava o enraizamento e a imobilidade na qual nem pessoas
nem mercadorias viajam muito ou para muito longe devido ao
alto custo dos transportes e da informação. No período da
3
O chamado Mediterranismo faz parte de um movimento maior das humanidades
e das ciências sociais que tem o Mar Mediterrâneo como uma unidade de análise.
O desenvolvimento dessa nova abordagem está intimamente ligado à globalização
contemporânea do mesmo modo que o modelo de análise anterior se inseria no
contexto histórico da Guerra Fria.

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Guerra Fria e de debates ideológicos que opunham a esquerda e a


direita, Finley assumiu certas concepções a priori que dialogavam
com o contexto da época. Após 1989/91 esse tipo de debate
deixou de fazer sentido e a globalização se tornou o centro das
preocupações pois conectou pessoas, mercadorias e informações
de maneiras fundamentalmente diferentes e diversas das até
então conhecidas, alterando, assim, a maneira dos pesquisadores
olharem para seus objetos de estudo.
Nesse sentido a obra The Corrupting Sea de Peregrine Horden e
Nicholas Purcell (2000) foi fundamental para a visibilidade dessa
4
nova abordagem em História . Esse novo modelo enfatiza a
conectividade e a fluidez e seus três principais conceitos são
mobilidade, conexão e descentralização. Tais conceitos se opõem
claramente às ideias de rigidez e fronteiras. Onde Braudel
enxergava rotas e Finley enxergava imobilidade, os autores de “o
mar corruptor” enxergam o movimento de pessoas em padrões os
mais variados, de forma que a ideia de rota não serve como uma
definição desses movimentos. Não se pensa mais em Estados ou
impérios, mas em matrizes microecológicas conectadas pelo mar
em um mundo fluído.
Segundo Morris, além de possuir muitas possibilidades
interessantes, essa nova proposta é uma resposta adequada aos
problemas e questões colocadas atualmente, mas apresenta
deficiências ao assumir algumas ideias como certas, da mesma
forma que os modelos anteriores. Dentre elas o de tratar a
conectividade como um fato (Mediterranismo) e não como um
processo (Mediterranização). Assim sendo, o conceito de
Mediterranismo obscureceria o custo humano da conectividade:
os conflitos, os deslocamentos sociais e as desigualdades geradas.
Os teóricos da globalização enfatizam o processo de conexões; os
autores de The Corrupting Sea assumem a existência dessas
conexões. Sendo assim, para Morris, o conceito de
Mediterranização seria mais adequado pois permitiria trabalhar
com a conectividade em múltiplas perspectivas: indivíduos,
mercados, cidades e Estados.
Com relação à História Antiga, entender o Mediterrâneo como um
unidade através de suas conexões potenciais explica
determinadas situações melhor do que o modelo da imobilidade e
possui importantes pontos positivos: torna esse passado
4
Este não foi, no entanto, o primeiro livro a tratar do Mediterrâneo dentro no novo
contexto mundial, mas faz parte de uma tendência acadêmica mais ampla, pois no
final dos anos 80 e início dos 90 obras como Walter Burkert (Die
orientalisierende, 1984. Edição em inglês, 1992) e Martin Bernal (Black Athena,
1987) já trabalhavam com a ideia de conexões intensas no Mediterrâneo oriental.

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distante, atrativo para as pessoas e estabelece um diálogo


possível com o mundo e seus questionamentos atuais. Tais
questões, no entanto, demandam novos dados e os documentos
escritos estão distribuídos de forma desigual no tempo e no
espaço. Faz- se necessário, portanto, a combinação das fontes
textuais com as fontes materiais para que se possa fazer uma
história do Mediterrâneo Antigo. A documentação material,
diferentemente dos documentos escritos, possibilita o acesso a
épocas e lugares que não possuem textos, é quantitativa e pode
fornecer novas evidências através das escavações. A Arqueologia,
no entanto, também possui seus problemas, tais como a
ambiguidade dos vestígios, a ausência de uma datação precisa e a
publicação tardia das pesquisas, mas estas dificuldades podem ser
superadas com o trabalho integrado com a História.
O comércio no Mediterrâneo durante a Idade do Bronze: nova
abordagem
A integração de Creta às civilizações do Oriente Próximo está
ligada à questão das rotas marítimas e do comércio no
Mediterrâneo oriental. A historiografia a respeito dos
desenvolvimentos econômicos se divide nas duas vertentes
opostas descritas a seguir.
De um lado, o grupo dos modernistas no início do século XX
projetaram para o mundo antigo suas experiências imperialistas
do século XIX e defenderam ideias como as de um império
marítimo ateniense no século V a.C. ou da talassocracia minoica
no segundo milênio a.C., na qual Cnossos seria o centro de um
importante império marítimo baseado na colonização de ilhas do
Egeu e dos sítios costeiros no continente bem como do controle
5
comercial na região . Aqui se inserem as teses de Evans e
seguidores apresentadas anteriormente.
5
Embora muitos autores atribuam a Tucídides a ideia de uma talassocracia
minoica, o termo talassocracia (thalattokratía) não está presente na obra de
Tucídides e, ao que nos parece, sua primeira ocorrência seria em Estrabão (1.3.2).
Variações do termo, no entanto, têm uma ocorrência anterior. Como verbo
(thalassokratéein) em Heródoto 3.122 e Políbio 1.7.6 (thalattokratoûntas), 1.16.7
(thalattokpatoúnton), e como substantivo em Heródoto 5.83.2 (thalassokrátores) e
Xenofonte Hell. 1.6.2 (thalattokrátor). Dentro do mesmo leque podemos
considerar uma outra variante (naucrátor): Sófocles Phil. 1072 e Heródoto 6.9.1
(naukrátores). Dentre todos os casos acima citados somente Estrabão e Heródoto
relacionam o domínio do mar ao rei Minos. Na chamada Arqueologia de Tucícides
(Thc. 1, 3-23) há duas construções que remetem à ideia do domínio sobre o mar: a
respeito de Minos em 4.1 (Minos gàr palaítatos hôn akoêi nautikòn ektésato kaì tês
nûn Hellenikês thallásses epì pleîston ekrátese) e de Agamemnon em 9.3
(Agamémnon paralabòv kaì nautikôi te háma epì pléon tôn állon iscúsas). A
leitura atenta do texto, no entanto, relaciona tal domínio à colonização e expulsão
de piratas possível graças à construção de uma poderosa marinha e não de uma
verdadeira talassocracia.

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De outro lado, os primitivistas, ou seja, historiadores como Jones,


Finley e Keith Hopkins, influenciados por Max Weber, conceberam
o mundo antigo como essencialmente agrário e negaram a
importância das atividades comerciais. Tal corrente foi também
influenciada pela escola substantivista de antropologia econômica
associada a Karl Polanyi (1957). A crescente conscientização de
que as economias estudadas pelos etnógrafos não poderiam ser
interpretadas dentro do modelo de pensamento econômico
desenvolvido pelas sociedades capitalistas levou a uma ênfase no
contexto social das transações materiais. Tal modelo postulava
que em sociedades consideradas “simples” os bens eram trocados
como presentes, seja reciprocamente ou como um meio de
redistribuição por parte do líder. Polanyi acreditava que o
mercado era uma característica posterior, dependente do uso do
dinheiro, enquanto que a reciprocidade e redistribuição foram,
durante muito tempo, os mecanismos de movimentação de bens.
A antropologia neoevolucionista entendeu tais ideias como os
estágios fundamentais de desenvolvimento das sociedades tribais
baseadas nas trocas recíprocas, das sociedades de chefia
baseadas na redistribuição e, por fim, dos Estados primitivos
comerciantes. Dentro deste modelo, os palácios minoicos seriam
exemplos de sistemas de redistribuição.
Entretanto, do mesmo modo que os historiadores modernistas
viram o mundo antigo através do espelho dos impérios marítimos
comerciais, os primitivistas viram através do espelho etnográfico.
Embora tal experiência tenha sido salutar no sentido de expurgar
os anacronismos modernistas, o resultado foi substituí-los por um
primitivismo igualmente anacrônico.
A maioria dos arqueólogos e historiadores que estudam a
antiguidade e, mais especificamente, o Oriente Próximo, negaram
as ideias de Polanyi, pois estas estariam baseadas em
interpretações incorretas, tanto do ponto de vista das evidências
arqueológicas (a ausência de mercados) quanto dos textos (mito
da economia do templo). Tais ideias, no entanto, continuam a
influenciar os pesquisadores do Egeu onde as distâncias curtas,
redistribuição e troca continuam a ser entendidas como mais
importantes do que o movimento de bens a longa distância
através do comércio.
Andrew e Susan Sherratt (1991) propuseram a combinação das
teorias de sistema mundo de Rowlands, Larsen e Kristiassen
(1987) e do modelo de consumo
398

ostentatório (conspicuous consumption) de Werner Sombart


6
(1967) para uma abordagem mais específica para o Egeu na Idade
do Bronze.
As teorias de Werner Sombart se oporiam às de Max Weber no
sentido em que, para este último, seriam os avanços na produção
agrícola e as relações estruturais que resultam e permitem o
comércio. Para Sombart, o incentivo ao comércio residiria no
desejo da uma minoria em adquirir bens que tenham significado
social, o que intensificaria as oficinas locais especializadas em
produzir artigos para a troca. Este processo dinâmico não é
quantitativo, mas qualitativo, e resultaria na proliferação de
centros locais que estimulariam e conectariam redes comerciais
7
regionais e a concorrência entre tais centros , que, por sua vez,
resultaria, na criação de novos centros onde antes eram áreas
periféricas de tais redes, e assim por diante.
De acordo com tal modelo, a Grécia na Idade do Bronze não
estava apenas ligada ao Oriente pelas trocas de bens, mas estava
também sendo influenciada por esse contato e absorvendo a
linguagem da ostentação na arquitetura, comida, bebida, roupas e
adornos para o corpo. Neste sentido a economia urbana é um
processo no qual o desejo por objetos de luxo precede a produção
de commodities. Não se trata, no entanto, de uma difusão
passiva, pois tal processo gerou iniciativas de colonização de
8
territórios . Tais comunidades são geralmente iniciativas de
pequenas unidades políticas ou étnicas nas fronteiras de áreas
mais integradas comercialmente e fornecem a articulação entre
as grandes economias e as redes de trocas locais, operando
através de portos de comércio. O surgimento desses centros
secundários criariam novas periferias que seriam estimuladas à
integração e que, em alguns casos, ulteriormente se
desenvolveriam em novos centros. Assim, as economias da Idade
do Bronze seriam, ao mesmo tempo, redistributivas e comerciais
que responderiam às dinâmicas do mercado. Desta maneira, a
economia no Egeu neste período pode ser entendida como um
sistema dinâmico que passou por mudanças na escala e no
caráter em um processo contínuo de transformação e no
desenvolvimento de novos
6
Original em alemão: , 1913.
 7 A ideia de concorrência entre grupos através de
símbolos de status sociais e que estimularia as mudanças sociais e econômicas é
conhecido como Peer Polity e apresentada e discutida por Renfrew & Cherry
(2009).
 8 O que chamamos de colônia, no entanto, talvez devesse receber uma
nomenclatura mais neutra, a de missões comerciais (comunidades comerciais em
território estrangeiro), processo discutido por Philip Curtin (1984), mas que não
será abordado neste artigo.
Luxus und München: Duncker &
Kapitalismus. Humblot

399

centros na longa duração, postulada por Braudel (1986), que se


estende de 2500 a 1100 a.C.
Na fase inicial (2500 a 2000 a.C.), as civilizações do Egito e da
Mesopotâmia teriam estimulado o aparecimento de Estados
secundários, como Biblos e Ebla, intermediários entre estas
civilizações e pequenos sistemas periféricos como o do Egeu. Ali
as ilhas Cíclades controlariam uma rede local de rotas de curta
distância no Egeu que as ligavam a Creta, ao continente grego e à
costa da Anatólia com canoas a remo (Figura 1) utilizando as
correntes marítimas.
O uso de tais correntes pode ser atestado arqueologicamente
desde o Paleolítico através da distribuição da obsidiana de Melos
9
no Egeu e durante a Idade do Bronze pela difusão da cerâmica
cicládica conhecida como duck vase (Figura 2) nas ilhas e regiões
costeiras do Egeu e em Creta. A organização dessa rede local teria
estimulado o aparecimento de novas unidades políticas em Creta,
que se materializariam em centros administrativos conhecidos
como palácios.
Fig. 1.: Representação de canoa a remo em frigideira de terracota cicládica
datada entre 2500 e 2200 a.C. Fonte:
http://www.salimbeti.com/micenei/ships.htm

9
A respeito dos estudos da obsidiana de Melos consultar RENFREW, C. et al The
Obsidian Trade, 1982. 400

Fig. 2.: Duck vase de Phylakopi, c. 2300-2000 a.C. British Museum,


http://www.britishmuseum.org

Em uma segunda fase (2000 a 1700 a.C.), os primeiros palácios, ou


centros administrativos, de Creta no período Protopalaciano
parecem ter dominado tais rotas no Egeu principalmente por
causa da introdução de embarcações à vela (Figura 3) capazes não
apenas de transportar uma quantidade maior de bens mas
também de navegar mais rápido e contra as correntes naturais do
Mediterrâneo.
O desenvolvimento desses primeiros centros baseava-se na
organização de locais de armazenamento e de manufatura de
produtos de exportação para o leste:
1865,1214.39, AN506115001. Fonte:

Fig. 3.: Representação de embarcação a vela em selo minoico de Palaicastro, c.


2000 a.C. Fonte: http://www.salimbeti.com/micenei/ships.htm

401

objetos de prata, vasos em pedra, a fina cerâmica Camares (Figura


4) e tecidos. Arqueologicamente, além da estruturação dessas
primeiras unidades administrativas em Creta, observa-se também
a substituição dos vasos cicládicos pela cerâmica minoica, como
por exemplo a cerâmica Camares, e a difusão dessa cerâmica para
o Egeu e para o Oriente Próximo.
Na fase seguinte (1700-1400 a.C.), ou período Neopalaciano, os
segundos centros promoveram a integração da produção agrícola
à manufatura e às atividades de exportação. Tal intensificação
integrou mais as Cíclades e o continente grego. Observa-se, nesse
momento, o surgimento de novos centros, em especial na
península grega, em duas áreas que eram nódulos importantes
das rotas comerciantes de Creta. Um primeiro na Messênia, no
sudoeste do Peloponeso, como ligação das rotas oeste para o sul
da Itália. O segundo na Argólida na integração das rotas norte do
Egeu até a costa noroeste da Anatólia (Troia) e o mar Negro. Tal
fase é coetânea ao período das Shaft Graves em Micenas na
Argólida e das primeiras tholoi na Messênia, ou seja, ao momento
de enriquecimento e demonstração de prosperidade nessas
regiões. Estes novos centros teriam competido com Creta e as
Cíclades até dominarem Creta na

Fig. 4.: Cerâmica Camares de Festos, entre 2000 e 1700 a.C. Heraklion Museum.
Fonte: http://www.minoanatlantis.com/pix/Minoan_Kamares_Ware_Pottery.jpg

402

metade do século XV a.C. e passando a controlar as indústrias de


lã e óleo de Cnossos e a produção em grande escala para
exportação, iniciando, assim a quarta fase desse processo.
O clímax desse processo se deu entre 1400-1200 a.C. quando as
unidades administrativas na Grécia continental passam a ser o
centro das redes comerciais no Egeu. O papel de Creta passa a ser
periférico dentro do sistema continental. A cerâmica micênica,
por outro lado, em especial os vasos com alça em estribo,
recipientes de transporte por excelência (Figura 5), foi encontrada
em várias regiões do Mediterrâneo, do Oriente à Península Itálica.
Além da dispersão da cerâmica nota-se a presença micênica em
alguns sítios do Egeu seja nas ilhas ou regiões costeiras da
Anatólia. Tal ocupação é evidenciada pelo estabelecimento de
portos, entrepostos e assentamentos. Nesta diáspora micênica o
evento mais importante seria, sem dúvida, a ocupação e controle
de Cnossos em Creta bem como um controle administrativo de
outras regiões, como parecem comprovar os tabletes em Linear B
encontrados em Cidônia no oeste da ilha, e as reestruturações
arquitetônicas observadas em Hagia Triada no sul de Creta.

Fig. 5.: Vaso micênico com alça em estribo, c. 1300 a.C.. British Museum, 1899,
1229.118, AN847355001001. Fonte da imagem: http://www.britishmuseum.org
403

Na fase final desse processo, entre 1200 a 1000 a.C., houve a


destruição de muitos centros, dentre os quais os chamados
“palácios” micênicos, e o distúrbio nos demais centros de poder
no Oriente Próximo produziu um comércio mais diversificado e
multidirecional, mas de pequena escala, ainda que de longa
distância. As grandes redes comerciais teriam se fragmentado e o
Egeu teria voltado a ter uma condição periférica em relação ao
Mediterrâneo oriental. Este momento marca a difusão do ferro,
provavelmente devido aos distúrbios no fornecimento regular de
cobre, uma das matérias-primas para a fabricação do bronze.
Considerações Finais
Dado o caráter fragmentário da documentação arqueológica, os
modelos teóricos são fundamentais para o desenvolvimento da
disciplina. Deve-se, contudo, ter o cuidado necessário para evitar
forçar os documentos a satisfazer tais modelos e tampouco exigir
da Arqueologia um discurso narrativo como propõem os
documentos escritos. Pensar modelos teóricos abrangentes, como
uma abordagem do Mediterrâneo, que ao mesmo tempo respeite
e leve em consideração as especificidades de cada região
mostrou-se um exercício teórico interessante para as questões do
Egeu durante a Idade do Bronze.
A integração das teorias do sistema-mundo e do consumo
ostentatório permite uma abordagem que vai além dos debates
modernistas versus primitivistas e lança um olhar específico para
as particularidades do período e da região em questão, evitando,
assim, certos anacronismos de modelos e pressupostos tomados a
priori e levando em conta o que a documentação arqueológica
pode nos dizer a respeito do período.
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