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2018
Dossiê Adalberto Fonseca
ISSN 2594-5378
Número 02—Volume 01
Dossiê Adalberto Fonseca
(Edição eletrônica— ISSN 2594-5378 )
Lagarto—Sergipe
2018
© 2018 Revista da Academia Lagartense de Letras
Editor Chefe
Paulo Andrade Prata.
Editores Gerentes:
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Taysa Mércia Santos Souza Damaceno
Editores de Comunicação:
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Maria Angélica Amorim Correia.
Conselho Editorial:
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Maria do Carmo Oliveira da Fonseca
Mário Rino Sivieri, Dom
Noeme da Silva Dias
Paulo Sérgio Oliveira Nunes
Rodrigo Freire de Amorim
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Conselho Consultivo:
Prof. Dr. Milton Araújo Moura (UFBA).
Prof. Dr. Severino Vicente da Silva (UFPE).
Prof. Dr. José Milton Barbosa (UFS)
Jornalistas Responsáveis
Emerson da Silva Carvalho
Euller Tavares Ferreira
Apoio Técnico:
José Carlos Nascimento Júnior
Raildes Fontes
Academia Lagartense de Letras
Artigos _______________________________________________________________ 27
1
Antropóloga, professora emérita da Universidade Federal de Sergipe, membro da
Academia Lagartense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
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Não quis fazer apenas um livro de história, mas
penetrar nas entranhas de um povo e colher o
melhor por ele produzido. Conhecer seus costumes,
narrar fatos que ao longo do tempo poderiam ser
esquecidos por estarem apenas na memória de
alguns poucos mais atentos. (Fonseca, 2002, p. 326).
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Resultados do levantamento: perfil de uma época
Anões Chegança
Antônio Conselheiro Cilibrina
Barricão Dança de São Gonçalo
Batalha da vassoura Encomendação das almas
Caboclinhos Jogadores de espada
Cana Verde Lambe-sujo
Cangaceiros ou Lampião Lanceiros
Caretas Parafusos
Casamento da Carolinda Reisado
Cavalaria Taieira
Cavalhada de Santo Antônio Zabumba
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Historicamente importante no calendário festivo do lagartense
“apaixonado pelas festas populares e patrióticas”, como registrara
Severiano Cardoso ao descrevê-la no final do século XIX (CARDOSO,
1899), a comemoração da Semana da Pátria ampliou-se com a presença
de folguedos que antes faziam parte do ciclo de Natal e da antiga festa
de São Benedito, hoje extinta. Alternando períodos de valorização e de
desprestígio do folclore, na década de 1970, uma nova onda de impulso
restaurador de danças e folguedos tradicionais encontrou clima
favorável, sob o influxo das políticas públicas dos governos militares,
que incentivavam o folclore, o artesanato e a reconstrução do
patrimônio arquitetônico das “cidades históricas” vendo-os como
elementos capazes de incrementar o turismo cultural.
Em Lagarto, onde o patrimônio de pedra e cal não mereceu
maiores cuidados, o esforço foi centrado no folclore. Isso fez com que,
em 1975, em trabalho realizado pelo Departamento de Cultura e
Patrimônio Histórico da Secretaria de Educação, o município aparecesse
como aquele que tinha o maior número de grupos folclóricos do estado.
Registraram-se doze ocorrências, enquanto em Japaratuba foram
cadastradas dez e em Laranjeiras apenas sete. Muitas das expressões da
lúdica lagartense, contudo, figuram nesse registro com dados
insuficientes sobre sua estrutura e organização, talvez porque
estivessem em fase de restauração recente (OLIVA, 1975).
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Barro Vermelho; Jovelino Santana (Jove Barbeiro), restaurador do
Parafuso; e Themístocles Emílio de Carvalho do grupo de Encomendação
das Almas.
Ao lado dos que deram depoimentos apenas sobre a
manifestação cultural que dirigiam, havia figuras polivalentes a falar
com desenvoltura sobre várias expressões populares locais, como era o
caso de Rubens de Oliveira Rocha (Rubém), José Antônio da Costa
(Maninho de Zilá) e Adalberto Fonseca. Os dois primeiros eram
organizadores de vários grupos, cujo saber era feito da participação
direta e do envolvimento corporal de brincante em vários folguedos.
Rubém circulava entre a Taieira, a Cilibrina, os Lanceiros e os
Caboclinhos e falava deles com o entusiasmo de quem experimentava
as sensações dos movimentos e sons próprios de cada evento. Fora meu
principal informante quando, em 1971, pesquisei a Taieira em Lagarto e
registrei no livro seu entusiasmo pelas tradições da terra e a
consternação pelo descaso com que eram tratadas as expressões
folclóricas locais e, particularmente, sua indignação contra os padres
que tinham proibido a Taieira de dançar na igreja durante a festa de São
Benedito (DANTAS, 1972).
Outro informante versátil e polivalente era Maninho de Zilá.
Assim era conhecido José Antônio da Costa (1924-1998), comerciante e
fotógrafo, grande festeiro e animador cultural da cidade. Biografando
Maninho, Rosana Souza Santos escreveu:
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Diferente era, porém, a atuação de Adalberto. Homem dado às
letras, que já na década de 40 escrevera uma pequena monografia
sobre Campo do Brito, sua cidade natal (FONSECA, 1946), dava o
suporte intelectual, inventariando as manifestações antigas,
pesquisando as origens dos folguedos, perquirindo os fatos que lhes
marcaram o surgimento, muitas vezes recorrendo a documentos
escritos ou a fontes orais para dar-lhes uma interpretação. Em 1974 já
escrevera um esboço sucinto sobre as origens de Lagarto (FONSECA,
1974) e forneceu aos pesquisadores da UFS um resumo dos seus
escritos.
Desse modo, enquanto Maninho de Zilá se empenhava em pôr
os grupos folclóricos na rua e, ao mesmo tempo, em registrá-los para a
posteridade através de sua câmera fotográfica, Adalberto se esmerava
em busca de informações históricas sobre sua origem e existência. Na
década de 70, sobretudo na segunda metade, quando o Encontro
Cultural de Laranjeiras, criado em 1976, sob a batuta do lagartense Luiz
Antônio Barreto ganhou status de palco privilegiado para o folclore
sergipano (NASCIMENTO, 2005), surgiu a ideia de que os grupos de
Laranjeiras eram mais autênticos, enquanto grupos de Lagarto eram,
com frequência, classificados como parafolclóricos ou de projeção
(RIBEIRO, 2011). Cabia a Adalberto o papel de legitimá-los com o selo de
coisas antigas e tradicionais, missão declaradamente assumida por ele
numa passagem sobre a origem dos Parafusos (FONSECA, 2002, p. 221).
Seria, porém, miopia reduzir o papel de Adalberto em relação ao
folclore à pesquisa e produção de textos sobre antiguidade e origens
dos eventos compulsados em documentos antigos, cadernos de
anotações de personalidades da terra como o coronel Hipólito Emílio
dos Santos ou em depoimento do ex-escravo Purciano em quem se
referenciava para explicar a origem do Parafuso (FONSECA, 2002,
p.308). Essa dança ganhou grande visibilidade e se tornou um ícone da
cidade enquanto conquistava plateias em vários estados, também com
o concurso de Adalberto.
O clima de valorização dos grupos folclóricos se alongou pela
década de 80. Algumas das expressões populares de Lagarto, que já
vinham frequentando eventos em outros municípios sergipanos,
notadamente em Aracaju, e em Brasília (1974), ganharam as estradas do
Sudeste e foram apresentar-se em Olímpia, São Paulo. Nesse trajeto, a
figura de Adalberto Fonseca também estava presente, abrindo trilhas
para apresentação dos grupos e divulgação do folclore lagartense em
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busca de reconhecimento externo e afirmação identitária. Em 1982,
Parafusos e Cangaceiros participaram do grande desfile do 18º Festival
Folclórico de Olímpia (SP). As apresentações renderam muitos aplausos
para os brincantes e para Adalberto um diploma de Honra ao Mérito
concedido pela prefeitura da cidade paulista (FONSECA, 2002, p. 216).
Mas, voltando aos anos 70, e retomando os dados da pesquisa
dos estudantes da UFS, cabe registrar a preocupação de Adalberto em
formar e preservar uma memória do folclore lagartense através das
imagens.
Ao conceder entrevista aos estudantes, Adalberto mostrou um
álbum com fotos dos grupos locais, o que motivou Eunice, aluna
dedicada e competente desenhista, a fazer esboços de alguns dos
figurantes dos grupos folclóricos, como foi o caso do Parafuso, com sua
veste característica feita de muitos babados superpostos e chapéu de
abas que depois veio a ser substituído pelo adereço de forma cônica.
Parafuso.
(Desenho de Eunice Dantas, 1974)
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Parte dessas fotos, que bem mais tarde, em 2010, apreciei
expostas no Memorial de Lagarto, hoje extinto, remete a outro
momento de valorização da cultura folclórica da cidade. Em seu livro
sobre a história do município, Adalberto Fonseca reproduz fotografias
de vários grupos nos anos 60 e registra a ação da municipalidade na
gestão de Antônio Martins de Menezes, que “quis reviver as tradições
folclóricas de Lagarto fazendo desfilar pelas artérias todos os grupos
antes conhecidos” (FONSECA, 2002, p. 220). Essa é outra parte da
história, que está a merecer pesquisa, mas, ao que tudo indica,
desenvolveu-se com a participação dos mesmos personagens
entrevistados em 1974, cujos depoimentos permitem deslindar os fios
de uma trama complexa que envolve a participação de políticos,
intelectuais, animadores culturais, líderes de grupos e brincantes na
tentativa de acompanhar as trajetórias do folclore na terra de Silvio
Romero.
Conclusão
Homem de múltiplas facetas, Adalberto era um autodidata, com
antenas ligadas para as coisas que importavam ao mundo da cultura e
da sociedade do seu tempo e da cidade que adotou para viver. Além de
construir uma narrativa histórica sobre o passado de Lagarto, atuava no
presente empenhado em registrar, defender, restaurar ou recriar
tradições folclóricas que divulgava em outros meios. Participou da
criação de símbolos municipais – hino, bandeira, e escudo de armas,
instituídos em 1972 – elementos ativadores de sentimentos cívicos e de
identificação do lugar no contexto geopolítico de Sergipe.
Sua atuação no campo do folclore aqui apenas vislumbrada num
curto, porém intenso período de valorização das manifestações
folclóricas, no qual sua presença foi marcante, sugere a necessidade de
ampliar esse olhar investigativo para as décadas anteriores e posteriores
a 70, considerando que Adalberto Fonseca teve vida longa e, por
muitos anos, atuou na imprensa onde possivelmente se encontram
registros de sua produção e atuação em relação ao folclore.
Empenhada em contribuir com os pesquisadores locais e
considerando que o relatório dos alunos que atuaram em Lagarto em
1974 é uma fonte de informações sobre a época, em 2015, tomei a
iniciativa de doar à Academia Lagartense de Letras (ALL) uma cópia do
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documento, que retrata um momento da vida local e da atuação de
personagens incentivadores das tradições lagartenses. Acrescente-se
que José Antônio da Costa (Maninho de Zilá) e Adalberto Fonseca são
patronos de cadeiras na ALL, e junto à homenagem, a certeza de que,
nos arquivos da entidade, o relatório estará ao alcance de todos que
tenham interesse em pesquisá-lo.
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REFERÊNCIAS
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ARTIGOS
EDILBERTO CAMPOS, UM LAGARTENSE ILUSTRE
O templo de Esculápio,
reveste-se de múltiplos significados,
quando homenageia o deus da
Medicina. Trago a mensagem de
Mnemosyne e Clio, musas da
Memória e da História e a trago com
a responsabilidade de mensageira da
cultura do nosso povo.
Apresento-lhes a figura icônica
do Dr. Edilberto Campos, médico
sergipano saído deste “ninho de
águias”, que é Sergipe, como bem o
qualificou o intelectual Dr. Manoel
dos Passos de Oliveira Teles.
Edilberto Souza Campos, filho
de Anna Souza Campos e Guilherme Souza Campos, nascido em Lagarto
em 4 de setembro de 1883 e falecido em 2 de abril de 1971, no Rio de
Janeiro.
Em Lagarto fez as primeiras letras, continuando o ensino
elementar na Estância, com as famosas educadoras Pitanga de Queiroz
e Josephina Pacheco. Em 1891/92 concluiu essa primeira fase e, de 1893
a 1889, faz os preparatórios no Ateneu Sergipense onde esplendiam
mestres como Alfredo Montes, Teixeira de Farias e Severiano Cardoso. A
ideia inicial do jovem Edilberto era ingressar numa Faculdade de
Engenharia, mas interpelado pelo tio e padrinho Olímpio Campos, irmão
do seu pai, preparou-se para ingressar na Faculdade de Medicina da
Bahia, logrando êxito.
1
Escritora, membro da Academia Sergipana de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico de Sergipe.
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Embora haja começado o Curso de Medicina em Salvador,
preferiu concluí-lo no Rio de Janeiro, meio mais desenvolvido. No
quarto ano, frequentava os consultórios da Santa Casa de Misericórdia
do Rio de Janeiro, e diz, com uma certa humildade: “Ali adquiri noções
que me permitiram exercer, embora, timidamente, a clínica
especializada em uma pequena cidade mineira, cumulativamente, com
clínica geral médico-cirúrgica”. Em 1905, com a tese NOTAS SOBRE A
CORREÇÃO PERMANENTE NA MIOPIA, recebe o diploma de Medicina.
Embora, devidamente aculturado na Cidade Maravilhosa,
diplomado, tomou o conselho do primo Dr. José Vicente de Souza Neto
e foi clinicar em Cataguases/ MG. Entusiasta da carreira escolhida, fez
da Medicina um sacerdócio, tal qual o Dr. José Machado de Souza, glória
da Medicina sergipana.
Em 1905, antes da formatura, Edilberto passou a colaborar no
jornal O Estado de Sergipe, um dos mais expressivos da época, sob o
pseudônimo de Um Estudante Sergipano. Os temas eram sempre
relacionados à Medicina, como por exemplo – O USO DOS ÓCULOS; O
TRACOMA NO BRASIL, entre outros. Nessa época, suspende a sua
colaboração na imprensa, devido as ocupações funcionais, no interior de
Minas Gerais, (Ponte Nova e Cataguases). Em 1906, foi surpreendido
com a tragédia que vitimou duas das mais expressivas lideranças
políticas de Sergipe, Fausto de Aguiar Cardoso e Olímpio de Souza
Campos, seu tio. Largou todo o seu trabalho e veio atender o pai, então
presidente do estado, que o convidou para secretariá-lo.
Em 1907, volta a escrever na coluna desse jornal, dirigido pelo
médico Dr. Aristides Fontes, publicando temas, como PROFILAXIA DA
OFTALMIA DOS RECÉM-NASCIDOS, O TRATAMENTO DAS CATARATAS
INCIPIENTES SEM OPERAÇÃO, artigos dedicados ao Dr. Helvécio Ferreira
de Andrade. E em 1908, Edilberto publica, nas oficinas de O ESTADO DE
SERGIPE, um opúsculo de 159 páginas intitulado OS MEDICAMENTOS DA
OCULÍSTICA, que depois culminará em livro mais denso, intitulado
CONSULTAS OFTALMOLÓGICAS, lançado em 1927, no Rio de Janeiro.
Muitos dos textos dessa obra foram publicados na Revista Brasil
Médico.
A repercussão entre os pares foi de muita receptividade, o Dr.
Mário Sette aplaudiu-o, agradecendo ao Campos a grande contribuição
que o livro trouxera aos iniciantes na clínica médica. Nessa época traduz
para o mesmo jornal, acima citado, quarenta e oito contos infantis, do
alemão.
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Culto, desde cedo despertara o gosto pela leitura dos clássicos,
como Alexandre Dumas, Júlio Verne, Victor Hugo, Lamartine e
Alexandre Herculano, entre outros. Ele conta que, por volta de 1895, a
Biblioteca Pública de Sergipe ficava no andar térreo do palácio e ele se
tornara, a essa época, assíduo frequentador, buscando na leitura a
argamassa para construir a base da sua cultura.
Esse gosto pela escrita fê-lo fundar um pequeno jornal, com o
irmão Tancredo Souza Campos, coisa de adolescente. O jornalzinho teve
vida efêmera, mas ali já se prenunciava o seu pendor para a crônica, o
jornalismo. A crônica intitulada Docteur Vite, alcunha dada por uma das
freiras que trabalhava no Hospital Santa Isabel, epíteto justificado pela
ligeireza e inquietude do jovem médico, sempre correndo de um lado
para outro e disposto a servir pobres e ricos indistintamente, confirma o
que estou a declarar. Acordava-se muito cedo e ia trabalhar montado
num burrico que o Dr. Serafim Moreira, diretor do Santa Isabel,
emprestava-lhe, em recompensa pelo serviço prestado àquele hospital.
Edilberto tinha sonhos maiores que os apresentados em Sergipe
naquele limiar do século XX. A lide política não o fascinava e nem tinha
apoio do pai para envolver-se nas diatribes e disputas por cargos
eletivos, e bem que poderia ter ingressado por esse caminho, egresso
que era da oligarquia Souza Campos. A recomendação paterna foi
peremptória: “não te metas em política”, conforme citação na crônica
Pinheiro Machado e a política sergipana (página 449, do livro Crônicas
da Passagem do Século, Edilberto Campos. 2ª edição).
Em 1909, munido da fibra própria dos obstinados, herança da
avó, Dona Porfiria Campos, Sinhá do Engenho Periquito, rumou para a
Europa. Inicialmente aportou em Paris, ouvindo no Hotel Dieu aulas de
aperfeiçoamento em clínica cirúrgica com os cientistas Lapersonne,
Morax, Kalt, Trousseau. Esteve em Genebra, Lausanne, Zurich e Munich,
sempre visitando as clínicas de oftalmologia mais famosas do mundo.
Eram escalas para aportar na Áustria. Em Viena entrou em contato com
os renomados médicos Haltenhof, Dufour, Gonin, Haab, Eversbuch que
foram marcantes na sua formação. Passou 14 meses se especializando
em Viena, o centro mundial mais respeitado em oftalmologia daquele
limiar do século XX.
Uma das suas crônicas é dedicada ao Professor De Lapersonne,
ela, Edilberto narra a sua experiência de jovem médico em Paris.
Comenta o séquito dos alunos acompanhado Le Patron, uma cerimônia
que diz nunca ter visto em outro lugar. Numa das aulas, o jovem
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oftalmo sergipano fez uma curetagem da mastoide num cadáver que
apresentava uma supuração local, o mestre De Lapersonne bateu
palmas dizendo: “Attention! Voyez! le petit a fait eu vrai mastoi-
dectomie”. Às terças-feiras vinha um médico de Dijon, o Dr. Remy,
explicar o seu diploscópio para tratamento de estrabismo. O professor
Weiss apresentava aparelhos de ótica com desenhos.
Em outra crônica ocupa-se do Professor Hugo Weinterstein que
passou dois meses aprendendo com esse mestre Histologia ocular,
curso em que pagava 100 coroas. O professor Weinterstein só falava
alemão, Edilberto tratou de melhorar o seu conhecimento da língua
germânica e inscreveu-se num curso de oftalmoscopia para adiantados.
Ao cabo do curso eram amigos.
Um dos eventos marcantes foi um memorável Congresso
Internacional em Budapeste, onde ele teve a oportunidade de ouvir
oftalmologistas mais notáveis daquela época, como Angelucci, Axfendel,
Meller, Lagrange, Morax, Kuhnt, Sulzer, Satller, Weeks, Greef, Grosz.
Ainda ouviu cientistas como Bacelli, Laveran, Doyen, Hollanderr,
Landouzi, especialistas em Cirurgia Geral.
O grande momento da sua estada em Viena foi a visita à Clínica
Fuchs, em 5 de julho de 1909, o que está descrito no livro Consultas
Oftalmológicas. No começo teve uma certa dificuldade de entender a
pronúncia vienense, mas depois acostumou o ouvido, dedicando todo o
tempo na aprendizagem da língua e da Medicina. O seu jeito obstinado,
o esforço e atenção às aulas, resultou no convite do famoso Dr. Fuchs,
para ser seu assistente. Fluente em alemão, foi designado em 1926 para
saudar o Dr. Fuchs, quando este veio ao Rio de Janeiro, convidado pela
Sociedade de Medicina e Cirurgia.
Em 1914, Edilberto é eleito secretário da Sociedade de Medicina
e Cirurgia do Rio de Janeiro, foi médico oftalmo do Ambulatório
Rivadávia; professor de Patologia e Higiene na Escola de Enfermeiros
Alfredo Pinto (Engenho de Dentro); membro titular da Academia
Nacional de Medicina.
Em 27 de dezembro de 1927, casa-se com a estanciana Isabel
Nóbrega de Mendonça, uma união que perdurou por toda vida e que
deixou, como legado uma bela e sadia descendência. Eram seus filhos,
Guilherme, Evaldo e Agnaldo.
O gênero carta, hábito tão peculiar a sua geração, foi o suporte
primeiro usado como memorialista. Bom causeur, foi atando laços, elos
perdidos pela falta do convívio presencial, estreitando caminhos,
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revisitando lugares de memória e animando-se a dar continuidade ao
esforço lúdico de lembrar. Como disse Ecleia Bosi, “a memória é a
faculdade épica por excelência”.
O mapa da geografia sentimental edilbertiana é traçado com
precisão, acuidade e pertencimento, ora é o menino de Lagarto que
brinca às cercanias da Chácara dos Romeros; ora é o noivo apaixonado,
colocando a aliança em sua doce Izabel; em outras circunstâncias é o
médico que atende, o mestre que ensina, é o inventor; o cronista de
viagem, o chefe de família amoroso, que faz da sua Egeia, a Embaixada
de Sergipe, no Rio de Janeiro, acolhendo a parentela e os amigos. Às
veste a pele de historiador e vai revelando fatos políticos muito
importantes para elucidar acontecimentos de Sergipe das primeiras
décadas do século pregresso. A Estância, sua terra de eleição, surge
majestosa em suas crônicas. Pessoas comuns, sacerdotes ou grandes
vultos do Brasil e do mundo desfilam em seus relatos. Percebe-se que
era um leitor assíduo de Armindo Guaraná e de Epifânio Dória, bem
como de Arivaldo Fontes, confrontando dados a partir das leituras e
usando-os para complementar suas informações.
Outro aspecto notável na escrita edilbertiana é a capacidade de
tecer alusões culturais, sem perder o fio da meada e, embora use um
tom coloquial, o cronista mostra-se ao mesmo tempo um erudito e
cultor de uma ironia leve, de traço anatoliano. As suas crônicas devem,
sem dúvida, figurar ao lado de cronistas como os sergipanos Genolino
Amado, Joel Silveira, Epifânio Dória, Lauro Fontes, Mário Cabral, que
também usou a escrita epistolar para gravar suas memórias, como fez
em O Espelho do Tempo.
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TRANSITANDO ENTRE A HISTÓRIA E A LITERATURA – SÍLVIO ROMERO
NO CRIVO DA CRITICA
1
José Uesele Oliveira Nascimento
1
Professor, historiador e ator, membro da Academia Lagartense de Letras.
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As primeiras coletâneas literárias2 serviriam de base para Silvio
Romero em 1888 sistematizar as coleções avulsas, até então existentes,
coligindo histórias literárias, resultando na célebre obra História da
Literatura Brasileira, obra de valiosa riqueza documental, o que tornou
o sergipano no principal historiógrafo da literatura no Brasil
oitocentista. Tanto que a sua importância enquanto agente social no
cenário da produção historiográfica da época é assim definida por
Alfredo Bosi (critico contemporâneo): “É a partir de Silvio que se deve
datar a paixão inteligente pelo homem brasileiro,... (...)
“(BOSI,2006:250). Porém essa obra monumental não escapou da
“guilhotina” crítica ao longo do tempo, no tocante a sua estrutura
analítica:
2
Antes mesmo do Parnaso Brasileiro de Januário da Cunha Barbosa, outros tratados
histórico literários retrataram os “valores nacionais”, esses precursores de nossa
história literária são: Wolf, Magalhães, Nunes Ribeiro, Spix, Martius, o conde de
Gobineau. Tendo destaque, entre eles, Ferdinand Denis com dois livros escritos depois
de sua viagem ao Brasil entre 1816 e 1820, foram eles Cenas da natureza sob os
trópicos (1824) e Resumo da história literária do Brasil (1826), tem em auto-relevo a
presença da natureza como espaço de reflexão contra os males da civilização.
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nós os valores da ciência. Esperou-se que com o advento da Imprensa
Régia no Brasil, no período Joanino, o ritmo começasse a ser outro, até
hoje esperamos esta preocupação sistemática com nossos arquivos
públicos.
Somente pelos idos de 1836, evidencia-se entre nossos autores
um desejo de afirmação da literatura nacional na confluência entre a
Identidade e o nacionalismo. Essa tendência de “construção do Brasil” é
apontada desde Gonçalves Dias, e seu nítido embate poético entre o cá
e o lá.
Autores como Alencar, Machado e Romero (no campo literário),
Capistrano de Abreu, Manoel Bonfim e Euclides da Cunha (numa análise
voltada para o cunho sócio-histórico) defenderam suas posições
ideológicas, e em boa medida contribuíram para a formação do caráter
nacional através dos de suas obras, repletas de impressões
legitimadoras, criaram vários retratos da nacionalidade cada um a sua
maneira.
O crítico literário Antônio Cândido em referência à importância da
obra de Romero assim se posicionou:
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(...) nessa fase, é a literatura o centro de gravidade de
seu interesse. Sua investigação nesse campo foi, para
as condições da época, única e permanente. Ela
acabou se constituindo uma das principais fontes
para o estudo de autores e de textos que
provavelmente estariam esquecidos hoje se Silvio
Romero não tivesse empreendido esse esforço de
pesquisa, catalogação e crítica. (MOTA, 2000:42)
Esse sergipano foi porta-voz dos nossos costumes por ter espaço
privilegiado nos debates culturais do seu tempo. Com seu pedantismo
literário ácido: criou heróis, maculou opositores, fez emergir do silêncio
dos textos adormecidos nos arquivos nacionais uma versão original do
Brasil, fez demolir as velhas ideias românticas travando debates
incisivos no cenário intelectual, ao defender seus postulados de
representação do nacional, enfim cristalizou uma imagem de Brasil pelo
prisma da etnicidade, como reflexo do pensamento cientificista de fins
do século XIX.
Fundou uma crítica sólida em relação aos aspectos literários da
nossa evolução histórica, deixou impressões pessoais vivazes sobre
nossas “escolas” e estereotipou alguns autores nacionais (tidos como
desafetos) e a nossa gente, privilegiando em suas fortes análise,
aspectos subjetivos dos personagens históricos em detrimento dos
valores artístico-intelectuais dos mesmos, criando a imagem de um
Brasil pitoresco, como fruto de sua genialidade.
A partir daqui traçaremos um itinerário analítico de algumas de
suas obras, verdadeiros documentos-monumentos da gênese do
pensamento nacional, que avivaram os debates no calor da
transitoriedade contextual, operadas pelas mãos do erudito provinciano
que inquietou a intelectualidade cortesã do seu tempo. Tendo sido a
obra-mor História da Literatura Brasileira uma “divisora de águas” na
evolução do pensamento romeriano.
Entre os vários textos esparsos da volumosa produção romeriana,
de teor histórico-literário, podemos mencionar: O naturalismo em
Literatura, publicado em 1882, nesse trabalho Romero diferencia na
dimensão de conceitos: naturalismo – realismo – romantismo,
apresenta um claro caráter de “demolição” desse último, ao passo que
constrói um “conceito de substituição” de Realismo – naturalismo
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pautado no princípio da “razão – realidade” dando consistência ao seu
discurso de retratar o real através de textos. Deu extrema relevância a
figura do escritor, que como agente social, fruto de um contexto que
emerge da própria sociedade que o gerou, legitima-se em um discurso,
tornando o texto literário com arranjos artísticos de importância
secundária. Dessa maneira a crítica romeriana3 valorizou antes a
formação do ser social à sua produção enquanto testemunho histórico.
Sobressairá na análise literária do autor somente os fatores externos ao
texto como o homem, a realidade e a natureza (numa nítida
interpretação sócio-histórica do entendimento de realidade).
O polemista lagartense trabalhou em várias vertentes culturais em
prol de melhorias e ganhos sociais para o país, prova disso são os
escritos no campo educacional, quando em 1883 coloca tal pensamento
no texto Notas sobre o ensino público, apresentado no Congresso de
Instrução Pública realizado na capital do Império. No referido texto
valoriza a Kultur Alemã inserida no contexto educacional brasileiro,
questionando assim o valor da educação para criar um sentido de
nacionalidade, defendendo a prioridade da disciplina filosofia no
currículo escolar, a ampliação do atendimento educacional para a massa
analfabeta, cobra dos poderes públicos constituídos um ensino gratuito
de qualidade, além de antever a necessidade da formação especifica de
professores para o exercício legal do ofício que lhes cabe. Propunha
nesses termos o afastamento do modelo norte-americano. Além de
cobrar ao longo do texto-denúncia a ocupação da cadeira de docente no
ensino publico, apenas para concursados, para evitar os vícios, ancorado
na “educação do medo”, baseado nos castigos disciplinares.
No ensaio de cunho mais socialista Doutrina contra doutrina
(1894), refletiu sobre a realidade econômica brasileira inaplicável ao
princípio de solidariedade participativa e colocava também que não
rejeitava no campo político, um triunfo futuro do quarto Estado no país.
Nessa obra tenta captar a realidade política-cultural quando afirma:
3
Segue o conceito de crítica para Silvio Romero: “(...) A parte da lógica aplicada, que
estudada as condições que originam e as leis que regem o desenvolvimento de todas as
criações do espírito humano, científicas, artísticas, religiosas, políticas, jurídicas e
morais, aprecia as obras dos escritores que de tais fatos se ocuparam”.
(ROMERO,1980:1815).
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O Brasil é um país fatalmente democrático. Filho da
cultura moderna, nascido na época das grandes
navegações e das grandes descobertas, o que
importa dizer, depois da constituição forte da plebe e
da burguesia, ele é, além do mais, o resultado do
cruzamento de raças diversas, onde evidentemente
predomina o sangue tropical. Ora, os dois maiores
fatores de igualdade entre os homens são a
democracia e o mestiçamento. E estas condições não
nos faltam em grau algum, têmo-las de sobra
(DOUTRINA contra doutrina, 1894).
4
“A vinda do século trouxe novas tecnologias e maior sofisticação ao mercado literário
e cultural, marcado pela ascensão de um “novo jornalismo”. As modernas técnicas de
impressão e edição baratearam o jornal, cujo consumo se tornara obrigatório entre as
camadas urbanas. Para isso, contribuíram o acabamento mais apurado e o tratamento
literário das matérias. (...)” (VENTURA,1991: 139).
40 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
por Romero em suas concepções de “moderna poesia”, além de
questionar a falta de estilo nas abordagens critico-literárias e de
priorizar excessivamente o núcleo intelectual do Recife, na figura do
sergipano Tobias Barreto. Por essa razão Romero lança artigos de
revide, não só à obra, mas à vida pessoal do seu oponente carioca. Não
levando em conta a renovação causada pelo autor, como escritor
revolucionário que ousara quebrar os paradigmas na escrita,
penetrando assim na essência da alma nacional com suas obras
monumentais e de alto valor documental para se pensar uma época de
transição na vida do país.
Romero acusava o autor de Memórias póstumas de Brás Cubas de
ter um pensamento atrasado, em desacordo com a “evolução
intelectual” nacional; concebia também que a produção literária reflete
as condições do meio ao qual o homem-escritor está imerso, nesse
sentido não poderia se encontrar genialidade num aleijado por suas
origens étnico-culturais e condições sócio- materiais5. Portanto o valor
de suas obras, segundo o sergipano segue a premissa de que os
brasileiros possuem um espírito cômico, contrários ao pessimismo, são
faladores e inquietos sempre em busca de divertimentos, por sua vez
cria um retrato caricatural de nossa gente a partir de sua compreensão
do “caráter mestiço” machadiano; assim se posicionando sobre a
importância lítero-cultural de seus escritos:
5
Joaquim Maria Machado de Assis foi um escritor brasileiro de origem humildade filho
de um pintor de paredes com uma lavadeira, não teve oportunidade de concluir os
estudos. Além de carregar os estigmas sociais da época, como ser pobre, gago, mulato,
epilético, era também reservado. Isso não o impedia de ter uma mente iluminada, fez
traduções do inglês para o português, do poema The Raven – O corvo -, (do escritor
Edgar Allan Poe) e do francês. Estudou alemão e foi um dos introdutores do jogo de
xadrez no Brasil, sendo fundador da ABL.
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Machado de Assis, em contrapartida, ficou inerte às acusações
permaneceu de “braços cruzados” por nada dever ao crítico lagartense.
Romero, porém lhe desferiu fulminante golpe em artigo lançado à
público no ano de 1897, sob o título Machado de Assis, estudo
comparativo de literatura brasileira, no qual pretendia revelar “o
homem através do livro e a sociedade através do homem” respeitando o
momento histórico. É flagrante, nesse tratado, o esforço do arauto
sergipano em legitimar a superioridade das posições do “núcleo
recifense” em relação à “Escola Fluminense” (termo cunhado pelo
autor). No texto compara o estimado Tobias Barreto de Menezes ao
depreciativo Machado de Assis, numa clara análise subjetiva desdenha a
poética machadiana enquadrando-a como de baixo valor estético-
literário, na realidade buscou de forma virulenta detonar o intérprete
carioca também na prosa, na qual Machado foi exímio esteta. Mas, não
conseguiu negar o “tom nacionalista” na vasta obra machadiana, que
sabia explorar em seus enredos os tipos nacionais legítimos,
reconhecidos por Romero. No bem da verdade sua crítica sempre esteve
vinculada à construção do “tipo ideal” no descaminho de paradigmas
ortodoxos:
6
Instituto criado, em 1838, para fortalecer a noção de Estado Nacional, no intuito de
remontar a origem da nacionalidade brasileira; com ele funda-se uma cultura
historiográfica brasileira voltada para a compreensão da elite letrada, focando um só
olhar sobre nossas raízes históricas.
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(...) estudando o meio, as raças, o folclore, as
tradições, tentando elucidar os assuntos nacionais à
luz da filosofia superior do evolucionismo
spenceriano, procurando uma explicação científica da
nossa história e vindo encontrar no mestiçamento
(físico ou moral) a feição original da nossa
característica com Sílvio Romero (1870 em diante),...
(...). (ROMERO, 1980: 1814).
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Não podemos separar os homens do seu tempo histórico, pois
esse reflete diretamente nas produções dos mesmos. Entre 1870 e 1910
predominou nas interpretações dos autores nacionais – a ideologia do
branqueamento -, condicionada, segundo seus defensores, pelos fatores
étnicos, biológicos, climáticos advindos da Europa e aplicados às
condições nacionais, alicerçada pela ideologia nacionalista dominante
“em que a nação é concebida como o resultado da progressiva
transformação das matrizes européias pela ação do meio ou da mistura
de raças.” (VENTURA, 1991:37), hoje reinterpretado como o mito da
democracia racial. A esse respeito, insiste-se em afirmar que Sílvio
Romero foi um homem imerso nas teorias cientificistas do seu tempo, e
por suas fortes convicções ideológicas e teimosia habitual, morreu7
crendo no pressuposto da mestiçagem como fator biológico-cultural.
Partindo de um espaço público de onde emergiam os debates
intelectuais, Romero politiza a cultura, se servindo de critérios literários
para criar representações, mesmo que estereotipadas, mesmo assim
conseguiu criar um discurso legítimo, inquieto8 e combativo. Conseguiu
atribuir valor científico às suas análises literárias, isso por que:
7
Já bastante debilitado e menos atuante por conta da doença, Romero morreu no Rio
de Janeiro, na casa de um dos filhos, em 18 de julho de 1914, aos 63 anos de idade.
8
Segue o conceito elaborado por Araripe Júnior: “o estilo é o resultante, em parte
imprevista, do conflito entre o temperamento de cada indivíduo e o mecanismo das
formas literárias já criadas por um povo, por um grupo ou por uma escola” (VENTURA,
1991: 37).
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étnica” (cruzamento de culturas originarias de várias matrizes sociais)
que se processou num meio tropical (sujeito a degeneração racial),
propiciada pela continuidade ininterrupta da evolução / transformação
dos elementos sociais criadores de uma cultura legítima. Daí advém o
pensamento de cunho intelectual burguês de autoafirmação do país
depois de séculos de dependência, precisávamos nos revestir de forças
culturais próprias para que não fôssemos tangenciados pelo motor
civilizatório, e envolvido nesse jogo de contrários. Para alguns críticos a
visão de Romero era particularista, por entender que:
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REFERÊNCIAS
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50 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
POR QUE LAGARTO JAMAIS CHEGOU A OUVIR O APITO DO TREM?
1
José Eduardo Bastos
CONTEXTUALIZAÇÃO
A FERROVIA NO MUNDO
51 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
E em seu livro, A Era das Revoluções, Eric J. Hobsbawm diz que “a
estrada de ferro, arrastando sua enorme serpente emplumada de
fumaça, à velocidade do vento, através de países e continentes, com
suas obras de engenharia, estações e pontes formando um conjunto de
construções que fazia as pirâmides do Egito e os aquedutos romanos e
até mesmo a Grande Muralha da China empalidecerem de
provincianismo, era o próprio símbolo do triunfo do homem pela
tecnologia”.
As potências mundiais perceberam que a chegada da estrada de
ferro era uma possibilidade de crescimento e expansionismo do seu
capital, e que a mesma iria permitir a transposição e o escoamento dos
produtos em maior quantidade e segurança.
A estrada de ferro ficaria sendo o maravilhoso fator da circulação
de riquezas e de convívio nacionais, e logo se tornaria a vara mágica da
transformação da mata solitária e dos vales esquecidos em vastos
campos agrícolas e em portentosas cidades. (CARVALHO, 1931, p.26).
A FERROVIA NO BRASIL
O primeiro incentivo à construção de ferrovias no Brasil se deu
em 1828, quando o governo imperial promulgou a primeira carta de lei
incentivando as estradas em geral. A primeira tentativa de fato de
implantação de uma estrada de ferro no Brasil deu-se com a criação de
uma empresa anglo-brasileira no Rio de Janeiro em 1832, que ligaria a
cidade de Porto Feliz ao porto de Santos. Essa ferrovia tinha por
finalidade transportar cargas do interior para o porto e diminuir os
custos de exportação. O governo imperial, no entanto, não apoiou o
projeto e ele não foi levado à diante.
A inauguração do primeiro trecho Companhia Estrada de Ferro
D. Pedro II ocorreu em 29 de março de 1858, com a ligação de 47,21km
da Estação da Corte a Queimados, no Rio de Janeiro. Mais tarde com a
proclamação da república, a ferrovia foi renomeada para Estrada de
Ferro Central do Brasil, que se tornou um dos principais eixos de
desenvolvimento do país ao fazer a conexão de Rio e São Paulo em
1877, quando a Estrada de Ferro Dom Pedro II se conectou a Estrada de
Ferro São Paulo.
Os primeiros engenheiros ferroviários a trabalhar no Brasil
vieram da Europa, trazendo consigo o pacote tecnológico, bem como
locomotivas, vagões, máquinas, ferramentas e técnicas. Eles foram
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enviados pelos investidores estrangeiros para implantar a ferrovia em
nosso País, e tinham, como tarefa principal, efetuar a locação do
traçado da linha.
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tempo invernoso. Eles pagam pesadas contribuições à Fazenda Pública.
Pelo açúcar pagam 5 por cento a Provincial e 7 por cento a Geral.
Entretanto, seus carros e seus animais não estão imunes às grandes
dificuldades que ordinariamente encontram nas estradas, quando
deviam se julgar salvos delas, por se encontrarem tão próximos da
cidade”.
Inicialmente chamado de ramal de Timbó, a linha que ligaria a
estação de São Francisco, em Alagoinhas, a Sergipe foi aberta em 1887
até a localidade de Timbó, atual Esplanada. Dali para a frente foi sendo
prolongada aos poucos a partir de 1908, atingindo Aracaju em 1913,
Cedro de São João em 1915 e Propriá somente em 1956, às margens do
rio São Francisco.
O estabelecimento de estrada de ferro em Sergipe, além de ser
de grande interesse nacional, proporcionou desenvolvimento material,
econômico, social e moral, facilitando a comunicação e a ligação do
Estado a outras cidades, estados e pessoas, favorecendo desta forma a
comercialização e exportação do açúcar, café e algodão - entre outros
produtos manufaturados cultivados na Província.
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DECRETO N.° 28.738 - DE 10 DE OUTUBRO DE 1950
Aprova projetos e orçamentos para construção de
dois trechos da ligação ferroviária Salgado - Lagarto -
Simão Dias - Paripiranga - Jeremoabo - Paulo Afonso.
O Presidente da República, usando da atribuição que
lhe confere o artigo 87, n.° I, da Constituição, decreta:
Artigo único. Ficam aprovados os projetos e
orçamentos na importância total de Cr$
86.867.059,00 (oitenta e seis milhões, oitocentos e
sessenta e sete mil e cinqüenta e nove cruzeiros), os
quais com êste baixam, devidamente rubricados,
relativos à construção dos seguintes trechos da
ligação ferroviária Salgado - Lagarto - Simão Dias -
Paripiranga - Jeremoabo - Paulo Afonso:
a) 1.° trecho com a extensão de 77,995 km - Cr$
70.391.417,60
b) 2.° trecho com a extensão de 20,260 km - Cr$ 16.
475.581,40
Total: Cr$ 86.867.059,00
correndo as despesas respectivas, no presente
exercido, até o limite de Cr$ 12.000.000,00 (doze
milhões de cruzeiros) à conta da dotação constante
do Anexo 25, Verba 4, Consignação III,
Subconsignação 06-31-01m), do Orçamento Geral da
República e, nos exercidos vindouros, pelos recursos
que forem destinados à mencionada ligação
ferroviária.
Rio de Janeiro, 10 de outubro de 1950; 129.° da
Independência e 62.° da República.
EURICO G. DUTRA.
João Valdetaro de Amorim e Mello.
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Para a construção do terceiro trecho da ferrovia, dois meses depois o
mesmo Presidente sanciona um novo Decreto:
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DECRETO N° 30.031 - DE 1 DE OUTUBRO DE 1951
GETÚLIO VARGAS.
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residências nas vilas ferroviárias era definida em função da complexidade dos
serviços realizados. Em locais mais simples eram construídas pelo menos três
habitações – as chamadas casas de turmas -, enquanto nos entroncamentos e
nos trechos mais movimentados eram implantados conjuntos residenciais
maiores.
No início da década de 1959 as obras para a implantação dos trechos
ferroviários em terras de Lagarto e Simão Dias estavam a todo vapor. As
empresas contratadas pela Leste Brasileira seguiam à risca seus cronogramas
de trabalho, quando uma grande explosão acabou por trazer transtornos a
todos os envolvidos naquela empreitada. Na medida que nos foram legados
poucos registros dos fatos, o resgate dessa história só é possível a partir do
momento que damos voz a homens e mulheres que viviam à época e que
retiveram o episódio aqui retratado em sua memória.
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Nesse período nossa avó passou a costurar para os operários da
Leste, sendo remunerada por seu trabalho com a única moeda que
podia circular entre os trabalhadores da ferrovia – o Boró. (Em seus
depoimentos, tanto nossa avó quanto nossa mãe, dona Iracy (70 anos),
dizem que o Boró era a moeda adotada pela Leste para evitar que os
mineiros fizessem uso de seus salários para ingerir bebidas alcoólicas – a
bebida era um item proibido para aqueles que trabalhavam na Leste. O
pagamento do trabalho através do Boró também era uma forma de
garantir monopólio, haja vista que a Companhia mantinha um armazém
em que se comercializava de tudo: panelas, tecidos, roupas, calçados,
materiais de limpeza, perfumes, carne seca, alimentos, cigarros... Mas
muitos daqueles que trabalhavam na Leste sempre davam um jeito de
trocar o Boró pela moeda circulante no país (e que eles chamavam de
“dinheiro de deus”), pois essa era a única maneira de poderem pagar as
prostitutas que deitavam com eles nos finais de semana, comprarem no
comércio, e se embriagarem nos bares da cidade. E quem trocava a
moeda circulante no país pelo Boró de um mineiro só podia se desfazer
do dinheiro comprando no armazém mantido pela Leste).
As obras do trecho da ferrovia que passaria pelo município de
Lagarto avançavam rapidamente, concentrando um número cada vez
maior de operários na sua construção, quando um acidente ocorrido em
um dos paios – e local em que se armazenavam dinamites – parece ter
concorrido para que em breve o projeto fosse paralisado e abandonado
de uma vez por todas.
O relato de nossa avó dá conta que a explosão no paiol de
dinamite da Leste aconteceu na tarde de uma Sexta-feira da Paixão.
Muitas casas da cidade se encontravam vazias; as pessoas aproveitavam
o feriado para visitar seus familiares em outras localidades, e muitos
devotos estavam a caminho da procissão. Logo nas primeiras horas da
manhã desse dia, meu avô reuniu sua família, e todos foram passar o dia
santo no sitio do seu sogro – que residia no povoado Coqueiro, distante
cerca de 5 km da cidade. Lá já se encontrava Marizete - irmã de nossa
avó –, acompanhada do seu marido, Zé Alves. O resto da manhã correu
tranquilo, mas entre as 14h e 15h um estrondo assombrou a todos e
espalhou o medo no seio da reunião familiar.
Ao relembrar o fato, dona Josefa diz que, quando se deu a
explosão em um dos paióis da Leste instalada em lagarto, uma grande
língua de fogo subiu no céu, seguida de uma nuvem negra de fumaça. A
terra tremeu aos pés dos lagartenses residentes não apenas na cidade,
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mas também na maioria dos povoados (a explosão foi sentida também
em Simão Dias – cidade que dista 27 km da nossa). Tudo voou pelos
ares; inúmeras peças foram encontradas dias depois em localidades
distantes. Onde as dinamites explodiram, uma cratera de muitos
diâmetros se abriu, “engolindo” tudo que se encontrava ao redor. Antes
que o fogo que se seguiu à explosão se espalhasse, os moradores se
apressaram em salvar o que era possível, transportando tudo para as
casas que ofereciam condições de abrigo – muitas das casas não
garantiam acesso sequer a seus donos, pois o impacto da explosão fora
tão forte que trincou paredes e encadeou portas e janelas, impedido a
abertura normal das mesmas.
No sítio do pai de vovó o almoço da Sexta-feira Santa já tinha
acabado fazia mais de uma hora. Os presentes haviam se dispersado
pelos diversos cômodos da casa – alguns para fazer a sesta, e outros
para se reunir aos donos da casa e colocar o papo em dia. Passava das
14h quando todos ouviram e sentiram a explosão. Instantes após
confirmar suas suspeitas de que o barulho medonho viera da direção do
Campo da Vila – local que concentrava o canteiro de obras Leste -, Zé
Alves subiu numa mangueira, e, do alto dessa árvore, o supervisor da
Leste Brasileira pôde formular suas primeiras impressões do ocorrido.
Horas depois, quando finalmente se fez presente no cenário da
destruição, Zé Alves passou a assistir chocado o vai-e-vem de crianças,
jovens e adultos apressados em salvar qualquer coisa de valor que
tivesse escapado do soterramento e do fogo. Não obstante a dor e a
tristeza estampadas no semblante de cada morador do local, Zé Alves
não teve notícias de morte. Contaram-lhe apenas o drama de uma
senhora, de nome dona Sinhazinha, que possivelmente ficaria paralítica,
já que, no momento da explosão, a mesma fora atingida violentamente
na perna por um fio desencapado que se partiu da rede elétrica que
conduzia a energia dos geradores da Leste.
A tragédia que se abateu àquela tarde de sexta-feira santa sobre
o Campo da Vila causou consternação, espalhou a tristeza entre todos,
mas foi incapaz de inibir a ação dos aproveitadores de plantão. Mal a
poeira assentou em torno do local do paiol que explodiu, o saque
coletivo teve início, com indivíduos procedentes de outras áreas da
cidade chegando em caminhões, e só saído dali com as carrocerias
superlotadas de tudo que encontravam nos escombros.
A caça ao culpado pela explosão do paiol da Leste teve início
horas depois da tragédia. Cogitou-se desde o primeiro momento que a
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detonação das dinamites poderia ter sido provocada pela
movimentação de ratos no interior do paiol (a cada dia os roedores
proliferavam em maior número dentro do depósito onde ficavam as
dinamites, e o transitar deles naquele lugar poderia ter provocado a
queda de um objeto capaz de produzir a fagulha que atingiu o pavio do
primeiro explosivo). Mas dona Josefa recorda que, na época, circulou a
notícias de que dois suspeitos chagaram a ser presos, foram
interrogados e liberados logo em seguida - na tomada dos depoimentos,
a polícia não conseguiu colher provas capazes de produzir a condenação
daqueles acusados.
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dois deles herdaram a profissão do pai, e hoje são artífices, hábeis
modeladores da madeira.
Em 1952, seu Antônio ainda residia no povoado em que nasceu,
mas passava a maior parte do tempo na sede do município, já que seu
dia era dedicado ao trabalho nas obras do telhado do prédio onde
funcionaria o Cine Glória. Na tarde em que houve a explosão em um dos
paióis da Leste de Lagarto, seu Antônio se encontrava em Cajazeira
(distante 18 km da sede do município), aproveitando o feriado da Sexta-
feira Santa para visitar parentes e amigos. Segundos depois da explosão
das dinamites no paiol da Leste de Lagarto, seu Antônio ouviu o
estrondo e viu uma grande nuvem de fumaça subir na direção da cidade
(e pelo que ele ficaria sabendo depois, até mesmo em Paripiranga –
município baiano que fica a 36 km de lagarto – se ouviu a explosão e se
sentiu seus efeitos). De onde se encontrava, seu Antônio pressentiu que
algo muito grave tinha acontecido; chegando à cidade ele se deparou
com o alvoroço. Logo após aquele acontecimento que abalou a todos,
comentários surgiram, dando conta que, por se tratar de um dia em que
se observava um feriado santo, àquele dia somente o vigia era quem se
encontrava nas imediações do barracão da Leste. Logo após o ocorrido
ele foi preso, conduzido à Aracaju e só depois de muito sofrimento é
que ganhou a liberdade.
Ao falar sobre o fato 61 anos depois, seu Antônio da Cajazeira diz
que a explosão arregaçou carros e ferros, fazendo um grande buraco no
chão. Boa parte da ferragem amontoado no terreno acabou sendo
lançada pela explosão, e foi encontrada depois, enrolada nos pés de
coqueiros. Muita gente, como Antônio Miguel, perdeu seu veículo. O
impacto da explosão foi tão forte que casas estouraram, os vidros da
igreja estilhaçaram e os alumínios expostos nas prateleiras das lojas
foram parar no chão.
Ao buscar na memória lembranças do tempo em que os trilhos
ameaçavam se estender por terras lagartense, seu Antônio diz que em
nossa cidade já tinha um cinema – o São João; um novo cinema estava
sendo construído – aquele que viria a ser o Cine Gloria, e que
funcionaria por muitos anos no local onde hoje (2013) está instalado o
Bradesco; o número de veículos na cidade era pouco – e o modelo da
moda era o sincachambó –; só quem possuía automóvel eram pessoas
como Almeidinha, Zé Carlos, Pedrito de Batalha...; as ruas estreitas da
nossa cidade viviam tomadas por cavalos, carroças e carros-de-bois. Seu
Antônio prossegue seu relato dizendo que, com o início da construção
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da ferrovia, passaram a transitar pelas ruas de paralelepípedos de
Lagarto máquinas pesadas, como a D8 (D8 são tratores de esteira de
grande porte, que trafegavam por nossas ruas fazendo muito barulho e
alvoroçando as pessoas, porque na época não havia estrada de rodagem
que permitisse essas máquinas atingirem o canteiro da Leste trafegando
através do entorno da cidade).
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continuou por mais três anos, com os garimpeiros executando seus
serviços no trecho compreendido entre as cidades de Lagarto e Simão
Dias, sendo paralisada apenas em 1958.
Piaba afirma que o fogo gerado pela explosão atingiu grande
número de casa, uma vez que quase todas eram cobertas por palhas de
coqueiro. À época, Lagarto era uma cidade muito pequena, e contava
apenas com dois automóveis: um de propriedade de um senhor de
nome Heraque; e um outro, pertencente ao pai de Tonho de Zé do
Arroz. Piaba conclui sua fala dizendo que as únicas pessoas de posses na
época eram homens como Antônio Martins, Acrísio Garcez e Dioníso
Machado.
Quando as autoridades decidiram que as obras da rede
ferroviária que passaria por Lagarto e Simão Dias deveriam ser
paralisadas em definitivo, as turbinas necessárias ao funcionamento da
Usina Hidrelétrica de Paulo Afonso passaram a ser transportadas em
carretas – veículos importados pelo Brasil da Alemanha para garantir
que o transporte dessa carga pesada se realizasse a contento, sem
prejuízos para a continuidade da obra.
Em Lagarto o abandono das obras da ferrovia foi seguido da
decisão do governo em promover a devolução das terras para os antigos
donos. As construções existentes - e que já estavam prontas, mas sem
qualquer perspectiva de uso – acabaram sendo ocupadas pelos ex-
operários da Leste (que ficaram ser ter para onde ir, e que decidiram
fixar residência no local onde antes labutavam diariamente).
A população operária que permaneceu em Lagarto, mesmo com
o fim dos Trabalhos da Leste nesse município, deu início à formação do
bairro que ficaria conhecido por Estação. Aos poucos, novas casas foram
sendo construídas no local, com as pessoas tirando proveito de não
terem que pagar pelo terreno, uma vez que erguiam suas residências
em terrenos abandonados.
O Bairro Estação também era conhecido como Corte (devido a
aberturas feitas nas rochas, e que eram resultado de explosões
planejadas de dinamites). Sua população sempre foi formada por
famílias com baixo poder aquisitivo, e que ergueram suas moradias
recorrendo a tijolos de barro, fabricados pela própria comunidade.
No Bairro Estação, problemas como falta de água, de energia
elétrica, e de saneamento sempre atormentaram a população. Somente
em anos mais recentes é que a comunidade que ali reside veio a ser
contemplada com a ampliação e pavimentação da rua principal,
65 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
instalação de um chafariz, construção de uma lavanderia e doação de
terrenos para famílias que necessitavam de um teto para morar.
Em 1998 a Câmara de Vereadores do Município de Lagarto
aprovou, e o chefe do executivo sancionou a lei delimitadora dos bairros
da cidade. Por essa Lei a Estação perdeu o status de bairro, e sua rua
antiga rua principal - atualmente conhecida como Beco da Estação - se
transformou numa linha que delimita dos bairros da cidade: Novo
Horizonte e Ademar de Carvalho.
66 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
Em Lagarto, a pouco mais de cem metros das onze casas que
abrigaram os trabalhadores que iniciaram a implantação dos trilhos em
nosso município, há uma ponte – que se encontra encoberta pela
vegetação da região, mas que resistiu ao tempo.
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No povoado Coqueiro de Baixo, distante cerca de 6 km do centro
de nossa cidade, nosso amigo Marcos Rocha registrou para nós (em
fotografias) a estrutura de uma ponte ferroviária inacabada, e ainda
uma vereda, aberta por entre uma mata nativa de grande extensão,
com a largura exigida à instalação de dormentes que dariam suporte aos
trilhos que seriam instalados por essas bandas do território lagartense.
68 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
Duas outras estruturas abandonadas pela Leste em nossas terras
estão localizadas às margens da Rodovia Lourival Batista/SE-270, entre
os municípios de Lagarto e Simão Dias, na altura do início da estrada que
dá acesso ao povoado Olhos D’água. A poucos metros do acostamento
da SE-270, duas estruturas semelhantes a muretas – uma paralela à
outra e construídas com blocos de pedras e cimento – despontam no
meio do matagal, no mesmo nível da pista asfáltica. Esse amontoado de
pedras se integra com tanta propriedade à paisagem do lugar, que é
fácil imaginar que ele jamais chama a atenção daqueles que pela
rodovia trafegam. Certamente, a colocação das muretas nesse local
obedeceu à necessidade de se compensar o declívio do terreno que se
estende até a ponte ferroviária construída logo à frente.
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Sempre que chegamos ou saímos da cidade de Simão Dias,
trafegando pela Rodovia Lourival Batista/SE-270, deparamo-nos com
uma fazenda cercada de eucaliptos, que fica a poucos quilômetros de
distância da terra dos capa-bodes, e que é de propriedade da viúva do
fundador da empresa G’Barbosa. Além da casa grande que se destaca na
paisagem, o conjunto restante é formado por uma capela, por
residências menores, por garagens e galpões. À frente dessa fazenda, do
outro lado da SE-270, um outro terreno de vegetação rasteira, onde
cavalos, bois e cabras pastam tranquilamente. Nesse local encontramos
a estrutura de uma ponte, também construída pelos trabalhadores da
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empresa contratada pela Leste no início da década de 1950, e que
sobressai no terreno. Logo à frente, uma trilha aberta no pasto conduz a
um túnel escavado na rocha, que se estende por alguns metros por
entre o sopé da montanha em direção à Simão Dias. Essas obras
deixadas pela Leste em território simão-diense foram paralisadas
concomitante à interrupção da construção do trecho ferroviário no
município de Lagarto. Quando os trabalhadores contratados pela Leste
foram dispensados de seus postos de trabalho por aqui, quilômetros e
quilômetros de trilhos e dormentes foram deixados para trás,
abandonados no meio de sítios e fazendas, nas terras que se estendem
até Lagarto. Na medida que o tempo passou, e os agricultores da região
perceberam que o projeto de construção da ferrovia não mais seria
retomado, trilhos e dormentes passaram a ser arrancados para servirem
de utensílio nas casas de farinhas espalhadas por povoados lagartense.
71 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
Paulo Afonso demandava para posteriormente ofertar a energia elétrica
que o nordeste necessitava para fomentar seu desenvolvimento.
Contemplada do alto, essa linha de mata verde parece serpentear nas
curvas do sopé da montanha, aproveitando-se dos nutrientes que a
chuva carrega serra abaixo para se destacar da vegetação nativa
durante o ano inteiro.
73 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
Para ampliarmos ainda mais nosso campo de pesquisa, eu e os
amigos Irineu Roberto de Oliveira e Floriano Fonseca nos dirigimos para
uma região mais ao leste do nosso município, precisamente a uma
localidade de nome Timbales, que fica entre os povoados Açu Velho,
Juerana, Taboca e Açuzinho. Ao lado de uma estrada que passa por esse
lugar, a Companhia Leste deixou quase concluída mais uma ponte.
Trata-se de uma obra de grande porte, medindo aproximadamente
vinte metros de comprimento por doze de largura, encimada por
espessa camada de cimento e pedras. Toda essa estrutura fica no
mesmo nível da estrada que a ladeia pelo poente; do lado oposto, duas
pilastras se elevam acima – uma sobreposta à outra - formando uma
pequena arquibancada, além de proteção segura contra cheias
ocasionais do riacho lodacento que passa sob a ponte. A exata noção da
solidez dessa obra nos é dada quando descemos por uma de suas
laterais e alcançamos o arco que se estende de um lado a outro,
formando um conjunto de pedra e concreto, em acabamento
caprichoso. Ao lado do riacho é possível contemplarmos toda a
extensão do túnel, e até lamentarmos o fato de tanto dinheiro público
ter sido gasto numa obra que sequer chegou a ser inaugurada.
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Num terreno baldio, situado atrás e a poucos metros do prédio
que deveria abrigar a estação ferroviária de Lagarto, encontramos uma
casa da altura de um prédio de um andar, construída sobre alicerce que
se eleva do solo por mais de três metros. O acesso a ela se dá por um
terreno encharcado e escorregadio, que fica ao lado de casas simples e
de tetos baixos. O mato sobe pelas paredes e se entranha nos cômodos
da casa abandonada ao léu, intimidando qualquer aproximação dos que
desejam realizar uma investigação mais cuidadosa. Fotos tiradas logo
após sua construção, já mostram essa casa sem telhado, dominando um
descampado de vegetação rasteira e seca. Sua arquitetura diferenciada
nos faz crer que esse prédio poderia funcionar como um ponto
privilegiado de observação ou mesmo como um posto de telégrafo.
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As onze casas estão localizadas acerca de quinhentos metros da rodovia
que liga Lagarto a Campo do Brito. O acesso a essas casas – que
lembram uma vila operária – se dá por uma estrada estreita - também
de nome Onze Casas – e que conduz ao povoado Limoeiro. No início da
década de cinquenta, trabalhadores da Leste habitavam essas casas –
em fotos da época, pode-se observar que os tijolos dessas residências
não possuíam reboco e que elas obedeciam a desenho arquitetônico
semelhante. Imagens recentes denunciam que algumas chegaram a
ganhar reboco e até mesmo pinturas em tons fortes, mas que
continuaram cercadas de mato e sem saneamento. Hoje, tais
residências figuram como o retrato fiel do descaso e abandono,
denunciando na aparência que jamais chegaram a merecer a atenção do
poder público. Nas vezes em que lá estivemos verificamos que elas
abrigam uma população carente, que vive basicamente de
aposentadorias, dos programas sociais do governo e de donativos - que
lhe chegam pelas mãos de grupos religiosos, que a elegem como alvo da
caridade cristã nas datas mais significativas. As crianças que ali residem
brincam no meio do mato – que se estende irregular pelo terreiro em
frente às casas até a beira da estrada -, correndo o risco de serem
mordidas por uma cobra ou serem contaminadas nas águas dos esgotos
que correm a céu aberto. Nos contatos que mantivemos com os
moradores das onze casas, foi possível deduzir que as residências
costumam ser adquiridas através de compras diretas ou de trocas, em
transações que nem sempre obedecem a trâmites legais – e isso talvez
explique porquê sempre somos recebidos ali com desconfiança. Que a
situação dos moradores das onze casas esteja regular ou não, pouco
importa. Fundamental é compreendermos que as benfeitorias feitas
pelos moradores dessas casas – por mais básicas que sejam – se
constituem em iniciativas únicas e importantíssimas, haja vista que são
elas que garantem esse marco histórico ainda estar de pé.
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CONCLUSÃO
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que um intercâmbio econômico promissor tivesse se estabelecido entre
Lagarto e Aracaju, assim como entre Lagarto e outros municípios sergipanos e
baianos - contribuindo para que um volume maior de recursos passasse a
circular por aqui, aquecendo assim nossa economia. A população de nossa
cidade teria aumentado além do seu ritmo normal, à medida que a ferrovia
acenasse com novas oportunidades de negócios e empregos. É provável que o
município de Lagarto estivesse experimentando um outro patamar de
desenvolvimento – superior ao de hoje. Claro que isso representaria também o
incômodo de estarmos convivendo com todas aquelas mazelas sociais típicas
de crescimentos urbanos rápidos e desordenados. Mas, não tem como deixar
de reconhecer que teria sido uma experiência excitante para o lagartense ver o
progresso chegar a cada dia na terra dos papa-jacas, no ritmo lento mas seguro
do apito do trem.
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Bibliografia:
Agradecimentos:
José Santana Curvelo; Irineu Roberto de Oliveira; Paulo Oliveira de Santana;
Ademir Francisco de Oliveira; Floriano Fonseca; Tsunami; Marcos Rocha;
Marcos Prata; Reinaldo Prata; Edvânio de Jesus Nascimento.
Fotos:
José Eduardo Bastos; Floriano Fonseca; José Santana Curvelo; Irineu Roberto
de Oliveira; Marcos Rocha.
Meus agradecimentos especiais às pessoas que aceitaram enriquecer meu
trabalho com seus depoimentos:
Josefa Batista de Santana (Dona Zefinha); Antônio Oliveira; Emerson da Silva
Carvalho; José Graciano dos Santos (Piaba).
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OS LAGARTENSES QUE RUGEM: AS PRÁTICAS CULTURAIS
ALTERNATIVAS EM LAGARTO (2006-2015)
1
Anselmo Ferreira Machado Carvalho
Resumo:
Este artigo investiga o surgimento e formação de uma cena cultural alternativa
no município de Lagarto, Sergipe. Analisa a atuação e produção dos sujeitos
culturais, procurando interpretar o conceito de cultura alternativa sob a
perspectiva destes artistas e se eles se identificam como alternativos e/ou
contraculturais. Contextualizar a cena alternativa lagartense e problematizar a
natureza das práticas alternativas é o objetivo central, sob a luz da Nova
História Cultural, cuja dimensão perpassa pela interconexão com o domínio da
história local, assim como, do trato metodológico da história dos conceitos e
da história oral.
Abstract:
This article investigates the emergence and formation of an alternative cultural
scene in the municipality of Lagarto, Sergipe. It analyzes the performance and
production of cultural subjects, seeking to interpret the concept of alternative
culture from the perspective of these artists and whether they identify as
alternative and / or countercultural. To contextualize the alternative scene of
Lérida and to problematize the nature of alternative practices is the central
objective, under the light of the New Cultural History, whose dimension
permeates the interconnection with the domain of local history, as well as the
methodological treatment of the history of concepts and history oral.
1
Professor do Instituto Federal de Educação (Campus Lagarto), Doutorando em
História da Universidade Federal da Bahia e membro do Instituto Geográfico e
Histórico da Bahia (IGHB).
83 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
1. Introdução
2
ROMERO, Silvio. Folclore Brasileiro- Cantos populares do Brasil. TOMO I e II. Rio de
janeiro: José Olympio Editora, 1954.
3
BARROSO, Rusel ET AL (Org.) Ecos de Lagarto e de sua gente:a partir das histórias do
saudoso Joaquim Prata e dos demais membros do sodalício lagartense. ALL,
Paripiranga: Faculdades AGES, 2015.
84 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
investigado a partir do contexto de produção destes novos sujeitos
culturais, suas práticas e suas relações com o poder público, outros
segmentos sociais e a sociedade como um todo.
De uma perspectiva ampla, “a cultura alternativa também pode
ser considerada como um meio encontrado por poetas, artistas,
músicos, jornalistas (entre outros), para veicular suas produções na
sociedade usando meios não convencionais pra um padrão pré-definido
de cultura”.4 Desta forma, é fundamental investigar com mais acuidade
este universo cultural lagartense valendo-se das mais diversas fontes,
desde a oralidade à imprensa local, às produções artísticas, livros,
poemas, fanzines, panfletos, discos, eventos como o Sarau da Caixa
D’água, a iconografia, dentre outros.
O mundo ocidental, a partir da segunda metade do século XX,
passava por um processo de mudanças socioculturais significativas.
Contestava-se um modelo de sociedade burguesa pautados em
comportamentos pré-estabelecidos. Surgiam então os movimentos
chamados de contracultura:
4
MOREIRA, Sônia Virgínia. As alternativas da Cultura (anos 60/70). In: STOTZ, Eduardo
Navarro et alli. Vinte anos de resistência: alternativas da cultura no Regime Militar.
Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1986, p. 29.
5
LEÃO, Raimundo Matos de. Transas na cena em transe: teatro e contracultura na
Bahia. Salvador: EDUFBA, 2009, p. 33.
85 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
que os jovens foram os protagonistas do movimento
alternativo/contracultural. No Brasil e em Sergipe não foi diferente. Os
sujeitos alternativos surgiram como uma possibilidade de contestação e
como resposta ao status quo vigente. Para Lagarto, além da percepção
deste movimento, sobretudo na contemporaneidade, é importante
identificar quem é o público consumidor desta cultura e como recebe e
se identifica. Para tanto, utilizaremos a noção de apropriação da Nova
História Cultural.
Para o historiador Roger Chartier, expoente dessa nova História
cultural a noção de apropriação é reformulada e afasta-se do significado
que Foucault lhe deu como uma noção de discurso construído em
determinado momento e que se estabelece conformando sujeitos e
mecanismos de dominação e; também do sentido que lhe deu a
hermenêutica quando a coloca como o momento em que um texto ou
narrativa é aplicada a um sujeito, e este, por meio da interpretação,
transforma a compreensão que tem de si e do mundo, transformando
também sua experiência fenomenológica tida como universal.6
Ao estudar as formas de leitura e a circulação dos textos no
Antigo Regime, Chartier explicita o seu conceito de apropriação visando
a uma história social dos usos e das interpretações, relacionados às suas
determinações e que se referem às práticas especificas que os
constroem7. Interessava entender como os textos chegavam aos
leitores, os modos distintos como estes se apropriavam dos mesmos e
os sentidos que lhes davam, bem como as formas materiais dos
impressos e as maneiras através das quais deveriam ser lidos. 8.
No contexto lagartense, a noção de apropriação deve ser
entendida a partir das representações que os artistas fazem de si e que
os múltiplos segmentos sociais fazem dos artistas locais “alternativos” e
dos seus conteúdos. Quem são estes artistas, como se auto-identificam
(num mundo marcado por identidades fragmentadas)9 e como são
vistos? Esta é nossa problemática principal, mas que não exclui de modo
6
CHARTIER, Roger. “Cultura popular”: revisando um conceito historiográfico. Revista
Estudos Históricos, Rio de Janeiro, 1995, v. 8, n. 16, p, 179-192.
7
CHARTIER, O mundo como representação. À Beira da Falésia – a História entre
Certezas e Inquietude. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2002, p.68.
8
CHARTIER, Roger. Idem.
9
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP & A,
1999.
86 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
algum as tradições do lugar, marcadamente fundado em tradições
memorias do passado10.
Do ponto de vista da historiografia, nossa temporalidade se
remete ao estudo da História do tempo presente, que se apresenta não
somente como desafio, mas, sobretudo, como abordagem crítica do
problema, ao pensar metodologicamente os sujeitos em suas
experiências históricas como em qualquer outra época, ou seja, estudar
o presente é também dar satisfação às demandas sociais e o “impacto
de geração” como afirma Chaveau e Tetart 11. No caso específico de
Lagarto, o boom dos estudos historiográficos sobre o presente no Brasil
e a demanda por tentar entender uma nova configuração dos espaços e
sujeitos culturais na cidade.
O conhecimento histórico passou por intensas modificações ao
longo do século XX. Três elementos foram fundamentais na visão de
Barros ( 2010), a saber: a crise de um único paradigma, a especialização
cada vez maior do conhecimento e a interdisciplinaridade. Estes fatores
juntos levam o historiador a pensar na interconexão dos domínios com
as abordagens históricas e dentro das dimensões maiores que compõem
uma realidade mais ampla e complexa.12 Desta forma, nos arriscamos a
pensar nosso objeto dentro da dimensão da Nova História Cultural ao
investigar as formas como uma sociedade é levada a se pensar e refletir-
se, sobretudo a partir de suas práticas culturais e representações; dos
domínios da História Local e Regional; e das abordagens da História Oral
e História dos Conceitos13. Logo, estudar as práticas culturais
lagartenses significa inseri-las no âmbito local. Para NEVES,
10
Carvalho, Anselmo F. M. Memória, história e identidade: as construções da
lagartinidade ontem e hoje. Anais do XXVIII Simpósio Nacional de História. ANPUH,
UFSC, 2015.
11
CHAUVEAU, Agnes.& TETART, Philipe. Questões para a história do presente. Bauru-
São Paulo: EDUSC, 1999.
12
BARROS, José D Assunção. O lugar da história local na expansão dos campos
históricos. IN: História Regional e local: discussões e práticas.Org. OLIVEIRA SANTOS, A.
M & REIS, I. F – Salvador: Quarteto, 2010, p. 217-241.
13
KOSELLECK, Reinhart. Uma história dos conceitos: problemas teóricos e práticos.
Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992, p. 134-146.
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manifestações culturais, organização comunitária,
práticas econômicas, identificando-se suas interações
internas e articulações exteriores e mantendo-se a
perspectiva de totalidade histórica.”14
14
NEVES, Erivaldo F. História regional e local: fragmentação e recomposição da
história na crise da modernidade. Salvador: Arcádia, 2002, p.45.
15
BARROS, Idem.
16
Movimento predecessor do Sarau da Caixa D’água que reunia artistas populares em
Lagarto.
17
Movimento realizado no espaço de diversão e ludicidade homônimo do movimento.
18
Movimento surgido em 2013, realizado pelo artista Affonso Augusto e outros
lagartenses, nos últimos sábados de cada mês na praça da Caixa D’água, região central
de Lagarto . Reúne artistas de diversos gêneros musicais, modalidades artísticas e
público variado de gênero, classe e cor.
19
Movimento surgido em 2015 realizado pelo artista Affonso Augusto, aos domingos
na praça Philomeno Hora. Reúne artistas de diversos gêneros musicais e público
variado de gênero, classe e cor.
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Lagarto, aos quatorze anos, eu já atuava no grupo de
teatro local e comecei a atuar no grupo de teatro e a
trabalhar mais efetivamente na organização de um
concurso de poesia que a gente chamava de concurso
marginal de poesia aqui em Lagarto. Como também
ajudei na realização dos festivais de músicas popular
aqui em Lagarto, a gente organizava a Semana de
Arte Moderna de Lagarto, a gente organizava o
festival Lagartense de música popular, além do
concurso municipal de poesia e a gente trabalhava
também na Associação Cultural de Lagarto, que é
uma associação que ela tem mais de quarenta anos
de existência.20
20
DEPOENTE 01. Maria Angélica Amorim Correia. Entrevista concedida ao pesquisador
Anselmo Machado.Lagarto, 11/11/2015.
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Ajunta Tudo acontecendo em espaços como
bibliotecas, como secretarias, o auditório da
secretaria de educação, como bares e em 2012
fizemos o primeiro “Gente, bares e poesia” que tinha
a mesma proposta que o Ajunta Tudo. (…) o Sarau da
Caixa D’água é a síntese do Ajunta Tudo e o
“Gente,Bares e Poesia” e inspirado no Sarau Debaixo
que aconteceu em Aracaju. (...)21
21
DEPOENTE 09. Afonso Augusto. Entrevista concedida à pesquisadora Sofia Roque.
Lagarto, 23/02/2016.
22
KOSELLECK, Reinhart. Uma história dos conceitos: problemas teóricos e práticos.
Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992, p. 134-146.
90 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
alternativa/contracultura se aplica à realidade contemporânea cada vez
mais marcada pelas investidas do mercado e da indústria cultural?
23
PEREIRA, Carlos Alberto M. O que é contracultura. São Paulo: Brasiliense, 1983, p14.
24
MARKMAN, Rejane Sá. Música e simbolização – Manguebeat: contracultura em
versão cabocla. São Paulo: Annablume, 2007, p. 200.
91 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
manifestações de cunho identitarista, para além da arte, se colocam
como temas de afirmação das mulheres, contra a homofobia, pela
criação livre, e pela defesa do meio ambiente, dentre outros aspectos:
25
DEPOENTE 02. Thalia Leal. Entrevista concedida ao pesquisador Anselmo Machado.
Lagarto, 09/10/2015.
26
SOUZA, Alef. Not foundo 404 loading. Fanzine, Lagarto.
92 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
Mas afinal, como se vêem esses artistas? Quais identidades
alternativas/contraculturais aparecem em seus discursos? Para esta
artista lagartense, cultura alternativa seria:
93 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
essas, e não aquelas, de onde vem o dinheiro, tem
que vir daquela secretaria, essas coisas assim... 27
27
DEPOENTE 01. Maria Angélica Amorim Correia. Entrevista concedida ao pesquisador
Anselmo Machado. Lagarto, 11/11/2015.
28
DEPOENTE 03. Ítalo Duarte. Entrevista concedida ao pesquisador Anselmo Machado.
Lagarto, 11/11/2015. Outro artista chamado Alysoul, cantor de Simão Dias e que se
apresenta constantemente em Lagarto assim define “Penso que independente está
voltado a participar de todo processo de produção criativa, técnica e custos. O
alternativo estaria relacionado com uma proposta diferenciada no conceito e estética
do trabalho, prefiro dizer que faço música sem me preocupar tanto com rótulos, deixo
fluir pra depois entender o que surgiu.” Entrevista realizada pelo site
http://bagaceiratalhada.com.br/entrevista-alysoul-fala-sobre-sua-atuacao-no-cenario-
da-musica-independente-e-autoral/. Acesso em 24/04/2016.
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ao vivo, mas a divulgação é pela internet.
Basicamente pela internet. 29
29
DEPOENTE 03. Ítalo Duarte. Entrevista concedida ao pesquisador Anselmo Machado.
Lagarto, 11/11/2015. O poeta Alef Souza também vai neste sentido e explana que, “eu
já expus em fanzines que são livretinhos feitos a mão que eu mesmo produzi e eu
lancei no Sarau. Com poesias voltadas para a modernidade, tecnologia. O amor laçado
e Prisão a cada vácuo que é mais lançado ao amor, o amor moderno. Então eu lancei
esses dois foi mais em Facebook mesmo, redes sociais. Eu tenho um blog também:
Aleffsouza.blogspot.com”. DEPOENTE 04. Alef Souza. Entrevista concedida ao
pesquisador Anselmo Machado. Lagarto, 11/11/2015.
30
DEPOENTE 06. Jafletly Pedro. Entrevista concedida ao pesquisador Anselmo
Machado. Lagarto, 08/12/2015.
31
DEPOENTE 07. Pedro Cazoy. Entrevista concedida à pesquisadora Sofia Roque.
Lagarto, 12/12/2015.
95 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
Eu acho que como é cultura, cultura abrange tudo,
então cultura não é apenas o que eu gosto, é algo
muito maior que aquilo que tenha que dá nomes e
aqui há uma carência enorme, há falta de recursos e
se não fizermos isso, não rola, não acontece e
quando acontece não é aqui, é em Aracaju ou em
outras cidades. Então isso dado pelo porte que ele
tem, Lagarto é uma pedra a ser lapidada e o porte
que essa cidade tem é tudo muito pouco, e quanto
mais eventos, quanto mais a gente abraçar essa
causa acho que… mais vai aparecer artistas, vai
aparecer poetas, músicos, enfim. Porque o fato de
não haver esses eventos, não haver esse apoio, essa
porta aberta faz com que muitos fiquem reclusos,
tipo: “eu não tenho onde mostrar eu não tenho a
quem mostrar, então vou ver outra coisa que me dê
dinheiro e que me satisfaça de alguma forma.” Isso é
muito chato.32
32
DEPOENTE 02. Thalia Leal. Entrevista concedida ao pesquisador Anselmo Machado.
Lagarto, 09/10/2015.A mesma afirma ainda que “Só as praças, por não temos um
auditório, porque o auditório que tem aqui é próprio da secretaria de educação, mas
há uma grande burocracia pra conseguir, se você não tem conhecimento você não
consegue.O sarau é uma organização ímpar, é tanto que no início tínhamos apenas 4
pessoas organizando. Mas o público que frequenta hoje não é o mesmo que foi ao
primeiro Sarau, não esperamos que o sarau fosse durar tanto e não esperaríamos que
o público fosse tão grande”. Maria Angélica afirma alguns avanços “a propositora da
criação do Conselho Municipal de Cultura. Que na verdade ele já foi criado, falta a
seleção, e aí a partir da seleção do conselho, a partir do próximo ano, o sistema
nacional de cultura que já está criado. Já está formado, passará a existir realmente de
forma efetiva e aí o artista ele vai poder buscar o município com o seu projeto. O
município vai poder lançar editais de concorrência, e o fundo municipal de cultura vai
poder estar participando, porque o percentual da renda municipal. Então a gente acha
que até o meio do ano que vem, esse sistema, ele já vai estar funcionado e ele vai
facilitar um pouco mais a vida do artista, no que diz respeito a fomento, a dinheiro
mesmo”.
96 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
independente em Lagarto. Em entrevista, Afonso Augusto afirma que
idealizou o projeto do Som na Praça (Evento realizado na cidade, que
traz músicos locais para tocar todos os domingos), para atender a
grande demanda de músicos que desejavam expor seu trabalho no
Sarau da Caixa D’água:
33
DEPOENTE 09. Afonso Augusto. Entrevista concedida à pesquisadora Sofia Roque.
Lagarto, 23/02/2016.
97 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
existe da imprensa, as outras áreas sem ser a
comunitária é aí que não entra mesmo, aí que não
tem espaço mesmo.34
34
DEPOENTE 03. Ítalo Duarte. Entrevista concedida ao pesquisador Anselmo Machado.
Lagarto, 11/11/2015.
35
Trecho de notícia sobre a Cia de teatro Cobras&Lagartos disponível no Portal
Lagartense: http://www.lagartense.com.br/14572/cobras-e-lagartos-comemora-dez-
anos .Acesso em: 04/05/2016.
98 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
O membro da Academia de Letras Lagartense, Rusel Barroso
atestou,
36
http://www.lagartense.com.br/14572/cobras-e-lagartos-comemora-dez-anos.
Depoimento de Rusel em 08/-2/2013. Em outra matéria se destaca o poeta Ivilmar
Gonçalves “Orgulha-se de ser conterrâneo de gente como Silvio Romero e Assuero
Cardoso. Começou a escrever poemas ainda no Ensino Médio (1999 a 2001), no
Colégio Abelardo Romero Dantas - o popular Polivalente, onde tomou gosto pelos
concursos literários do gênero. Daquela época, conquistou o prêmio de Melhor Poesia,
com o texto "Deus Doente", no VII Concurso Estudantil de Poesia Falada de Lagarto e
Região, sendo agraciado também como Melhor Intérprete.”
http://www.lagartense.com.br/9098/ivilmar-o-poeta-de-alma-lagartense.escrita em
11/06/2012
37
http://www.lagartense.com.br/32625/pedro-cazoy-conquista-premio-de-melhor-
ator-na-paraiba.Acessoem 04/05/2016.
38
Comentário sobre a mesma matéria citada acima.
99 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
contracultural. Afirma a jornalista do site
http://bagaceiratalhada.com.br, Daiane Carvalho:
39
DEPOENTE 05. Dayanne Carvalho. Entrevista concedida ao pesquisador Anderson
Eduardo. Lagarto, 09/10/2015. Na entrevista sobre seu publico alvo ela nos revela “O
nosso publico alvo é justamente esse que não tem... é... não tem voz... não tem
visibilidade de uma mídia... é... grande, a grande mídia que não reproduz essas coisas.
Nosso público alvo é esse, mas a gente sempre busca novos públicos porque são vários
públicos. A gente tenta abraçar a todos eles”.
40
http://www.jornaldacidade.net/noticia-leitura/130/86450/9-sarau-da-caixa-dagua-
acontece-neste--sabado-em-lagarto.html#.VyvB2NIrLIV
41
GUIA DO COMERCIO DE LAGARTO. Lagarto: 2 ed Editora Info graphics, 2010-2011. A
vaquejada aparece no Box “Shows e eventos/ Atrativos turísticos” onde é ressaltada a
100 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
todavia o que vemos é um silenciamento desta produção alternativa. O
guia está muito mais interessado em divulgar além do comércio é claro,
os aspectos identitários lagartenses, e os eventos que porventura,
gerassem divisas econômicas para o município.
Outro contraponto que os artistas colocam é o desprezo com
que, digamos, uma cultura mais institucionalizada, invizibiliza esta
produção.
Ademais, esse cenário que envolve não somente os espaços de
produção escrita, seguindo a tradição do lugar, como é o caso da ALL,
mas também os alternativos só reafirmam a importância de Lagarto no
cenário cultural de Sergipe e quiçá brasileiro.
Considerações finais
Através do método da história oral utilizado nas entrevistas
feitas com os sujeitos artísticos de Lagarto e análise de suas produções
(músicas, fanzines, poesia, peças teatrais...), pode-se ter um quadro
geral sob a perspectiva destes sujeitos perante o surgimento de uma
cena alternativa/contracultural lagartense. O próprio conceito do que
seria uma cultura alternativa, por muitos destes artistas é identificada
como aquilo que vai de encontro com um conceito pré-estabelecido de
cultura ou até mesmo caracterizada por um meio de produção e
divulgação da arte feito de forma independente do poder financeiro ou
público. Através de entrevistas também foi identificado um histórico
dessa movimentação alternativa/contracultural que data do início dos
anos 1990. Outros fatores importantes notados foram: o intenso uso da
internet como forma de divulgação da arte, uma vez que o espaço
desses artistas na mídia oficial é pouco.
Diante das fontes coletadas, o objetivo desta pesquisa foi
problematizar a perspectiva dos artistas alternativos/contraculturais
procurando levantar o questionamento sobre o que é cultura alternativa
e como esta se manifesta e é produzida. Trazer visibilidade e voz aos
sujeitos culturais alternativos lagartenses para que estes possam expor
por si (através de sua arte e dos registros feitos para esta pesquisa) a
perspectiva dos que procuram produzir fora das balizas do mercado e
no espaço geográfico do interior sergipano.
Fontes jornalísticas
<http://www.lagartense.com.br/3791/mostra-plastica-com-rogerio-
bonifacio>. Acesso em:06/06/2015.
<http://www.lagartense.com.br/14572/cobras-e-lagartos-comemora-
dez-anos>. <http://www.lagartense.com.br/1580/estudos-sobre-a-
vinganca>. Acesso em:06/06/2015
<http://www.lagartense.com.br/34503/sarau-da-caixa-d-gua-lagarto>.
Acesso em:06/06/2015
<http://www.lagartense.com.br/22070/estudio-box-e-azulejo-fala-do-
novo-album-da-banda-lagartense>. Acesso em: 06/06/2015.
102 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
<http://www.lagartense.com.br/32625/pedro-cazoy-conquista-premio-
de-melhor-ator-na-paraiba>. Acesso em:06/06/2015.
<http://www.lagartense.com.br/9098/ivilmar-o-poeta-de-alma-
lagartense>. Acesso em:06/06/2015.
<http://www.lagartense.com.br/32850/retrospectiva-2014-lagarto-
com-feitos-culturais-marcantes>.
<http://www.lagartense.com.br/9453/o-ultimo-adeus-a-ivilmar>.
Acesso em:06/06/2015
<http://www.lagartense.com.br/26478/noite-lagartense-no-concurso-
de-poesia-de-penedo>. Acesso em:06/06/2015
<http://www.lagartense.com.br/9012/zaninho-urashima-o-intrepido-
artista>. Acesso em:06/06/2015
http://bagaceiratalhada.com.br/entrevista-alysoul-fala-sobre-sua-
atuacao-no-cenario-da-musica-independente-e-autoral/ acesso em
14/04/2016
http://bagaceiratalhada.com.br/estudio-box-azulejo-fala-sobre-seu-
novo-disco-e-os-eventos-clandestino-e-rock-sertao/
http://aleffsouza.blogspot.com.br/
http://www.estudioboxeazulejo.com.br/
http://www.jornaldacidade.net/noticia-leitura/130/86450/9-sarau-da-
caixa-dagua-acontece-neste--sabado-em-lagarto.html#.VxA4atQrLIV-
acesso em 14/04/2016
Referências
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campos históricos. IN: História Regional e local: discussões e
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recomposição da história na crise da modernidade. Salvador: Arcádia,
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PEREIRA, Carlos Alberto M. O que é contracultura. São Paulo:
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ROMERO, Silvio. Folclore Brasileiro- Cantos populares do Brasil. TOMO I
e II. Rio de janeiro: José Olympio Editora, 1954
104 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
Anexos Cartazes do Sarau da Caixa D’água (Edições de 2014 e 2015)
105 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
106 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
POEMAS
OUTRO DISCURSO SOBRE O MÉTODO
1
César de Oliveira
Um estudo
transversal
da poesia
deve começar
pelo quadrante
superior esquerdo
do teu tronco.
O gráfico,
de amostras
que não se aplainam,
autodesenha-se
hiperbólico,
ainda que os objetivos
(vãos)
tenham nuances
uniformemente
acabadas.
Pode a investigação
ser superficial
– de superfície –
e rastejar
o esquadro
pelo que antecede
a tua própria
epiderme.
Não pode,
contudo,
1
Professor e poeta, membro da Academia Lagartense de Letras.
109 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
perder de vista
a nudez
do corpo
e da cor,
tom sobre tom
de uma existência
veloz.
É natural que
se estranhe
a princípio
o entranhamento
de realidade
tão pouco física,
mas é preciso
antever
que todo fato
se esfacela
ao resvalar
em nossos olhos.
O céu sem plumas
perto da chuva,
o cão anuviado
com sede da língua,
o tempo aos uivos
em busca da
natureza perdida:
toda sorte de coisas
se desata do caos
ao ser condensada
pela imagem verbal.
111 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
O ESPELHO DAS VAIDADES
1
Bruno Candeas
o espelho
das vaidades
reflete
o desejo
o corpo
e suas
intenções
a imagem
plastificada
do mais íntimo
cárcere
ser
parecer
não perecer
1
Poeta e compositor pernambucano.
113 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
ENCONTROS
Bruno Candeas
palavras
que se
completam
são palavras
que se
encontram
onde se
encontrariam
os amantes
em qualquer
lugar
em poucos
instantes
...
114 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
COM TANTAS PALAVRAS
1
Lin Quintino
1
Poetisa mineira.
115 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
ACREDITE NO AMOR
1
Júlia Romero
Toca em mim,
Sinta aquele olhar sincero,
Acredita no amor,
No pressentir,
No sentir e amar.
Vamos amar,
Olhar para o céu, vê o amor na estrela
Que transcende no seu SER
No AMAR
E no SENTIR.
1
Poetisa lagartense.
116 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
ENTENDER A LIBERDADE
Júlia Romero
117 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
CONTO
O CATADOR DE PAPELÃO
1
Marcos Antônio Lima
1
Escritor, Cronista, Poeta e Acadêmico Membro da Comissão de Admissão da ALAS –
Academia Literária do Amplo Sertão Sergipano e membro da Academia de Letras de
Paulo Afonso-BA.
121 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
Usava um velho e surrado chapéu de palha, e uma camisa xadrez de
mangas compridas para se proteger dos raios solares, enquanto catava
seu “tesouro”, na companhia de seu melhor amigo, pelas mormacentas
ruas da Capital da Energia, que pareciam cozinhar a vapor. À tardinha
retornavam para o posto de gasolina, seu habitat naquela selva de
pedra. As vinte e duas horas, quando as cortinas de luz se fechavam, e a
noite ficava iluminada pelo esmaecido brilho das estrelas, ele buscava o
refugio de sua humilde, mas aconchegante barraca de papelão, onde a
sua cama, também de “papelão”, o aguardava juntamente com o seu
grosso cobertor de lona, que ajudava a amenizar o frio, e ali deitar e
dormir o sono dos justos, enquanto Lyon vigiava.
Às quatro horas da manhã, antes mesmo do sol apontar com
seus raios fúlgidos no firmamento multicor, o ronco dos motores dos
caminhões acordava o catador e seu cão. Era o despertador habitual de
todas as madrugadas. As inconfundíveis vozes dos caminhoneiros que
pernoitavam naquele posto, se faziam ouvir aos borbotões. O cheiro do
café fresquinho que exalava da lanchonete era um verdadeiro convite
ao desjejum, isso para aqueles pouco privilegiados que possuíam algum
tostão no bolso, o que não era o caso daquele singelo catador, mas
sempre havia uma alma boa, em meio a tantas “almas sebosas” que lhe
pagavam um pretinho, ao mesmo que jogava restos de comida para o
Lyon.
Eis que certa vez, enquanto deliciava-se com o néctar de um
cremoso café, e aguardava pelo surgimento do astro rei, um cochicho
dentre alguns caminhoneiros pareceu chamar a atenção de Mauricio.
Macionílio, um dos frentistas que nutria antipatia pelo jovem catador,
observou que Roden estava atento a conversa, e pensou com os seus
botões: “esse cabra deve é tá querendo roubar os caminhoneiros, só
pode”.
O jovem catador, ao olhar de soslaio, flagrou o olhar de
Macionílio a lhe fazer um raio-x, e disfarçando de imediato, afastou-se
dos caminhoneiros e seguiu em direção oposta. O dia havia se passado
rápido como um flash de um relâmpago, essa fora a impressão que
Mauricio tivera. A noite negra e fria havia chegado acompanhada de
uma brisa suave. Nisso as luzes do posto se apaga, e o frentista Jeremias
senta-se na sua desconfortável cadeira de ferrugem, e espuma
recoberta por uma napa velha e rasgada para entregar-se ao cochilo
rotineiro, enquanto Roden finge se retirar para entregar-se nos braços
de Morfeu.
122 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
Os ponteiros do relógio cruzavam a linha de chegada das três
horas da manhã quando o catador, sutilmente se aproxima de um dos
caminhões, levanta levemente a lona de cor verde cana, que devido ao
pó das estradas, assumira um tom de abóbora podre. A leveza de suas
mãos mais pareciam procedimentos de um ato cirúrgico, feito com
grande maestria, o que não é peculiar a um simples “catador de
recicláveis”. Enquanto Lion enfiava o focinho para dentro da abertura
na carga, e balançava o rabo, mexia com as orelhas e grunhia baixinho,
calando-se ao toque das calejadas mãos do catador. Ao constatar que as
suas suspeitas tinham fundamento, lacrou a lona de volta de forma a
não parecer que havia sido removida. Já havia transcorridos alguns
meses desde a chegada daquele enigmático, e ao mesmo tempo
atencioso e prestativo homem aquela energética cidade. E todo dia era
a mesma coisa. Saia logo pela manhã, cedinho, para retornar somente
ao final da tarde. Ficava de bate-papo com os frentistas, menos com
Marcionílio, que demonstrava não ir com a sua cara.
A conversa rolava até o apagar das luzes que acontecia sempre
às dez horas da noite. No entanto, havia nos refolhos do universo, certa
conspiração para que a rotina, daquela madrugada de fevereiro, que
estava mais úmida do que fria, fosse quebrada, e foi. A noite anterior
havia transcorrido em sua peculiar calmaria, na qual se podia ver a lua
em seu quarto minguante, pálida e fina como um anzol feito de osso.
Quando ao alvorecer, os roncos dos motores pareciam querer acordar o
sol, fora substituído pelo som das sirenes. A luz giratória de cor azul
neon dos carros-patrulhas da Policia Federal iluminavam o crepúsculo.
Não se sabia de onde surgiram tantos automóveis, e de dentro deles,
surgir tantos polícias, mais parecia formiga em volta do açúcar. E pode-
se dizer que era, verdadeiramente, um exuberante exercito armados até
os dentes:
– Capitão! Oh, capitão! – Gritava um daqueles homens fardados.
– Aqui, tenente. – respondeu uma voz que vinha de debaixo de
uma “moradia” improvisada. – Pode prender todo mundo! Estão todos
envolvidos com tráfico de drogas. Podem revistar a carga. Tragam aqui
os cães farejadores e comprovem. – Disse a certa voz.
O Primeiro Tenente, um tipo robusto, de pele morena e olhos
quão negros quanto uma noite de trevas, imediatamente acatou as
ordens. Utilizando dois cães farejadores: Vespúcio e Malombas
constataram que em meio à carga, havia vários pacotes de cocaína
revestida em grosso plástico, e tabletes de maconha prensada em meio
123 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
às caixas de madeira, que deveriam conter maçãs, pêssegos, e
morangos, segundo as suas respectivas etiquetas.
Em meio a todo aquele furdúncio, Jeremias, um dos frentistas
que trabalhavam no posto, e naquele momento estava de serviço, ficou
boquiaberto com o que estava testemunhando. Um catador de lixo, no
comando de uma expedição da Polícia Federal, como pode? Esfregou os
olhos para espantar o sonho, e ter a certeza de que não estava
sonhando, e constatou que realmente era tudo muito real.
Em meio a todo aquele alvoroço, e após cinco caminhoneiros
serem atuados em flagrante, e consequentemente presos, enquadrado
no trafico de entorpecente, o jovem Mauricio adentrou numa das
viaturas, e quando saiu dela, estava completamente diferente do
catador de papelão.
Roden envergava o uniforme da Policia Federal, com suas
diversificadas condecorações.
– Enfim, a missão fora concluída com êxito. – Afirmou Mauricio
para o Primeiro Tenente Oliver– Foram longos meses disfarçados,
comendo o pão que o diabo amassou e cuspiu fora. Mas no fim, valeu à
pena. Agora são menos drogas para ofuscar o futuro de nossas crianças,
e menos drogas para desencaminhar e matar nossos adolescentes. –
Concluiu o Capitão da Policia Federal do Brasil: Mauricio Roden de
Alcântara.
124 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
CRÔNICAS
ZÉ CORNO
1
José Carlos Nascimento Júnior
127 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
Muitos homens tentaram entrar na casa de Antônio quando ele
estava fora, mas sua mulher parecia abrir a janela apenas para um. E
esse um era o mistério da cidade. Quem seria aquele homem misterioso
que entrava quando ninguém estava vendo? Não demorou muito e os
homens começaram a reivindicar o feito, inventavam aventuras
amorosas com Pureza e muito mais. Zé Corno, porém, não ligava... ou
parecia não ligar. Era um enigma: quanto mais era chamado de Corno,
mais sua padaria crescia. As mulheres faziam fila para comprar pão,
embora ele não fosse o padeiro e ficasse no balcão, e nem mais
mandavam as crianças que agradeciam por isso.
Naquele dia um raio cortou o céu. Zé Corno olhou para sua esposa
que dormia na cama.
– Pureza. Pureza, minha filha, acorda. Está na hora de eu ir
trabalhar.
Languidamente ela se espreguiçou e disse com um sorriso safado:
– Muitas freguesas hoje?
Antônio pegou no bolso da calça um pedaço de papel com uma
lista de nomes:
– Maria, 23 pães. Josefa, 12 pães. Irmãs Cecília e Ana, 1 pão.
– Hoje não vou ganhar muitos presentes. – Suspirou. – Acho que é
por causa dessa chuva que desde cedo ameaça cair. Mas tudo bem. Saia
que eu fecharei a janela. Só não engravide ninguém, no dia que fizer
isso, arranco suas coisas fora.
E Zé Corno saiu pela janela como sempre fazia. Correu para o
mato e foi para a primeira cliente: Maria. Os 23 pães anotados no papel
significavam o horário em que deveria estar nos pontos de encontro
pré-estabelecidos na padaria. Os maridos estariam dormindo e ele
poderia fazer o que sabia fazer de melhor. Em troca, as mulheres
davam-lhe presentes que ele, por sua vez, dava para sua esposa, e
mantinha sua clientela cativa.
Assim continuou a vida de Zé Corno por muito e muito tempo.
128 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
O MIRANTE, DESPEDIDA...
1
José Expedito Souza
1
Escritor e membro do Movimento Cultural Antônio Garcia Filho (MAC), da Academia
Sergipana de Letras.
129 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8
E a ação do tempo fazia-se ouvir pelo zumbindo do vento que
passava apertado pelos buracos abertos, que nem ferida, nas paredes
de adobe, no piso, com as lajotas de cerâmica soltas e enormes
cupinzeiros abraçados fortemente as grossas peças de madeira do
telhado. A sua demora causou-me apreensão, pois o ambiente escuro e
úmido poderia esconder alguma cobra ou outro animal perigoso.
Finalmente, ele apareceu, fechou a porta solenemente e se despediu do
passado. Visivelmente emocionado, seu Zuza do Mirante, retirou do
bolso um lenço, enxugou os olhos úmidos e vermelhos que
denunciavam o choro incontido. Pegou a minha mão e descemos a
ladeira sem olhar para trás.
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PERSONAGEM LAGARTENSE
ANÉSIO FRAGA SOUZA1
Há 36 anos mora em
Aracaju, capital de Sergipe. Nesta
cidade, constituiu família e vive
feliz com sua esposa e duas lindas
filhas. Cursou o ensino médio - técnico nas Escolas: Laudelino Freire e
Silvio Romero, em Lagarto - SE, concluindo seus estudos em 1981.
1
Por ele mesmo.
133 | R E V . A L L . N . 2 / V . 1 - 2 0 1 8