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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE

CENTRO DE HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

MESTRADO

ROSANA DO NASCIMENTO GOMES MELO

A CURA POR MEIO DA VONOROFTHERAPIA:


A CIRCULAÇÃO DOS SABERES POPULARES PRODUZIDOS PELO
FARMACÊUTICO/CURANDEIRO JOSÉ FÁBIO LYRA (1910-1940)

Linha de pesquisa III


História Cultural das Práticas Educativas.

Projeto de pesquisa apresentado ao


Programa e Pós-Graduação em História
para seleção do curso de mestrado em
História, na linha de pesquisa História
Cultural das Práticas Educativas.

Campina Grande – PB
2016
UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE
CENTRO DE HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

RESUMO.
Esse projeto tem por objetivo analisar a circulação dos saberes “médicos”
produzidos pelo farmacêutico/curandeiro José Fábio Lyra na Paraíba durante
as primeiras décadas do século vinte (1910 a 1940). José Fábio Lyra
desenvolveu um método de cura chamado lymfoterapia na cidade de
Bananeiras, localizada no brejo paraibano nos primeiros anos do século XX.
A lymfoterapia consistia na fabricação e aplicação de vacinas feitas com a
saliva de crianças sadias com o objetivo de assegurar a cura para as mais
diversas enfermidades. A vacina do cuspe, como ficou conhecida, era um dos
mecanismos de cura utilizados por curandeiros num momento em que o
número de médicos responsáveis por atender a população era bastante
pequeno. Dessa forma, discutimos o tema do conceito de biopolítica de
Michel Foucault (1979) ao pensar que o corpo e a medicina se configuravam
como uma estratégia de controle. Assunto problematizado através das
publicações do jornal A União e a A Noite, pelos anais da Sociedade de
Medicina e Cirurgia da Paraíba e pelas obras publicadas por José Fábio Lyra.
Palavras-chave: Lymfoterapia, saberes populares, cura.

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OBJETIVO:

Objetivo Geral:
 Analisar a circulação dos saberes “médicos” produzidos pelo
farmacêutico/curandeiro José Fábio Lyra na Paraíba durante as
primeiras décadas do século vinte (1910 a 1940).

Objetivos Específicos
 Contextualizar o perfil biográfico do farmacêutico José Fábio Lyra que
ganhou fama na Paraíba graças ao método de curar desenvolvido por
meio das vacinas de cuspe.
 Entender o método da Lymfoterapia e a defesa da utilização das
vacinas de cuspe como forma de curar publicadas nos livros “A
lymfoterapia (razões, fatos e curas)” e “Da lymfoterapia do physio-
psychismo”.
 Discutir os discurso dos médicos paraibanos em combate a prática
considerada “curandeira” e “ilegal” da arte de curar desenvolvida do
José Fábio Lyra.

INTRODUÇÃO

Tem crescido na historiografia paraibana pesquisas no campo da


História Cultural e das Práticas Educativas, em especial trabalhos que se
dedicam a perceber a circulação de sabres considerados médicos e
populares atrelados a formas de educar. São saberes produzidos por
populares – charlatões, curandeiros, parteiras, rezadeiras – e que são
colocados à disposição da população que seguem tais ensinamentos,
especialmente num momento em que profissional médico era raridade.
Dentre as “práticas educativas” de interesse da Linha 3 do Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade Federal de Campina Grande, está a
“história das culturas médicas e de prevenção, combate à doença e
promoção da saúde [bem como] a história dos profissionais e das profissões”.

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Dessa forma, acreditamos que analisar a circulação dos saberes produzidos


por José Fábio Lyra, é possível nesse espaço de produção do saber
historiográfico.
José Fábio Lyra, se intitulava farmacêutico. Tornou-se conhecido na
cidade de Bananeiras, localizada no brejo paraibano, devido a prática de cura
conhecida por Lymfoterapia. Tratava-se da fabricação de vacinas feitas com
saliva de crianças sadias que eram aplicadas nas pessoas acometidas de
algum mal e que prometiam curar a todo tipo de enfermidade. Nesse
antídoto, José Fábio “utilizava a saliva, a qual injetava nos doentes, após um
tratamento especial, por ele praticado. Denominava o seu método de
lymfoterapia” (CASTRO,1945, p. 285). Fazendo o uso dessa vacina, afirma
os documentos, revelavam-se resultados positivos sobre os pacientes que
recebiam o medicamento.
O primeiro contato com as práticas de cura desenvolvidas por José
Fábio Lyra, aconteceu nas aulas da graduação em História na Universidade
Estadual da Paraíba (Campus III). Foi galgando fontes acerca das práticas
populares de cura que tomamos conhecimento da Lymfoterapia, técnica que
utilizava saliva de crianças em injeções aplicadas nos doentes. Esse primeiro
contato com a documentação disponível à época viabilizou a escrita do
trabalho de conclusão de curso em formato de monografia intitulado “As
assombrosas curas da lymfoterapia: José Fábio Lyra e as vacinas feitas com
a ‘seiva da vida’”, sob a orientação do Prof. Dr. Azemar dos Santos Soares
Júnior. Após a realização da pesquisa, muitas inquietações surgiram, lacunas
foram observadas: Como eram feitas as vacinas de cuspe? Como se dava o
tratamento indicado pelo farmacêutico? Qual impulso obteve os saberes
produzidos pelo farmacêutico/curandeiro? Por que mesmo sendo amigo de
médicos, a exemplo de Oscar de Castro que fez o prefácio de seu livro, seu
método foi rejeitado pela Sociedade e Medicina e Cirurgia da Paraíba?
Apesar dos inúmeros relatos de cura e da grande procura de doentes até
mesmo de outros estados seu ofício passou a ser perseguido? São
inquietações que nos levam a propor essa pesquisa.

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JUSTIFICATIVA

Estudar a circulação dos saberes considerados médicos populares a


partir da arte de curar desenvolvida por José Fábio Lyra enquanto uma
prática educativa tem sido bastante desafiador, além de contribuir
decisivamente para a historiografia paraibana do campo da História da Saúde
e das Doenças. Carecemos de pesquisas que contemplem aqueles que
foram silenciados, que caíram no esquecimento, e, que graças a História
Cultural tiveram a oportunidade de tornar-se objeto de interesse. Memórias
que só passaram a fazer sentido a partir do momento em que se atribuiu um
sentido. Atividade atribuída ao historiador, que de acordo com Albuquerque
Júnior (2007, p. 62), conta uma história, narra; apenas não inventando os
dados de suas histórias. Esse profissional, tem em seu ofício, a atividade de
consultar arquivos, compilar uma série de textos, leituras e imagens deixadas
pelas gerações passadas, que, no entanto são revistos a partir dos
problemas do presente e de novos pressupostos. Ao historiador, cabe a
metáfora do tecelão: enovela os fios, cruza-os, envolve-os, decifra-os,
esculpe um outro corpo em forma de texto, produz História.
Assumimos esse lugar de tecelão. Para tanto, demarcamos as
primeiras décadas do vigésimo século como nosso recorte temporal. Elas se
justificam pelo fato de ter sido nesse período o momento de desenvolvimento
da lymfoterapia e da forte atuação desse método considerado de cura. A
década de 1920, é nosso ponto de partida. Momento em que as vacinas de
cuspe ganham fama Paraíba afora. É também o período de
institucionalização do profissional médico na Paraíba (Cf. SANTOS, 2015). O
ano de 1940 é nosso ponto de chegada. Ela se justifica pelo fato de ser o
momento de maior perseguição aos charlatões, curandeiros, parteiras e
todos aqueles que ocupavam o lugar do médico. É o momento de
perseguição a José Fábio Lyra e a circulação de suas obras. Apesar de
adotarmos esses marcos temporais, revelamos suas fragilidades: ainda há

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uma imprecisão de data quanto ao desenvolvimento da Lymfoterapia, bem


como, a exatidão de seu fim, fatos que acreditamos serem percebidos no
decorrer da pesquisa. Daí a escolha metodológica de adotar as duas
décadas e justifica-las pelo surgimento das injeções de cuspe e pela
perseguição ao farmacêutico/curandeiro.
A decisão de continuar pesquisando sobre José Fábio Lyra deu-se não
apenas por ser tema já discutido em meu trabalho de conclusão de curso,
mas devido ao surgimento de novas fontes que merecem o atento olhar de
historiadores culturais: as obras escritas pelo farmacêutico. São dois
pequenos livros - “A lymfoterapia (razões, fatos e curas)” e “Da lymfoterapia
do physio-psychismo” -, onde é descrito com detalhes a importância das
vacinas de cuspe para a cura de diversos males. Essas obras, pertencente
ao arquivo privado da família Lyra, foram apresentadas por Oscar Oliveira de
Castro, médicos bananeirense que era membro da Sociedade de Medicina e
Cirurgia da Paraíba e do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, e,
apoiador da técnica de José Fábio.
Soma-se a essa documentação, os relatórios produzidos pelo debate
na Sociedade de Medicina e Cirurgia da Paraíba sobre a Lymfoterapia, no
momento em que o farmacêutico solicitou a aprovação do uso da técnica na
cura de doenças. Fontes que estão disponíveis nos anais da Sociedade, bem
como nas páginas do jornal A União.
Nossa intenção é problematizar, a partir da eclética História Cultural
(Cf. BURKE, 2011), a circulação desses saberes no meio científico –
Sociedade de Medicina e Cirurgia da Paraíba -, bem como, no meio popular,
responsável por fazer com “peregrinações fossem feitas das mais diversas
cidades da Paraíba e de outros estados com Natal, Recife e Fortaleza para
Bananeiras em busca de cura” (A Noite, 1936).

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA

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A arte de inventar o passado. Assim o historiador Durval Muniz de


Albuquerque Júnior (2007, p. 64) define a História. Inventar no sentido de
recriar, reconstruir, dar sentido. O historiador atribui significados aos materiais
dispersos deixados por homens e mulheres ao longo do tempo. Claro, a
tarefa de inventar se solidifica nas regras de produção do saber, na dimensão
científica que o nosso ofício possui. Os lugares de fala, diz muito de cada
pesquisador/historiador. Assim, assumimos nosso compromisso de pensar
teoricamente a partir da História Cultural, que desde a década de 1970
ampliou consideravelmente as possibilidades de temas a serem
problematizados, bem como, o trato dados as fontes, que são plurais.
Escrever sobre a circulação de saberes e práticas educativas a partir da
produção de um farmacêutico/curandeiro do brejo paraibano se tornou
possível graças a Nova História Cultural.
Assim, concordamos com Sandra Pesavento (2005, p. 15) que a
História Cultural está dando uma nova forma de trabalhar a cultura, de pensar
a cultura como um conjunto de significados partilhados e construídos pelos
homens para explicar o mundo. Tudo passa a ser objeto da História. Pensar
as práticas populares de cura na Paraíba nas primeiras décadas do vigésimo
século torna-se possível. Portanto, reafirmamos nosso objetivo de
problematizar a circulação dos saberes “médicos” produzidos pelo
farmacêutico/curandeiro José Fábio Lyra.
Até hoje, corre nas lembranças do brejo paraibano as histórias de cura
realizadas por José Fábio da Costa Lyra, considerado “célebre farmacêutico
e prático”, autor de “um processo a que se attribuem curas assombrosas” (A
Noite, 11 ago. 1936). José Fábio era residente do município de Bananeiras,
localizada no brejo paraibano, conhecida por seu clima frio. O farmacêutico
se transformou em uma “figura ilustre”, muito famoso e requisitado graças à
fabricação e venda de vacinas caseiras. Essas vacinas, produzidas em seu
local de trabalho – a farmácia – continha uma substância intrigante: a saliva.
Esse fato, levou-o a ser acusado pelos médicos da época como um

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charlatão, especialmente no momento em que se perseguiam os práticos


curandeiros.
Alguns trabalhos já produzidos sobre a história da medicina na Paraíba
entre os séculos XIX ao XX afirmam que as conhecidas práticas de cura
vigentes na época pelos chamados médicos populares foram primordiais
para entender como a dita “arte de curar” que predominou no cenário medico
paraibano tinha forte influência no cotidiano das pessoas. Especialmente num
momento em que devido à falta de políticas higiênicas, era comum o
surgimento e proliferação dos surtos epidêmicos, a propagação de doenças,
a falta de educação higiênica ou aos maus hábitos da populacional local.
Características que faziam circular miasmas, moléstias, epidemias, morte.
Uma sociedade que vivia em más condições de higiene, bem como, em
precárias infraestruturas existentes.
O fato é que faltavam médicos para uma demanda populacional
bastante superior, já que o número de médicos profissionalizados era
pequeno (Cf. SOARES JR., 2015), e, porque ainda não se havia
institucionalizado na Paraíba a atuação médica. Embora a documentação
acerca da atuação médica na Paraíba já registrasse a existência de
esculápios contratados enquanto funcionários e pago pelo Estado Imperial,
sua forte atuação parece ter se consolidado no início século XX, abrindo
assim, possibilidades de novas atuações e iniciando o combate aos práticos
populares também conhecido por curandeiros.
Os curandeiros utilizavam em suas habilidades de cura, plantas, ervas
e rezas, bem como outros conhecimentos médicos/naturais necessários às
formas de tratamentos dos males existentes que tanto assolavam a
população. Boa parte da população local via com respeito a oportunidade de
se consultarem com esses práticos, visto que o grande contingente
populacional da época não possuíam condições de se consultarem com
diplomados em medicina.
Sobre à falta de médicos profissionais, Leandro Querino dos Santos
(2015, p. 55), assinala que

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a precariedade, portanto, marcava a atuação desses


primeiros médicos públicos na Paraíba. O atendimento à
população era bastante limitada. Faltavam recursos,
materiais indispensáveis ao trabalho médico. A demanda da
sociedade paraibana era muito superior às possibilidades de
prestação de serviços deste profissional.

Na maioria das vezes restavam os curandeiros que exerciam sua


função de médico clandestinamente. Existia, na Paraíba, uma grande
quantidade de curandeiros, farmacêuticos, benzedeiros e parteiras que
exerciam a profissão de médico em prol de ajudar as pessoas mais
necessitadas financeiramente.
A medicina paraibana se configurava no decorrer do oitocentos e início
do novecentos, focada em um saber popular, do que a medicina
propriamente dita, já que a mesma ainda emergia e que era de privilégio de
uma pequena minoria elitizada, fazendo com que a maioria da população não
fosse contemplada com esse atendimento. Sabemos assim, que os médicos
diplomados não davam conta de atender toda uma demanda populacional,
fazendo com que a população, em especial no interior do estado se deixasse
influenciar por práticas de curas consideradas “ilícitas”. Os esculápios que
pela paraíba circulavam, faziam parte daquilo que Michel Foucault (1979)
chamou de biopolítica: o corpo e a medicina se configuravam como uma
estratégia de controle.
A biopolítica vai se ocupar, portanto, com os processos biológicos
relacionados ao homem-espécie, estabelecendo sobre os mesmos uma
espécie de regulamentação. E, para compreender e conhecer melhor esse
corpo, é preciso não apenas descrevê-lo e quantificá-lo – por exemplo, em
termos de nascimento e de mortes, de fecundidade, de morbidade, de
longevidade, etc. –, mas também jogar com tais descrições e quantidades,
combinando-as, comparando-as e, sempre que possível, prevendo seu futuro
por meio do passado. Assim, buscamos entender como esse biopoder se
estabeleceu na guerra travada entre uma medicina popular versus científica.
Como as formas de cura praticadas por José Fábio se configuravam

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enquanto uma afronta a sociedade médica. Como os esculápios se


posicionavam mediante os relatos de cura?
Vejamos o relato de uma mulher que foi sua paciente:

[...] já não havia receio de abcesso porquanto, agora o


líquido é esterilizado em velas muito fechadas, de sorte que
a segurança é perfeita. Está agora na 6º injeção. O cansaço
passou, o coração aumentou a amplitude de bulhas, as
carótidas batem normalmente e o pulso, largo e mais
demorado, atesta uma nova força de impulsão no sistema
enervatico. Não há mais a metrorrogia, o que o ferro e o
arsênico não conseguiram fê-lo a lympha, extraída de uma
moçoila forte e sadia. Já se acha corada, voltou ao apetite e
um novo viço açomou a pele da face. (CASTRO, 1945, p.
287. Grifos nossos)

Notícias como essas se espalhavam. Ela revela o “poder de cura” da


lymfoterapia: Após a sexta aplicação, a vacina havia resolvido quase todos os
problemas de saúde, a exemplo do cansaço, a normalização do ritmo
cardíaco, melhora no bem estar da pelo e do corpo. Bastava retirar saliva de
moças belas e sadias, submeter ao método farmacêutico e tudo parecia ser
curado. Outro caso relatado por Oscar Oliveira de Castro (1945) conta-nos de
uma senhora já de idade no qual se aplicou umas injeções tônicas. Muito
enfraquecida estava seu sistema nervoso, a ponto de privá-la quase do
exercício, tinha ainda edemaciados os pés, taquicardia, com pulsação radical
elevada, batimento acelerado das carótidas, metrorragia e anemia profunda.
Quase a descrição de um corpo em leito de morte! A princípio, mediante o
estado de saúde da paciente, o farmacêutico José Fábio, tratou de indicar os
cuidados médicos. Ao procurar um médico, conforme solicitado pelo
farmacêutico, foi diagnosticada com problemas no coração nos rins. Após
tratamento médico profissional, em nada melhorou o estado. Retornando ao
prático, foi submetida as injeções de cuspe, e, rapidamente melhorou. São
diversas as fontes que apresentam tais relatos. Fontes que clamam pela
atenção dos historiadores.
Uma história que via na medicina da época o antídoto contra as
doenças, o medo e a morte. Medicina que tornou-se tema para os estudos

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escritos através da História Cultural. Trabalhos que na historiografia


paraibana, ainda precisam ser feitos. Quando o assunto é História da Saúde
e das Doenças, nos deparamos com alguns trabalhos já produzidos, a
exemplo de “Medicina na Paraíba” (1945) de Oscar Oliveira de Castro, que
timbrou em suas páginas documentos e relatos sobre médicos, curandeiros,
rezadeiras, formas de curar na Paraíba; “Relatos de Males: notas acerca dos
modos de adoecer na Paraíba Imperial” (2005) de Alarcon Agra do Ó, no qual
se problematiza de forma mais geral a grande quantidade de enfermidades
que se abatia sobre a população paraibana; o texto de Azemar dos Santos
Soares Júnior, intitulado “Corpos hígidos: o limpo e o sujo na Paraíba (1912-
1924)”, publicado no ano de 2015, que tratou de entender as condições de
higiene do Estado da Paraíba e as epidemias – Peste Bubônica e Gripe
Espanhola – que dizimou dezenas de vidas; a dissertação de mestrado de
Leonardo Querino dos Santos, “Entre a ciência e a saúde pública: a
construção do médico paraibano como reformador social (1911-1929)”
(2015), que tratou de discutir a institucionalização da profissão médica na
Paraíba; dentre outros. Apesar da carência de trabalhos na área mediante a
grande quantidade de temas e fontes disponíveis aos historiadores,
acreditamos ser essa pesquisa mais uma lacuna preenchida e o surgimento
de novos questionamentos que sugerem outras propostas de pesquisa.

DISCUSSÃO DAS FONTES

Com o surgimento das novas abordagens no campo da História da


Educação Brasileira ocorrida na década de 1990 tornou-se possível produzir
uma história da educação liberta do exclusivismo das “ideias pedagógicas”
conforme afirma Pinheiro (2011, p. 252). Assim, diversas práticas como
hábitos, costumes, posturas, circulação de sabres, dentre outras, são
culturalmente informadas para que possam fazer sentido num determinado
contexto social, uma possibilidade de sociabilidade nos agrupamentos
humanos que legitimam os comportamentos sociais.

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Buscamos nas fontes - lugar de jogo de sentidos e passível de


interpretação – entender como os saberes de cura desenvolvidos pelo
farmacêutico/curandeiro José Fábio Lyra ganharam visibilidade na Paraíba
nas primeiras décadas do vigésimo século. Dessa forma, proponho buscar o
contexto da produção textual, pois, entendo que os escritos não são um mero
jogo de palavras escolhidas a esmo. Existe um interdiscurso que guia os
dizeres, que fala antes. Para cada dito, encontramos uma série de não-ditos
(cf. FERRO, 1989). Refletir sobre as motivações destes silêncios é outra
contribuição que a Análise do Discurso traz para o desenvolvimento do
trabalho (cf. ORLANDI, 2003, p. 72).
Dentre estas fontes, gostaria de destacar a importância dos jornais - A
União e A Noite -, porque eles representam algo que é fundamental na
comunidade imaginada: o sentimento de simultaneidade com um grande
número de pessoas, de quem você sabe da existência, mas não conhece. As
notícias veiculadas por estas publicações diárias são lidas, ouvidas e
debatidas pelos mais diferentes sujeitos sociais, garantindo que “a ficção se
infiltra contínua e silenciosamente na realidade criando aquela admirável
confiança da comunidade no anonimato que constituí a marca registrada das
nações modernas” (ANDERSON, 2008, p. 69).
O jornal A União, periódico oficial do Estado da Paraíba, está
disponível para consulta no Arquivo Público no Estado da Paraíba
(FUNESC), já o jornal A Noite, periódico noticioso carioca, está todos
digitalizado e disponível para consulta na Hemeroteca Digital da Biblioteca
Nacional.
Outras fontes se fazem imprescindíveis para o desenrolar dessa
pesquisa: os livros de autoria do farmacêutico/curandeiro José Fábio Lyra - “A
lymfoterapia (razões, fatos e curas)” e “Da lymfoterapia do physio-psychismo”
-, guardados no arquivo da família, do qual já estamos de posse. Os relatos
de cura também foram publicados no livro de Oscar Oliveira de Castro,
“Medicina na Paraíba” (1945).

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Podemos citar uma série de documentos e arquivos através dos quais


essa pesquisa pode se concretizar. Primeiramente citamos a riqueza do do
Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba (IHGP) que contém registros os
mais variados sobre as produções médicas em circulação à época, em
especial, parte da documentação – cartas, livros, discursos – produzidos pela
Sociedade de Medicina e Cirurgia da Paraíba, dentre outros. Nosso interesse
principal, nesse arquivo, é a documentação produzida sobre o combate ao
charlatanismo e ao curandeirismo. Vale ressaltar ainda, que parte da
documentação sobre esses práticos, encontra-se no Arquivo da Santa Casa
de Misericórdia localizado na capital paraibana.
Soma-se ainda o levantamento que será feito em arquivos e
bibliotecas que tenham informações sobre a temática. Neste momento,
podem ser citados: A Biblioteca Central da UFPB, na Seção de Coleções
Especiais, e, dentro desta, a Coleção Paraibana composta, além de livros
raros, de folhetos e jornais; a Biblioteca Irineu Ferreira Pinto do Instituto
Histórico Geográfico Paraibano e o Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese da
Paraíba.
A coleta dessas fontes revelam parte do trabalho do historiador. Após a
coleta, chega o momento de realizar a crítica, questionar, problematizar as
fontes para transformá-las em escrita. Michel de Certeau (2007, p. 92)
defende que na tarefa do historiador está a necessidade de introduzir uma
interrogação, e, a partir dela, chegar a atos, pessoas, tramas, desconfiando
sempre daquilo que aparentemente está exposto. Elas – as fontes – serão
fundamentais para resgatar o morto, dar-lhes vida, atribuir-lhes sentido.

5 REFERÊNCIAS

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Campina Grande, 2015, 255 p. Dissertação (Mestrado em História), Centro
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SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças. Cientistas, instituições e


questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras,
1993.
SOARES JUNIOR, Azemar dos Santos. Corpos hígidos: o limpo e o sujo na
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TEIXEIRA, Marcus Zulian. Similia similibus curentur: o princípio de cura
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