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INTRODUÇÃO À ADMINISTRAÇÃO – JOSEPH A.

LITTERER
438 CAPIYULO21 o A ADMINISTRAÇÃO DE ORGANI7AÇÕES NÃO-INDUSTRIAIS
possibilitar este processo, dependendo, portanto, destes elementos. Conforme observamos
no Cap. 2, o sistema administrativo é uma resposta aos sistemas de transformação
e social.
No exame do sistema de transformação, estaremos examinando principalmente
os subcomponentes de importação, conversão e exportação, e também a tecnologia em
que estas atividades se baseiam. Na análise do sistema social, examinaremos as características
das pessoas que fazem parte da organização, os grupamentos sociais que elas
formam, os sistemas de status surgidos, os valores e normas comuns e os motivos e as
carreiras dos membros da organização. Na análise do sistema administrativo, investigaremos
principalmente a estrutura organizacional e a estrutura de autoridade surgidas e
os tipos de regras e procedimentos comumente empregados. Para tornar nossa discussão.
específica e concreta, examinaremos duas organizações não-empresariais complexas
— o hospital e a universidade.
O HOSPITAL
O Sistema Existem mais de sete mil hospitais nos Estados Unidos atualmente. Cerca de
5 700 deles não são federais; são hospitais gerais, onde as pessoas ficam internadas
relativamente pouco tempo. Destes, 3 400 são hospitais comunitários, voluntários e
sem fins lucrativos.* Voluntários significa que eles não são de qualquer órgão do
governo ou controlados por órgãos do governo; são autónomos. Esta é a maior categoria
de hospitais e é a que examinaremos.
Estamos interessados, em particular, na posição de administrador e no trabalho
de quem ocupa esta posição. Nomeado pelo Conselho Curador, o administrador é o
chefe do hospital. Embora haja muitos cargos administrativos num hospital, o administrador
geralmente é o único desses profissionais que trabalha em horário integral.
Outros (Diretor de Serviços Médicos, por exemplo) são membros de outras profissões
(por exemplo, médicos) que também têm trabalho administrativo.
Os hospitais mudaram muito com o tempo. A partir da Idade Média, eles passaram
a funcionar como um lugar em que os doentes, geralmente pessoas pobres,
recebiam alimentação e abrigo enquanto esperavam a recuperação. Nos primeiros hospitais,
quase não se praticava Medicina — se é que se praticava alguma. Só ha' relativamente
pouco tempo é que os hospitais tornaram-se instituições para onde os médicos
mandam os pacientes para fazerem tratamentos médicos complexos. As coisas
mudaram tanto que, uma vez terminado o tratamento essencial, os hospitais incentivam
os pacientes a ir descansar em casa ou em clínicas de repouso para completar seu
descanso e recuperação. Os hospitais, que eram, inicialmente, instituições quase que
exclusivamente interessadas em internamente, foram, aos poucos, passando a incluir
tratamento e, mais recentemente, começaram a abandonar o internamento, quando
este não está mais relacionado intimamente com o tratamento complexo ministrado.
Comprometeram-se decididamente com o tratamento dos pacientes (Moss e outros;
Georgopoulos e Mann(a)).
Enquanto isso, o papel do administrador modificou-se consideravelmente. Há
apenas quarenta anos atrás, o cargo era, em geral, ocupado principalmente por médicos,
enfermeiras, administradores de empresas ou funcionários públicos aposentados. A
partir da Segunda Guerra Mundial, a situação se modificou sensivelmente. Quase todos
os administradores são, hoje, treinados profissionalmente em Administração Hospitalar
* "The NatiorTs Hospitais, a Statistical Profile", Hospitais: Journal of the American Hospital
Association, Vol. 38, N.° 15, 1964, págs. 469-81.
O Sistema T
O HOSPITAL 439
e, geralmente, têm curso de mestrado na área, estagiaram num hospital como residentes
e ocuparam outros cargos administrativos antes de assumir o de administrador do
hospital (Sigmond; Moss e outros). Examinemos mais detidamente a situação com que
se defronta esse profissional.
A primeira coisa óbvia que observamos nos hospitais é que o objeto de trabalho é
a vida humana. A finalidade-chave, neste processamento, é a administração de tratamento
médico que cure ou que, pelo menos, melhore o estado de saúde dos pacientes
como decorrência de seu internamento.
Importação. Quase todas as pessoas são mandadas para o hospital por seus médicos.
Embora a administração do hospital processe muitos documentos quando o paciente
dá entrada e programe o horário de entrada, não faz seleção. A importação é controlada
pelos médicos individualmente. A única exceção a esta regra é o paciente que dá
entrada na ala de emergência.
Conversão. O tratamento do paciente é dirigido pelo médico, que lança mão de
grande variedade de recursos de que dispõem, hoje, quase todos os hospitais. Parte
deste tratamento usa equipamentos (por exemplo, de radiação de cobalto, laboratórios,
salas de operação), mas grande parte dele usa as habilidades humanas disponfveis,
como as dos técnicos em radiografia, as enfermeiras, os especialistas de laboratório,
os terapeutas ífsicos e até os assistentes sociais (Georgopoulos e Mann(b), pág.
51).
Como objeto do processamento, os seres humanos revelam enorme variedade.
Um paciente pode dar entrada no hospital para uma pequena cirurgia, como extração
das amfdalas, e outro com os problemas complicados do câncer. Dois pacientes com o
mesmo problema podem levar tempo bastante diferente para se recuperar e até precisar
de estratégias diferentes de tratamento. Não é possível estabelecer previamente planos
de tratamento detalhados e certos. O tratamento precisa ser constantemente modificado
com base nas informações colhidas sobre o progresso do paciente, por observações
diretas do médico e por outras fontes, como resultados de exames de laboratório,
relatórios de enfermeiras, radiografias etc.
A tecnologia empregada é variada e complexa. Embora parte desta tecnologia
assuma a forma de equipamentos esquisitos, como os corações e pulmões mecânicos,
quase toda ela depende do conhecimento e das habilidades de pessoas que passaram
por perfodos longos e intensos de treinamento. Não é uma tecnologia completa. Não
existe uma forma padronizada de diagnóstico, nem um tratamento padronizado para a
maioria deles.
O tratamento dos pacientes hoje é um esforço de equipe, que envolve muita
gente e muitos equipamentos, todos eles organizados e controlados por uma única
pessoa — o médico. É impossível encontrar-se uma situação num contexto industrial
em que o objeto do processamento e a conversão tenham estas características.
Exportação. A função de exportação — a alta do paciente — também é, em grande
parte, decisão do médico, e o próprio hospital procura acertar as contas com o
paciente antes de dar-lhe alta.
440 CAPI'TUL021 o A ADMINISTRAÇÃO DE ORGANIZAÇÕES NÃO-INDUSTRIAIS
O Sistema S
O cinema, a televisão e muitas novelas nos deram uma ideia da estrutura social
dos hospitais. Os limites entre as diversas especialidades são nftidos e firmemente
estabelecidos. Os responsáveis pela guarda dos registros médicos podem guardar os
registros dos pacientes, mas não podem acrescentar coisa alguma a eles ou retirar coisa
alguma deles. Isto cabe ao médico e, às vezes, à enfermeira. Os médicos receitam os
remédios, mas são os farmacêuticos que os aviam e guardam.
As distinções nítidas entre as tarefas são reforçadas por símbolos, uniformes e
títulos. Os uniformes das enfermeiras são diferenciados por seus gorros. As auxiliares
podem ter uniformes brancos, mas não usam gorros. Os voluntários usam uniformes
coloridos. Os médicos e os farmacêuticos geralmente usam aventais, de comprimento e
corte diferentes. Um estetoscópio no pescoço indica a presença de um médico ou, às
vezes, de uma enfermeira, e de ninguém mais. Depois de passar algum tempo num
hospital, uma pessoa pode saber, olhando para o uniforme, o que o funcionário faz,
mesmo que não saiba seu nome.
A Estrutura de "Status" nos Hospitais. Estas diferenças de papel são acompanhadas
por nítidas distinções de status. O médico está no nível de status mais elevado, não só
no hospital como também na sociedade em geral. Estudos sobre a ordem de status das
ocupações geralmente colocam os médicos na segunda posição, ficando a primeira com
os juizes do Superior Tribunal dos Estados Unidos. Abaixo dos médicos estão outros
mortais menos importantes, como os membros do Gabinete do Governo Federal, os
diplomatas, os professores, os banqueiros etc. (Hodge, Siegel e Rossi). O status elevado
dos médicos, em comparação com os membros da diretoria e com o do administrador,
afeta a administração dos hospitais. Estas diferenças de status têm um impacto profundo
sobre as comunicações e sobre a influência que um indivíduo pode ter.
Os Valores nos Hospitais. Conforme poderíamos esperar, estes sistemas de status
estão intimamente associados ao de valores que encontramos quase sempre nos hospitais.
Dominando a estrutura de valores existe o compromisso com o tratamento do
paciente (Moss e outros). Este valor permeia todas as ocupações e age como poderosa
força de integração de esforços e de alocacão de recursos. Um empregado de uma das
alas pode não gostar de transferir sua hora de almoço para levar um paciente par», a
sala de operações, mas, se for preciso, o fará. Os membros do Conselho Curador estão
sempre tendo de tomar decisões relativas a novos equipamentos, e o argumento de que
estes melhorarão o tratamento dos pacientes é persuasivo. Muitos hospitais menores
têm tido graves problemas financeiros por adquirirem equipamentos novos que não são
usados com frequência suficiente para cobrir seus custos, para dar melhor tratamento
aos pacientes.
Embora o valor do tratamento dos pacientes domine e perçneie o hospital, existem
outros valores e perspectivas. Os médicos quase sempre vêem a diretoria, por
exemplo, como mais conservadora e menos voltada para os pacientes do que eles
próprios. Esta ideia é compreensível, porque os médicos estão no centro das atividades
de tratamento dos pacientes.
A diretoria, por outro lado, preocupada com os cuidados que possam ser oferecidos
aos pacientes, voltados para as necessidades da comunidade, vê a situação de
outra perspectiva. Para ela, os médicos não possuem suficiente sentido administrativo e
não têm sensibilidade para as questões financeiras (Moss e outros).
As enfermeiras muitas vezes acham que os médicos querem que elas sejam
"enfermeiras do lado da cama", dando muita atenção individual aos pacientes, mas
O HOSPITAL 441
deixando grande parte do trabalho do tratamento para os médicos. Por outro lado,
elas, em decorrência das transformações ocorridas com o tempo e de seu melhor
treinamento, desejam que seu papel no tratamento seja ampliado, com grande parte
dos cuidados físicos ficando por conta das auxiliares e dos ajudantes de enfermaria. A
questão, neste caso, é saber quem trará as bandejas com alimentos, e as "comadres" e
quem tirará pressão e tomará outras providências.
As Carreiras nos Hospitais. As admissões para cargos hospitalares são especializadas.
Uma pessoa começa a trabalhar diretamente e, se houver qualquer promoção,, será
dentro da própria ocupação, e não para outros cargos. As enfermeiras não chegam a
médicas trabalhando em hospitais nem as auxiliares de enfermagem passam a enfermeiras.
Entretanto, tem havido mudança de orientação, pois agora é exigida alguma
experiência como enfermeira prática para o ingresso numa escola de enfermagem. Isto
foi sugerido e uma escola de enfermagem adotou a prática (Levine, págs. 295-96).
Alguns médicos e enfermeiras podem tornar-se administradores, mas, conforme observamos
antes, esta prática está sendo posta de lado. As carreiras são, então, curtas e
não têm ligações umas com as outras. Quase todas as ocupações exigem treinamento
em instituições externas. A duração deste treinamento varia mais nos hospitais do que
em qualquer outro tipo de organização, exceto, talvez, nas universidades. Os médicos
podem passar de sete a dez anos em treinamento intensivo. O das enfermeiras costumava
ser de dois anos, mas, hoje, é comum o de quatro anos. Contudo, outras ocupações
não exigem qualquer treinamento formal, por exemplo, os-auxiliares de cozinha.
Conflito e Colaboração. O que acontece num hospital, bem como em qualquer
organização, é que os membros de cada área de especialização acham que a melhor
maneira para sua unidade atingir o objetivo geral é funcionar de modo a dar a contribuição
ideal. Portanto, cada uma se transforma num obstáculo para as outras, surgindo,
assim, o conflito. Grande parte deste conflito envolve vários administradores do
hospital, que, normalmente, o compreendem e o esperam como parte de seu trabalho.
Um dos diretores do Serviço de Enfermagem disse, uma vez: "A administração de
conflitos de interesses é uma parte vital e essencial de meu trabalho. Os conflitos entre
o Diretor do Serviço de Enfermagem e o administrador são o tipo de tensão útil, que
permite o progresso" (Moss e outro, pág. 111).
Esta atitude é construtiva e positiva. Entretanto, o conflito e a crítica nem
sempre são tão positivos; às vezes, envolvem até mesmo o administrador mais frio. Um
deles disse, depois de ter, durante semanas, várias dificuldades com médicos de seu
hospital, referentes a recrutamento de enfermeiras: "Normalmente, controlo minha
raiva, mas acabei me cansando das importunações irresponsáveis por alguns médicos,
com um jeito de superioridade e mantendo a distância, e não pude resistir à ânsia de
descarregar minha raiva em cima deles. Além disso, o problema já vinha se agravando
há algum tempo e os médicos continuavam demonstrando falta de responsabilidade
diante dele" (Moss e outros, pág. 126).
Por detrás do conflito e da raiva está algo que não deve ser ignorado: o alto ni'vel
de motivação do pessoal que trabalha nos hospitais. Os empregados e os médicos têm
trabalho que exige muito a qualquer hora e que, à excecão dos médicos, não é bem
remunerado. Pode-se concluir que o próprio trabalho é uma fonte importante de
satisfação e de recompensa.
Em suma, o sistema social de um hospital pode ser descrito como tendo muitos
papéis nitidamente definidos, com uma estrutura de status nftida e rfgida, auxiliada
por uma série de símbolos, uniformes, prerrogativas, etc. Tudo isso tem como objetivo
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comum o tratamento dos pacientes, o que gera grande forca integradora e coordenadora.
Todavia, cada subdivisão também tem sua própria visão de como contribuir
melhor para o objetivo geral e esta visão provoca muitos conflitos, cada um deles
alimentado por fortes motivações dos membros da organização.
O Sistema A
O grande número de diferentes papéis e funções desempenhadas no hospital
moderno é um desafio sem igual para o sistema administrativo. Estas especialidades
possibilitam alto nível de tratamento dos pacientes, mas também precisam ser integradas
e coordenadas. As pessoas que têm estas funções especializadas são altamente
interdependentes (Georgopoulos e Mann(a), Caps. 6 e 7). O médico, como chefe da
equipe de tratamento, faz o plano básico desta coordenação. Mas ele, normalmente,
não está no hospital e, mesmo quando está, é mais provável que se preocupe diretamente
com problemas de sua área do que com questões de coordenação. Grande
parte desta coordenação tem de ser um fruto da ação voluntária dos membros da
organização. É aqui que se revela inestimável o forte compromisso com o tratamento
dos pacientes, a que já fizemos referência.
Para simplificar o trabalho de coordenação voluntário e para complementá-lo
onde ele estiver limitado, os hospitais estabelecem uma série de regras e procedimentos,
normas e costumes informais. Normalmente, a cadeia de comando seria uma força
poderosa numa situação de coordenação difícil. Todavia, nos hospitais há razões fundamentais
pelas quais este recurso é um instrumento inócuo.
A Estrutura Tripartite de Autoridade nos Hospitais. Os hospitais têm três fontes de
autoridade: a diretoria, o administrador e a equipe médica (Gordon; Smith). A diretoria
é a autoridade máxima, legalmente constituída. Tem poder legal para levantar
fundos e aplicá-los em prédios, equipamentos e pessoal técnico. Contrata o administrador
e escolhe os médicos para formar a equipe. Todavia, a diretoria também se
compõe, em grande parte, de pessoas envolvidas, em horário integral, em outras atividades
que, geralmente, não são de natureza médica. Portanto, em suas reuniões quinzenais,
mensais ou de dois em dois meses, a diretoria não está em condições de dirigir
as atividades hospitalares. Estabelece e aprova as políticas e toma decisões básicas
sobre a alocação de recursos.
O funcionamento diário do hospital fica por conta do administrador, o mais alto
e, geralmente, o único administrador profissional em tempo integral do hospital. A
equipe de enfermagem, os serviços de refeições, a manutenção, os trabalhos administrativos
etc., que permitem o funcionamento do hospital, estão subordinados a ele. Ele
é a autoridade final em todas as questões operacionais que não sejam de natureza
médica.
O administrador está subordinado à diretoria e é responsável diante desta, mas,
como está todos os dias no hospital, torna-se uma fonte de poder por si mesmo. Além
disso, como identifica os problemas para a diretoria, transmite-lhe informações e geralmente
sugere como devem ser resolvidos os problemas, tem uma influência enorme em
suas decisões. Como veremos mais adiante, embora os administradores competentes
possam disfarçar o fato, estão, frequentemente, em posição de liderar e não de seguir a
diretoria.
«O hospital é responsável pelo tratamento e pelo bem-estar do paciente durante o
seu internamento. Contudo, quem se envolve mais diretamente com o bem-estar do
paciente, o médico, não está sob o controle do administrador ou da diretoria. Os
O HOSPITAL 443
médicos não são empregados do hospital. São, isto sim, profissionais que têm permissão
para usar suas dependências. Os médicos que trabalham num hospital são chamados de
equipe médica e são organizados como grupo ou numa comissão executiva.
O chefe deste grupo, o diretor de serviços médicos, está subordinado ao administrador
em questões de política hospitalar, mas não na prática clfnica. Para ingressar
num hospital, o médico precisa ser aprovado e recomendado pela Comissão Executiva
Médica e, depois, indicado pelo Conselho Curador. A equipe geralmente orienta um
pouco os serviços dos médicos através de comissões, como a de tecidos, que examina
os órgãos removidos durante a cirurgia para ver se a operação era realmente necessária.
O resultado deste esquema é que cada médico tem muita autonomia e independência,
reforçada pelos costumes sociais e por sanções legais, pois são os únicos que
têm permissão legal de praticar a Medicina.
Conforme poderíamos esperar, com o aumento da especialização no hospital e
com a maior interdependência de todos os membros, existem muitas áreas em que os
médicos e o resto da equipe entram em conflito, que, geralmente, exigem a intervenção
do administrador, que funciona, então, com a equipe médica na posição de um superior
nominal, mas, na verdade, simplesmente como um igual.
Uma das áreas de conflito gira em torno dos registros médicos. Estes registros são
mantidos pelo hospital em arquivos, por uma equipe especial de encarregados de
registros médicos. Por diversas razões — necessidades legais, seguros etc. — estes registros
têm de ser exatos e estar atualizados. Os próprios registros são feitos pelos médicos,
que também estão sujeitos às falhas humanas normais, que nos fazem a deixar este
tipo de trabalho para o dia seguinte. Se os registros se atrasarem muito, o hospital pode
ter sérias dificuldades com os pagamentos de seguros ou até perder sua licença de
funcionamento.
Há alguns anos, um administrador, alertado pelo órgão do Estado responsável
pela concessão de licença de funcionamento pelo fato de os registros do hospital
estarem muito desatualizados, tentou conseguir que os médicos os atualizassem.
Depois de pedir, explicar e bajular os médicos, desesperou-se e ameaçou mandar os
nomes dos médicos que estavam em atraso para o Conselho Curador, solicitando a
imediata cassação de seu privilégio de usar o hospital.
Esta providência acirrou os ânimos dos médicos e, como a maioria deles pertencia
à equipe de mais de um hospital, começaram a mandar mais pacientes para
outros estabelecimentos. O índice de ocupação de leitos (o número de pacientes num
hospital em determinado momento) começou a cair sensivelmente. Quase todos os
hospitais têm pontos de equilíbrio bastante altos, não'sendo raros níveis de ocupação
de 80 ou 90%. Portanto, aquele começou logo a ter prejuízo. Chegaram, afinal, a uma
solução quando o problema foi entregue ao Diretor de Serviços Médicos e à Comissão
Executiva Médica. Ficou, porém, provada uma coisa: a equipe médica teve condições
de se opor até ao poder muito reduzido que o administrador poderia ter sobre ela.
O Papel Central do Administrador. Esta situação de um sistema de autoridade tripartite
não é muito encontrada em outras organizações. O mais próximo é a universidade,
onde os corpos docentes têm um considerável controle autónomo sobre os assuntos
académicos e de pessoal, mas não tanto quanto o dos médicos. Para o administrador,
que é o principal responsável pelo bom funcionamento do hospital, esta situação cria
sérios problemas. Sua situação foi descrita da seguinte maneira:
O administrador está sujeito a sérias pressões psicológicas. Precisa ser um diplomata, um
mediador e. no entanto, tem de pegar o leme e dirigir o barco nas horas críticas — ele é o único que
tem um conhecimento íntimo suficiente para fazê-lo. Tem de deixar os outros aparecerem e
escaparem à sua autoridade em condições normais, mas não pode deixar qualquer decisão impor444
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tante ir de encontro â sua opinião. As frustrações durante os contatos com a diretoria e corn a
equipe médica seriam dif iceis para qualquer um (Moss e outros, pág. 133).
Além de ser competente nos aspectos administrativos mais óbvios (controlar as
compras, estabelecer políticas eficientes de manutenção, coordenar os serviços etc.), o
administrador precisa desempenhar um papel essencialmente político. Empregamos o
termo político no melhor sentido, pois ele precisa tomar decisões que satisfaçam as
necessidades e desejos de várias partes interessadas.
É útil que o administrador tenha um bom relacionamento com a diretoria — o
que exige compatibilidade de trabalho entre as perspectivas e os objetivos de ambas as
partes. Eles não devem ter, obrigatoriamente, opiniões idênticas, nem uma parte tem
de ceder à outra. Deve haver, isto sim, compatibilidade de interesses quando o administrador
estiver sendo considerado para ocupar o cargo. A diretoria pode não ter qualquer
filosofia básica, mas, mesmo assim, ser capaz de trabalhar bem com um administrador
que reconheça esta falta e que tome providências necessárias. O perigo está, na
verdade, numa diretoria cujas opiniões sejam contrárias às do administrador. Como
disse um deles:
A pergunta básica é: "A diretoria tem uma filosofia quanto à sua obrigação e à obrigação do ReSUtTIO da A
hospital para com a comunidade? " Se você achar que a diretoria é neutra, o administrador poderá
utilizar-se* de seus conhecimentos para alertá-la das necessidades e ela responderá a isso. Se a
diretoria não vir com bons olhos algumas ideias modernas da função do hospital comunitário, o
administrador nada poderá fazer.. .
Como aconteceu, tive condição de levar informações à diretoria dentro da estrutura geral de
sua filosofia e isto, por sua vez, fez com que ela passasse a confiar em mim. Isto não quer dizer que a
diretoria tenha apenas endossado qualquer de minhas ideias; pelo contrário, continuou exercendo
sua capacidade de avaliação independente (Moss e outros, pág. 100).
Pelas razões já identificadas, as relações com os médicos parecem mais um desafio
para os administradores. Um outro administrador resumiu a equipe médica nos
seguintes termos:
.
Eles formam um corpo independente, não se preocupando muito com as necessidades
hospitalares, não fazendo questão de organizar-se e não preparados, em termos de temperamento,
para o processo parlamentar, para o sistema administrativo ou para as questões interessantes da
administração. Não analisam problemas organizacionais — reagem a eles (Moss e outros, pág. 114).
Este administrador viu como sua primeira tarefa a educação dos médicos para as
necessidades do hospital e para as realidades administrativas. Fez isso em reuniões,
almoços e lanches.
Uma outra orientação é formar alianças com médicos que têm a mesma opinião
que o administrador. Eles podem não só aconselhá-lo sobre a orientação que estiver
seguindo como também apoiá-lo e talvez mesmo suportar a pressão nas reuniões críticas
da equipe médica, ou de outras comissões. Uma consequência desta orientação é
que outros ficam, muitas vezes, com os louros de ideias que foram dadas pelo administrador.
É óbvio que uma pessoa mais interessada em conseguirfeconhecimento do que
em fazer as coisas terá dificuldade.
O administrador divide, assim, uma liderança complexa com dois outros centros
de poder, um com autoridade nominal sobre ele e outro com muito mais apoio social i
e legal para ser independente. Grande parte de sua capacidade de influência depende de
suas habilidades pessoais e de como ele é visto por estas outras partes. Os administradores
bem sucedidos criam fama pela competência, Inteligência e espírito prático.
Esta reputação pode conferir-lhe muito poder, mas também pode limitar o que ele
pode dizer ou fazer. Se ele for.além do ponto em que a diretoria possa acompanhá-lo
ou entender o que ele está querendo, suas sugestões poderão ser derrubadas e sua base
O HOSPITAL 445
de influência diminuída. Um autor observou o seguinte: "Se 'nada tem tanto êxito
quanto o sucesso', nada atrapalha tanto quanto a derrota" (Moss e outros, pág. 112).
Muitos administradores vêem seu papel-chave como o de um catalisador, um
conceito que tem a conotação de uso de ideias, energias, recursos e autoridades de
outros para realizar algo. É uma função difícil de identificar com precisão, mas reflete
a forma mais elevada da arte administrativa. Um observador sagaz da Administração
Hospitalar observou que:
(Nós) só podemos ficar impressionados com a complexidade e com o desafio incomuns que
encontramos no trabalho do administrador do hospital. Este trabalho não tem paralelo próximo em
outros tipos de organização e exige muito de quem o executa ... A futura aplicação das Ciências
Médicas para a melhoria das condições humanas pode ficar prejudicada mais pela incapacidade de
resolver problemas sociais e organizacionais do que pela falta de habilidade para resolver problemas
técnicos de Medicina. Só com uma grande tolerância da ambiguidade, uma reação madura às
incongruências de status e um verdadeiro senso dos valores de sua contribuição para a saúde
humana é que o administrador tem uma satisfação básica com seu trabalho (Moss e outros, pág.
163).
Resumo da Administração Hospitalar
Os hospitais de hoje são organizações grandes e complexas com muitos departamentos
e cargos especializados. Além disso, existem três centros de poder ou autoridade:
a diretoria, o administrador e os médicos.
Esta descentralização de autoridade complica o processo decisório. Os médicos
têm grande autonomia no tratamento dos pacientes, e a diretoria geralmente se limita
ao estabelecimento da política e à alocação dos recursos. É o administrador do hospital
que tem de providenciar a coordenação e estimular a cooperação entre os vários grupos
que compõem o pessoal do hospital.
O trabalho do administrador fica mais difícil porque ele não tem qualquer controle
direto por uma cadeia hierárquica de comando. Além disso, várias diferenças de
status claramente definidas significam que alguns grupos dentro do hospital (particularmente
os médicos) podem ter muito mais poder real do que ele possa controlar. A
diretoria também exerce autoridade final em assuntos de política e alocação. Com isso,
o administrador bem sucedido precisa ter muita habilidade política e de relacionamento
pessoal. Muitas vezes precisa convencer as diversas partes com que se relaciona
a seguir um caminho que promova de modo eficiente o tratamento de saúde, que
satisfaça as necessidades da comunidade a que ela sirva.
O administrador é muito ajudado no trabalho por inúmeros procedimentos formais
e informais. Devido à natureza profissional de grande parte do trabalho, a autodireção
e o controle dos colegas também atuam como elemento de coordenação. Também
importante é o alto nível de motivação geralmente encontrado entre o pessoal.
A forma de admissão no hospital tem um efeito sutil em sua administração.
Quase todos — embora nem todos — os que lá trabalham recebem treinamento intenso
fora de suas dependências. Entram diretamente em sua área de especialização e, conquanto
possam progredir nesta área, quase nunca passam para outra. Por isso, não
existem promoções que permitam o ingresso num cargo inferior, chegando a alcançar
os níveis mais altos nos hospitais. Este alto grau de especialização e de compromisso
para a vida toda com grupos profissionais aumenta a possibilidade de conflito entre
eles. Mais uma vez, o administrador bem sucedido deve ter muita habilidade para
incentivar a cooperação.
Façamos, agora, um exame da administração das universidades, onde encontraremos
semelhanças mas, também, características singulares.

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