Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo: A fotografia adequou-se às novas formas de pensar e às novas necessidades de visibilidade potencializadas
pela racionalidade moderna. As várias práticas fotográficas, como o pictorialismo e a fotografia moderna, são formas de
o homem se relacionar com o dispositivo fotográfico e, ao mesmo tempo, reflexos de como entende a nova técnica. Este
artigo apresenta dois fotógrafos paranaenses que, em seus contextos histórico-culturais específicos, estavam em
consonância com o que então se pensava e se produzia em fotografia. Pode-se dizer que Arthur Wischral (1894-1982) e
Domingos Foggiatto (1887-1970) deram alguns primeiros ensaios na prática de uma fotografia moderna voltada para a
imprensa no Paraná.
Um pesado tripé, uma câmera de formato grande, chapas de vidro. Era com esse aparato
técnico que Arthur Wischral (1894-1982), um dos fotógrafos paranaenses pioneiros, se posicionava
nas suas andanças pelo Paraná e por Santa Catarina, a registrar desde cidades em desenvolvimento
até a construção de estradas de ferro. Diante de uma época marcada pelos discursos de
modernidade, esse personagem foi apresentado ainda adolescente à prática fotográfica, quando
ganhou do pai uma máquina portátil, por volta de 1910 (BOLETIM, 2007). Quem lhe propiciou os
primeiros ensinamentos foi o alemão Germano Fleury, fotógrafo e comerciante de artigos
fotográficos em Curitiba (KOSSOY, 2002, p. 141). Foi nesse ambiente que Wischral se familiarizou
com a técnica fotográfica e as inúmeras possibilidades dela decorrentes.
Assim como outros fotógrafos atuantes no Paraná nesse período, Wischral seduziu-se pelo
registro do inusitado, solidificando uma das características da experiência fotográfica moderna,
sobretudo a voltada para a imprensa. Em 1913, ao ouvir a explosão de armazéns de uma rede
ferroviária, ele relata qual foi sua atitude:
!!!"#$"%&#'$#(")*"#+"%(+,"-.,"#/(0(%,1234"#"5#/("6/*")(%#.1,7"#$"8$#9(,"5,::,9"5,9,";(9,9"$+,:"%&,5,:<!"
Então vi todas as máquinas de escrever, estavam todas no chão, os armários e tudo. Tirei uma [foto]
do público, todos olhando animais machucados e uma porção de coisas (BOLETIM, 2007, p. 15).
1 Trabalho apresentado no GT de História da Mídia Audiovisual e Visual, integrante do VIII Encontro Nacional de
História da Mídia, 2010.
2 Professora do Departamento de Comunicação da Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO. Mestre
em História Social pela Universidade Federal Fluminense e doutoranda em Comunicação e Cultura pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: everlyp@yahoo.com.br .
Imagens como essa interessavam à imprensa. Wischral transforma, então, a paixão que o pai
ajudou a despertar ainda na adolescência em trabalho. Nesse período, ainda eram poucos veículos
de comunicação no Paraná que publicavam imagens, consequentemente, eram poucos fotógrafos
que enveredavam por esse ramo. Wischral foi um dos pioneiros, ao trabalhar no jornal A República3
e na revista A Bomba4. Esse tipo de trabalho lhe rendeu a carteira de repórter fotográfico,
legitimidade simbólica que lhe abriu várias portas, principalmente em sua estada na Alemanha da
Primeira Guerra Mundial.
Mas além de adentrar pelas práticas fotográficas conceituadas como modernas, Wischral foi
fotógrafo adepto do pictorialismo, um dos períodos iniciais da fotografia no Brasil. Utilizando-se de
técnicas próprias do movimento, ele ajudou a consolidar essa fase estético-fotográfica no Paraná.
Helouise Costa e Renato Rodrigues da Silva (2004) definem três momentos relevantes para
a história da fotografia no Brasil. O primeiro refere-se à prática fotográfica documental do século
XIX, com suas experimentações e apostas na modernização, mas ao mesmo tempo criticando os
rumos tomados por esta. A segunda fase tem o pictorialismo como principal método, quando os
fotógrafos tentam adaptar ao meio as concepções clássicas de arte. O terceiro momento enquadra-se
na experiência moderna propriamente dita. Pode-se dizer que o trabalho de Wischral oscila entre o
segundo e terceiro períodos.
O pictorialismo é considerado um movimento de reação conservadora à industrialização e à
massificação da fotografia. Por isso mesmo, seus ideais ajustavam-se perfeitamente aos desejos dos
fotógrafos que se reuniam em associações fotoclubísticas. Foi principalmente nesse ambiente que,
no Brasil, o pictorialismo ganhou força.
Os pictorialistas objetivavam um estatuto distinto para a fotografia, que não a caracterizasse
apenas como pura técnica (resultado de um automatismo da câmera e produto de uma objetividade),
mas que fosse permeada pela subjetividade do fotógrafo, o que aconteceria através de uma série de
intervenções na cópia fotográfica sob orientação de variados processos.
Para que a imagem revele a relação do fotógrafo com o real, os pictorialistas lançam mão de uma
série de recursos que, além de refletirem uma recusa do real, questionam a própria natureza da
câmara. Com a utilização de novos processos surgidos com o desenvolvimento da técnica fotográfica
= como a goma bicromatada e o bromóleo =, eles podem controlar as tonalidades, introduzir luzes e
sombras e remover detalhes que parecem muito descritivos. Muitos desses efeitos são acompanhados
da utilização de pincéis, escovas, raspadeiras e até dos próprios dedos, com o objetivo de alterar as
3
O jornal A República tinha como chefe de redação Romário Martins, conhecido por ser quem idealizou o Paranismo,
movimento que buscava $+,"(/#.;(/,/#"9#'(3.,)">'#.$?.,@7"demonstrando o Paraná em pleno progresso. Pregava a
exaltação de valores locais e o desenvolvimento de uma simbologia baseada em elementos nativos, como o pinhão e
o pinheiro do Paraná.
4
A revista humorística A Bomba, de Marcelino Bittencourt, era conhecida por ironizar acontecimentos da época, no
mesmo estilo de outros pasquins que rodavam pelo país.
formas. (MELLO, 1998, p. 38)
Mesmo com a relutância dos profissionais alemães, de acordo com o relato de Wischral, o
tempo de aperfeiçoamento na Europa, centro nevrálgico do pictorialismo, lhe possibilitou
desenvolver técnicas fotográficas que, posteriormente, trouxe para o Paraná.
... eu aplico na gelatina do negativo um retoquezinho com um pincel fino, não pontudo demais, com
uma tinta metálica. E tendo uma boa luz a gente dilui em uma travessa de porcelana um pouquinho
daquela tinta com um pouquinho de água. Eu copiei isso com um velho fotógrafo de Wurzburg.
Sabe, lá eles não gostavam de ensinar. (...) O retoque eu aprendi vendo com ele fazia. A gente só usa
luz vermelha porque a luz branca estraga o negativo na revelação (BOLETIM, 2007, p. 16)
Para imprimir sua marca sobre a obra, o fotógrafo artista deve controlar todas as etapas de produção
da imagem. Para isso, ele intervém com ampla liberdade na escolha dos diversos elementos
constitutivos da fotografia: tema, composição, iluminação, tipo de material, ponto de vista, revelação
e impressão. O caráter artístico da fotografia também é assegurado pela geração de uma prova única,
obtida mediante o emprego de processos de pigmentação, como o bromóleo e a goma bicromatada,
que possibilitam múltiplas intervenções sobre o negativo e a cópia, seja com a introdução de novos
elementos, a supressão de detalhes excessivos, a correção de pequenas falhas, a modificação de tons
ou o realce de determinado aspecto. (MELLO, 1998, p. 69)
Seguindo a conceituação do mesmo autor, pode-se dizer que Wischral se enquadra na prática
da arte dos fotógrafos, ou seja, que ele desenvolveu e defendeu a prática de um procedimento
artístico interno ao campo fotográfico. Para esta pesquisa, não foi possível identificar um interesse
ou uma preocupação direta do fotógrafo nas discussões então vigentes sobre fotografia como
técnica ou arte5.
Percebe-se, em suas temáticas fotográficas, temas caros à pintura, como paisagens e retratos
posados. A preocupação com o equilíbrio dos diversos elementos da composição da imagem, como
linhas, formas, tons, luz e sombra, são sinais claros da influência pictorialista em seu trabalho
(Figura 1).
5
As relações entre fotografia e arte, sobretudo na prática pictorialista, podem ser conferidas no livro de Maria Teresa
Bandeira de Mello, Arte e Fotografia: o movimento pictorialista no Brasil (1998). A autora aponta as discussões que
envolveram fotografia e pictorialismo e marcaram muitas páginas da revista Photogramma, promovida pelo Foto
Club Brasileiro, do Rio de Janeiro, fundado em 1926. O mérito de seu livro está em analisar a relação entre a
produção do fotoclubismo com a produção artística do período e de outras manifestações culturais, não se
restringindo apenas ao fotográfico.
A ânsia de ver e ser visto
Wischral, assim como muitos outros fotógrafos do Paraná, presenciou o momento de euforia
da inserção da fotografia nas relações cotidianas de uma sociedade que passava por profundas
transformações. A fotografia cristaliza-se como o dispositivo inaugural dessas mudanças, que
acontecem sobretudo no campo da subjetividade, quando as relações entre homem e técnica estão
em processo de diferenciação. (FATORELLI, 2003)
As tecnologias imagéticas instauraram novas formas de visualidade e percepção. Cada época
e cada lugar possuem maneiras específicas e contextuais de representar o mundo visível, que variam
de acordo com diferentes regimes de visualidade. Estes contribuem para a legitimação de conceitos
e valores, para a acomodação de visões de mundo, para a compreensão de conhecimentos, para o
estabelecimento de comportamentos.
... la visión no puede separarse de las cuestiones históricas sobre la construcción de la subjetividad.
Sobre todo dentro de la modernidad del siglo XX. Lo que hoy constituye el dominio de lo visual es
un efecto de otro tipo de fuerzas y relaciones de poder, y no un hecho de carácter perceptivo.
(HERNANDEZ, 2006, p. 30)
Se a fotografia produz visibilidades modernas, é porque a iluminação que ela dissemina sobre as
coisas e sobre o mundo entra em ressonância com alguns dos grandes princípios modernos; é por
ajudar a redefinir, em uma direção moderna, as condições do ver: seus modos e seus desafios, suas
razões, seus modelos, e seu plano = a imanência. (ROUILLÉ, 2009, p. 39)
6
Fundada em 1938, a Sociedade Paranaense de Foto Amadores se torna Foto Clube do Paraná em 1942. Em 1950,
passa a ser denominada de Foto Cine Clube do Paraná e, em 1959, retornou ao nome de Foto Clube do Paraná.
Considerações finais