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UMA REFLEXÃO DA RELAÇÃO LOUCURA E SOCIEDADE, E DA ARTE COMO

FERRAMENTA TERAPEUTICA EM SAÚDE MENTAL

MARCELO PINTO DOS SANTOS1


DIEGO CORRÊA DOS SANTOS²
FRANCISCO LIMA FILHO³

RESUMO

Neste artigo de revisão bibliográfica, temos como objetivo trazer uma breve discussão da
contribuição da arteterapia como uma ferramenta alternativa no processo de reabilitação
social no Brasil com pacientes ou usuários dos serviços de Saúde Mental vigentes no país.
Com o foco na ferramenta ”a arteterapia”, e a partir da contextualização da loucura e a
sociedade, busca-se descrever sua importância e contribuição para a psicoterapia no
desdobramento do atendimento aos sujeitos em suas mais diversas peculiaridades e uma
célere reflexão sobre o conceito de reabilitação, sob a ótica da expressão artística; Através
desse estudo bibliográfico transitaremos nesse assunto que envolve a complexidade do sujeito
acometido pela “doença”, que é um ser singular- e apresenta traços subjetivos que se
entrecruzam aos sintomas da “doença”, e o poder de acesso e expressão das artes a esse
mundo intrínseco, não tangível do sujeito; afim de, fomentar- através de uma análise crítica- o
discurso do tema, bem como a produção de conhecimento no que se refere ao campo em
questão.

Palavras-chave: Saúde Mental. Loucura. Arterapia. Ferramenta Terapêutica.

1
Graduando curso de Psicologia (FAESA/AEV)
²Graduando curso de Psicologia (FAESA AEV)
3
Psicanalista, Mestre em Psicologia Social e Desenvolvimento, Professor do curso de Psicologia (FAESA/AEV)
2

INTRODUÇÃO

Este estudo tem como objetivo apresentar a arte como ferramenta terapêutica na atualidade,
no tratamento em Saúde Mental. Para este trabalho nos utilizamos da revisão bibliográfica
como estrutura e forma de análise. Buscamos em Michel Foucault - filósofo francês - fonte
para ampliar o conhecimento e a discusão sobre produção da “doença mental” e as práticas
terapêuticas aplicadas nos ditos “loucos” historicamente na Europa, onde sua praxis se valia
de internação, coerção e exclusão. Destacamos as semelhanças com a história da loucura no
Brasil Imperial (monárquico) influenciado pelos portugueses, nossos colonizadores. Citamos
o psiquiatra italiano Franco Basaglia e sua luta em busca de uma reforma da psiquiatria na
Europa em meados do século XX. A militância extrapola as fronteiras da Europa e serve de
influencia ao Brasil que na década de 70 o movimento de reforma psiquiátrica toma força
pretendendo modificar o sistema de tratamento clinico da Doença Mental, eliminando
gradualmente a internação como forma de exclusão social, garantindo ao possuidor de
Transtorno Mental, a cidadania, o respeito, seus direitos e sua individualidade.

É a partir deste pensamento e neste contexto em transformação no campo da Saúde Mental,


que o presente trabalho faz se relevante e sua justificativa se dá na contribuição das discussões
e produção de conhecimento na Atenção em Saúde Mental e no processo de
desinstitucionalização dos usuários desses serviços. Ao trazer o tema arte como assunto do
nosso trabalho, propomos pensá-la como uma expressão natural e intríseca do ser humano e
da sua importância para o sujeito vivenciar o mundo que o cerca, o que reforça mais uma vez
a contribuição desse presente estudo para a sociedade. E na busca de uma interseção entre arte
e loucura, buscamos nas experiencia dos psiquiatras Nise da Silva no Centro Psiquiátrico
Pedro II localizado no Rio de Janeiro (hoje, Instituto Municipal Nise da Silveira) e Osório
Cesar São Paulo com pacientes do Hospital psiquiátrico de Juqueri, que se valeram de
atividades artisticas como dispositivo terapeutico nos estabelecimentos psiquiatricos em que
atuaram.
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UM BREVE RELATO DA RELAÇÃO LOUCURA E SOCIEDADE

A Saúde Mental tem ganhado certa notoriedade com o passar dos anos, não somente no
Brasil, mas na maioria dos países que compõe o mundo moderno, até mesmo em função dos
avanços no campo médico-científico. Para que se compreendam esses avanços no campo da
Saúde Mental é necessário que façamos menção do contexto em que surge a história da
loucura e a relação da sociedade com o louco.

No livro, história da loucura, de Michel Foucault (2012), o autor descreve esse surgimento da
“doença mental” ou do “alienado” nessa nova relação com a sociedade, como que uma
herança maldita, deixada pela lepra que assolou a Europa, e enfim é erradicada no fim da
Idade Média, deixando sem utilidade os lugares obscuros de segregação outrora utilizados
pelos leprosos, que alguns séculos mais tarde reviveriam os mesmos jogos excludentes sob os
mesmos pretextos de salvação.

Pobres, vagabundos, presidiários e “cabeças alienadas” assumirão o papel


abandonado pelo lazarento, e veremos que salvação se espera dessa exclusão, para
eles e para aqueles que os excluem. Com um sentido inteiramente novo, e numa
cultura bem diferente, as formas subsistirão – essencialmente, essa forma maior de
uma partilha rigorosa que é a exclusão social, mas reintegração espiritual.
(FOUCAULT, 2012, p.6-7).

A relação da sociedade com a loucura, descrita por Foucault (1926- 1984) em seu livro
história da loucura, mesmo alguns séculos depois do fim da Idade Média , e uma sociedade
em alguns aspectos mudada, ainda se constitui pouco salutar ao “alienado”, que se vir
escorraçado das cidades, independente se habitante do lugar ou estrangeiro; Um símbolo que
marcou e ilustra esse período da história da loucura é a “Nau dos Loucos”, as embarcações
que faziam o transporte desses escorraçados que muitas vezes eram deixados em cidades que
não os podiam suportar, nem custear sua sobrevivência, como a cidade de Nuremberg, por
exemplo, que é descrita pelo autor como uma das cidades que acolheu muitos desses
peregrinos, encerrando-os nas prisões, e somente; sem nenhum tratamento médico
(FOUCAULT, 2012).

[...] Fechado no navio de onde não se escapa, o louco é entregue ao rio de mil
braços, ao mar de mil caminhos, a essa grande incerteza exterior a tudo. É um
prisioneiro no meio da mais livre, da mais aberta das estradas: solidamente
acorrentado á infinita encruzilhada. É o passageiro por excelência, isto é o
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prisioneiro da passagem. E a terra à qual aportará não é conhecida, assim como não
se sabe , quando desembarca, de que terra vem. Sua única verdade e sua única pátria
são essa extensão estéril entre duas terras que não lhe podem pertencer
(FOUCAULT, 2012, pag.12)

Não obstante, o avanço científico no diagnóstico da Loucura, ele não diminui o sofrimento do
acometido, não o inclui, tampouco torna saudável a relação doente e sociedade, fato que
também pôde ser vivenciado no Brasil. Esquirol (1772-1840) foi um dos estudiosos que
retrataram as atrocidades cometidas contra essas pessoas, nos séculos XVII e XVIII, quando
começam as surgir e se expandir vertiginosamente as instituições que amparavam os doentes
mentais, período conhecido como a “Grande Internação”; Inicialmente esses doentes eram
colocados juntos com marginais e submetidos às mais degradantes situações de sobrevivência
inimagináveis ao ser humano, em locais impróprios para convívio até de animais, esse período
se encerra com o nascimento da psiquiatria, final do século XVIII. Outro estudioso que
podemos citar nesse breve relato é Philippe Pinel (1745-1826), considerado o pai da
psiquiatria, propõe uma nova forma de tratamento aos loucos, libertando-os das correntes e
transferindo-os aos manicômios destinados somente aos doentes mentais; o que foi um avanço
no tratamento dos pacientes, e marca um novo momento na história da Saúde Mental
(PACHECO, 2003).

Ao considerar o indivíduo alienado como doente mental, vítima de disfunções


psíquicas, Pinel deu a eles o direito de serem ouvidos e conferiu à medicina a
necessidade de entendê-los e tratá-los, humana e respeitosamente. Foi, portanto, um
dos primeiros médicos psiquiatras a conceder o estatuto de dignidade aos loucos,
diferenciando-os dos bandidos e dos criminosos comuns, e transformando com essa
abordagem, o conceito de instituição para doentes mentais (PACHECO, 2003, Pag.
153-154).

Consideramos importante ressaltar, e queremos enfatizar ainda nesse artigo, que há muitas
semelhanças na história da loucura no Brasil. Mais precisamente no séc. XIX, até mesmo pela
influência europeia no Brasil Imperial (monárquico), tendo sido colonizado por portugueses, e
no período aqui descrito, passando por um processo de transformação política, social e
cultural, e vivenciando um crescimento acelerado e ao mesmo tempo desordenado das
cidades, que consequentemente trouxeram sérios problemas sociais que exigiam das
autoridades algumas medidas (LIMA, 2011)

É a partir dessas medidas que surgem algumas semelhanças da relação da sociedade europeia
e a brasileira com a Loucura. Influenciados pelos ideais positivistas e práticas médicas
francesas, a medicina no Brasil - sob o argumento de preservar e garantir a ordem e o
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progresso da sociedade brasileira, é usada para criar o discurso que qualificaria ou excluiria o
sujeito que estivesse “fora do padrão” social da época, dentre estes, o “alienado” (LIMA,
2011).

Se a alienação é sobretudo uma desordem do comportamento, se ela se insurge


contra a ordem social por meio de atos involuntários, a cura só pode ser obtida pela
imposição de certas normas transmitidas por um processo de reeducação do
alienado, de um tratamento moral. (PORTOCARRERO, 2002, pag.43)

O que se vir a partir daí no Brasil é uma “cópia macabra” do modelo de asilo europeu, e muito
claramente os interesses da “sociedade”, das autoridades, em detrimento do alienado e do
estudo/compreensão da Loucura; interesses esses de controlar as ações de determinados
grupos de indivíduos e trazer a ordem, e disciplinar o comportamento supostamente
“anormal” no meio social. Infelizmente a história da Loucura no Brasil, está envolta de
questões políticas e sociais, relações de poder e do próprio saber médico sobre o outro, na
tentativa descabida de erradicar o que seria anormal, a saber o desordeiro social, e
restabelecer a ordem, entre eles o alienado (LIMA, 2011).

De uma forma ou de outra, aplicando tais análises ao tratamento aplicado aos loucos
no Brasil do século XIX, percebemos que ambas as Instituições, Medicina e Política,
estavam mais interessados na ação em benefícios próprios do que em atender as
necessidades daqueles que mais precisavam: os doentes mentais. Por outro lado,
tudo o que a sociedade queria era se manter livre daquela escória nem que para isso
fosse preciso trancafiá-los como se presos fossem. (LIMA, 2011, pág. 147)

A necessidade de conter os problemas sociais que surgem no Brasil com o aparecimento das
cidades e as transformações que vinham ocorrendo no campo político e social da sociedade
brasileira, sob a égide da medicina, é a justificativa para a criação do primeiro hospital
psiquiátrico brasileiro e latino americano, segundo o decreto imperial nº 82; em de 05 de
dezembro de 1852, o ”Hospício de D. Pedro II”, que também teve outros nomes, administrado
por Jose Clemente Pereira, graduado em Direito e Cânones, pela Universidade de Coimbra;
Veio para o Brasil seguindo a corte portuguesa que na época fugia das invasões napoleônicas,
chegando aqui aos 12 de outubro de 1815 (LIMA, 2011). Em 25 de julho de 1838, através de
manobras astutas foi eleito provedor do Hospital da Santa Casa da Misericórdia, onde tornou
sua gestão vitalícia, administrando aquela instituição até sua morte em 10 de março de 1854.
LIMA apud (RAMOS E GEREMIAS, s/data, p.01).
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No Brasil, o hospício se encontrava em mãos de uma administração leiga, isto é, não


médica, e nele prescindia-se de assistência psiquiátrica, o que causava polêmicas de
todo tipo, menos as que pudessem provocar debates dentro do campo da psiquiatria.
(PORTOCARRERO, 2002, pág. 45)

A partir da segunda metade do século XX, impulsionada principalmente por Franco Basaglia
(1924-1980), psiquiatra italiano, inicia-se uma radical crítica e transformação do saber, do
tratamento e das instituições psiquiátricas. Esse movimento inicia-se na Itália, mas tem
repercussões em todo o mundo e muito particularmente no Brasil (BRASIL, 2014).Contudo, o
movimento de Reforma psiquiátrica no Brasil começa a surgir no fim década de 70,
encabeçada por profissionais da saúde mental e dos familiares de pacientes com transtornos
mentais,e graças a esses esforços que foi possível a criação de leis vigentes, por exemplo, no
Brasil a lei n° 10.216 de 06 de Abril de 2001, que prevê o tratamento mais humanizado ao
pacientes da Saúde Mental, investimentos e criação de mecanismos que visem à reinserção
desses indivíduos na sociedade e a garantia ampla dos seus direitos (GUERRA, 2004) e
redireciona o modelo assistencial em Saúde Mental;

Mesmo esse movimento antimanicomial, reformatório, com foco na reabilitação social do


indivíduo, sendo um movimento internacional e não recente, a exclusão social e o preconceito
com esses indivíduos, ainda que numa proporção muito menor, ocorre, e deve ser discutida.
Franco Basaglia em seu livro, “A instituição negada”, fala da linha tênue que envolve o trato
com o doente mental e o a usurpação do poder desse sujeito, que pode acontecer de forma
natural e de onde não se imagina, por exemplo, no modelo asilar mais recente, técnico-
especializado.

O perfeccionismo técnico-especializado consegue com que o rejeitado aceite sua


inferioridade social com a mesma eficiência que antes impunha, de maneira menos
insidiosa e refinada, o conceito da diversidade biológica, que sancionava por outra
via a inferioridade moral e social do diferente (BASAGLIA, 2001, pag. 102)

Denota-se que o olhar sobre a “Loucura” principalmente no Brasil, ainda é um processo em


construção e a possibilidade de conviver com “um louco” ainda não é tão concebível por uma
boa parte da população, evidentemente propiciado pelo modelo assistencial segregador que
vigorou até mais da metade do século passado no país, e do processo histórico em que esse
sentimento - do perigo que o “alienado mental” representa à sociedade - se desenvolveu no
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pensamento humano e consequentemente na nossa cultura, Brêda (2005, apud, PITTA, 1996;
AMARANTE, 1994).

Enfim, as formas mais humanizadas de cuidado com os pacientes de Saúde Mental surgem a
partir desse mesmo pensamento que impulsiona as lutas por um tratamento mais digno, fim
das torturas, internações compulsórias e confinamento dessas pessoas nas instituições
psiquiátricas, ou seja, essa compreensão que para além da doença, há um ser que pensa que
interage, que se comunica, que cria; não é a doença que convive com o sujeito e sim o sujeito
que convive com a doença (BRÊDA et al, 2005). Uma alternativa, e se não, a principal
estratégia do processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil, são os CAPS (Centro de Atenção
Psicossocial); O primeiro CAPS, foi criado na cidade de São Paulo em 1986, oriundo dos
esforços do movimento social dos trabalhadores de Saúde Mental e gradativamente foram
surgindo noutras cidades brasileiras, sendo criados oficialmente a partir da portaria GM
224/92; assim como os NAPS (Núcleos de Atenção Psicossocial), os CERSAMs (Centros de
Referência em Saúde Mental) e outros tipos de serviços substitutivos do antigo modelo de
assistência,que têm surgido no país, são atualmente regulamentados pela Portaria nº 336/GM,
de 19 de fevereiro de 2002 e integram a rede do Sistema Único de Saúde, o SUS (BRASIL,
2004, PAG 12).

O objetivo dos CAPS é oferecer atendimento à população de sua área de


abrangência, realizando o acompanhamento clínico e a reinserção social dos
usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento
dos laços familiares e comunitários. É um serviço de atendimento de saúde mental
criado para ser substitutivo às internações em hospitais psiquiátricos (MIN. DA
SAÚDE, 2004, PAG 13).
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A ARTE E O SUJEITO

Desde os primórdios das civilizações, e em todas as culturas estão presentes expressões


artísticas, quer sejam expressas em canções, pinturas, esculturas, artesanatos, arquitetura,
danças, peças teatrais e etc. Cada qual com seus significados, seja mostrando a singularidade
do artista, a cultura de um povo ou um contexto histórico. Porém em sua grande maioria,
senão todas trazem alguma informação ou mensagem, um significado muitas vezes maior do
que o próprio símbolo, ou a arte em si materializado na arte criada.

A explicação mais aceita para o sentido da arte do homem pré-histórico une seu
pensamento mágico às suas necessidades de sobrevivência. A manifestação do
pensamento mágico do homem pré-histórico está ligada às primeiras manifestações
artísticas da humanidade. Suas preocupações não se referem ao mundo visível, mas
ao mundo invisível dos espíritos (RIBEIRO, 2002, p. 16).

Um fato que pode exemplificar a imaterialidade dessa força que move a produção artística, é
o material produzido, que surgem a partir de um momento específico da vida do artista, ou
qualquer outro que a produz. Podemos mencionar as canções, os poemas, as pinturas, que
refletem a alegria, tristeza, raiva ou mesmo a dor do artífice, ou seja, tudo aquilo que o
atravessam. Analisando dessa forma tais considerações, podemos afirmar que, a importância
da arte na vida humana é inquestionável.

[...] quanto mais o ser humano cria, mais ele se abre para o outro e expande o seu ser
no mundo, logo, amplia a sua vitalidade em significações presentes em si e fora de
si. Nesse processo ele coloca-se como um corpo-criante em sintonia consigo mesmo
e com os outros no mundo, ampliando sua consciência para um cuidado à saúde de
forma integral (DITRICH, 2013, p.3).

Dentro desse pensamento abordaremos ainda que de forma sucinta, as contribuições das artes
como uma ferramenta terapêutica de expressão do sujeito e concomitantemente, de acesso do
terapeuta ao campo subjetivo do indivíduo. As relações da arte com a Psicologia e Psiquiatria
datam cronologicamente do século XIX, quando algumas atividades de natureza artísticas ou
artesanato foram introduzidos em hospitais psiquiátricos e apareceram as primeiras
referencias teóricas sobre o assunto (FERRAZ,1998). Podemos ver a partir da inserção da arte
como modalidade de terapêutica ocupacional uma possibilidade de tratamento dentro dos
hospitais psiquiátricos. Ocorre uma oscilação entre a orientação mais fechada do modelo
biológico e diagnostico da Psiquiatria até a abertura pela qual era possível se falar em
expressão. Tal procedimento ia à contramão dos comumente utilizados como os choques
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elétricos, insulinas, psicocirurgias e psicotrópicos. Era um método que se utilizava da pintura,


modelagem musica, trabalhos artesanais.

Destacando a experiência da inserção da arte como dispositivo terapêutico nos hospitais


psiquiátricos no Brasil, temos como expoentes os trabalhos com pacientes psiquiátricos
institucionalizados a Dra. Nise da Silveira, orientada pela perspectiva junguiana, onde
desenvolveu e coordenou ateliês, à saber, “Imagens do Inconsciente” (1981) e “O Mundo das
Imagens” (1992) no Rio de Janeiro e Osório César no referencial freudiano, com o artigo “ a
arte Primitiva dos Alienados” de 1925, desenvolvido em São Paulo com pacientes do Hospital
psiquiátrico de Juqueri, ele que é considerado o precursor desta perspectiva terapêutica no
Brasil (VASCONCELLOS, GÍGLIO, 2007).

Seguindo esse caminho, o da utilização de métodos alternativos no que se refere a terapêutica


nos hospitais psiquiátricos, (SILVEIRA, 1992) enfrentou resistência, porque tais métodos
eram considerados na época como subalterno destinado apenas a “distrair” ou contribuir para
a economia hospitalar. Ela continua dizendo:

Qual seria o lugar da terapêutica ocupacional em meio ao arsenal constituído pelos


choques elétricos que determinam convulsões, pelo coma insulínico, pela
psicocirurgia, pelos psicotrópicos que aprisionam o individuo numa camisa de força
química. Um método que utilizava pintura, modelagem musica, trabalhos artesanais,
seria logicamente julgado ingênuo e quase inócuo. Valeria, quando muito, para
distrair os internados ou torna-los produtivos em relação à economia dos hospitais.
(SILVEIRA, 1992)
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MÉTODO

Trata-se este artigo de uma revisão bibliográfica no qual procura-se explicar um problema a
partir de referências publicadas em artigos, livros, dissertações e teses. Busca-se com esse
método conhecer e analisar as contribuições culturais e cientificas sobre determinado assunto
ou probema, que dá sustentação ao desenvolvimento do artigo em questão (CERVO,
BERVIAN, SILVA, 2007). A partir de livros e artigos da base de dados do PEPSIC
(Periódicos Eletrônicos em Psicologia) que abordam da produção da loucura e as formas de
tratamento ao longo dos anos. Os livros consultados datam do período entre 1992 e 2003 e os
artigos são de 2002 e 2013, respectivamente. O levantamento foi feito de modo qualitativo,
considerando como principal categoria de análise as principais contribuições teóricas do
filósofo francês Michel Foucault, perpassando pelas experiências da psiquiatra brasileira Nise
da Silveira.

O PONTO DE INTERSECÇÃO ENTRE ARTE E LOUCURA

Os novos estabelecimentos de saúde para o tratamento das pessoas que possuem de


transtornos mentais passam a se dedicar em uma nova forma de cuidar, baseado nos preceitos
da luta antimanicomial pretendendo modificar o sistema de tratamento clinico da doença
mental, eliminando gradualmente a internação como forma de exclusão social, garantindo ao
possuidor de transtorno mental cidadania, o respeito, seus direitos e sua individualidade.

Podemos perceber agora uma drástica mudança nos métodos terapêuticos aplicados sobre o
acometido pelo transtorno mental. Métodos invasivos são substituídos, ao invés da máquina
de eletrochoque e as psicocirurgias passa a ser utilizada como possibilidade a arte, com telas,
tintas e pincéis. Tal experiência foi utilizada por Nise da Silveira no hospital psiquiátrico
Engenho de Dentro no Rio de Janeiro e ela destaca que a introdução da arte no tratamento da
doença mental, adequadamente orientada, seja por atividades verbais ou não verbais, os
sintomas encontravam oportunidades para se exprimirem livremente. O tumulto tomava
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forma, despotencializava-se, e objetivavam forças autocurativas que se moviam em direção à


consciência (SILVEIRA, 1992).

Ao tratar deste em seu artigo publicado em 2011 sobre o dialogo entre arte, loucura e criação
Thomazoni e Fonseca (2011) dizem que mesmo em indivíduos “esquizofrênicos” e sem
nenhum conhecimento artístico, o impulso criador era capaz de encontrar sua expressão. De
forma que a “’esquizofrenia” possibilitava a expressão desse impulso, mesmo em indivíduos
sem nenhum conhecimento artístico.

A importância da utilização desses métodos alternativos se dá por ser um canal de


comunicação e construção de vinculo eficiente, sobre isso Nise continua dizendo:

A comunicação com o esquizofrênico, nos casos graves, terá um mínimo de


probabilidade de êxito se for iniciada no nível verbal de nossas ordinárias relações
interpessoais. Isso só ocorrerá quando o processo de cura se achar bastante adiantado.
Será preciso partir do nível não verbal. (SILVEIRA,1992, p.16).

E por esse viés, que a arte se mostra uma ferramenta bastante operativa, no que tange ao
acesso a essa subjetividade que delineia, que dá forma a esse indivíduo, ao mesmo tempo,
também externa a forma como esse sujeito se relaciona com o mundo, como contribui, se
percebe, como perpassa seus pares através desse relacionamento. Como diz GUERRA (2004),
quando relata a história do profeta Gentileza, há sempre uma possibilidade de resposta por
parte do sujeito, mais ou menos precária, mais ou menos capaz de provocar enlaçamentos-
assim como qualquer um de nós.

Ao significar porções do mundo, o homem deixa impresso a sua capacidade


sensível, emocional, sentimental, influenciador da imaginação, do pensamento, das
atividades e experiências culturais que movem a criação humana, como o teatro, a
música, os livros, as artes plásticas e outras (RIBEIRO, 2002, p. 11)

Ao falar de arte, por ser um conceito de difícil explicação, devemos ter cuidado em não cair
na tentação de fazer juízo de valor em relação aquilo que foi criado. A desqualificação da
criação pelo fato do criador ser possuidor de transtorno mental não pode se justificar porque
segundo THOMAZONI e FONSECA:

A atividade artística e o ímpeto para a criação não dependem de leis estratificadas,


condição social, e até mesmo mental. A vontade, a necessidade de arte pode se
manifestar em qualquer homem. Normalidade e anormalidade psíquica são termos
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convencionais para a ciência. No campo da arte, eles deixam de ter qualquer


prevalência significativa. (2011, p.616)

Assim, a produção artistica existirá inclusive em pessoas com transtorno mental. A arte
sempre é feita, tenha ela quilate ou não, trata-se de arte. E possibilitar um ambiente que
oportunize a reinvenção, onde o corpo pode abrir-se para os devires, tornar-se passagem de
força que levam a potência de criação e de vida (THOMAZONI & FONSECA, 2011), é o
caminho pelo qual os profissionais de saúde mental devem enveredar. Ressalta-se a suma
importância de ter o cuidado em não mover-se na direção da lógica psiquiatrica e não ser
tomado por esta, produzindo o inverso, normatizando e controlando comportamentos. Tal
emprego da arte para este fim é tão manicomial quanto.

Concordamos com Weinreb (2003, p.62) que:

As idéias de Osório César e Nise da Silveira sensibilizaram para um outro olhar, um


olhar para uma outra direção, o da inclusão, assim ressignificando conceitos sobre arte
e loucura. Esta proposta continua ainda hoje presente e necessária, questionando em
seu cerne as atitudes que passam para os depósitos (manicômios) da civilizaçãom tudo
que não se que ver. Portanto, um novo olhar é necessário, através de um movimento
dos sentidos que permita ver este outro lado.

O cerne de qualquer trabalho terapêutico em pessoas com transtorno mental deve-se ter em o
intento de propiciar o empoderamento no individuo para que possa participar socialmente
exercendo cidadania. O processo de reabilitação, que pode ser entendido como um processo
de restituição do poder contratual do usuário, visa a ampliar a sua autonomia. E entendemos
autonomia (...) como a capacidade de um indivíduo gerar normas, ordens para sua vida,
conforme as diversas situações que enfrente. Assim, não se trata de confundir autonomia com
autossuficiência nem com independência, (KINOSHITA, 1996).
Nesta perspectiva, a utilização da arte juntamente com outros dispostivos possibilitam os
usuários sentirem-se sujeitos de suas vidas. Tais ferramentas terapêuticas se sustém, segundo
Ribeiro (2004, p.105):

Na possibilidade de representarem dispositivos que sejam catalisadores da produção


psíquica dos sujeitos envolvidos, facilitando o trânsito social deles na família, na
cultura, bem como sua inserção ou reinserção no trabalho produtivo.

E é essa transformação que temos assistido no campo clínico no ultimos anos, à ransformação
de um grande número de práticas na quais as atividades artisticas participam de um processo
de transformação das instituições psiquiátricas e de questionamento e redefinição do lugar da
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loucura. Em uma infinidade de experiências que tiveram lugar a paritir da reforma psquiatrica
brasileira, busca-se, através da arte, tematizar as oposições saude e doenã, normal e
patológico, loucura e sanidade. Hoje, as práticas de desinstitucionalização atravessam os
muros dos hospital, invadem a cidade e passam a intervir nas redes socaisi e na cultura,
buscando desfazer "manicômios mentais". Um número cada vez maior de ações territoriais
visa construir novas possibilidades no campo das trocas sociais e da produção de valor,
buscando criar novas comunidades e novas sociabilidades.
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CONCLUSÃO

O ser humano é definitivamente, e comprovadamente, um ser social, que se relaciona com o


mundo e com sua espécie dialeticamente, transformando e sendo transformado
cotidianamente; desse trato surgem as mais diversas e inimagináveis singularidades e
consequentemente novas relações, arranjos, tipos de personalidade, das quais a compreensão
humana não necessariamente consegue acompanhar ao mesmo passo; a partir deste
pensamento, nos propomos neste artigo ratificar a importância da arte no que diz respeito ao
cuidado em Saúde Mental, nos desafios que as profundas transformações ocorridas desde o
início da Luta Antimanicomial e Desinstitucionalização da Loucura implica no trato com o
institucionalizado, o usuário dos serviços em Saúde Mental.

Logo, esse descompasso entre essa reorganização do “layout” social em congruência com as
novas formas dos indivíduos de conceber e se situar no mundo, impõe um grande desafio aos
profissionais; nessa ótica a arte pode ser uma excelente aliada, de forma que podemos
considerar a arte, como ferramenta terapêutica, sua contribuição imprescindível e seu valor
inquestionável. O presente trabalho ainda evidencia que a arte como ferramenta terapeutica
em relação à Saúde Mental é um campo em ascensão, e que demanda mais estudos, inclusive
nas outras vertentes principais que compõem o mundo da arte, como o teatro, a dança e a
música, por exemplo.

Sendo assim, podemos concluir que tal ferramenta, além de terapêutica, torna se também o
elo, uma ponte que possibilita a inclusão desse outro que difere, e que dependendo do nosso
olhar, desentoa; afinal o desarranjo nos desestabiliza, e transferindo para o âmbito de
sociedade, tais atitudes, se impensadas, de tendência reguladora, ajustadora, “normalizante”,
podem ser catastróficas. Daí o esforço que devemos fazer para compreendermos as nuances
que envolvem o processo de reabilitação do usuário dos serviços de Saúde Mental, e fomentar
trabalhos como esse que visam apresentar novas ferramentas terapêuticas que auxiliam no
tratamento, compreensão, visando a autonomia e acima de tudo o respeito à esses sujeitos
usuários de tais serviços.
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REFERÊNCIAS

BREDA, M. Z. et al. Duas estratégias e desafios comum: a reabilitação psicossocial e a


saúde da família. Revista Latino-Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 13, n. 3, p.
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DITRICH, M. G. O corpo criante, cuidado à saúde e arteterapia. In:ENCONTRO


PARANAENSE, CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOTERAPIAS CORPORAIS, XVIII,
XIII, 2013. Anais. Curitiba: Centro Reichiano, 2013.

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