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UM MÊS DE #VAZAJATO: OUÇA

AGORA ÁUDIO INÉDITO DOS


ARQUIVOS DO INTERCEPT
BRASIL
Leandro Demori, Glenn Greenwald, Alexandre de Santi, Rafael Moro Martins, Andrew
Fishman, Amanda Audi, Tatiana Dias, Bruna de Lara
9 de Julho de 2019, 17h22

Ilustração: Rodrigo Bento/The Intercept Brasil

Há um mês, o Intercept iniciou uma série de reportagens que mudaram


para sempre a história da operação Lava Jato, de seus procuradores e do
ex-juiz e atual ministro de Jair Bolsonaro, Sergio Moro. Antes vistos
como heróis intocáveis, os monopolistas do combate à corrupção (que
tentavam silenciar qualquer voz que se levantasse para expor seus erros,
abusos e ilegalidades) hoje são vistos de outra maneira pela população:
58% dos brasileiros acreditam que as conversas de Moro com
procuradores são inadequadas. A desconfiança é ainda maior entre os
jovens: na faixa etária de 16 a 24 anos, 73% não querem um país guiado
pelo espírito justiceiro de Moro.

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Em seus primeiros capítulos, as histórias dos arquivos secretos da Vaza


Jato mostraram Moro atuando como chefe de fato dos procuradores, o
que é ilegal; expuseram o coordenador da força-tarefa Deltan Dallagnol
apresentando uma denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva da qual ele próprio duvidava; e revelaram os procuradores da Lava
Jato (incluindo Deltan) operando secretamente para evitar que Lula
desse uma entrevista durante a campanha eleitoral por medo que
pudesse ajudar a “eleger o Haddad”.

28 de setembro de 2018 – chat privado

Anna Carolina Resende – 11:24:06 – ando muito preocupada


com uma possivel volta do PT, mas tenho rezado muito para
Deus iluminar nossa população para que um milagre nos salve
Deltan Dallagnol – 13:34:22 – Valeu Carol!
Dallagnol – 13:34:27 – Reza sim
Dallagnol – 13:34:32 – Precisamos como país
 

A propósito disso, nós publicamos agora, pela primeira vez, um áudio


da conversa entre os membros da força-tarefa a respeito da guerra
jurídica em torno da entrevista. Na manhã do dia 28 de setembro de
2018, a imprensa noticiou que o ministro do STF Ricardo Lewandowski
autorizara Lula a conceder uma entrevista ao jornal Folha de S.Paulo.
Em um grupo no Telegram, os procuradores imediatamente se
movimentaram, debatendo estratégias para evitar que Lula pudesse
falar. Para a procuradora Laura Tessler, o direito do ex-presidente era
uma “piada” e “revoltante”, o que ela classificou nos chats como “um
verdadeiro circo”. Uma outra procuradora, Isabel Groba, respondeu:
“Mafiosos!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!”

Eram 10h11 da manhã. A angústia do grupo – que, mostram claramente


os diálogos, agia politicamente, muito distante da imagem pública de
isenção e técnica que sempre tentaram passar – só foi dissolvida mais de
doze horas depois, quando Dallagnol enviou as seguintes mensagens,
seguidas de um áudio.

28 de setembro de 2018 – grupo Filhos do Januario 3

Deltan Dallagnol – 23:32:22 – URGENTE


Dallagnol – 23:32:28 – E SEGREDO
Dallagnol – 23:32:34 – Sobre a entrevista
Dallagnol – 23:32:39 – Quem quer saber ouve o áudio
Dallagnol – 23:33:36 –
#VazaJato: em áudio inédito, Deltan comemora proibi…
proibi…

A comemoração de Dallagnol expõe mais uma vez sua hipocrisia e sua


motivação política: antes de serem alvos de vazamentos, os
procuradores da força-tarefa enfatizavam – em chats privados com seus
colegas – a importância de uma imprensa livre, o direito de jornalistas
de publicar materiais obtidos por vias ilegais e que a publicação desses
materiais fortalece a democracia.

No passado, Dallagnol era o maior entusiasta das garantias que foram


justamente a base para a decisão de Lewandowski autorizar a entrevista
de Lula. Em novembro de 2015, como o Intercept publicou, Deltan
alertou seus colegas que investigar jornalistas que publicavam material
vazado não seria apenas difícil mas “praticamente impossível”, porque
“jornalista que vaza não comete crime”. Naquela época, ele era um dos
principais defensores da importância de uma imprensa livre em uma
democracia, um princípio que abandonou quando poderia, aos seus
olhos, ajudar o PT a vencer a eleição.
Apesar do apelo do procurador para que a informação não fosse
compartilhada, a notícia já se espalhava pela internet.

Depois do impacto inicial da Vaza Jato, o Intercept e seus parceiros


continuaram a publicação de uma sequência de reportagens que
mostraram as entranhas da operação, iluminando as conversas secretas
que o público brasileiro e mundial precisavam ver.

Em parceria com Folha de S.Paulo, revista Veja e o jornalista Reinaldo


Azevedo, mostramos comportamentos antiéticos e transgressões.

Leia Nossa Cobertura Completa


As mensagens secretas da Lava Jato

O ex-juiz Sergio Moro pediu aos procuradores da Lava Jato uma nota à
imprensa para rebater o que chamou de “showzinho” da defesa de Lula,
logo após o depoimento do ex-presidente no caso do triplex do Guarujá.
A Lava Jato seguiu a sugestão como uma ordem.

Enquanto Lula era o alvo central da operação, o também ex-presidente


Fernando Henrique Cardoso era poupado pelos investigadores por ser
considerado por Moro um aliado. Quando viu na TV uma notícia sobre
uma investigação contra FHC, Moro chamou Dallagnol no Telegram e,
mais uma vez, fez uma de suas sugestões: era melhor não seguir a
investigação porque ela “melindra alguém cujo apoio é importante”.

A postura de Moro, escancarada pelas revelações da série, já era


conhecida entre os procuradores – que o elogiavam em público, mas
criticavam no privado. “Moro viola sempre o sistema acusatório e é
tolerado por seus resultados”, disse a procuradora Monique Cheker.
A violação do sistema levou a Lava Jato a conspirar, depois de um
comentário de Moro, para além das fronteiras do Brasil. Os
procuradores se articularam para vazar informações sigilosas da delação
da Odebrecht para a oposição venezuelana, mesmo que isso
representasse “mais convulsão social e mais mortes”, como ponderou o
procurador Paulo Galvão em um grupo. O colega dele, Athayde Ribeiro
Costa, advertiu: “Imagina se ajuizamos e o maluco manda prender
todos os brasieliros no territorio venezuelano”. Deltan Dallagnol não se
comoveu: “é algo que cabe aos cidadãos venezuelanos ponderarem”.

Como dissemos em nosso editorial, logo no primeiro dia das


publicações, “esse escândalo generalizado envolve diversos oligarcas,
lideranças políticas, os últimos presidentes e até mesmo líderes
internacionais acusados de corrupção”. O combate à corrupção é
fundamental em qualquer democracia, por isso a importância de todo
esse trabalho: para melhorar a conduta dos agentes escalados pela
sociedade para liderar a luta contra os desvios éticos e o roubo do
dinheiro público. Nosso parágrafo final, publicado em 9 de junho, serve
também para fechar esse primeiro mês – e é um farol para o que ainda
está por vir.

“Tendo em vista o imenso poder dos envolvidos e o grau de sigilo com


que eles operam – até agora –, a transparência é crucial para que o
Brasil tenha um entendimento claro do que eles realmente fizeram. A
liberdade de imprensa existe para jogar luz sobre aquilo que as figuras
mais poderosas de nossa sociedade fazem às sombras.”

OUTRO LADO
O Intercept enviou para a Lava Jato o conteúdo do áudio. A força-tarefa
respondeu: “O site se recusou a enviar o material usado na reportagem
para avaliação da força-tarefa, prejudicando o direito de resposta e de
análise do material. As mensagens que têm circulado como se fossem de
integrantes da força-tarefa são oriundas de crime cibernético e não
puderam ter seu contexto e veracidade verificados. Diversas dessas
supostas mensagens têm sido usadas, de modo fraudado ou
descontextualizado, para embasar falsas acusações que contrastam com
a realidade dos fatos.”

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