Você está na página 1de 76

Caderno de estudos Nº 2

I CONGRESSO
NACIONAL DO MPA
“Aliança Camponesa e Operária por Soberania Alimentar”

São Bernardo – SP – 12 a 16 de outubro de 2015.

Movimento dos Pequenos Agricultores


Dezembro de 2014
Apresentação
Este caderno que estas tomando em suas mãos, é parte de um conjunto de 2
cadernos que trazem textos de estudos e debates na preparação do I CONGRESSO
NACIONAL DO MPA.
Estes textos trazem elementos teóricos para a reexão, mas principalmente, o
acúmulo do MPA nestes seus 17 anos de construção nacional, de estudos, debates, frutos
de seminários temáticos e seminários nacionais realizados nos últimos anos e também de
elaborações teóricas, e aplicação prática. A edição destes cadernos busca o
fortalecimento da formação e a articulação interna e externa do movimento, rumo ao seu I
CONGRESSO NACIONAL. Os dois cadernos serão compostos por oito temas centrais,
que são:
· Análise da conjuntura brasileira;
· Campesinato e Plano Camponês;
· Juventude Camponesa;
· Mulheres e as relações de gênero;
· Educação Camponesa;
· Terra e território (água, energia e mineral);
· Agroecologia, Soberania Alimentar, Genética;
· Organicidade do MPA;

Para o estudo e debate sobre estes textos em preparação ao Congresso, orientamos


a toda a militância, que sejam organizados grupos de militantes por município ou por
comunidade. Que se organizem uma seqüência de encontros, com tempo suciente para
aprofundar a discussão a respeito de cada tema.
Os grupos de estudo deverão levar em conta os elementos onde há consenso em
torno do escrito, os elementos em que há algum tipo de contradições e também sugestões.
Estes elementos deverão ser anotados e encaminhados para a coordenação do MPA em
cada estado, de modo a que se faça chegar à equipe de síntese do Congresso.
Este caderno de estudos deverá chegar também as mãos dos nossos aliados/as
estratégicos/as para suas contribuições a m de garantirmos proposições que contemplem
os anseios da classe trabalhadora como um todo.
Estes aportes dos grupos de estudo e dos aliados/as serão analisados pela equipe de
síntese e incorporados ao debate.
A coordenação Nacional do MPA irá realizar um Seminário Nacional, por volta do
mês de julho, onde consolidará um documento com as principais armações do congresso.
Este documento será estruturado em um caderno que deverá voltar para ser debatido nos
estados. Assim, o evento congresso será um momento para armações das linhas e
posições construídas durante todo o processo de estudos e debates que já está em
andamento.

Boa leitura, bom estudo, bom debate.

Viva o I CONGRESSO NACIONAL DO MPA


Viva a Aliança Operária e Camponesa pela Soberania Alimentar!
Direção Nacional do MPA
Apresentação
O opressor não seria tão forte
se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos.
Simone de Beauvoir

É chegado o momento do nosso l Congresso Nacional, para nós as mulheres


camponesas a história reserva uma das maiores batalhas, a de construir com nossas mãos a
libertação da classe camponesa e da classe operária da opressão do agronegócio, dos
transgênicos, dos agrotóxicos, da violência contra as mulheres, da criminalização e de
tantas outras violências que enfrentamos no nosso dia-a-dia.
O Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA completa seus 20 anos de lutas e
nasce com uma mensagem clara de que a família camponesa é o centro da organização,
é nela que reunimos as unidades fundamentais (crianças, jovens, mulheres e homens) e sob
as quais se estruturam nossas reivindicações e nossa luta.
Tomamos a denição de construir o Plano Camponês, um projeto de campo e de
sociedade onde as pessoas e a natureza sejam o centro e esse projeto é antagônico ao
projeto do capital onde o centro é o lucro. Essa decisão trouxe muitas responsabilidades
que agora precisamos dar conta como movimento.
Não é possível construir o Plano Camponês sem a participação real e visibilizada das
mulheres, pois a Soberania Alimentar como eixo central desse projeto só se realiza com uma
ampla e massiva participação das mulheres. É por nossas mãos que passa até 80% dos
alimentos consumidos pelo povo no mundo. Se olharmos em nossas famílias as mulheres são
responsáveis pelos pequenos animais, hortas, legumes, frutas, plantas medicinais, pães,
bolos, doces, biscoitos, etc. Além dessa tarefa fundamental da existência camponesa, ela
também cuida das crianças, dos idosos, dos doentes. Enm, a mulher organiza a vida da
comunidade camponesa em todas as suas dimensões, por isso sem a participação da
mulher conscientizada não tem Plano Camponês como projeto de campo e de sociedade.
A participação conscientizada se faz pela garantia da participação das mulheres
desde a base, pois lugar de mulher é em todo lugar; pela garantia da participação das
mulheres nas instâncias do movimento, nas coordenações, nas direções, nos coletivos, nas
equipes técnicas, nas equipes de negociação. Essa é uma condição para que o MPA seja
de fato um movimento de famílias camponesas no sentido mais amplo da palavra.
O processo foi longo até chegarmos até aqui. O primeiro Encontro Nacional em
Ronda Alta - RS em 2000 já trazia a questão de gênero como uma questão política da
organização, até porque várias mulheres vinham desse debate no movimento sindical. O II
Encontro Nacional em Ouro Preto D'oeste-RO realizado em fevereiro de 2003, foi realizada a
1ª Plenária Nacional de camponesas do MPA, éramos 35% no Encontro, tiramos o indicativo
da formação especíca e de fazer um trabalho mais sistemático e organizado com as
mulheres, até aqui eram 2 mulheres na Direção Nacional. Essa plenária foi importante pra
vermos e sentirmos o peso político das mulheres no MPA e que portanto não se podia
ignorar. Em novembro de 2003 realizamos o l Encontro Nacional de Gênero do MPA onde
participaram um homem e uma mulher de cada Estado. Essa atividade foi importante pra
entendermos que seria necessário realizar atividades especícas com as mulheres. Em 2008
realizamos o l Encontro Nacional de Mulheres Camponesas do MPA – O Encontro das 40
como cou conhecido. Foi esse encontro que deslanchou uma participação mais efetiva e
dirigente das mulheres no comando das lutas do 8 de março, desencadeou um processo
mais continuado de formação política desde os Estados até o Nacional, provocou o
debate da paridade nas instancias, as condições para as mulheres participarem das
atividades como a ciranda, cuidar com os horários das reuniões pra propiciar a presença
das mulheres e apontou que nenhum Estado poderia estar na direção nacional sem a
presença de mulheres.
Todo esse debate preparou e perpassou nosso III Encontro Nacional em Vitória da
Conquista - BA no ano de 2010, onde tivemos mais de 40% de mulheres e realizamos nossa II
Plenária Nacional de mulheres camponesas do MPA. A ampliação da participação
dirigente de jovens e mulheres em todas as instâncias do movimento foi um dos
compromissos denidos no Encontro. Rearmamos nosso compromisso em enfrentar o tema
da violência contra as mulheres, lançando em nosso Encontro a campanha “Basta de
violência contra as mulheres” da Via Campesina.
De 2010 pra cá, realizamos Escola Feminista, Encontros Estaduais, Escolas Estaduais,
Cirandas, Escolas do Asfalto, enfrentamento ao agronegócio e suas transnacionais.
Organizamos nosso Coletivo Nacional de Gênero e pela primeira vez em 2015 tivemos nossa
primeira equipe nacional de negociação política em Brasília formada somente por
mulheres camponesas, assumindo a negociação da pauta nacional do MPA.
Foram tempos difíceis, mas foram passos rmes, para chegarmos em 2015 com
denição da paridade de gênero em nosso l Congresso Nacional, ou seja, todos os Estados
devem levar 50% de mulheres, portanto teremos aproximadamente 2.000 mulheres
discutindo os rumos da organização. Essa denição foi tomada na reunião da
Coordenação Nacional em dezembro de 2014 realizada em São Bernardo dos Campos-SP.
Temos a certeza que nosso Congresso será mais colorido, mais animado e mais
organizado, mas isso nos coloca mais responsabilidades que privilégios, pois nos desaa a
organizar as músicas, os instrumentos, as poesias, os alimentos, mas principalmente nos
impõe o desao do estudo. Estudar para preparar bem e para conduzir bem o Congresso
em todas as suas dimensões. Por isso, várias companheiras se desaaram a preparar e
elaborar as leituras do tema de gênero nesse ll Caderno de estudos em preparação ao
nosso l Congresso Nacional.
O 1º texto “As Mulheres no MPA” são das companheiras e militantes do MPA Rosiele
Cristiane Ludtke, Maria José da Costa, Saraí Fátima Brixner, Roseli Maria de Souza, Leila
Denise Meurer e Letícia Chimini e traz um importante processo histórico da participação das
mulheres no MPA.
O 2º texto é “Políticas Públicas Sociais e as Mulheres Camponesas: o que temos e o
que queremos” da companheira Rose Sousa que traz uma análise das políticas sociais
existentes e quais de fato precisamos como mulheres camponesas.
O 4º texto é “Soberania Alimentar, uma perspectiva feminista” da companheira Ester
Vivas, é um importante elo entre a soberania alimentar e as mulheres; e, o 5º texto é
“Mulheres camponesas construindo sonhos no chão do semiárido: PAA e Soberania
Alimentar nas mãos das camponesas” das companheiras Maria José da Costa, Sonia Costa,
Geovana Sousa e Maria Gonçalves, esse texto traz uma belíssima descrição da
participação das mulheres camponesas no Programa de Aquisição de Alimentos no Piauí.
Diante de belíssimas e importantes elaborações, só nos resta convidar a todas as
mulheres e homens camponeses a estudarem e se prepararem para o debate de gênero
no I Congresso Nacional do MPA e oxalá que todo e qualquer oprimido que por ignorância
tenha se aliado ao opressor para exercer opressão de gênero se liberte pelo conhecimento.

BOM ESTUDO E BOA PREPARAÇÃO!


Coletivo Nacional de Gênero
Somos Mulheres
Eu senti a força e a dor da bala na face de Iones

Sou as marcas da violência de Maria da Penha,


Eu sofro e morro todos os dias com as mulheres
Me renovo, me refaço

Para ser voz das que se calam


Para encorajar as sem forças de lutar Para erguer o pulso das que estão atadas
Me renasço e me fortaleço

E assim seremos risos e não dor


Amor e não opressão
Paz sem agonia
Força e não medo

Não seremos mais lágrimas


Somos rosas e não espinhos
Somos união, força, somos luta...
Somos mulheres

(Mocinha - PI)
“As Mulheres no MPA”
Rosiele Cristiane Ludtke - Camponesa no RS, Tecnóloga em Agropecuária,
Militante do MPA, membro do Coletivo Nacional de Gênero.
Maria José da Costa - Camponesa no PI, Engenheira Agrônoma, Mestre em Desenvolvimento
Territorial da América Latina e Caribe, Militante do MPA, membro do Coletivo Nacional de Gênero.
Saraí Fátima Brixner - Camponesa no RS, Pedagoga, Militante do MPA, membro
do Instituto Cultural Padre Josimo e Produtora do Programa Vida no Sul.
Roseli Maria de Souza - Camponesa no ES, Militante do MPA, membro do Coletivo
Nacional de Comunicação, cursando Serviço Social na UFRJ.
Leila Denise Meurer - Camponesa em RO, Militante do MPA, membro do Coletivo Nacional de Gênero.
Letícia Chimini - Assistente Social, Mestre em Desenvolvimento Regional, técnica e militante
do MPA desde 2006. Integra a coordenação do Coletivo de Mulheres do MPA/RS.

O Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA desde a sua constituição, no ano de


1996, teve sempre a participação das mulheres em todas suas dimensões. Mas, ao longo de
seus anos de luta e resistência, nosso grau de participação foi se modicando. No I Encontro
Nacional no RS, por exemplo, no ano de 2000, 1 (uma) mulher fazia parte da Direção Nacional
do movimento e contribuía na construção do mesmo. Neste I Encontro Nacional estavam
presentes 5 (cinco) Estados e 20% das/dos presentes eram mulheres, que armavam a
necessidade de se construir um movimento nacional e composto por famílias.
O Movimento, nasceu das trincheiras de lutas por melhores condições de vida e de
trabalho no campo. Nestas lutas, o Movimento foi se constituindo a partir das famílias
camponesas (de mulheres, homens, jovens, crianças, pessoas idosas). Nós mulheres, estamos
presentes no bojo desta família, desta organização de base.
O MPA é um movimento que não vive isolado, ele está inserido numa sociedade
capitalista e patriarcal, onde a desigualdade de gênero é um fator importante que garante a
reprodução do sistema capitalista. Há papéis destinados a cada sexo. Aos homens é
destinada a tarefa da produção, do sustento da família, que acontece na esfera pública. A
nós mulheres foram destinadas a tarefa do trabalho reprodutivo, realizando os trabalhos
domésticos, o cuidado dos lhos e lhas, da produção das “miudezas” na horta, pomar, na
criação de pequenos animais, ou seja, o trabalho que é repetido cotidianamente e que é
invisibilizado e feito na esfera privada. As mulheres camponesas têm um papel fundamental
na reprodução familiar, pois são responsáveis por uma parte signicativa da renda das
famílias, e principalmente, daquilo que não é contabilizado como renda, mas que muitas
vezes é o que garante a manutenção destas famílias no campo. São elas que fazem a horta,
cuidam do pomar, das plantas medicinais, aproveitam os alimentos de forma integral,
fazendo agro industrialização caseira: chimias, conservas, doces, pães, o que garante uma
alimentação saudável e a soberania alimentar das famílias.
No MPA a participação das mulheres também está em movimento e desde o início
tivemos participação em níveis diferentes. Na sua constituição, o MPA se apresenta como
uma alternativa para as famílias camponesas. Era necessário organizar a base e fazer o
debate da organização. Muitas mulheres que já eram lideranças das comunidades, dos
sindicatos, de outras organizações sociais ajudaram a fazer este processo de consolidação.
Durante todo o processo, o movimento faz lutas para garantir a melhoria de vida das famílias
camponesas como crédito subsidiado, moradia, seguro agrícola, preço mínimo de
produtos...
Nós mulheres participamos das mobilizações, dos debates, de algumas negociações,
dos espaços de formação, mas sem expressão. Em sua maioria, dividimos as tarefas – os
homens vão para a luta e as mulheres garantem os trabalhos da casa. Ou quando íamos
para as lutas, permanecíamos nas tarefas tidas como femininas – fazer a comida, cuidar das
crianças, organizar o ambiente, preparar a mística, cuidar da animação e formação.
Com o passar do tempo, o movimento se propõe construir um novo modelo de
agricultura, onde hajam políticas de valorização do campesinato, de reestruturação da
propriedade, de cuidado com o meio ambiente, de reorganização da comunidade rural,
com propostas que vão além de políticas compensatória. Esta proposta foi chamada de
“Plano Camponês”. Para implantar este plano é necessário que toda a família esteja
envolvida. Organizamos um Seminário Nacional de Gênero para entender como
acontecem as relações sociais, como a presença da mulher em determinados setores está
relacionada a disputa de poder e a reprodução do sistema patriarcal. Este debate nos levou
a reetir que para garantir a presença das mulheres no movimento teremos de assumir mais
uma jornada (cuidar da casa, dos/as lhos/as, ir para a roça, ser esposa e ainda militante).
Enquanto que o movimento precisa implantar ações concretas que permitam esta
participação como cirandas infantis, a metas de equidade na participação entre homens e
mulheres.
A mudança do modelo de agricultura está casado com a mudança de sociedade e
de novas relações de gênero, etnia e geração, com respeito as diferenças camponesas que
temos no Brasil, bem como América Latina e no mundo. Queremos construir uma sociedade
socialista, que se inspire nas experiências que temos e tivemos pelo mundo, mas que seja
essencialmente brasileira. Organizada e pensada a partir da realidade do povo brasileiro,
uma verdadeira revolução social. Mudar a sociedade, implica ter um modelo diferenciado
de agricultura, mas também, um novo padrão de relações sociais. Em nossa proposta para a
sociedade, as mulheres tem uma função central em todos os eixos, pois desde a
diversicação, agregação de valor-renda à produção, agro industrialização, a recuperação
da cultura, vida de qualidade, enm... as mulheres tem na pratica camponesa do dia-a-dia
uma participação fundamental, o que esse modelo capitalista e patriarcal tem feito é
invisibilizar esse trabalho das mulheres.
Por isso, nós mulheres, assumimos a tarefa de nos organizar como mulheres,
camponesas, trabalhadoras e socialistas para fazer as transformações necessárias, a partir
de um movimento misto camponês que somos.
Temos em especial o 8 de março que é um dia de luta e organização. Para nós,
mulheres do MPA, o 8 de março ganha uma outra dimensão: é a oportunidade de nos
encontrar, de nos enxergar como mulheres, como lutadoras, como pessoas que sabem o que
querem. É o momento de darmos visibilidade as mulheres do campo e da cidade, através
das suas diferentes organizações. Também um dia para debater a situação em que nos
encontramos enquanto mulheres nesta sociedade machista e patriarcal, e do modelo de
sociedade que estamos dispostas a ajudar a construir.
Na atualidade o MPA está preocupado com este processo de proporcionar a
participação efetiva das mulheres nas instâncias, desde a base, até as instâncias de decisão,
como as Direções. Na Direção Nacional do MPA temos um bom número de companheiras
atuando, assim como na Coordenação Nacional e Direções Estaduais, Regionais e
Municipais. Um elemento importante que garante essa participação é a Ciranda Infantil,
onde as crianças têm espaço de aprendizado, brincadeiras, de cultura camponesa,
enquanto suas mães e pais participam das atividades do MPA. Nossa Associação Nacional
da Agricultura Camponesa (ANAC) tem como presidente uma mulher, o que demonstra
capacidade na gestão e administração de uma associação nacional.
O Coletivo de Gênero tem como objetivo principal debater essas novas relações, pois
não basta transformar as estruturas da sociedade, se também não transformarmos as
relações entre as pessoas. São processos que devem andar conjuntamente. E para tanto
estamos realizando várias atividades em vários locais do país para realizar este debate,
juntamente com o debate do Plano Camponês.
Com o decorrer de 2015, esperamos ampliar e efetivar a participação das mulheres
em todos os sentidos no nosso Movimento e na sociedade como um todo. Precisamos dar
visibilidade ao trabalho invisível das mulheres do campo, onde a estratégia principal seja a
produção de alimentos saudáveis, com respeito ao meio ambiente, que este alimento
chegue na mesa do trabalhador das cidades. E isso inclui as mais variadas tarefas na nossa
organização. Portanto nós mulheres, cuidadoras da vida, temos sim que continuar lutando
para melhorar nossas vida no campo, onde ir a mesa de negociações ou preparar uma
alimentação saborosa sejam tarefas importantes e que nós estejamos prontas para cumprir.

Mulher conscientizada, semente germinada, sociedade transformada!


Sem Feminismo, não há Socialismo!
Quando uma mulher avança, nenhum homem retrocede!
Mulheres e homens conscientes, na luta permanente!
As Políticas Públicas-Sociais e as Mulheres
Camponesas: O que temos e o que queremos.
Roseli Maria de Souza - Camponesa e militante do Movimento dos Pequenos
Agricultores/Via Campesina e estudante da Escola de Serviço Social da UFRJ

1- As origens, as Protoformas das Políticas Sociais no Capitalismo.


Por “Questão Social” entendemos “o conjunto de problemas políticos, sociais e
econômicos que o surgimento da classe operaria impôs no curso da constituição da
sociedade capitalista. Assim a “questão social” esta fundamentalmente vinculada ao
conito entre o capital e o trabalho” (Cerqueira lho, 1982 apud Neto, 2011, p. 17).
Desde o surgimento do modo de produção capitalista sempre existiu as expressões
das questões sociais, sempre existiu desigualdades, o capitalismo sempre produziu riqueza
para uma minoria e pobreza para a maioria, isso é da gênese, é próprio desse modelo
produtivo, porém, a forma de expressão, a forma como isso se retrata em cada período
histórico depende de vários fatores, sócio-políticos, econômicos, avanço do capitalismo,
pressão dos trabalhadores, etc. No período inicial do capitalismo mercantil, manufatureira e
parte do capitalismo concorrencial se explicava a fome, a pauperização-pobreza em
massa que havia dos trabalhadores pela escassez, pela falta de alimentos.
Com o desenvolvimento das máquinas, a Revolução Industrial, na segunda metade
do século XVIII e primeiras décadas do século XIX, ca evidente para os/as trabalhadores/as
que o problema não é a falta de produção, mais sim a concentração. Cada vez mais
aumentava a produção e cada vez mais aumentava a pobreza, a desigualdade. Os/as
trabalhadores/as começaram a se perguntar porque isso tudo estava acontecendo, e no
primeiro momento, identicaram como seus inimigos as máquinas, foi ai que surgiu o
movimento do Ludismo (acreditavam que quebrar as máquinas iam resolver os problemas
da fome, do desemprego, etc.). Conforme o capitalismo ia se desenvolvendo nessa fase da
Revolução Industrial, a concorrência entre si cada vez maior, algumas revoluções
burguesas já havia acontecido e concentração, acumulação para os capitalistas e a
pobreza para os/as trabalhadores/as evidenciava-se cada vez mais. Nesse período (início
do século XIX), com os protestos dos/as operários/as surge a expressão “questão social”
para denominar todo o pauperismo generalizado, toda a pobreza, fome, falta de moradia,
educação, péssimas condições de trabalho, doenças das mais variadas, etc., que existia.
Nesse mesmo período surgiu a palavra, o conceito de Socialismo como outro modelo de
sociedade que os/as trabalhadores/as propunham como forma de contrapor o
Capitalismo.
O ano de 1848 é o divisor de águas. Acontece nesse marco grandes manifestações,
revoluções, os/as trabalhadores trazem à tona o caráter antagônico, contrários dos
interesse sociais das duas classes fundamentais da época (quem detém a força de
trabalho-operários/trabalhadores e os donos dos meios de produção-
burguesia/capitalistas). Os/as trabalhadores/as, que até aqui pertenciam a uma classe
(classe em si), passam a se reconhecerem como classe social, passam para uma classe
para si, passam a se reconhecerem como sujeitos sociais coletivos. A classe aqui passa a ter
compreensão política e mais tarde avança também na compreensão teórica com as
contribuições de Marx e de Engels e outros teóricos da perspectiva crítica ao modelo de
produção já predominante - Capitalismo. Ao entrar no cenário político como protagonistas,
como sujeitos sociais, os/as trabalhadores/as colocam em resolução a “questão social”
não apenas na politização e conscientização sobre as expressões da questão social, mais
visualizava a solução em um processo de transformação pela revolução, passam a lutar
pelo Socialismo, pela vida digna para todos e todas, viam como necessário mudar o
modelo de sociedade que estava crescendo dia-a-dia.
Esse também foi um período em que a tradição intelectual do pensamento
conservador positivista fez muitas reexões sobre as “questões sociais”. Naturalizam as
desigualdades, colocam a pobreza, o passar fome e todas as outras necessidades vitais
como se fossem coisas da natureza, uma coisa normal da vida e não consequência do
modo de produção, eles combatem as manifestações da “questão social” mais sem tocar
nos fundamentos da sociedade capitalista. As ciências sociais se dividiram e foram mais
para a esfera moral, não iam para o debate da economia. Durkheim, um dos fundadores
dessa corrente de pensamento (pensamento esse que se protagonizou na sociedade
capitalista) defendia a coesão e o controle social, daí ele dá o estatuto à Sociologia, era
preciso prossionais para mediar os conitos, as expressões das questões sociais. É a
naturalização e a psicologização do social. Eles vão convencer a sociedade que as coisas
são naturalmente assim, pobreza de um lado, riqueza do outro, como fator natural.
A partir de 1848, o estado e a burguesia muda seu posicionamento diante da
sociedade, não mais só com polícia, com repressão, eles enfrenta as lutas, as
manifestações da massa desenvolvendo estratégia que combina conservadorismo e
reformismo, passa a ser coesivo, passa a tratar também como coisa de política, ou seja
busca aperfeiçoar os mecanismos de “amaciar” a luta de classes.
Já, a partir de 1870, o Capitalismo já passado da sua fase concorrencial para
monopolista-imperialista concentra e centraliza tudo, há uma fusão entre capital bancário
e industrial formando o capital nanceiro. O Estado passa a ter uma função estrutural e
funcional ao capitalismo, passa a intervir não apenas na politica mais também na
economia (infraestrutura, credito, etc.), estado passa a ser o “Comitê executivo da
burguesia”. Após a II guerra mundial vieram os chamados anos gloriosos, o capital sai
fortalecido da guerra, altas tachas de lucro em todos os seus ramos de atuação, no entanto
há muitas consequências para os trabalhadores, ele precisa se “humanizar” socialmente, o
Estado de Bem Estar Social entra em cena com” bons empregos” e politicas para garantir o
consumo, assim foi, mais não por muito tempo, veio a crise de 1973, houve um grande corte
de gastos, e é nos gastos sociais que o capital corta através do Estado, garantindo apenas o
Estado Mínimo para o povo, ou seja, os bons empregos e preços dos produtos,
consequentemente as melhorias para os trabalhadores são minimizadas.
As chamadas “protoformas das políticas sociais”, ou seja, as suas primeiras formas,
datam de 1881 com Otto Bismarck na Alemanha criando os primeiros “seguros sociais” da
história, na tentativa de “unicar” seu povo. Esse fato se deve principalmente a Comuna de
Paris em 1871, ou seja, era a antecipação de algumas melhorias para o povo não se
organizar “fora da ordem” novamente como na Comuna.
No Brasil, de forma muito fragmentada as primeiras políticas sociais vieram com
Vargas entre 1930 até início dos anos 60. Ele criou o primeiro sistema de seguro social com
objetivo de conter as greves que existiam em função do desenvolvimento desigual que
estava acontecendo ( essa desigualdade no desenvolvimento se dava de forma
diferenciada tanto em relação aos capitalistas e trabalhadores como também a prioridade
diferenciadas em torno das regiões do país, mais incentivo ou menos de acordo com as
necessidades do capital, por exemplo o Sul e Sudeste era mais prioridade, tinha mais
infraestrutura e investimentos gerais em relação ao nordeste e norte), depois um segundo
período de consolidação de algumas políticas sociais foi de 1964 a 1985 com um objetivo
de racionalização conservadora e estava em função da ditadura. Com o Ascenso das
massas o período seguinte foi de muitas conquistas. A Constituição Federal de 1988 é a mais
progressista existente até então (SUS como política universal, educação, Previdência, etc.),
mais o neoliberalismo implantado por Collor e consolidado por FHC faz cair a maioria dos
direitos sociais conquistados. Vem as políticas de assistência de forma racionalizada, a
lantropia, as Ongs assumindo o lugar do Estado, provocando a cooptação, repressão e
criminalização dos que não obedecem as ordens dadas nos anos seguintes.
Com Lula, e com Dilma, não foi diferente, o Estado continua sua função de garantir as
taxas de lucro do capital como a prioridade através da intervenção econômica e política,
seja na exibilização das leis como o código orestal por exemplo, seja na negociação dos
dividas do agronegócio, no pagamento das dívidas internas, na infraestrutura – rodovias,
portos, aeroportos, etc, empréstimo do dinheiro público-BNDES, entre outros incentivos que
o capital direto ou indiretamente recebe. E as políticas sociais compensatórias continuam
cada vez mais sendo implantada, porém, há também um reconhecimento da maioria da
sociedade de que esses dois governos deu mais “atenção” as políticas públicas, os pobres
teve uma fatiazinha maior do bolo do que os governos anteriores.
Em suma, as Políticas Sociais desde sua origem vieram para “anestesiar” o povo e o
capital sempre teve ganhos com isso, no entanto, elas são fruto da LUTA dos trabalhadores
por melhorias, são REIVINDICAÇÕES LEGITIMAS e que Estado e o capital espertamente
utiliza, se apropria dessas pautas, dessas demandas para desorganizá-los, burocratiza-los,
enganá-los como se fosse uma bondade do Estado ao criar essas políticas. Assim sendo,
historicamente coube aos trabalhadores e trabalhadoras criar estratégias e instrumentos de
se organizar e manter organizados de acordo com suas necessidades de reivindicações em
cada época, em cada período histórico, seja os sindicatos, o partido político, os
movimentos sociais, etc.

2- Surgimento do MPA e a luta pelas melhores condições de vida no campo - Políticas


Públicas.
O MPA surge em 1996 numa crise da pequena agricultura (do campesinato- mas não
usávamos esse termo na época) e crise das organizações. Surgiu para construir e propor o
Plano Camponês. Nesse momento, fazendo uma comparação, é como se o conjunto da
pequena agricultura/campesinato estivesse caído num buraco, e as organizações
estavam discutindo como viver melhor no buraco. O povo não queria viver no buraco, por
isso surge o MPA, com a tarefa histórica de construir a saída do buraco, superar as
condições limitantes políticas e econômicas colocadas para os camponeses e
camponesas, isso é o Plano Camponês.
O MPA é, portanto um movimento que luta para a construção de uma nova
sociedade, e luta por melhorias nas condições de vida das famílias camponesas, bem
como pela manutenção e ampliação dos direitos camponeses. Assim desde o
acampamento da Seca no RS em 1996, que é o fato que marca o nascimento do MPA,
sempre zemos lutas concretas por políticas públicas que favoreçam a agricultura
camponesa. Se zermos uma análise das pautas do MPA, desde a primeira pauta, questões
como a moradia, educação, crédito e a agroecologia estavam presentes.

O que são as políticas públicas?


a)Conjunto de ações denidas, desencadeadas pelo Estado no nível federal,
estadual e municipal, com vistas ao atendimento a determinados setores da sociedade
civil, podendo ser desenvolvidas em parcerias com organizações não governamentais e
mais recentemente com a iniciativa privada;

b) São fruto da luta dos trabalhadores organizados;

c) Cumpre dupla função, ao mesmo tempo em que atende a necessidade concreta


dos trabalhadores, tem também o papel de “anestesiar” para não se mobilizarem pela
transformação da sociedade. Isso faz com que a ordem social dada – capitalismo, continue
se desenvolvendo.

As políticas públicas que favorecem a agricultura camponesa só existem por causa


da luta concreta, por causa das mobilizações e da organização do campesinato, sem luta
não há conquistas. As conquistas podem ser avanços econômicos, políticos ou sociais da
agricultura camponesa, mas podem ser também o impedimento do avanço do
agronegócio, ou seja, se manter onde e como estamos é também uma conquista, pois a
meta do agronegócio e diminuir nós camponeses ainda mais.
Mas por que ocorre isso?
Como podemos ver no desenho ao lado, o
MPA busca a mudança radical (pela raiz) da atual
sociedade e como parte dessa transformação,
dessa mudança, constrói a pauta de lutas, faz as
lutas concretas e obtém conquistas para a melhoria
da vida dos camponeses e camponesas e
consequentemente do conjunto dos trabalhadores.
Estas conquistas podem ser independentes do
Estado, como por exemplo, a realização de feiras
livres, a mudança na autoestima das famílias,
transição para a agroecologia, etc., mas muitas coisas dependem da relação com o
estado/governos, dependem dos recursos públicos, seja a nível nacional, estadual ou
municipal/local.
O problema é que o Estado tem por função a manutenção da atual sociedade, ou
seja, manter as coisas do jeito que estão, é por isso, que por conta própria não há avanços
para os camponeses/trabalhadores, somente a luta é que garante conquistas. É
importante considerar que o Estado não é só os espaços ocupados por pessoas eleitas pelo
voto, é estado também o judiciário, as forças armadas, os funcionários públicos, etc.
Assim, quando os governos se veem sem saída pela pressão dos trabalhadores criam
políticas públicas que os favorecem (no nosso caso, para a agricultura camponesa) mas
criam também um monte de regras e burocracias que impedem que essas políticas virem
realidade de forma universalizada, ou então, fazem algumas alterações daquilo que o
movimento tinha de proposta que mudam completamente o sentido, por exemplo, o
PRONAF tem sido usado para ampliar ainda mais o uso de agrotóxicos e a dependência das
multinacionais, quando na verdade deveria ser o contrário.
Outro elemento, é que aquelas políticas que não são de interesse do Estado não tem
recursos orçamentários sucientes ou então, os órgãos responsáveis pela sua execução
estão em condições precárias, sem funcionários, com veículos quebrados, sem
infraestrutura, etc., por exemplo, a Conab para executar o PAA-Programa de Aquisição de
Alimentos e o Pronaf Agrooresta.

3- Lutas e conquistas das Mulheres, do MPA nas Políticas Públicas.


Ao longo da nossa caminhada zemos muitas lutas e obtivemos importantes
conquistas para a agricultura camponesa, o quadro abaixo apresenta um resumo sobre
algumas das políticas públicas conquistadas através da luta camponesa, as possiblidades
que ela proporciona aos camponeses e as camponesas e as diculdades que temos em
implementá-las.
Nesse processo, sem minimizar, sem diminuir a importância dessas conquistas para os
homens, os jovens e as crianças, mais, para as Mulheres elas são de extrema importância,
considerando que a maior parte da produção diversicada, da agregação de valor nos
produtos, do cuidado com a água, com as pequenas criações, plantas medicinais, saúde,
horta, pomar, entre outros, tem sido uma parte do trabalho que as mulheres fazem ( uma
parte porque no dia-a-dia elas fazem muito mais que isso, as mulheres sempre vão para
além da esfera da reprodução, do autoconsumo, elas tem inuência direto também no
trabalho produtivo, na renda familiar), assim como a falta das políticas públicas, as Mulheres
são as mais afetadas diretamente, por exemplo, a condição péssima da saúde pública na
atuação do pré-natal, preventivo, nas questões previdenciárias dada a nossa condição
de segurada especial que cada dia vem sendo mais burocratizado o acesso aos direitos-
salário maternidade e outros, a falta de água, a falta de energia elétrica que em muitos
lugares ainda não tem dicultando e acarretando ainda mais a jornada de trabalho. As
mulheres tiveram participação decisiva na consolidação das políticas abaixo citadas:
Política pública Funcionamento – nalidade Possibilidades Problemas

PRONAF / créditos * Financiar a produção das famílias * Recuperar a estrutura de produção – * burocracia dos bancos;
(1997) camponesas. sistemas camponeses de produção; * falta de documentação das terras;
* Ampliar a produção * transporte para as feiras; * falta de informação;
* Permitir as famílias fazerem * agroindústrias; * picaretas-consultorias orientando
investimentos * etc... créditos errados.
* governo faz as regras e os bancos
operacionalizam – as regras e
condições tem melhorado em função
das lutas.

PRONAF Mulher O Pronaf Mulher é uma linha de crédito As possibilidades são de melhorar a O pronaf Mulher teve e tem muitos
(2003-2004) especico para as mulheres voltados renda das camponesas. limites na implementação como: falta
para atividades agrícolas e não de documentação pessoal e da
agrícolas. propriedade da terra, falta de
autonomia das mulheres no âmbito da
gestão e comercialização dos produtos,
DAPs é familiar mais a maioria não
incluía o nome das mulheres como
titulares, etc

Habitação Rural * recursos não retornáveis para * construir casas para as famílias * recursos insucientes para fazer um
(2002 – projeto construção de casas para as famílias viverem dignamente no campo; programa massivo;
piloto RS) camponesas; * discutir a casa e seu entorno; * excesso de burocracia;
* entidades interessadas em ganhar
dinheiro com o programa fazendo
casas de qualquer jeito;

PAA (2003) O Programa de Aquisição de Alimentos * A famílias camponesa tem comércio * burocracias trazem diculdades;
tem duas modalidades: garantido sabendo por quanto vai * Legislação sanitária é um empecilho
* Compra Direta com Doação vender e para quem entregar sendo um para muitos dos produtos;
Simultânea: entidade apresenta grande incentivo a diversicação; * a CONAB tem diculdade de gente
projeto, CONAB compra os alimentos, e * Melhoria de renda das famílias para atender as demandas;
a entidade entrega diretamente aos camponesas; * entidades sem compromisso fazendo
beneciários (creches, asilos, famílias * colocar alimentos de qualidade na PAA para beneciar políticos ou
carentes, etc); mesa de quem precisa; pessoas individualmente e
* Formação de Estoque: entidade * resgatar na sociedade a valorização politicamente;
apresenta projeto, CONAB compra os da agricultura camponesa; OBS: Os 40% de propostas em nome das
alimentos e faz estoques; 2013 foi aprovado de 40% das propostas mulheres tiveram muitos limites em
serem em nomes das mulheres. função das documentações (terra,
DAP, etc).

PNAE (2009) O Programa Nacional da Alimentação * garantia de comercialização da * burocracia;


Escolar já existia, e em 2009 produção camponesa; * falta de interesse das prefeituras e das
conseguimos aprovar que no mínimo Incentivo a diversicação; próprias escolas nos alimentos de
30% dos alimentos sejam comprados da * alimentos de qualidade para as qualidade da agricultura camponesa;
Agricultura familiar. crianças nas escolas; * Legislação sanitária que impede a
* as prefeituras, governos estaduais e venda de muitos produtos;
governo federal precisam então * ter produção organizada para manter
obrigatoriamente gastar 30% da verba constância nas entregas.
de alimentação escolar com a
agricultura familiar;

Educação do * há na legislação uma série de direitos * ter uma pedagogia própria e * desconhecimento da lei;
Campo-LDB e garantias para a educação do apropriada à realidade camponesa; * valorização extrema da cidade e
campo, porém os governos sempre se * ter uma educação que valorize a vida negação do campo;
negam a colocar em prática essas leis. camponesa, e que crie condições de * falta de professores com capacidade
* a lei garante a manutenção de todas melhorar a vida no campo; de fazer uma pedagogia diferenciada;
as escolas do campo, a inclusão de * ter acesso a todos os níveis de estudo Muitas escolas no campo já foram
temas de interesse das famílias no para o conjunto do campesinato; fechadas e a reabertura é um desao.
estudo das crianças, mudanças no
calendário escolar, etc.

Previdência A previdência social para os * é uma segurança para as famílias * o INSS não tem estrutura e pessoal
(1988) camponeses “Segurado especial” camponesas quanto ao futuro, ou em para atender a demanda da
Saúde (auxílio maternidade, auxilio doença, condições adversas; população;
aposentadoria, pensão, etc) – é uma * garante renda para as pessoas que * as famílias tem problemas com
conquista muito importante para a não estão em condições de trabalhar; documentação que comprove a
população camponesa, e há muitos É um direito conquistado. atividade rural;
interessados em acabar com o * existem combinados em postos do
segurado especial; INSS com advogados e sindicatos para
extorquir dinheiro dos camponeses;
Para as Mulheres, principalmente, as
reformas da previdência é um
retrocesso aos direitos já garantidos em
lei, onde está para acabar a condição
de segurada especial, burocracia
excessiva, corte de recursos - o que leva
a negação pelos peritos dos auxílios
doenças, aumento da idade para
aposentadoria, etc.

SUS como direito * através da luta das organizações os * ter em todas as comunidades postos * falta de recursos;
universal-1988 medicamentos naturais (toterápicos) de atendimento à saúde, com * recursos de saúde investidos muito no
foram incluídos no SUS, ou seja, foram prossionais que conheçam a pliquem a tratamento e pouco na prevenção;
reconhecidos. saúde alternativa; * muito investimento em ambulâncias e
* o SUS se implantado e garantido seu * Valorizar, respeitar e utilizar os transporte e pouco em atendimento;
funcionamento é um excelente sistema; conhecimentos populares no * formação de médicos controlada
tratamento da saúde; pelos interesses do mercado;
* romper com o modelo químico de * preconceito contra a saúde
tratamento; alternativa.
Podemos assim dizer que, o Estado Capitalista tem as suas estratégias com as Políticas
Sociais-Políticas Públicas que é Manter a Sociedade Capitalista, nós nas organizações
temos as nas nossas estratégias que são outras que é Transformar a Sociedade, e as políticas
públicas tem função importantíssima na melhoria da vida dos trabalhadores e
trabalhadoras, das camponesas em geral. Por isso, é necessário estudar e entender bem
cada ação nossa, para não cairmos nos objetivos deles. Importante ressaltar que o capital e
o Estado tenta amaciar a luta com políticas públicas, mais em última instancia se necessário
eles tem a força, a repressão para garantir seus interesses.

4- Participação das Mulheres nesse contexto todo.


Em toda a trajetória das lutas Sociais pelos direitos no geral, desde as protoformas das
Políticas Sociais, até os dias de hoje, todas as conquistas, as mulheres sempre estiveram
presentes lutando e buscando a melhoria das condições de vida para elas e para seus
lhos/as, familiares, etc. Embora que, historicamente a participação das mulheres sempre
foi marcada pela invisibilidade que é fruto da Sociedade Patriarcal.
No MPA também, desde seu surgimento, as mulheres sempre estiveram presentes em
todos os momentos decisivos, nas conquistas, nas lutas, nas formações, na construção
orgânica do movimento, seja preocupadas com a Educação que chega aos seus/as
lhos/as, como também no processo produtivo, na diversicação, no cuidado com os
alimentos saudáveis, na garantia da renda econômica, nos intercâmbios entre
organizações e pessoas, entre outros.
O dia o8 de março para nós camponesas da Via Campesina, em especial as do MPA,
tem sido um marco histórico de luta das mulheres pelos direitos e nós não aceitamos
redução de direitos já conquistados, queremos é ampliar ainda mais.
Nesse contexto, apresenta-se alguns desaos para que haja melhor participação das
companheiras, que passa pela, necessidade do conjunto da sociedade e da organização
nas suas diversas instancias proporcionar as condições para que as mulheres se preparem
para assumir mais o comando político, para isso, é necessário que elas tenham acesso aos
diversos conhecimentos políticos-técnicos, estudo, espaço para ciranda infantil
(principalmente em fase de amamentação), ou seja, tudo que permitirá o melhor
desenvolvimento do ser humano, que são os espaços de Conhecimento e Socialização,
portanto, é necessário que as Mulheres tenham acesso aos espaços de conhecimentos e
de socializar esses conhecimentos.
Em torno das políticas públicas, queremos que haja uma luta mais focada e
conscientizada em torno de algumas pautas que é urgente ser priorizada como:
previdência rural( o acesso tem sido cada dia mais restrito, principalmente pelas mulheres,
garantia de salário maternidade de 180 dias, não às reformas previdenciárias, etc.), Saúde,
Educação, inclusão do nome das mulheres nas documentações(bloco de produtor,
escrituras, ITR-CCIR, ...), Moradia, Comercialização dos produtos-PAA, PNAE, Feiras, entre
outros.
Portanto, há muitos desaos colocados para a transformação social que queremos
para superarmos a sociedade capitalista e patriarcal, onde no futuro próximo,
estabelecermos um espaço que todas as mulheres e todos os homens terão seus direitos
garantidos e a opressão de gênero e de classe serão superadas.

Nenhum direito a menos, todos os direitos garantidos já!.

“Mulheres- lhas da terra


Produzindo sementes Crioulas
Alimentando sonhos de libertação”.
Referências bibliográcas:
BOSCHETTI, Ivanete. A relação Trabalho-Assistência nas Sociedades capitalistas. In.
Assistência Social no Brasil: um direito entre a Originalidade e Conservadorismo. Brasília,
2001.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
GRANEMANN, Sara. Para uma critica marxista das Políticas Sociais. 2011.
IAMAMOTO, Marilda. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital nanceiro,
trabalho e questão social. 7 ed. São Paulo: Cortez, 2012.
IASI, Mauro L. Democracia de cooptação e o apassivamento da classe trabalhadora
In: Salvador, E. e Granemann, S... [et Al.] (orgs.) Financeirização, Fundo público, Política
Social: São Paulo: Cortez, 2012.
Marx, Karl. O Capital. Critica da Economia politica. Livro I, volume I. Civilização
Brasileira, 2012.
MPA, Movimento dos Pequenos Agricultores-Brasil, Caderno de estudo I, 2013.
Introdução a História Social do Campesinato. Brasília, março 2013.
NETTO, José Paulo. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. 8 ed. São Paulo: Cortez,
2011.
NETTO, José Paulo. Economia Política: uma introdução crítica. 6ª ed. São Paulo:
Cortez, 2010.
Krauser, Raul Ristow. Estudos sobre o Estado em Gramsci. 2012.
Debate da Escola de Formação Feminista do MPA-2013.
SITCOVSKY, Marcelo. Particularidades da expansão da Assistência Social no Brasil. In.
MOTA, Ana Elizabete (org.). O Mito da Assistência social: ensaio sobre Estado, Política e
Sociedade. São Paulo: Cortez Ed., 2008.

- Arte do 08 de março + Lema


“Soberania Alimentar, uma perspectiva feminista”
Esther Vivas

Os sistemas de produção e consumo de alimentos sempre foram socialmente


organizados, mas suas formas tem variado historicamente. Nas últimas décadas, sob o
impacto das políticas neoliberais, a lógica capitalista se impôs, cada vez mais, na forma na
qual se produz e se distribui os alimentos (Bello, 2009)/1.
Neste artigo queremos analisar o impacto destas políticas agroindustriais sobre as
mulheres e o papel chave que as mulheres camponesas desempenham, tanto nos países
do Norte como do Sul, na produção e distribuição dos alimentos. Também analisaremos
como uma proposta alternativa ao modelo agrícola dominante deve necessariamente
incorporar uma perspectiva feminista, e como os movimentos sociais trabalham nesta
direção, a favor da soberania alimentar, incluem esta perspectiva.

*Camponesas e invisíveis*
Nos países do Sul, as mulheres são as principais produtoras de comida, as
encarregadas de trabalhar a terra, manter as sementes, coletar os frutos, conseguir água,
cuidar do gado... Entre 60 e 80% da produção de alimentos nestes países recai sobre as
mulheres, sendo uns 50% em nível mundial (FAO, 1996). Elas são as principais produtoras de
cultivos básicos como o arroz, o trigo e o milho, que alimentam as populações mais
empobrecidas do Sul global. Entretanto, apesar de seu papel chave na agricultura e na
alimentação, elas são, juntamente com os meninos e meninas, as mais afetadas pela fome.
As mulheres camponesas se responsabilizaram, durante séculos, das tarefas
domésticas, do cuidado com as pessoas, da alimentação de suas famílias, do cultivo para o
autoconsumo e das trocas e comercialização de alguns excedentes de suas hortas,
encarregando-se do trabalho reprodutivo, produtivo e comunitário, e ocupando uma
esfera privada e invisível. Por outro lado, as principais transações econômicas agrícolas
estiveram, tradicionalmente, nas mãos dos homens, nas feiras, com a compra e venda de
animais, a comercialização de grandes quantidades de cereais... ocupando a esfera
pública camponesa.
Esta divisão de papéis, atribui às mulheres o cuidado da casa, da saúde, da
educação de suas famílias e outorga aos homens o manejo "técnico" da terra e dos
maquinários, e mantém intactos os papéis designados como masculinos e femininos, e que
durante séculos, e ainda hoje, perduram em nossas sociedades (Oceransky Losana, 2006).
Os dados falam por si só. Segundo dados da Organização das Nações Unidas para a
Agricultura e Alimentação (FAO) (1996), em muitos países da África as mulheres
representam 70% da mão de obra no campo; se encarregam pelo suprimento de água; são
responsáveis por 60-80% da produção dos alimentos para o consumo familiar e para venda;
e realizam 100% do processamento dos alimentos, 80% das atividades de armazenamento e
transporte da comida e 90% das atividades de preparação da terra. Estas cifras expõem a
relevância do papel crucial que as mulheres africanas tem na produção agrícola em
pequena escala e na manutenção e subsistência familiar.
No entanto, em muitas regiões do Sul global, na América Latina, África subsaariana e
sul da Ásia, existe uma "feminização" do trabalho agrícola assalariado, especialmente em
setores orientados para a exportação não tradicional (Fraser, 2009). Entre 1994 e 2000,
segundo White e Leavy (2003), as mulheres ocuparam 83% dos novos postos de trabalho no
setor da exportação agrícola não tradicional. Assim, muitas mulheres conseguiram
pela primeira vez um posto de trabalho remunerado, com ganhos econômicos que lhes
permitiram um maior poder de tomada de decisões e a possibilidade de participarem em
organizações fora do âmbito familiar (Fraser, 2009).
Entretanto esta dinâmica vem acompanhada de uma divisão marcada de
gêneronos postos de trabalho: nas plantações as mulheres realizam as tarefas não
qualicadas, como a seleção e a embalagem, enquanto os homens realizam acolheita e a
plantação.
Esta incorporação da mulher no âmbito do trabalho remunerado implica em carga
de trabalho dobrada para as mulheres, que continuam cuidando de seus familiares ao
mesmo tempo que trabalham para obter recursos nanceiros, na maioria das vezes em
empregos precários. Elas contam com condições de trabalho piores que de seus
companheiros, recebendo remuneração inferior pelas mesmas tarefas e tendo que
trabalhar mais tempo para receber os mesmos salários. Na Índia, por exemplo, o salário
médio das mulheres para o trabalho temporário na agricultura é 30% inferior ao dos homens
(Banco Mundial, 2007). No Estado espanhol as mulheres cobram 30% a menos, e esta
diferença pode chegar a 40% (Oceransky Losana, 2006).

*Impacto das políticas neoliberais*


A aplicação dos Programas de Ajuste Estrutural (PAE), nos anos 80 e 90, nos países do
Sul por parte do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI), para que estes
pudessem pagar suas dívidas externas, agravou ainda mais as condições de vida da maior
parte da população nestes países, e especialmente as mulheres.
As medidas de choque impostas pelos PAE consistiram em forçar que os governos do
Sul retirassem as subvenções aos produtos de primeira necessidade como pão, arroz, leite,
açúcar...; reduções drásticas no gasto público com educação, saúde, habitação e
infraestruturas foram impostas; a desvalorização forçada das moedas nacionais, com o
objetivo de baratear produtos destinados à exportação, diminuíram a capacidade de
compra da população local; as taxas de juros foram aumentadas com o objetivo de
atrair capitais estrangeiros com alta remuneração, gerando uma espiral especulativa, etc.
Em resumo, uma série de medidas que mergulharam na pobreza as populações destes
países (Vivas, 2008).
As políticas de ajustes e as privatizações repercutiram de forma particular sobre as
mulheres. Como assinalou Juana Ferrer, responsável pela Comissão Internacional de
Gênero da Via Campesina: "Nos processos de privatização dos serviços públicos as
mulheres foram as mais afetadas, principalmente nas áreas como a saúde e a educação,
visto que as mulheres historicamente se encarregam mais fortemente das responsabilidades
familiares. A medida que não temos acesso aos recursos e aos serviços públicos, se torna
mais difícil ter uma vida digna para as mulheres" (Via Campesina, 2006: 30).
O colapso do campo nos países do Sul e a intensicação da migração para as
cidades provocou um processo de "descamponeização" (Bello, 2009), que em muitos
países não tomou a forma de um movimento clássico campo-cidade, onde os ex-
camponeses vão para as cidades trabalhar em fábricas como parte do processo de
industrialização, mas se deu, como Davis (2006) denomina, um processo de "urbanização
desconectada da industrialização", onde os ex-camponeses, empurrados para as cidades,
passam a engrossar a periferia das grandes metrópoles (favelas), vivendo da economia
informal e congurando o que o autor chama de "proletariado informal".
As mulheres são componentes essenciais dos uxos migratórios, nacionais e
internacionais, que provocam a desarticulação e o abandono das famílias, da terra e dos
processos de produção, uma vez que aumentam a carga familiar e comunitária das
mulheres que cam no campo. Na Europa, Estados Unidos, Canadá... as mulheres migrantes
acabam assumindo trabalhos que eram realizados pelas mulheres locais anos atrás,
reproduzindo uma espiral de opressão, carga e invisibilização dos cuidados com a saúde, e
externalizando os custos sociais e econômicos para as comunidades de origem das
mulheres migrantes.
A incapacidade para resolver a crise atual dos serviços de saúde nos países
ocidentais, fruto da incorporação massiva das mulheres no mercado de trabalho, o
envelhecimento da população e a não resposta do Estado a estas necessidades, serve
como álibi para a importação de milhões de "cuidadoras" dos países do Sul global. Como
observa Ezquerra (2010: 39): "[Esta] diáspora cumpre a função de invisibilizar a
incompatibilidade existente entre o auge do sistema capitalista e a manutenção da vida
no Centro, e aprofunda a crise dos serviços de saúde, entre outras crises, nos
países do Sul (...) A 'rede internacional dos cuidados' se converte em um dramático círculo
vicioso que garante a sobrevivência do sistema capitalista patriarcal".
*Acesso à terra*
O acesso à terra não é um direito garantido para muitas mulheres: em vários países do
Sul as leis proíbem este direito e, naqueles países onde existe o acesso legal, as tradições e
práticas as impedem. Como explica Fraser (2009: 34): "No Cambodia, por exemplo, mesmo
não sendo ilegal que as mulheres possuam terra, a norma cultural dita que não a possuam, e
apesar de que elas sejam as responsáveis pela produção agrícola, as mulheres não têm
nenhum controle sobre a venda da terra ou a forma que esta se passa aos lhos".
Uma situação que se pode extrapolar para muitos outros países. Na Índia, como
mostra Chukki Nanjundaswamy da organização camponesa Karnataka State Farmers
Association/2 a situação das mulheres em relação ao acesso à terra e aos serviços de saúde
é muito difícil: "Socialmente as camponesas indianas quase não têm direitos e são
consideradas um adendo dos homens. As camponesas são as mais intocáveis dentro dos
intocáveis, no sistema social de castas" (Via Campesina, 2006: 16).
Para as mulheres na África, o acesso à terra é ainda mais dramático devido ao
aumento das mortes por causa da AIDS. Por um lado, as mulheres tem mais possibilidades de
serem infectadas, e por outro, quando um homens de sua família morre, e este tem a
titularidade da terra, as mulheres tem muitas diculdades para assumir o controle. Em várias
comunidades elas não têm o direito à herança, e por isso, perdem a propriedade da terra e
outros bens ao carem viúvas (Jayme et al, 2006).
A terra é um ativo muito importante: permite a produção de alimentos, serve como
investimento para o futuro e como aval, implica no acesso ao crédito, etc. As diculdades
das mulheres em possuírem terras é uma mostra a mais de como o sistema agrícola e
patriarcal prejudica principalmente a elas. E quando elas tem a titularidade, se trata, na
maioria das vezes, de terras com menor valor ou extensão.
Desta forma, as mulheres enfrentam mais diculdades para conseguir créditos,
serviços e insumos. Em nível mundial, se estima que as mulheres recebam somente 1% dos
empréstimos agrícolas, e mesmo assim não está claro se o controle dos mesmos é exercido
por seus companheiros ou familiares (Fraser, 2009).
Mas estas práticas não ocorrem somente nos países do Sul global. Na Europa, por
exemplo, muitas camponesas padecem de uma inseguridade jurídica total, já que a
maioria delas trabalham em áreas familiares onde os direitos administrativos são
propriedade exclusiva do titular da área, e as mulheres, apesar de trabalharem nela, não
tem direito à apoios, à plantação, à uma cota do leite, etc.
Como explica Isabel Vilalba Seivane, secretária de mulheres no Sindicato Labrego
Galego na Galícia, os problemas das mulheres no campo, tanto nos países do Sul como nos
do Norte, são comuns apesar das diferenças: "As mulheres europeias estão mais centradas
nas lutas por seus direitos administrativos na exploração; enquanto em outros lugares as
mulheres lutam por mudanças profundas que tem a ver com a reforma agrária, com o
acesso à terra e a outros recursos básicos" (Via Campesina, 2006: 26). Nos Estados Unidos,
Debra Eschmeyer da National Family Farm Coalition (Coalizão Nacional de Agricultores
Familiares) explica como lá também existem práticas que mostram esta desigualdade: "Por
exemplo, quando uma camponesa vai sozinha a um banco buscar crédito, é
maiscomplicado de obtê-lo do que se fosse um homem" (Via Campesina, 2006: 14).

*Agroindústria versus soberania alimentar*


O modelo agroindustrial atual se mostrou totalmente incapaz de satisfazer as
necessidades alimentares das pessoas e incompatível com o respeito à natureza. Nos
encontramos diante de um sistema agrícola e alimentar submetido a uma alta
concentração empresarial ao longo de toda a cadeia comercial, sendo monopolizado por
um punhado de multinacionais de agronegócios que contam com o apoio de governos e
instituições internacionais, que se tornaram cúmplices, quando não em co-beneciários,
de um sistema alimentar produtivista, insustentável e privatizado. Um modelo que é utilizado
como instrumento imperialista e de controle político, econômico e social por parte das
principais potências econômicas do Norte, como Estados Unidos e a União Europeia (assim
como de suas multinacionais agroalimentares), em relação aos países do Sul global
(Toussaint, 2008; Vivas, 2009).
Como demonstra Desmarais (2007), pode-se entender o sistema alimentar como uma
extensa cadeia horizontal que foi se alongando cada vez mais, distanciando a produção
do consumo, e favorecendo a apropriação das diferentes etapas da produção pelas
empresas agroindustriais e a perda de autonomia dos campesinos frente a estas empresas.
A situação de crise alimentar, que explodiu ao longo dos anos 2007 e 2008 com um
forte aumento dos preços dos alimentos básicos/3, pôs em destaque a extrema
vulnerabilidade do sistema agrícola e alimentar, e deixou para trás a cifra de milhões de
pessoas que passam fome, uma em cada seis no mundo, segundo dados da FAO (2009).
Mas o problema atual não é a falta de alimentos, e sim a impossibilidade de acessá-
los. De fato, a produção mundial de cereais triplicou desde os anos 60, enquanto a que
população global somente duplicou (GRAIN, 2008). Com estas cifras, podemos armar que
se produz comida suciente para alimentar toda a população, mas para os milhões de
pessoas dos países do Sul que destinam entre 50 e 60% da renda na compra de alimentos,
valor que pode chegar até 80% nos países mais pobres, o aumento do preço da comida
torna o acesso a ela impossível.
Existem razões de fundo que explicam o porquê da profunda crise alimentar. As
políticas neoliberais aplicadas indiscriminadamente no transcorrer dos últimos 30 anos em
escala planetária (liberalização comercial ao extremo, pagamento da dívida externa por
parte dos países do Sul, a privatização dos serviços e bens públicos...) assim como um
modelo de agricultura e alimentação ao serviço de uma lógica capitalista são os principais
responsáveis por esta situação, desmontando o modelo de agricultura camponesa que
garantiu a segurança alimentar dos povos durante décadas (Holt-Giménez e Patel, 2010).
Frente a este modelo agrícola dominante que tem um impacto muito negativo nas
pessoas, especialmente nas mulheres, e no meio ambiente, se suscita o paradigma da
soberania alimentar. Uma alternativa política que consiste no "direito de cada povo em
denir suas próprias políticas agropecuárias e alimentares, proteger e regulamentar a
produção agropecuária nacional e o mercado doméstico" (VVAA, 2003: 1). Trata-se de
recuperar nosso direito em decidir sobre o que, como e onde se produz o que comemos;
que a terra, a água, as sementes estejam nas mãos das e dos camponeses; que sejamos
soberanos no que diz respeito a nossa alimentação.
Entretanto, se as mulheres representam a metade da mão de obra no campo em
escala mundial, uma soberania alimentar que não inclua uma perspectiva feminista estará
condenada ao fracasso. A soberania alimentar implica em romper não somente com um
modelo agrícola, como também com um sistema patriarcal que oprime e subordina as
mulheres.
Trata-se de incorporar a perspectiva feminista à soberania alimentar. Como mostra
Yoon Geum Soon da associação de mulheres camponesas coreanas KWPA e
representante da Via Campesina na Ásia: "O feminismo é um processo que permite
conseguir um lugar digno para as mulheres dentro da sociedade, para combater a
violência contra as mulheres, e também reivindicar e reclamar nossas terras e salvá-las das
mãos de transnacionais e das grandes empresas. O feminismo é a via para que as mulheres
camponesas possam ter um papel ativo e digno no seio da sociedade" (Via Campesina,
2006:12).

*A Via Campesina*
A Via Campesina é o principal movimento internacional de pequenos agricultores e
promotor do direito dos povos à soberania alimentar. A Via foi constituída em 1993, na
aurora do movimento antiglobalização, e progressivamente se converteu em uma das
organizações de referência na crítica da globalização neoliberal. Sua ascensão é a
expressão da resistência camponesa ao colapso do mundo rural, provocado pelas políticas
neoliberais e a intensicação das mesmas com a criação da Organização Mundial para o
Comércio (Antenas e Vivas, 2009a).
Desde a sua criação, a Via Campesina congurou uma identidade "camponesa"
politizada, ligada à terra, à produção dos alimentos e à defesa da soberania alimentar,
construída em oposição ao modelo atual do agronegócio (Desmarais, 2007). A Via encarna
um novo tipo de "internacionalismo camponês" (Bello, 2009), que podemos conceituar
como o "componente camponês" do novo internacionalismo das resistências representado
pelo movimento antiglobalização (Antenas e Vivas, 2009b).
No ano de 1996, coincidindo com a Cúpula Mundial sobre a Alimentação da FAO,
em Roma, a Via levantou a proposta da soberania alimentar como uma alternativa política
a um sistema agrícola e alimentar profundamente injusto e depredador. Esta demanda não
implica em um retorno romântico ao passado, mas se trata de recuperar o conhecimento e
as práticas tradicionais e combiná-las com as novas tecnologias e novos saberes
(Desmarais, 2007). Nem deve consistir, como assinala McMichael (2006), em um enfoque
localista ou uma "misticação do pequeno", mas sim em repensar o sistema alimentar
mundial para favorecer formas democráticas de produção e distribuição de alimentos.

*Uma perspectiva feminista*


Com o tempo, a Via incorporou uma perspectiva feminista, trabalhando para
conseguir a igualdade de gênero no seio de suas organizações, assim como
estabelecendo alianças com grupos feministas como a rede internacional da Marcha
Mundial das Mulheres, entre outros.
No seio da Via Campesina, a luta das mulheres se situa em dois níveis. Por um lado, a
defesa de seus direitos como mulheres dentro das organizações e na sociedade em geral e,
por outro lado, a luta como camponesas, junto a seus companheiros, contra o modelo de
agricultura neoliberal (EHNE e La Vía Campesina,2009).
Desde a sua constituição, o trabalho feminista na Via Campesina deu passos
importantes adiante. Na 1ª Conferência Internacional de Mons (Bélgica), em 1993, todos os
coordenadores eleitos eram homens e a situação da mulher camponesa praticamente
não recebeu nenhuma menção na declaração nal, embora tenha sido identicada a
importância de integrar suas necessidades ao trabalho da Via. Mas esta conferência falhou
em estabelecer mecanismos que assegurassem a participação das mulheres em encontros
sucessivos. Desta forma, na 2ª Conferência Internacional em Tlaxcala (México), em 1996, a
porcentagem de mulheres dentre os participantes foi igual à 1ª Conferência Internacional,
uns 20% do total. Para resolver esta questão, foram acordados mecanismos que permitissem
uma melhor representação e participação, e se criou um comitê especial de mulheres, que
mais adiante seria conhecido como a Comissão de Mulheres da Via Campesina.
Esta orientação política facilitou a incorporação de contribuições feministas nas
análises da Via. Por exemplo, quando o conceito de soberania alimentar foi apresentado
publicamente, coincidindo com a Cúpula Mundial sobre a Alimentação da FAO, em Roma,
em 1996, as mulheres contribuíram com demandas próprias, como a necessidade de
produzir os alimentos localmente, incluíram a dimensão da saúde humana às "práticas
agrícolas sustentáveis", exigiram a redução drástica dos insumos químicos prejudiciais à
saúde, e defenderam a promoção ativa da agricultura orgânica. Além disso, e devido ao
acesso desigual das mulheres aos recursos produtivos, insistiram que a soberania alimentar
não podia ser alcançada sem uma maior participação feminina na denição das políticas
camponesas (Desmarais, 2007).
Para Francisca Rodríguez da associação campesina ANAMURI, no Chile: "Assumir a
realidade e demandas das mulheres rurais tem sido um desao dentro de todos os
movimentos camponeses (...) A história deste reconhecimento passou por diversas etapas:
da luta interna pelo reconhecimento, da ruptura com as organizações machistas (...) E ao
longo destes últimos 20 anos as organizações de mulheres camponesas ganharam
identidade (...), nos reconstruímos como mulheres em um meio rural esmagado" (Mugarik
Gabe, 2006:254).
O trabalho da Comissão de Mulheres permitiu fortalecer o intercâmbio entre
mulheres de países diferentes, organizando, por exemplo, encontros especícos de
mulheres coincidindo com cúpulas e reuniões internacionais. Entre os anos 1996 e 2000, o
trabalho da Comissão focou, principalmente, na América Latina, onde através da
formação, do intercâmbio, da discussão e do empoderamento das camponesas,
aumentou a participação delas em todos os níveis e atividades da Via.
Como destaca Desmarais (2007: 265): "Na maioria dos países, as organizações
camponesas e agrícolas estão dominadas por homens. As mulheres da Via Campesina se
negam a aceitar estas posições subordinadas. Mesmo reconhecendo o caminho longo e
difícil que têm pela frente, elas aceitam de forma entusiasmada o desao e prometem
alcançar um papel de destaque na transformação da Via Campesina como um
movimento comprometido com a igualdade de gênero".
Em outubro de 2000, exatamente antes da 3ª Conferência Internacional da Via em
Bangalore (Índia), se organizou a 1ª Assembleia Internacional das Mulheres Camponesas,
que permitiu uma maior participação das mulheres na Conferência. A Assembleia aprovou
três grandes objetivos para realizar: a) Garantir a participação de 50% de mulheres em
todos os níveis de decisões e nas atividades da Via Campesina. b) Manter e fortalecer a
Comissão das Mulheres. c) Garantir que os documentos, os eventos de formação e os
discursos da Via Campesina superassem o conteúdo sexista e a linguagem machista
(Desmarais, 2007).
Desta forma, na 3ª Conferência Internacional, se acordou uma mudança de
estrutura que garantiu a equidade de gênero. De acordo com Paul Nicholson da Via
Campesina: "[Em Bangalore] decidiu-se pela equidade homem e mulher nos espaços de
representação e cargos de nossa organização, e se iniciou um processo interno de reexão
sobre o papel das mulheres na luta camponesa (...). Agora a perspectiva de gênero está
sendo abordada de maneira séria, não somente no âmbito da paridade nos cargos, como
também com um debate profundo sobre as raízes e tentáculos do patriarcado e sobre a
violência contra a mulher no mundo rural" (Soberania alimentaria, biodiversidad y
culturas, 2010: 8).
Esta estratégia forçou as organizações membro da Via Campesina em nível nacional
e regional a repensar seu trabalho em uma perspectiva de gênero e incorporar novas
ações encaminhadas para fortalecer o papel da mulher (Desmarais, 2007). Assim raticou
Josie Riffaud da Confédération Paysanne (Confederação Camponesa) na França ao
armar que "a decisão da paridade foi fundamental na Via Campesina, pois possibilitou que
na minha organização, a Confédération Paysanne, pudéssemos aplicar também esta
medida" (La Vía Campesina, 2006: 15).
No âmbito da 4ª Conferência Internacional em São Paulo, em junho de 2004, foi
celebrada a 2ª Assembleia Internacional das Mulheres Camponesas, que reuniu mais de
uma centena de mulheres de 47 países de todos os continentes. As principais linhas de ação
que surgiram do encontro foram tomar medidas contra a violência física e sexual contra as
mulheres, tanto no âmbito doméstico como no geopolítico, exigir igualdade de direitos e
investir na formação. Como assinalava sua declaração nal: "Exigimos nosso direito a uma
vida digna; o respeito a nossos direitos sexuais e reprodutivos; e a aplicação imediata de
medidas para erradicar toda forma de violência física, sexual, verbal e psicológica (...)
Exigimos que os Estados implementem medidas que garantam nossa autonomia
econômica, acesso à terra, à saúde, à educação e a um status social igualitário" (2ª
Asamblea Internacional de Mujeres Campesinas, 2004).
Em outubro de 2006 foi realizado o Congresso Mundial das Mulheres da Via
Campesina em Santiago de Compostela (Espanha), no qual participaram mulheres de
organizações agrárias da Ásia, América do Norte, Europa, África, e América Latina, com o
objetivo de analisar e debater o que signica a igualdade no campo a partir da perspectiva
feminista e estabelecer um plano de ação para conseguí-la. Como mostrava Sergia
Galván, do Colectivo Mujer y Salud da República Dominicana, em uma das conferências
do Congresso, as mulheres da Via tinham três desaos adiante: a) Avanças na reexão
teórica para incorporar a perspectiva camponesa nas análises feministas. b) Continuar
trabalhando na autonomia como referência vital para a consolidação do movimento de
mulheres camponesas. c) Superar o sentimento de culpa na luta para alcanças maiores
espaços de poder frente aos homens (La Vía Campesina, 2006).
O Congresso Mundial das Mulheres da Via pôs em destaque a necessidade de
fortalecer ainda mais a articulação das mulheres da Via e aprovou a criação de
mecanismos para um maior intercâmbio de experiências e planos de lutas especícos.
Além disso, observaram-se avanços na redução da discriminação das mulheres, apesar de
que ainda havia muito por fazer. Dentre as propostas concretas aprovadas estava articular
uma campanha mundial para lutar contra as violências que se exercem sobre as mulheres;
estender os debates a todas as organizações que fazem parte da Via; e trabalhar para que
os direitos das mulheres camponesas sejam reconhecidos, exigindo igualdade real no
acesso a terra, aos créditos, aos mercados e aos direitos administrativos (La Vía Campesina,
2006).
Coincidindo com a 5ª Conferência Internacional da Via Campesina em Maputo,
Moçambique, outubro de 2008, foi realizada a 3ª Assembleia Internacional de Mulheres.
Nesta se aprovou o lançamento de uma campanha especíca contra a violência contra as
mulheres, ao constatar como todas as formas de violência que as mulheres enfrentam na
sociedade (violência física, econômica, social, machista, de diferenças de poder, cultural)
também estão presentes nas comunidades rurais e nas suas organizações.
Entretanto, o trabalho focado em obter maior igualdade de gênero não é fácil.
Apesar da paridade formal, as mulheres tem maiores diculdades para viajar e participar de
encontros e reuniões. Como mostra Desmarais (2007: 282): "Existem muitas razões para que
as mulheres não participem neste nível. Talvez a mais importante é a persistência de
ideologias e práticas culturais que perpetuam relações de gênero desiguais e injustas. Por
exemplo, a divisão dos trabalhos por gênero signica que as mulheres rurais tem muito
menos acesso ao recurso mais precioso, o tempo, para participar como líderes nas
organizações agrícolas. Tendo em vista que as mulheres são as principais responsáveis pelo
cuidado das crianças e dos idosos (...). A jornada tripla das mulheres - que implica no
trabalho reprodutivo, produtivo e comunitário - torna muito menos provável que elas
tenham tempo para sessões de formação e aprendizagem para sua capacitação como
líderes".
Trata-se de uma luta contracorrente e, apesar de algumas vitórias concretas, nos
encontramos frente a um combate de longo curso, tanto nas organizações como, mais em
geral, no social.

*Tecendo alianças*
No que diz respeito às alianças, a Via Campesina estabeleceu colaboração com
várias organizações e movimentos sociais em nível internacional, regional e nacional. Uma
das mais signicativas tem sido o trabalho conjunto, em cada um destes níveis, com a
Marcha Mundial das Mulheres, uma das principais redes globais feministas com quem
convocaram ações conjuntas, encontros e se tem colaborado em atividades e
conferências internacionais, juntamente com outros movimentos sociais, como por
exemplo o Fórum Internacional pela Soberania Alimentar, que aconteceu em Mali, em
2007, entre outros.
O encontro entre as redes se deu, inicialmente, na estruturação do movimento
antiglobalização, ao coincidir com contra cúpulas internacionais, assim como nas
atividades do Fórum Social Mundial, e serem ambas, juntamente com outras redes,
promotoras da Assembleia de Movimentos Sociais do Fórum Social Mundial. Desta
maneira,a incorporação de uma perspectiva feminista no seio da Via e do trabalho
camponês, e a favor da soberania alimentar gerou mais pontes de encontro que se
intensicaram ao passar do tempo.
Assim cou claro no Fórum pela Soberania Alimentar celebrado no início de 2007 em
Sélingué, um pequeno povoado rural do sudeste de Mali. Um encontro convocado pelos
principais movimentos sociais de escala internacional como a Via Campesina, a Marcha
Mundial das Mulheres, o Fórum Mundial dos Povos Pescadores, entre outros, e que permitiu
avançar na denição de estratégias conjuntas entre um amplo leque de movimentos
sociais (camponeses, pescadores, pastores, consumidores...) a favor da soberania
alimentar.
As mulheres tiveram um papel central neste encontro, como dinamizadoras,
organizadoras e participantes. Elas armaram o mito de Nyéléni, uma mulher camponesa
malinense que lutou para rmar-se como mulher em um entorno desfavorável. De fato, o
Fórum pela Soberania Alimentar recebeu o nome de Nyéléni em homenagem a esta lenda.
Delegadas de países da África, América, Europa, Ásia e Oceania, integrantes de diferentes
setores e movimentos sociais, participaram do encontro e indicaram o sistema capitalista e
patriarcal como responsável pelas violações dos direitos das mulheres, rearmando seu
compromisso em transformá-lo.
A Marcha Mundial das Mulheres, fruto deste trabalho e colaboração, assumiu a
demanda da soberania alimentar como um direito inalienável dos povos, e em especial,
das mulheres. Miriam Nobre, coordenadora do secretariado internacional da Marcha,
participou em outubro de 2006 do Congresso Mundial das Mulheres da Via Campesina com
uma intervenção sobre o movimento feminista global. E o 7º Encontro Internacional da
Marcha Mundial das Mulheres em Vigo, Espanha, em outubro de 2008, contou com a
organização de um fórum e uma feira pela soberania alimentar, mostrando a capacidade
de vincular a luta feminista com a luta das mulheres camponesas.
Esta colaboração se observa também a partir da dupla militância de algumas
mulheres que são membros ativos da Marcha Mundial das Mulheres, e que formam parte
das organizações da Via Campesina. Estas experiências permitem estreitar os vínculos e
colaborações entre ambas redes e fortaleces a luta feminista como camponesa, visto que
ambas se inserem em um combate mais amplo contra o capitalismo e o patriarcado.

*Como conclusão*
Ao longo das últimas décadas o sistema agrícola e alimentar global tem
demonstrado sua total incapacidade para garantir a segurança alimentar das
comunidades, visto que atualmente mais de um bilhão de pessoas no mundo passam fome,
ao mesmo tempo que demonstrou seu forte impacto no meio ambiente como um modelo
agroindustrial quilométrico, intensivo, gerador de mudanças climáticas, que acaba com a
agrobiodiversidade, etc. Este sistema se revelou especialmente agressivo com as mulheres.
Apesar delas produzirem entre 60 e 80% dos alimentos nos países do Sul global, e uns 50% em
todo o mundo, são elas que mais padecem com a fome.
Avanças na construção de alternativas ao modelo agrícola e alimentar atual implica
em incorporar uma perspectiva de gênero. A alternativa da soberania alimentar ao modelo
agroindustrial dominante deve ter um posicionamento feminista de ruptura com a lógica
patriarcal e capitalista.
A Via Campesina, o principal movimento internacional a favor da soberania
alimentar, tem isso muito claro. Trata-se de avançar nesta direção e criar alianças com
outros movimentos sociais, em especial com organizações e redes feministas, como a
Marcha Mundial das Mulheres. Promover redes e solidariedade entre as mulheres do Norte e
Sul, urbanas e rurais, e destas com seus companheiros para, como diz a Via: "Globalizar a
luta. Globalizar a esperança".

*Bibliografía*
2ª Asamblea Internacional de Mujeres Campesinas (2004) Declaración de la II
Asamblea Internacional de Mujeres Campesinas en:
http://movimientos.org/cloc/show_text.php3?key=2903

Antentas, JM. y Vivas, E. (2009a) “La Vía Campesina hacia la justicia


global” en Ecología Política, nº38, pp. 97-99.
Antentas, JM. y Vivas, E. (2009b) “Internacionalismo(s) ayer y hoy” en
Viento Sur, nº100, pp. 33-40.

Banco Mundial (2007) Informe sobre el desarrollo mundial 2008: agricultura


para el desarrollo, Washington DC, Banco Mundial.
Bello, W. (2009). The Food Wars. London. Verso.

Davis, M. (2006) Planet of slums. Londres. Verso


.
Desmarais, AA. (2007) La Vía Campesina. La globalización y el poder del
campesinado. Madrid. Editorial Popular.

EHNE y La Vía Campesina (2009) La Vía Campesina. Las luchas del campesinado
en e mundo: http://viacampesina.net/downloads/PDF/viacas.pdf
Ezquerra, S. (2010) “La crisis de los cuidados: orígenes, falsas soluciones
y posibles oportunidades” en Viento Sur, nº 108, pp. 37-43.

FAO (1996) Towards sustainable food security.Women and sustainable food


security en:
http://www.fao.org/waicent/faoinfo/SUSTDEV/FSdirect/FBdirect/FSP001.htm
FAO (2009) 1020 millones de personas pasan hambre en:
http://www.fao.org/news/story/es/item/20568/icode

Fraser, A. (2009) Agricultura para el Desarrollo. Londres. Oxfam


Internacional.

GRAIN (2008), El negocio de matar de hambre en:


http://www.grain.org/articles/?id=40

Holt-Giménez, E. y Patel, R. (2010) Rebeliones alimentarias. Barcelona. El


Viejo Topo.
Jayne et al. (2006) “HIV/AIDS and the agricultural sector in Eastern and
Southern Africa: anticipating the consequences” en Gillespie, S. (ed.),
AIDS, Poverty, and Hunger. IFPRI.
La Vía Campesina (2006) Congreso Mundial de las Mujeres de La Vía Campesina
en:
http://epueblos.pangea.org/salimentaria/pairoses/documents/congreso_mundial_mulleres.pdf
McMichael, P. (2000) “Global food politics” en Magdoff, F. et al. Hungry
for prot. New York. Monthly Review Press, pp. 125-143.
McMichael, P. (2006) “Feeding the world: agriculture, development and
ecology” en Panitch, L. y Leys, C. Socialist Register 2007. London. Merlin
Press, pp. 170-194.
Mugarik Gabe (2006) “Estrategias de género para la soberanía alimentaria”
en Fernández Such (coord.) Soberanía alimentaria. Barcelona. Icaria
editorial, pp. 253-319.
Oceransky Losana, S. (2006) “Las relaciones entre mujeres y hombres en el
medio rural: su herencia en nuestros proyectos” en VVAA Los pies en la
tierra, Barcelona, Virus editorial.
Soberanía alimentaria, biodiversidad y culturas (2010) “Recorrido por las
luchas campesinas” en Soberanía alimentaria, biodiversidad y culturas, nº1,
pp. 3-10.
Toussaint, É. (2008) Volvamos a hablar de las causas de la crisis
alimentaria en: http://www.cadtm.org/Volvamos-a-hablar-de-las-causas-de
Vivas, E. (2008) En pie contra la deuda externa. Barcelona. El Viejo Topo.
Vivas, E. (2009) “Los entresijos del sistema agroalimentario mundial” en
Montagut, X. y Vivas, E. Del campo al plato. Barcelona. Icaria editorial,
pp. 9-40.
VVAA (2003) Nuestro mundo no está en venda. Primero está la soberanía
alimentaria de los pueblos ¡Fuera la OMC de la agricultura y la
alimentación! en: www.viacampesina.org/main_sp/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=345
White H. y Leavy S. (2003) Labour markets in Africa: What do models need to
explain? Brighton. Institute for Development Studies y University of Sussex.
------------------------------
Notas:
1/Para uma análise mais detalhada da evolução histórica do sistema
alimentar mundial, ver McMichael (2000).
2/Todas as camponesas citadas neste artigo fazem parte de organizações
membro da Via Campesina.

3/Segundo o índice de preços dos alimentos da FAO, entre 2005 e 2006, houve
um aumento de 12%; no ano seguinte, 2007, um crescimento de 24%; e entre
janeiro e julho de 2008, uma elevação de cerca de 50%. Os cereais e outros
alimentos básicos foram os que sofreram os aumentos mais importantes
(Vivas, 2009).

*Esther Vivas é membro do Centro de Estudos sobre Movimentos Sociais da


Universidade Pompeu Fabra e é autora de "En pie contra la deuda externa»
(El Viejo Topo, 2008), co-autora, juntamente com J. M. Antenas, de
"Resistencias globales" (Ed. Popular, 2009), entre outros livros.

**Artigo publicado em El Viejo Topo, n. 288.

**Tradução: Roberta Sá<http://alimentoparapensar.com.br/>.

Trecho de Zuleika Alembert:


"Sempre que penso nas mulheres, me vem a imagem de um rio enorme e caudaloso que temos que atravessar.
Umas apenas molham os pés e desistem, outras nadam até a metade e voltam, temendo que lhe faltem as forças. Mas
há aquelas que resolvem alcançar a outra margem custe o que custar. Da travessia, vão largando pedaços de carne,
pedaços delas mesmas. E pode parecer aos outros que do lado de lá vai chegar um trapo humano, uma mulher
estraçalhada. Mas o que cou pelo caminho é tão somente a pele velha. Na outra margem chega uma nova mulher..."
(Zuleika Alambert).
Mulheres Camponesas construindo sonhos no
chão do semiárido: PAA e Soberania Alimentar nas
mãos das camponesas
Organizadoras:
Maria José da Costa
Geovana Raimunda de Sousa
Sônia Maria da Costa Sousa
Maria Gonçalves
APRESENTAÇÃO
Há uma relação direta entre soberania alimentar e as mulheres, pois segundo a
organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura - FAO (1996), as mulheres
são responsáveis por um percentual que vai de 60 e 80% da produção de alimentos nos
países do sul e 50% no mundo inteiro. Portanto as mulheres cuidam da produção tanto para
o autoconsumo quanto para a comercialização.
As mulheres são parte na produção de alimentos e na conservação de sementes,
expressando cuidado com as antigas e as futuras gerações, ou seja, são guardiães da
sucessão dos conhecimentos intergeracional. “Elas estão nos processos de resistência nos
territórios, contra o agronegócio” (DUARTE, 2012).
Diante deste quadro é possível concluir que a realização da soberania alimentar
passa pelas mãos das mulheres. Isso dá aos estados nacionais a responsabilidade de
garantir às camponesas o acesso a terra, água, crédito, educação, e infraestrutura
produtiva que são requisitos indispensáveis ao seu processo de trabalho.
Quando tratamos de mulheres do semiárido, essas necessidades são ainda mais
visíveis, pois com o curto período de chuvas a produção de ciclos curtos é fundamental
para garantia da soberania alimentar das famílias e das comunidades. Portanto os quintais,
os pequenos animais, os roçados do entorno são as maiores garantias de disponibilidade de
alimentos. É neste cenário que entra o Programa de Aquisição de Alimentos - PAA, como
mecanismo de monetarização da produção das camponesas no Brasil.
Este trabalho pretende dar luz a participação das mulheres na produção de
alimentos e na construção da soberania alimentar das famílias e das comunidades
camponesas, destacando a participação das mesmas no PAA e como essa participação
têm possibilitado e visibilizado a monetarização da produção feminina camponesa em
grupos de famílias organizados pelo Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA em
comunidades camponesas do Piauí.

1. Mulheres Camponesas: O tear da Soberania Alimentar


A soberania alimentar, os sistemas camponeses de produção, a agroecologia
devem ser como feijão e arroz, devem estar em todo canto e recanto, em todo lá e acolá,
em todo aqui e ali, passando por tudo e por todos, sem causar susto ou espanto, estando
por fora e por dentro, transformando tudo em alimento.
É o direito dos povos a denir suas próprias políticas e
estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de
alimentos que garantam o direito a alimentação a toda a
população, com base na pequena e média produção,
respeitando suas próprias culturas e a diversidade dos modos
camponeses produção de comercialização e de gestão, nos
quis a mulher desempenha um papel fundamental (MPA, 2013).

Não há nada de novo em ver mulheres camponesas


assumindo um papel central na produção de alimentos para
Figura 02 – Cartaz de comemoração autoconsumo e para comercialização. Se zermos uma linha do
dos 10 anos do Plano Camponês.
tempo desde as tribos indígenas, veremos que as mulheres se
encarregam do suprimento de água, do cultivo cotidiano de autoconsumo e para
comercialização, do processamento de praticamente toda a produção familiar, do
cuidado intergeracional das famílias e das comunidades, conformando uma corrente de
solidariedade familiar e comunitária importante. Contudo, Vivas (2012), chama atenção
para a contradição colocada no estabelecimento dos espaços públicos para os homens e
privados para as mulheres, também no processo de produção dos alimentos.
[...] encarregando-se do trabalho reprodutivo, produtivo e comunitário,
e ocupando uma esfera privada e invisível. Por outro lado, as principais
transações econômicas agrícolas estiveram, tradicionalmente, nas mãos dos
homens, nas feiras, com a compra e venda de animais, a comercialização de
grandes quantidades de cereais, ocupando a esfera pública camponesa.
(VIVAS 2012 p.1).

Desde que o MPA assumiu o campesinato como identidade política e como sujeito
histórico e o Plano Camponês como projeto político desse sujeito histórico, percebe que
seria necessário revelar o que há por trás das cortinas da vida familiar camponesa, ou seja,
quem são seus membros e que relações estavam sedimentadas nessa família, portanto
enxergar a mulher, a juventude e as crianças nesse universo impôs um grande desao para
o mesmo, veio também à certeza de que “sem a mulher a luta vai pela metade” e “a argila
fundamental de nossa obra é a juventude”.
Quando parte do campesinato do Piauí assume o MPA em 2001, Já imprime no
mesmo uma cara bem feminina e jovem.
As mulheres camponesas estão sempre pensando na família, na comunidade e na
sociedade. Todas as lutas históricas realizadas pelas mulheres trazem uma pauta de
benefício coletivo: saúde, educação, previdência, alimentos sem veneno, não
fechamento das escolas do campo, etc. É o viver bem que motiva as lutas das mulheres, por
isso as principais ameaças a esse sonho passa a ser encarado como enfrentamento
necessário na luta política. Talvez por isso, as mulheres camponesas abracem mais forte as
campanhas contra a violência, contra o uso de agrotóxicos, contra o fechamento de
escolas e tantas outras.

“Mulheres: Contra a violência

Contra o capital

Contra o machismo

Figura 03 – Cartaz da Campanha Internacional da Via Contra o fascismo neoliberal”.


Campesina – Basta de Violência Contra as Mulheres.

Considerando que até aqui a história mostra que as mulheres são responsáveis por
metade da produção do planeta, chegando em algumas regiões a 80% é imoral a
invisibilidade de tamanha participação. Sem contar a violência representada na
dependência econômica e nanceira das mulheres em relação aos maridos e
companheiros, mesmo em situações em que o seu trabalho assegura o sustento cotidiano
da família.
Considerando que quando esse trabalho é tido como ajuda ou quando a
monetarização do resultado é apropriada pelo marido/companheiro passa a vigorar uma
violência econômica e essa violência é sustentada pela lógica do patriarcado, que
segundo Machado (2010), é o sistema sustentado na gura do patriarca e estruturalmente
as mulheres ocupam posições subalternas, estando sujeitas aos mais variados modos de
dominação pelos homens.
É muito expressiva para as mulheres camponesas a independência econômica, pois
embora várias camponesas exerçam uma liderança política na comunidade ou em
organizações populares e isso lhe assegure um grau de poder na esfera familiar pelo
conhecimento adquirido nos espaços políticos e coletivos, o fato de não ter acesso a
recursos nanceiros oriundos da produção familiar, as deixa vulneráveis.
Por isso ressaltamos a necessidade de políticas públicas que visibilize a participação
das mulheres na organização da produção camponesa.

2. Mulheres Camponesas e PAA: rompendo barreiras, construindo espaços.


Foi o trabalho das mulheres que deu ao PAA o colorido, a beleza, os cheiros e os
sabores que enche as bocas e os olhos de tantos brasileiros e tantas brasileiras de todas as
idades e em todos os lugares.
Em 2011 dava início uma das maiores secas do nordeste brasileiro. Nos últimos 50 anos,
que se arrastou até início de 2014.
O nordeste brasileiro enfrenta em 2013 a maior seca dos últimos 50 anos,
com mais de 1.400 municípios afetados. A informação foi anunciada nesta
segunda-feira (8) pelo Governo brasileiro. A seca deste ano já é pior do que a
do ano passado, também recorde (ONU, 2013).

Enquanto os governos apresentavam as velhas fotos de


açudes rachados e caveiras de gado morrendo aos montes, as
mulheres estavam colhendo as maiores safras de umbus nos
centros das caatingas no semiárido brasileiro, em 2011, 2012 e
2013, produzindo muita polpa de umbu para entregar ao PAA.
Figura 04 – umbu nativo para preparo de polpas

Foi com essa capacidade de tirar leite de pedra que as camponesas no Piauí
aproximaram campo e cidade. Os colégios, as igrejas e as praças se transformaram em
espaços de distribuição de alimentos saudáveis. O encontro das mãos que plantam e
colhem abraçando as mãos que recebem em um gesto de solidariedade.

Em 2012 foram 9
projetos para a modalidade
doação simultânea,
beneciando mais de 100
famílias camponesas sendo
62% mulheres (em 2010 93%
da participação nos
Figura 05 – Entrega de alimentos diretamente ás famílias de Francisco Santos – Piauí na igreja de São Francisco de Assis.
contratos eram mulheres e
2011 foram 62%). Essa produção chegou às mãos de mais de sete mil pessoas em 8
municípios. Eram 21 produtos (bolos, doces, polpas, biscoitos, frutas). Em 2014 serão 18
projetos que beneciarão mais de 200 famílias, chegando as mãos de mais de treze mil
pessoas em 14 municípios. Em 2011 e 2012 quando a seca foi mais severa, várias famílias
camponesas recebiam até R$ 400,00 mensais apenas do PAA, por isso a primeira motivação
era a melhoria da condição da família, a renda, a autonomia.
Segundo as camponesas, foi na manutenção da família, na melhoria das condições
de vida, alimentação e moradia que as mulheres zeram os primeiros investimentos, porém
sob a decisão das mulheres.
O sentimento da autonomia, do poder de decisão sobre o fruto do seu trabalho é
evidente. Todas as mulheres entrevistadas acreditam que só conseguiram acessar o PAA
pela luta política do MPA.
Em 2010 foram 26 municípios atendidos com o programa no Piauí na modalidade
doação simultânea, isso signica 21% dos municípios atendidos, em 2011 foram 47% dos
municípios do estado e em 2012 foram 62% dos municípios participando do PAA na
modalidade doação simultânea. Há uma tendência de que a presença do PAA esteja
diretamente relacionada a existência de um tecido social organizado. O que deveria
sugerir ao estado uma necessidade de apoio institucional para operacionalidade do
programa. As entrevistas realizadas apontaram necessidades de melhorias no programa.
Das entrevistas realizadas 40% se referiram à burocracia como impedimento de
avanço, 70% apontaram a necessidade de investimento em local adequado, já que as
cozinhas das casas são pequenas pra continuar fazendo os produtos. 80% das famílias
entrevistadas disseram ser necessário o investimento em equipamentos, como fornos,
utensílios, fogão, batedeiras, liquidicadores industriais, empacotadeiras, seladoras, etc.,
todas motivadas pela necessidade de fazer melhor e com menos penosidade o trabalho,
além de terem um produto mais apresentável para quem vai receber. Muitas famílias criam
e adéquam tecnologias pra ir sanando as diculdades. A família da dona Angelita foi
pioneira em fazer forno à lenha com casco de geladeira que possibilitou fazer uma maior
quantidade de sequilhos e bolos de uma única vez. Essa tecnologia foi se espalhando por
outras comunidades e municípios, cada um adequando a sua necessidade e ao tamanho
do seu grupo.

Meu marido viu um forno na cidade e adaptou com um


casco de geladeira, deu certo e ele aprendeu a regular a
temperatura certinha, no meu caso meu marido é o dono do forno,
é um dos poucos homens que ajuda a fazer tudo do começo ao m.
O forno foi uma das coisas mais importantes, tanto que depois nós
dois fomos ajudar outras famílias a fazerem os fornos. Precisava ter
Figura 09 – Forno com casco de geladeira
recurso pra melhorar essas coisas (A. R.).
da Serra dos Morros – Francisco Santos.

Começamos com um forno de casco de geladeira. A


dona Angelita e seu Dedé vieram ajudar a construir, isso ajudou a
produzir mais, foi importantíssimo. Agora temos um forno a gás
que compramos em grupo e ainda estamos devendo. O estado
precisa estruturar o campesinato, pois em muitos lugares estamos
agonizando. O estado tem feito pouco ainda diante do que
precisa e diante do que tem feito pelo agronegócio que é menos
produtivo causador de envenenamentos ao meio ambiente e as
Figura 10 – Forno a gás em inox – substituição ao
forno de casco de geladeira - Serra dos Morros. pessoas (M. K.)

O governo federal através da CONAB/BNDES lançou edital de seleção de projetos de


até 50.000,00 para associações e cooperativas que já haviam operado PAA e Programa
Nacional de Alimentação Escolar - PNAE para aquisição de equipamentos, o que é muito
importante, mas cada entidade só pode concorrer a um projeto, mesmo que essa tenha
muitas Cédulas do Produtor Rural em execução. Esse valor se torna insuciente para
estruturar as entidades. A elaboração dos projetos é uma diculdade, pois nas
comunidades ainda não se tem muitas pessoas com habilidade e experiência para dar
conta dessa tarefa e os órgãos públicos que desempenham atividades correlatas com o
campo não tem se colocado a disposição dos grupos informais ou formais pra elaboração
das propostas, até porque as fontes não asseguram recursos para elaboração do projeto. O
volume de recursos das chamadas é pequeno. Projetos como este, não deveriam ser
executados em caráter concorrentes, pois é inversamente proporcional a capacidade
técnica de elaboração do projeto com a necessidade de investimento em locais e
equipamentos. Os investimentos deveriam ser atrelados, ou seja, se as famílias já estão
inseridas no programa elas deveriam indicar a necessidade de investimento e serem
beneciária de fomento para adequação das condições mínimas, bem como suas
organizações. Inclusive esse deveria ser o destino do Brasil Sem Miséria no campo.
O PAA precisa estar ancorado em um projeto político social, como disse uma das
camponesas entrevistadas, e precisa se tornar uma política pública, de caráter massivo e
inclusivo, continuar como programa de governo e diante dos dados relevantes de pessoas
beneciadas pelos circuitos criados pelo PAA, é inaceitável que não haja essa mudança.
Portanto, é preciso construir uma empresa pública, estatal, para garantir as estruturas de
comercialização, armazenagem e estoques reguladores e estratégicos. Assim como o
sistema elétrico nacional e a exploração do petróleo são temas estratégicos e têm fortes
empresas estatais (ELETROBRAS E PETROBRAS), o alimento e o abastecimento popular têm
que ser tratado como questão estratégica, acima das pressões de mercado, através de
uma empresa pública 100% Estatal – CONABRAS. O PAA deverá ser uma Política de
Alimentos e Abastecimento popular, com um orçamento que seja condizente com a
participação da agricultura camponesa no abastecimento interno do país que hoje é de
mais de 70%.
Segundo Delgado (2013), é preciso planejar a conversão do PAA em política
permanente de estado, Delgado acredita que essa conversão acontecerá no tempo
devido. Em um cenário de tantas disputas não se pode creditar ao tempo esse
acontecimento, mas as lutas que deverão continuar acontecendo pra garantir que o
tempo tenha a intencionalidade necessária. Se escutarmos essas vozes tanto de
pesquisadores quanto de camponesas comprometidas com o Brasil forte e soberano em
terra, água, alimentos, energia, e biodiversidade, poderemos ter a ousadia de sonhar com
uma nação sem miséria.

Podemos ter vida longa,


E a saúde que queremos,
Respeitando e protegendo
O meio em que vivemos
Vejam o Planeta terra,
Que antes não era assim
Esta se desequilibrando
Apressando o nosso m.
E o futuro das orestas,
Com tantos desmatamentos?
E as usinas só produzindo
Mais lixo do que alimentos
Para cada quilo de produto
Que compramos nos mercados
São varias gramas de resíduo,
No solo depositado.

Os produtos das lavouras,


Com tantos venenos fortes,
Ao invés de alimentar
Estão provocando a morte
Até o ar e água,
Principais fontes de vida
Esta nos últimos suspiros,
Cada vez mais poluídas
Mais uma vez eu apelo
Para a sociedade:
Usemos nossos recursos
Com responsabilidade.
(Martina Ramos)

É pelas mãos das mulheres que o PAA é um território quase livre de agrotóxicos, por
isso ele não avança sem a sensibilidade das camponesas. Elas se posicionam primeiro
contra os venenos, mesmo que isso seja intuitivo algumas vezes. Mas as camponesas que
hoje fazem parte de organizações, movimentos populares tem condenado por opção
humana, política e feminina os transgênicos, os agrotóxicos, os desertos verdes, a violência
contra as mulheres, e todas as ações do agronegócio, que tem seu efeito primeiro, sentido
pelas próprias mulheres.
Bibliograa Consultada:
BRASIL – MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE A FOME. PAA – 10
anos de Aquisição de Alimentos..Brasília – DF. MDS: Secretaria Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional; Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação, 2014.
CONSELHO NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL. Proposições do
CONSEA Nacional ao Plano Safra 2010/2011. Acessado em
<http://www2.planalto.gov.br/acl_users/credentials_cookie_auth/require_login?came_fro
m=http%3A//www2.planalto.gov.br/consea/plenarias/atas/16o-ata >. Acessado em
janeiro de 2014.
DELGADO, Guilherme. Relatório de Avaliação do PAA - III : Síntese. Brasília, (não
publicado), janeiro de 2013 (20 páginas).
DUARTE, Lívia. Camponesas para a soberania alimentar. Acessado em
<http://www.agroecologia.org.br/index.php/259-camponesas-para-a-soberania
alimentar >. Acessado em fevereiro de 2014.
LEAL, Marcelo. Contribuição ao debate do Plano Camponês. Disponível em
<http://www.mpabrasil.org.br/biblioteca/textos-artigos/contribuicao-ao-debate-do-
plano-campones-0 >, Acessado em março de 2014.
MPA, O campesinato e a agricultura camponesa no Brasil. Caderno de estudo II.
Brasília: fevereiro de 2013.
NEVES, Delma Pessanha . Agricultura Familiar. CALDART, R., PEREIRA, I. B.,
ALETEJANO, P., FRIGOTTO, G. (ORGS). Dicionário de Educação do Campo. Rio de
Janeiro, São Paulo 2012: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão
Popular.
NEVES, Delma Pessanha, MEDEIROS, Leonilde Sérvolo de. (Org). Mulheres
Camponesas: trabalho produtivo e engajamentos políticos. Niteroi – RJ : Alternativa, 2013.
Pg. 6.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ALIMENTAÇÃO E A AGRICULTURA.
Manual de Nível Macro. ASEG - Programa de Análise Sócio-Económica e de Gênero.
2003.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Pior seca dos últimos 50 anos no nordeste
brasileiro conrma estatísticas da ONU sobre escassez. Disponível em
<http://www.onu.org.br/pior-seca-dos-ultimos-50-anos-no-nordeste-brasileiro-conrma-
estatisticas-da-onu-sobre-escassez/ >, acessado em 14 de março de 2013.
Programa Aquisição de alimentos. PAA: Doação Simultânea/ coordenador
Marcelo Leles Romarco de Oliveira- Viçosa, MG: Os autores, 2012.
VIA CAMPESINA, As camponesas e os camponeses da Via Campesina dizem: Basta
de violência contra as mulheres. Brasília: julho de 2012.
Vivas, Esther. Soberania alimentar, uma perspectiva feminista. Disponível em
<http://esthervivas.com/portugues/soberania-alimentar-uma-perspectiva-feminista/ >,
acessado em 9 de março de 2013.
Soberania
Alimentar,
Soberania
Genética e
Agroecologia
Soberania Alimentar
Valter Israel da Silva
Movimento dos Pequenos Agricultores

Vou falar de um conceito A FAO nas Nações Unidas


Importante e fundamental Fala em segurança
É a questão principal Mas isso causa mudança
Que temos que defender Enorme no resultado
O povo precisa ter Pois ao ser aplicado
Manter e disputar Este conceito mundial
Pois soberania alimentar O alimento no nal
É uma forma de poder Pode até ser importado

O mundo produz riquezas Soberania é diferente


Que são mal distribuídas Pensa a partir do local
Populações empobrecidas O histórico cultural
Sofrem com este mal Os hábitos alimentares
A diferença e brutal As técnicas milenares
Entre a riqueza e a fome O jeito de preparar
A maioria não consome De colher e de plantar
E poucos acumulam capital; Aqui encontram seus lugares

É um conceito criado Recuperar os costumes


Pela via Campesina Técnicas e sementes
Que na luta nos ensina O conhecimento das gentes
A mantermos rmes na luta Dos povos e do lugar
E a fazer a disputa São formas de enfrentar
Inclusive de conceitos Os conceitos divergentes
Pois mantendo estes preceitos E armar denitivamente
Venceremos a labuta A Soberania alimentar.

"É o direito dos povos a denir suas próprias políticas e estratégias sustentáveis de
produção, distribuição e consumo de alimentos que garantam o direito à alimentação a
toda a população, com base na pequena e média produção, respeitando suas próprias
culturas e a diversidade dos modos camponeses de produção, de comercialização e de
gestão, nos quais, a mulher desempenha um papel fundamental."
Via Campesina Internacional

O conceito de Soberania Alimentar surgiu em contraponto ao conceito de


Segurança Alimentar, que basicamente garante comida para a população, não importa
de onde, como é produzida, etc.
SOBERANIA ALIMENTAR tem a ver com alimentos saudáveis, com cultura, com hábitos
alimentares, com sistemas locais, com respeito ao meio ambiente, etc. Abaixo segue alguns
dos principais elementos que envolvem o conceito de soberania alimentar:

1) DIREITO A PRESERVAR OS RECURSOS NATURAIS, PRODUZIR E A SE ALIMENTAR:


1.1) Camponeses: toda família camponesa tem direito a produzir alimentos
saudáveis, de acordo com seus costumes, suas tecnologias e conhecimentos, garantindo a
manutenção de seus hábitos alimentares.
1.2) Consumidores: toda família consumidora tem direito ao acesso a alimentos
saudáveis, diversicados e a preços acessíveis, de forma a manter seus hábitos alimentares,
garantindo alimentação equilibrada para a sua família.
1.3) Extrativistas: Acesso aos recursos naturais.
2) COMIDA SÃ E SAUDÁVEL:
2.1) - Sem veneno – rompendo com a dependência das multinacionais,
evitando a contaminação do solo, da água, do ar, dos alimentos e da saúde das famílias
camponesas e das famílias consumidoras.
2.2) - Com insumos naturais – Utilizando os sub produtos de uma produção para
a outra, utilizando adubos verdes e orgânicos, sementes crioulas, defensivos naturais a base
de extrato de plantas, etc.
2.3) - Sem exploração – a mão de obra das famílias camponesas realizando
trabalho em benecio das próprias famílias camponesas.
2.4) - Com respeito ao meio ambiente – com utilização de mecanização leve,
sem veneno, mantendo o solo coberto o maior tempo possível, mantendo as matas ciliares,
recuperando e protegendo fontes de água, etc...
2.5) - Diversicada, buscando equilíbrio ambiental – a produção diversicada
gera um equilíbrio em relação a pragas e doenças. Esta diversidade nas colheitas gera
diversicação no alimentos, riqueza nutritiva, segurança para as famílias, renda em
pequenas propriedades e em áreas íngrimis, etc. Esta lógica de produção gera trabalho e
renda, garantindo vida digna no campo.

3) CULTURA CAMPONESA:
3.1) - Conhecimentos e tecnologias – As famílias camponesas trazem um
grande acumulo de conhecimentos e tecnologias de produção, colheita, secagem,
armazenagem, inuência da lua, etc. Estes conhecimentos e tecnologias que fazem parte
da cultura camponesa, devem ser respeitados pelas políticas publicas de Soberania
Alimentar.
3.2) - Métodos de Secagem e Armazenagem – As famílias camponesas
observam as fases da lua para fazer a colheita, secam ao sol, de forma barata e
descentralizada, armazenam em tonéis, embalagens pet, tuias, caixões, etc, utilizando
cinza, pimenta, entre outros métodos de controle de pragas.
3.3) - Agro indústrias camponesas (familiares e/ou cooperativadas) – É de
fundamental importância a agregação de valor a produção camponesa, por isso algum
processo de transformação deve ser feito ainda na propriedade ou de forma
cooperativada. Temos visto uma legislação que diculta e na maioria dos casos até impede
esta industrialização caseira. Esta legislação muitas vezes é imposta pelas grandes
empresas e isto é feito em nome da “saúde pública”.

4) SISTEMAS LOCAIS DE PRODUÇÃO, INDUSTRIALIZAÇÃO, CIRCULAÇÃO E


COMERCIALIZAÇÃO:
4.1) - Sistemas Camponeses de produção - São sistemas de produção
altamente diversicados, tendo como base social as famílias das comunidades
camponesas, que integram produção animal e vegetal (agrícola e orestal), que priorizam
a produção para o auto consumo e para o mercado local, que preservam os recursos
ambientais estratégicos como: água e biodiversidade, combinam plantios anuais com
plantios perenes, utilizam ao máximo insumos de origem local, utilizam os subprodutos de
uma produção para a outra e pela diversicação buscam a sustentabilidade geral do
sistema, buscam a autonomia genética e tecnológica e integram novos conhecimentos e
novas técnicas ao conhecimento já existente, sem deixar que eles desintegrem o sistema.(
MPA 2007)
4.2) - Produzir para atender a necessidade local – o atual modelo de produção
busca o lucro, portanto não está em sua lógica analisar as necessidades locais de
alimentos. Os sistemas camponeses de produção, com foco na Soberania Alimentar,
devem primar por atender as necessidades locais de alimentos saudáveis e diversicados, o
excedente é que vai para o comercio na região, no país e até fora dele.
4.3) – Comercialização: buscar formas organizativas de comercialização,
preferencialmente eliminando os atravessadores, garantindo bons preços as famílias
camponesas e as famílias consumidoras.
5) NECESSIDADE DE POLÍTICAS PÚBLICAS COMO:
5.1) Reforma agrária: Distribuição das terras, juntamente com políticas de
fortalecimento do setor produtivo. Limite do tamanho da propriedade; Proibição de venda
de terras para estrangeiros, etc. Expropriação de terras com plantio de entorpecentes e
com exploração de trabalho escravo ou situação análoga;
5.2) Política de Estoques reguladores: Onde o Estado Brasileiro compre a
produção no período de safra, forme estoques e coloque no mercado no período de entre
safra.
5.3) Política de preços Mínimos: Garantindo preço mínimo que cubra os custos
de produção e uma margem de renda para as famílias camponesas e limite os preços
pagos pelos trabalhadores urbanos.
5.4) Assistência Técnica: Voltada para os sistemas camponeses de produção,
incentivando a produção de alimentos, com equipes multidisciplinares, de forma gratuita e
capaz de atender a todas as famílias camponesas.
5.5) Créditos subsidiados para a produção de alimentos: Garantindo que as
famílias camponesas produzam alimentos, obtenham renda e possam colocar os alimentos
no mercado a preços acessíveis para os trabalhadores urbanos.
5.6) Direito dos Agricultores: reconhecimento pelos serviços ambientais
prestados, proteção do conhecimento tradicional, repartição de benecio, participação
nas decisões sobre a conservação e ao uso sustentável dos recursos to genéticos para a
alimentação.
5.7) Legislação: legislação especica para a produção, industrialização e
comercialização da produção camponesa, como forma de incentivo a produção de
alimentos.
5.8) Educação Camponesa: Voltada a realidade local, contextualizada, que
prepare a juventude camponesa para atuar no campo, com orgulho de ser camponesa.
5.9) Mercados Institucionais: Que os governos comprem alimentos para os
programas de alimentação escolar, hospitais, asilos e para o sistema prisional diretamente
dos camponeses e de suas organizações.
5.10) Nova rota de insumos: Reconhecer, apoiar a estrutura produtiva e
organizar a logística de distribuição de insumos naturais, que não agridem ao meio
ambiente.
5.11) Programa de transição agroecológica: Reconhecimento e apoio a
processos, com uma ampliação gradual de incentivos de acordo com os avanços
implementados pelas famílias camponesas no processo de transição;
5.12) Apoio a processos de cooperação: cooperativas, associações, empresas
comunitárias, agroindústrias, mercados populares de alimentos...
5.13: Reconhecimento do modo camponês de fazer agricultura: É o único
capaz de dar respostas aos principais dilemas da humanidade:

Crise alimentar.

Crise energética.

Crise ambiental.

Estas e outras medidas podem resolver o problema da crise dos alimentos,


diminuir a pressão nas grandes cidades e garantir condições de vida digna para as famílias
trabalhadoras do campo e das cidades. Com estas políticas publicas e esta lógica de
produção camponesa poderemos atingir a SOBERANIA ALIMENTAR!
Soberania Genética
Gilberto Afonso Schneider e Valter Israel da Silva
Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA

A soberania genética consiste no direito dos camponeses/as, povos originários e


comunidades tradicionais em decidir o que vão produzir, de que forma, qual o modelo
tecnológico que vão utilizar, garantindo assim a autonomia e independência frente à
imposição do agronegócio.
A soberania genética passa pelo controle e gestão dos recursos genéticos pelos
camponeses/as, povos originários e comunidades tradicionais e suas organizações
garantindo, de modo especial, a conservação da alta diversidade de sementes, raças e
mudas. Esta gestão em alguns casos pode ser realizada em parceria com as empresas
pública de pesquisa.
A soberania genética permite o controle do processo de produção, permite a
possibilidade de acesso de alimentos em quantidade, diversidade e qualidade e com
capacidade nutritiva adequada, e é a garantia da existência dos sistemas camponeses de
produção. Portanto, podemos armar que a soberania genética é um dos pilares
fundamentais da soberania alimentar.
Também podemos armar que a soberania genética é pilar fundamental da
Agroecologia. Sem o controle das sementes, raças e mudas não podemos atingir uma
agroecologia plena. Além disso, é a garantia da preservação da agrobiodiversidade e dos
ecossistemas.
A soberania genética permite a armação da identidade, dos valores e da Cultura
Camponesa. Dentro das sementes crioulas esta o conhecimento milenar dos
camponeses/as e povos originários e comunidades tradicionais.

Conceito de sementes crioulas


Consideramos como sementes crioulas/nativas não só os grãos, mas também
plantas, ores, árvores nativas, frutas, ervas, plantas medicinais, raças e muitas outras. Uma
diversidade de espécies que se encontram na natureza e que foram cuidadas, melhoradas
e preservadas ao longo do tempo, passando de geração em geração, alimentando os
seres humanos e os animais.
(Frei Sergio – MPA)

Princípios orientadores para um trabalho com sementes


1)Quando tratamos de sementes, estamos falando seres vivos, de todas as formas de
reprodução vegetal e animal (sementes, raças e mudas) que garantem a continuidade das
espécies;
2)As sementes são fruto do processo histórico de seleção realizado pelos
camponeses, são reexo da cultura camponesa, da memória dos nossos antepassados e
do modo de vida camponês, portanto são patrimônio dos povos a serviço da humanidade;
3)As sementes são determinantes da qualidade, diversidade e quantidade de
alimentos produzidos, portanto têm vinculação direto com a Soberania Alimentar;
4)Os sistemas camponeses de produção são altamente diversicados e buscam a
sustentabilidade social e ambiental e só são possíveis com o controle camponês das
sementes;
5)A manutenção das sementes está diretamente ligada à conservação da
agrobiodiversidade possui a capacidade restauradora do modo de vida camponês e
determinam a possibilidade de controle sobre o processo produtivo.
6)As sementes determinam o modelo produtivo adotado. As sementes nativas são
adaptadas ao solo, clima de sua região, portanto são determinantes ao enfrentamento do
modelo agroquímico;
7)A estratégia do resgate, reprodução, melhoramento e conservação de sementes
deve ser baseada em 03 níveis: a) Nível de unidade camponesa de produção (família
camponesa), b) Nível comunitário ou associativo (casa de sementes) e c) Nível territorial
(Unidades de Beneciamento de Sementes). Os 03 níveis devem ser complementares.
8)Os conhecimentos camponeses devem se aliar aos demais conhecimentos
técnicos e cientícos, qualicando assim os processos, sem a perda da autonomia
camponesa. Isto pode se dar através de processos de formação e de assistência técnica,
inclusive pelo método campesino a campesino;
9)Temos que diferenciar obrigações de necessidades. As leis são elaboradas para
proteger as empresas de sementes e são na maioria das vezes, desnecessárias. Mas se faz
necessário seguir alguns princípios e orientações que garantam a qualidade e facilitem a
utilização das sementes crioulas por outras famílias camponesas.
10) Os instrumentos jurídicos (associações e cooperativas) devem cumprir com
tarefas concretas: dar suporte a processos de produção, beneciamento e
comercialização, gerando renda para as famílias camponesas, jamais devem substituir a
organização política e social.
(Org. por Gilberto Afonso Schneider e Valter Israel da Silva)

As vantagens e o papel das sementes crioulas para a agricultura camponesa (síntese


do debate)
•Semente é a arma mais poderosa para enfrentar o modelo dominante.
•Sinônimo de autonomia de insumos, de tomadas de decisões, etc;
•Recupera a importância nutricional (qualidade dos alimentos);
•Baixo custo (Possibilidade de replantio da mesma semente), maior relação custo
benecio;
•Base tecnológica adaptada a realidade camponesa (menor dependência de
insumos, maior autonomia tecnológica e genética):
•Maior renda líquida por área;
•Instrumento de armação das identidades e da cultura camponesa (modo de vida,
valores, costumes);
•Construção de uma ideologia camponesa (losoa de vida);
•Geradora de vida, não de mercadoria;
•Portadoras de poder político e estratégico;
•Maior diversidade de opções (diversas variedades e culturas);
•Manutenção da diversidade biológica;
•Nos dá maiores condições de controle sobre o processo produtivo;

Curso Nacional de sementes do MPA


São Miguel do Oeste – SC, 2 a 11 de maio de 2013.

Perguntas para as reexões:

1 – O que entendemos por soberania genética?

2 – Por que devemos ter princípios para orientar nosso trabalho com sementes?

3 – Qual a importância das sementes crioulas? Que experiências concretas temos?

4 – Quais são as vantagens de produzirmos com sementes crioulas?

5 – Sugestões e conclusões do grupo sobre o assunto?


A Agroecologia
Raul Ristow Krauser

Para muitos a agroecologia é uma ciência que estuda e procura explicar o


funcionamento dos agroecossistemas¹, para outros são práticas e técnicas agronômicas e
produtivas que permitem produzir alimentos e bras sem agrotóxicos, uma agricultura que
não atenta contra o meio ambiente. A agroecologia é um pilar fundamental na construção
da soberania alimentar.
Considerando estes dois entendimentos, de agroecologia enquanto ciência e
enquanto conjunto de técnicas de produção, podemos armar que a agroecologia
representa uma base cientica e técnica para qualicar os sistemas camponeses de
produção, eliminar o uso de agrotóxicos, superar as cadeias produtivas, construir a
soberania alimentar, proporcionar autonomia das famílias camponesas e fazer
enfrentamento ao agronegócio. Assim para o MPA a agroecologia tem um signicado
produtivo prático, mas também um signicado político e ideológico, fazendo parte da luta
de classes no campo e na cidade.
Porém, é necessário armar de forma categórica que não dá para ser romântico, ter
bonitos discursos que não tem efetividade, pois, temos que considerar que agroecologia,
este sistema de produção de alimentos que compreende a soberania alimentar implica
em:
1-Trabalhar muito, não há como separar o trabalhar e viver, as duas coisas se
misturam. Não existe falar em jornada de trabalho, exige dedicação (colocar o dedo),
disposição e vontade de todos os membros das famílias camponesas.
2-Trabalhar bem, ou seja, saber o que faz, pensar no que faz, planejar, conhecer, se
organizar. Fazer processos segundo a lógica, observar muito e fazer experiências. No bom
idioma camponês é “necessário trabalhar com os braços e com a cabeça”.
3-Ter sorte, sobretudo quando se fala do clima, agricultura é atividade de alto risco, a
boa observação pode minimizar os riscos, mas não irá suprimi-los.
Além disso, não há receita, há princípios a serem seguidos, princípios que norteiam a
organização do processo produtivo, isso porque cada unidade produtiva tem
peculiaridades que irão inuenciar no modo de organizar a produção.

A agroecologia enquanto sistema de produção tem cinco dimensões:

Ambiental, ecológica:
Supera a dicotomia entre agricultura e preservação do meio ambiente, as áreas de
preservação e produção têm diferenças mínimas, são sistemas de produção de baixo
impacto ambiental, que não utilizam produtos químicos, que preservam ao máximo os
ecossistemas naturais.

Social:
Gera equilíbrio social e qualidade de vida, produz alimentos saudáveis fazendo valer
verdade a frase que assim diz: “que seu alimento seja teu remédio e teu remédio seja teu
alimento”, capaz de gerar uma relação direta entre campo e cidade, valorizando as
famílias camponesas e a vida no campo recuperando assim a autoestima. Sistema de
produção capaz de envolver a todos e todas e superar as relações desiguais de gênero e
geração;

Dimensão econômica:
Sistema de produção que contempla a lógica econômica camponesa, ou seja, é um
sistema de produção em que a circulação se dá de forma simples, não há geração de
acúmulo no sentido capitalista, o gasto com insumos é muito pequeno necessitando
poucos investimento, a produção é diversicada e não especializada, produzida para o
¹ Conforme Guterres, todo agroecossistema é uma construção social, produto da coevolução dos seres humanos com a natureza... os
seres humanos ao articializar os ecossistemas para obter alimentos, domesticando plantas e animais, quebram as secessões e os
mecanismos de auto-regulação ecossistêmica, passando assim a depender do homem para se manter, regular-se e renovar-se.
abastecimento à partir do local e a renda gerada é utilizada para garantir a reprodução
familiar.
A produção agroecológica não é nicho de mercado, pressupõe um novo modelo de
relações econômicas, uma nova forma de se relacionar a comunidade humana.

Política:
Agroecologia antes de tudo é um ato político, não romântico. É político pois na sua
concepção e na sua ação prática é radicalmente diferente da lógica do agronegócio,
inevitavelmente faz o enfrentamento com o agronegócio, prova que outra forma de
produção, circulação e consumo é possível, e que outra sociedade é necessária.

Cultural:
Modelo de produção que é ligado à terra, que não enxerga a terra como base física
da produção, é um cuidar da terra no presente olhando para o futuro é cultivar. Há que se
conhecer e respeitar os ciclos da terra e da lua, agricultura é muito mais amplo que produzir,
é viver com a terra é viver para a terra. Se soubermos colaborar com a terra ela nos dará o
que precisamos.
Assim é uma forma de produção que se relaciona diretamente com a identidade
camponesa, fortalece as relações comunitárias, resgata a diversidade alimentar, os
conhecimentos, a culinária tradicional daquela dada cultura. Implica em um modo de
viver.
Agroecologia e campesinato:
Guterres 2006, assim nos diz:
“Eduardo Servilla Guzmán “se atreveria” a denir o campesinato
como uma forma de manejar os recursos naturais que permite a
reprodução do homem e a natureza (que são um todo), conservando a
biodiversidade ecológica e sociocultural.
A agroecologia é uma forma de entender e atuar para
campesinar a agricultura, a pecuária, o orestamento e o
agroextrativismo, a partir de uma consciência intergeneracional (não
exploração de crianças e velhos), de classe (não exploração do capital
ao trabalho), de espécie (não exploração dos recursos naturais), de
gênero (não exploração do homem à mulher), de identidade (não
exploração entre etnicidades).

Transição Agroecológica:
A construção da agroecologia deve ser feito num processo de transição, que terá
diferentes tempos dependendo de cada unidade camponesa de produção. A defesa de
uma ruptura, uma mudança radical em geral não é feita por quem conhece o dia-a-dia do
trabalho no campo, uma ruptura tem impactos que somente com uma política pública
dando suporte seja viável fazer.
De acordo com o nível de intensicação a transição para a agroecologia poderá ser
mais rápida ou mais demorada, mas é importante ter presente que a agroecologia é
radicalmente diferente do modelo intensivo de produção.
Temos que superar a visão antropocêntrica do mundo, onde tudo gira ao redor do ser
humano, temos que construir uma visão holística, onde tudo esta integrado. Trabalhar é
viver, viver as ideias, colocá-las em prática, viver uma nova vida.
É fundamental que haja uma transição integral, ou seja não é só nas técnicas de
produção que devem haver mudanças, mas deve implicar na recuperação da cultura, da
identidade, da racionalidade camponesa, implicar em mudança das relações humanas.
Isso quer dizer que o processo de transição deve vir da unidade camponesa de produção,
mas é preciso que aconteça também nas estruturas, na tecnologia, no modo de organizar,
nos consumidores... é todo um conjunto que precisa ser transformado, e que trata-se de
uma transformação social.
Não há receita para a transição, contudo há alguns princípios que devem orientar o
processo da transição agroecológica:
Participação de toda a família:
O processo de transição necessita do envolvimento de toda a família nas decisões e
no trabalho. Ter o envolvimento direto das mulheres é central para o êxito. Entretanto é
necessário que essa construção coletiva da família se dê desde uma perspectiva de novas
relações de poder e gênero. A transição deve implicar diretamente na superação do
modelo patriarcal.

Máximo de diversidade – aproveitar tudo, produzir de tudo:


A produção de autoconsumo para as famílias camponesas é algo fundamental,
uma família que produz para seu autoconsumo terá uma economia de pelo menos R$
300,00 por mês.
É necessário que se pense e se faça a implementação de processos de integração,
por exemplo, é melhor ter mais variedade por que consegue se vender mais perto, por outro
lado o pasto que as vacas não consomem as ovelhas consomem, aonde vacas não andam
as ovelhas andam, assim temos que compor sistemas de produção APROVEITANDO TODOS
OS ESPAÇOS, e possibilidades, assim também é preciso adaptar os equipamentos para que
possamos fazer as coisas sem investimentos altos. Investir alto sempre é problema.
Ter alto nível de diversicação, descobrir plantas complementares e que se auto
defendem, aproveitar todos os espaços – são coisas que permitem atingir um alto nível de
produção, sem custos e com qualidade.
Pensar a produção de energia é algo que tem que estar colado à transição
agroecológica, os sistemas camponeses tinham um bom processo de uxo e utilização de
energia temos que recuperar isso e agregar novos elementos, estamos falando da
biomassa, dos ventos, das forças naturais.

Fortalecimento da identidade camponesa:


O processo de transição deve fortalecer a identidade camponesa, isso tem haver
com melhorar as condições de vida concreta, com armação da cultura e do modo de
vida camponês e com autoestima das famílias camponesas.

Valorizar o que está indo bem:


No dia-a-dia temos sempre que ver, valorizar e dar ênfase ao que esta dando certo,
ao que tem de positivo. Analisar, identicar e propagar processos de mudança que
funcionam que dêem resultados concretos que permitam dar o salto. Aquilo que não esta
indo bem precisa ser analisado para dar um devido tratamento e superar, mas não deve ser
“valorizado”, não se deve dar destaque. O destaque deve ser dado ao positivo.

Unir o tradicional com novos elementos:


Não negamos a tecnologia, utilizamos a última, tecnologia de ponta desde que
sirvam aos sistemas camponeses, que sirvam a gerar soberania alimentar. Essa transição é
viável em agricultura de pequena escala (que pelo número de agricultores chega à
escala). É uma agricultura que busca no passado conhecimentos, sistemas, agrega a
tecnologia e novos conhecimentos. Modelo que esta trazendo gente da cidade para o
campo.

Abastecimento popular à partir do local:


Muitos produtos se perdem no campo, é necessário valorizar estes produtos,
desenvolver formas de comercialização e processamento para assim gerar renda e
aumentar a utilidade da produção, recuperar sabores e saberes, culturas e equilíbrio
ambiental.
É preciso que se faça um bom estudo da produção concreta, fazer uma análise
econômica da produção, de como é produzido, custos diretos e indiretos de produção,
etc. para que se busquem formas mais econômicas de produção e se venda a preços justos
para a família camponesa e para a família da cidade.
A comercialização deve ir para uma relação entre quem produz e quem consome
que vai para além de uma relação de mercado, é um marco de uma nova construção de
relação econômica entre camponeses e trabalhadores da cidade. Uma família
camponesa é capaz de manter 30 famílias com alimentos e 30 famílias alimentadas devem
gerar renda para uma família camponesa.
A relação direta de quem produz agroecológico é algo central. Os agricultores são
formadores de consciência quando explicam o processo de produção, como se faz e por
que se faz, essa relação direta pode se dar na feira, na venda de cestas, etc. Num processo
de venda direta é fundamental o planejamento da produção.
As embalagens também devem trazer a proposta da produção ecológica, ou seja
não devem ser embalagens descartáveis ou poluentes, é bom que se motive a mudança
de hábitos da população da cidade também.
A comercialização precisa trazer elementos da relação social, econômica e
ambiental. Deve comunicar isso a quem consome, para que aqueles que comprem o
produto compreendam que estão incentivando um modo de vida, estão consumindo um
produto que tem um processo, tem uma origem denida, ou seja tem uma valor de uso.

Diferenciação de preço do produto agrecológico:


A questão fundamental é o custo de produção (custo integral – ambiental,
econômico e social), e não simplesmente ser mais caro por ser ecológico, o objetivo é
produzir alimento para o povo, não para uma elite. As vezes é um pouco mais caro porque o
modelo agroindustrial não calcula o custo ambiental e social da produção, aí não tem
como concorrer, quando ocorre isso é que se dá uma diferença de preços. A outra coisa é
que os preços não seguem a lei de mercado, seguem um valor xo, seja nas cestas seja nas
feiras.

Certicação:
Da forma como esta hoje colocada tem muitos limites, a começar pelo custo, pela
relação entre o agricultor e a certicadora, pelo nível de exigência padrão que ignora
inclusive a diversidade e multiplicidade da agroecologia. O que realmente vale é o contato
direto com o consumidor, é necessário desenvolver uma relação de conança, gerar o que
chamamos de acreditação mútua entre as famílias camponesas e as famílias
consumidoras.

Processo progressivo:
Começar com pouco – ir adiante progressivamente. Temos também que considerar
que tem tempo para tudo, não temos que ter pressa, cada coisa a seu tempo, melhorias
sempre haverá para fazer, o importante é fazer passo a passo. A transição agroecológica, o
processo de relação direta com os consumidores aponta para a autossuciência, aponta
como uma tendência, um processo em construção, pois não é algo que se faz de um dia ao
outro. Devemos caminhar para produzir 100% da cesta básica.
“mais importante que a velocidade é a direção” Clarice Lispector.

Módulo mínimo de tecnologia:


Devemos incorporar a tecnologia, mas aquela que nos serve. Aquela que serve ao
fortalecimento dos sistemas camponeses de produção e, além disso, comprar a menor
possível que nos atende, não é por que tem um crédito ou uma possibilidade de comprar
uma máquina grande que devemos fazer isso. Precisamos conhecer as tecnologias, as que
realmente nos servem e a menor possível, o limite é o limite mínimo que dê viabilidade.
Temos ainda que analisar a viabilidade concreta de cada processo a ser feito, por
vezes pode ser mais econômico e produtivo que se alugue máquinas do que ter máquinas
em casa, há que se analisar o custo de oportunidade de cada investimento que se planeja
fazer, ou seja, deve ser feito um estudo detalhado da eciência produtiva sob o ponto de
vista econômico, social e ambiental;
Além disso, temos que considerar que máquinas custam caro e geram despesas, há
que se analisar muito bem a necessidade e comprar o menor possível. Temos que dissociar
qualidade da quantidade e tamanho dos equipamentos. Uma pequena produção com
equipamentos artesanais pode ter muito mais qualidade.
Organização e cooperação:
A transição exige um apoio de um processo organizativo, as famílias sozinhas têm
muita diculdade, há que ter um apoio constante e disponível. Este apoio deve advir das
próprias famílias as mais experientes contribuem com as outras, uma solução encontrada
por um pode servir a vários outros, assim a relação entre as famílias é central, o MPA tem
muito a contribuir neste sentido, criar estas relações e ampliá-las.
Organizar grupos de produção é uma estratégia interessante, pois de forma
voluntária as famílias se colocam a disposição à dar mais ênfase a uma produção que
tenham mais interesse ou condições, mas não podem ser especialização. Formando o
grupo de produção cria-se um processo de cooperação entre estas para equipamentos,
agroindústrias, apoio técnico entre outras ações, assim os grupos de produção tornam-se
grupos de convívios, grupos de ação política na comunidade.
É importante considerar que antes de tudo todos somos consumidores, que, portanto
devemos produzir o máximo possível daquilo que consumimos e nos abastecer do que falta
com as demais famílias vizinhas.
A condição concreta e real coloca a necessidade de processos de trocas entre os
camponeses. Não é possível todos terem tudo, então é importante coordenar no grupo que
cada um possua diferentes ferramentas e que sejam utilizadas coletivamente, ou ainda,
terem equipamentos de uso coletivo. É possível se estabelecer um processo de trocas onde
a reciprocidade seja o critério e não um dado valor monetário.

Planejamento:
No planejamento da transição passamos por quatro fases seja no nível familiar, seja
ao nível de grupos:
1-Ideias: fase onde todos opinam se colocam muitas ideias, se busca conhecimento,
informações, intercâmbios. Uma vez decidido o que será feito e qual é o objetivo, se passa a
segunda fase.
2-Desenvolvimento do plano: se faz um plano, levantamento de dados, estudos,
análises;
3-Aplicação: torna-se concreto o plano.
4-Produção – avaliar, monitorar, fazer correções...

Depois retorna para a fase das ideias para possíveis adaptações ou mudanças.
Se por um lado os processos coletivos têm suas complicações, possibilitam muitas
outras coisas gerando viabilidade, há que se enfocar nos pontos positivos e superar o que
há de complicado. Tratar os problemas de forma natural, enfrentá-los, dialogar
continuamente são caminhos para se resolver as diculdades colocadas.

Resgate da genética:
Recuperar a genética local, resistente, adaptada com características próprias do
lugar é algo imprescindível, para isso devemos recorrer a todas as ferramentas que temos
disponíveis. Cada família precisa ter tudo que se pode ter de sementes e raças tradicionais,
sempre.
É importante combinar os processos de produção de sementes em cada unidade
camponesa, cada camponês deve ter o máximo possível de sementes, mas também ter
processos mais complexos de resgate e reprodução de sementes, acompanhados,
fazendo chas e controles, para que se possa ter sementes para repassar a quem esta
começando e oferecer algo alternativo aos transgênicos.

Caráter do trabalho:
O trabalho é o que diferencia o ser humano dos demais animais, trabalhar é essência
humana. O problema é o trabalho alienado, a questão é que o trabalho da agroecologia,
da soberania alimentar (que é muito) deixa de ser alienado, torna-se parte de quem produz,
gera novas relações e outro nível de consciência nas famílias.
É um trabalho que liberta as consciências, assim trabalhar ainda que seja intenso não
é exaustivo ou estressante. Esse deve ser o caráter do trabalho na agroecologia.
PODER
POPULAR
Roteiro para
debate
PODER POPULAR - Roteiro para debate
“Todo poder nasce do povo e pelo povo deve ser exercido”

É uma falsa questão contrapor a ideia de construir o poder popular, conquistar


espaços de poder e tomar o poder de Estado. Em geral, quando se arma esse pseudo
debate, pode ser a tentativa de esconder a concepção oportunista ou esquerdista que se
dizendo pós-moderno, só ajuda a desarmar as organizações populares, na sua luta de
transformar pela raiz a estrutura de exploração.

O poder no dia-a-dia
As pessoas não são diferentes, são únicas: não existem duas pessoas iguais. Esse fato
leva as pessoas a se relacionarem. Para haver essa relação cada pessoa precisa armar sua
originalidade. Então, só existe o eu porque existe o tu. E só existe o nós porque os dois sujeitos
decidiram ou foram obrigados a se juntar ou a disputar.
A criança disputa para ser reconhecida e para armar sua identidade. Ela tem
necessidade de ser notada e não aceita ser ignorada, colocada à sombra ou
menosprezada. Faz parte da luta pela sobrevivência, é uma armação de identidade e de
autoestima Quando alguém não se impõe ou não briga por sua dignidade, é tida como
covarde. A fraqueza e a ousadia contribuem na formação do caráter das pessoas. Se não é
justo bater, também não é justo apanhar.
Ninguém é uma ilha. A convivência social é a escola onde as pessoas aprendem a
exercício do poder. Numa sociedade, onde cada um age conforme sua ganância, vigora
a lei do mais forte, não se reconhece o valor das riquezas individuais e se cria a divisão entre
superiores e inferiores. Daí surge a dominação de classe, a discriminação de gênero, o
preconceito étnico e geracional e toda forma de intolerância cultural.

A pessoa precisa ter poder


O poder faz parte da natureza humana. Desde criança, inclusive como forma de
armação individual, existe a disputa pelo poder. Só quem tem poder, de forma individual
ou coletiva, arma-se e inui no seu destino e no destino da sociedade. O ato de pensar, de
agir e de tomar decisões torna as pessoas protagonistas, na sua realização pessoal e
histórica. Ao contrário, sentir-se impotente é perder a esperança, é anular-se.
Toda pessoa gosta de ter poder e se sente feliz com o poder. Quanto mais nega, mais
a pessoa rearma a vontade de ter o poder: ninguém quer ser uma coisa. Quem diz que não
quer o poder é porque já tem o poder ou se tornou incompetente para tanto. Consciente
ou inconscientemente, as pessoas que “delegam” o seu poder ou renunciam a postos de
comando, estão armando seu anseio de ter e de exercer o poder.

É justo ter o poder


Ter o poder não é um pecado, é uma necessidade e direito de toda pessoa, mesmo
sabendo que ele traz desaos. Gente é para brilhar e quanto mais estrelas no céu mais a
noite ca iluminada. A pessoa é dada à luz e a luz se coloca no alto para que todos vejam. A
grande e revolucionária mensagem é dizer aos oprimidos: você é capaz, levanta, toma teu
leito e anda.
Estranho não é desejar o poder, estranho é insistir no medo de ter o poder. Estranho é
nunca se dizer que todo poder nasce do povo e pelo povo deve ser exercido. Estranho é
reduzir a o poder ao mero ritual de eleger representantes, como se alguém pudesse abrir
mão de seu poder. Sem falar que a maioria dos eleitos são pessoas comprometidas com
quem domina as riquezas, as ideias e os postos de decisão.

O que é o poder
Todas as relações sociais estão impregnadas e implicam em poder porque o poder
consiste na possibilidade de decidir sobre sua própria vida e sobre a vida de outro ser
humano. É a capacidade de intervenção, com fatos que obrigam, circunscrevem, proíbem
ou impedem. Se uma pessoa puder ela submete todas as outras à sua vontade ou a seu
modo de olhar a vida.
Quem exerce o poder, hoje, submete e inferioriza as demais pessoas, impõe fatos,
exerce o controle, arroga-se o direito ao castigo e à privação de bens reais e simbólicos. Ou
seja, tem força, domina. A partir dessa posição de poder julga, sentencia ou perdoa. E ao
fazer isso, acumula mais poder.
O poder é entendido como poder, quando se apropria das riquezas excluindo a
maioria e se coloca em posição de exercer o poder para domínio, controle e direção da
vida da maioria e expropriação de seus bens materiais e simbólicos.
Poderosa é a pessoa que possui elementos de poder por sua classe, gênero, riqueza
econômica, social ou cultural, nacionalidade, sexo, cor da pele, idade, etc. A posse
privada das riquezas, a exclusão social e a dependência dos pobres estruturam o poder,
desde sua origem, e permitem sua reprodução.
Todos os fatos sociais e culturais são espaços de poder: o trabalho, as atividades vitais,
o conhecimento, a sexualidade, os afetos, as qualidades, os bens e posses, o corpo e a
subjetividade, o próprio ser humano e suas criações.
A classe oprimida tem poder porque o poder sucede no espaço das relações sociais:
cada pessoa ao interagir, mesmo que não saiba, exerce poder. O mais débil dos oprimidos,
mesmo de forma inconsciente, tem e exerce o poder, quando se torna espaço de opressão
do outro que necessita dele para existir.

O poder corrompe?
No esforço para superar a cultura do silêncio e denunciar a impotência popular, não
se pode cair nas tentações do poder. Às vezes, as pessoas têm medo de ter poder porque
observam que, na vida cotidiana, um jeito estranho de ter o poder. A história está cheia de
exemplos onde o preço para ter mais e ser mais, não tem medida. O poder pode sim
corromper.
Nas famílias, no governo e até em organizações populares, quem assume um posto
de poder tende a fazer de tudo para tirar vantagens dessa posição. Depois, faz tudo para
continuar no cargo e, se for preciso, usa jogo sujo, faz alianças escusas, vende a alma, perde
a moral e mancha suas convicções. E, como o cargo torna as pessoas poderosas, elas
passam a sonhar em “subir mais” e já não conseguem viver como “pacatos cidadãos”.

Onde está o poder


O poder que nasce do povo se cristaliza nas instituições civis e estatais e no exercício
de direção e domínio de um grupo sobre a sociedade. O poder surge nas relações sociais,
mas se encontra e se amplia na reprodução dos sujeitos sociais, que se situam no espaço
público e no espaço privado.
Mas, é no Estado, com suas instituições – o executivo, o parlamento, o judiciário, a
burocracia, os impostos... e, sobretudo, no poderio militar, onde se concentra o verdadeiro
poder. Alguém já disse que, sem negar a inteligência, a diplomacia e a negociação, o
poder reside na boca de um canhão para signicar que ter poder é ter poder de fogo, é ter
força. O Estado, que organiza a sociedade, é uma equipe que administra e garante os
negócios coletivos da classe dominante.
No Brasil, o Estado é propriedade privada da classe rica. Porém, a luta popular
entende que o espaço público pode ser um espaço de disputa, se mantiver a clareza do
próprio projeto e sua independência política. O objetivo da resistência popular, ao ocupar
postos na institucionalidade, é acumular forças, sem perder o horizonte da transformação
social.

O Novo Poder
O poder, como autoarmação das pessoas e das classes se dene pelo positivo e não
implica na opressão de ninguém. A esse poder deve aspirar a classe oprimida. Para ela o
poder nunca deveria criar a postura de chefe; e os abusos no uso do poder não poderiam
justicar o medo de querer o poder. Por isso, seu desao permanente será com+ordenar sem
autoritarismo, com+duzir sem manipulação e com+mandar com+partilhando o poder; e
certamente, cumprir e fazer cumprir os acertos coletivos, acima das vaidades e caprichos
individuais.
Transformar pessoas em sujeitos históricos exige a desmontagem dos mecanismos
que reproduzem a dependência, a impotência e a servidão como elementos do poder
estruturados em nós. Porque, uma vez submetidas a essas formas de poder, as pessoas
exercem o poder de maneira alienada. O novo poder ainda é uma construção: é
aspiração com algumas experiências, individuais e coletivas e com alguns elementos
desenvolvidos:

1.Desconstruir o Velho Poder


Para “desconstruir” o poder que estrutura os oprimidos e “construir” o poder, como
instrumento da vida e convivência solidária, é preciso tomar consciência da dependência
vital, da impotência aprendida e da escravidão voluntária.

2.A dependência vital


O poder, hoje, é opressivo porque concentra poder de classe, poderes nacionais,
étnicos e culturais, sexuais, patriarcais. A dependência vital é econômica e como classe
social. Mas há outras formas de dependência: social, jurídica, afetiva, erótica, política... É
possível substituir uma dependência por outra, como se fosse um mecanismo de
reprodução da dependência.

3.A impotência aprendida


A impotência é a expropriação da capacidade de poder: a pessoa anula o “eu
posso” e desenvolve o “eu posso empoderar os outros”. A impotência aprendida não
necessita de um juiz - a pessoa já é a própria polícia de si mesma para autocontrolar-se, auto
impedir-se.

4.A servidão voluntária


A classe oprimida é construída como servidora, em uma relação de dominação,
sujeita ao domínio da elite, é inferiorizada. Esse mecanismo se reproduz inconscientemente,
em séculos de história, nas formas de servidão voluntária. Quanto mais autoritárias e mais
atrasadas economicamente são as relações de poder, maiores são os traços despóticos
desse tipo de servidão.

A tomada do Poder
A classe trabalhadora precisa conquistar o poder de estado se quiser resgatar a
riqueza produzida por suas mãos e construir uma sociedade sem exploração. Só com uma
força política é possível conquistar o estado, controlar a produção social e garantir
qualidade de vida para os habitantes de uma nação.
Para tanto, necessita mobilizar muita gente da classe trabalhadora que se disponha a
transformar, pela raiz, as estruturas da sociedade capitalista. A destruição do poder
burguês, o controle do aparelho de estado e a vitória do Poder popular, será um longo e
difícil caminho.
A transformação pela raiz, das estruturas da sociedade capitalista não se limita aos
momentos decisivos da luta popular. Passa pela elaboração de um projeto, de uma
estratégia de luta pelo poder e da organização de ferramentas para a conquista do poder.

Construção do poder popular


A tarefa da organização popular é despertar o protagonismo popular. Há diferentes
ferramentas para diferentes tarefas e momentos: associações, movimentos, sindicatos,
partidos... Elas são partes do povo que se levanta contra a injustiça e contra a opressão e
que lutam por objetivos imediatos e históricos.
O movimento popular é a justa reação, espontânea ou organizada, pacíca ou
violenta, da classe oprimida contra toda forma de injustiça. A reação pode ser contra a
exploração econômica, os abusos de poder, a manipulação ideológica ou o preconceito
de cor, de sexo, de religião, de idade...
O sindicalismo luta para diminuir os efeitos da exploração econômica e vender
melhor sua força de trabalho. O movimento sindical já descobre que têm direitos e que a
classe patronal explora a classe trabalhadora. Por isso, se organiza e pressiona para
conseguir melhores salários, menores jornadas e melhores condições de vida e de trabalho.
Mas, a luta econômica não questiona o jeito como está organizada a sociedade,
dividida em classes. Ela serve para juntar, esclarecer, denunciar e combater os efeitos da
exploração, mas não ataca a raiz do problema. Ele chega a ensinar o povo a pescar, mas
como só busca a conquista dos interesses imediatos, apenas remenda o sistema de
exploração.

A luta política
O povo, em geral, só consegue enxergar a política como um processo eleitoral. Mas,
a militância consciente, entende que, na luta popular, é necessário um Instrumento Político
que desmascare a exploração capitalistas e proponha a construção da sociedade
socialista. O movimento político é formado por pessoas conscientes que descobrem as
raízes da exploração e organizam sua ação para transformar a sociedade capitalista. Sem
mudar a sociedade, dividida entre explorados e exploradores, o povo vai continuar
oprimido.
A militância, nascida e metida nos movimentos, aprendeu que além de dar o peixe e
matar a fome é preciso ensinar o povo a pescar para sair da dependência e a tomar de
volta os rios que viraram propriedade da burguesia. Por isso, cria um instrumento político
para fermentar e dirigir, politicamente, o movimento de massa - ajudar o povo a entender a
realidade, a se levantar e a transformar a sociedade dividida em classes.
O desao constante da militância é potencializar o movimento popular para que
tenha a energia de construir uma nova proposta com nova base intelectual, moral e
política. A mudança estrutural do capitalismo não se faz só com as pequenas reformas; elas
são indispensáveis para acumular força, aprendizados e consciência política de
transformação.

Construir, conquistar e tomar o poder


Não existe contradição entre a construção do Poder Popular e conquista do poder
político do Estado, quando a construção do poder popular implica em ocupar e
desenvolver territórios e espaços que prepare a classe trabalhadora. O exercício de auto-
organização, as soluções para problemas do cotidiano, o processo de qualicação da
militância ajuda a impulsionar exemplos pedagógicos e experiências concretas de
participação.
Existe uma interdependência, entre a conquista do poder de estado e a construção
cotidiana do poder popular, quando as duas iniciativas se situam na estratégia de sair do
domínio do capital e promover a participação e a soberania popular. O que não se pode é
iludir ou perder de vista que a centralidade do poder que sustenta a burguesia está
concentrada no poder do Estado. O povo resiste para conquistar a democracia, acumula
forças ocupando espaços e territórios mas, historicamente, só venceu quando tomou o
Poder de Estado.

Educação Popular é todo o esforço de


mobilização, organização e capacitação
(política, técnica e cultural) que prepara as
classes populares para o exercício do poder que
necessariamente deve conquistar. (Paulo Freire)
TERRA E
TERRITÓRIO
A situação dos Camponeses no Brasil
Os camponesas são o grupo social mais atingido pela pobreza extrema no Brasil,
revela estudo divulgado pelo Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas). Entre as
famílias consideradas “extremamente pobres”, 36% tinham como fonte de renda, em 2009,
a produção agrícola.
Segundo o IBGE, censo 2005/2006 nos demonstra que 424 mil estabelecimentos
declararam obter mais do que 10 salários mínimos mensais (smm), o que signica dizer que
8,2% dos estabelecimentos geram 85% do Valor Total da Produção (VTPD). Desse total
anterior 22 mil estabelecimentos (0,4 % do total) obtém 51,34% do total do VTPD. Ao mesmo
tempo, 3,8 milhões de estabelecimentos (72,96 %) do total, com menos de 2 smm obtém 4%
do total do VTPD e formam um contingente de camponeses pobres do Brasil.
O Censo demonstra ainda que no Brasil 2,32 milhões de assalariados rurais
temporários e 2,30 milhões de assalariados rurais permanentes. Que são trabalhadores
totalmente desprovidos do acesso a terra ou que possuem pouca terra.
Na tabela abaixo podemos ver os números da estrutura fundiária:

Obs. Tabela apresentada pela Ministra de Estado do Meio Ambiente Isabela Teixeira
durante a apresentação dos vetos e mudanças no Código Florestal transmitido ao vivo
pela TV NBR, no dia 25/05/2012 que pode ser encontrado no link
http://www.youtube.com/watch?v=fGxyLbkLvmU

Podemos perceber que 65% dos imóveis rurais, o chamado minifúndio, que possui até
um módulo scal¹, detêm apenas 9% do total da área, 90% dos imóveis possuem até 4
módulos scais, detêm apenas 24% das terras enquanto 4% dos imóveis, que possuem
acima de 10 módulos cais detém 63% da área agricultável.
No gráco abaixo vemos esta mesma realidade da concentração das terras em
vários países latino americanos.

Org. Por Valter Israel da Silva com


base em Ana Lúcia Nunes e no
Censo agropecuário Brasileiro

O Gráco nos demonstra que o fenomeno da concentração das terras se repete em


todos os países, onde um percentual muito pequeno (1 a 2%) das propriedades controlam
¹Modulo Fiscal: O Instituto Nacional de Colonização e reforma agrária – INCRA dene Modulo Fiscal como Unidade de medida expressa
em hectares, xada para cada município, considerando os seguintes fatores: Tipo de exploração predominante no município; Renda
obtida com a exploração predominante; Outras explorações existentes no município que, embora não predominantes, sejam
signicativas em função da renda ou da área utilizada; Conceito de propriedade familiar.
cerca de 60% das terras.
Com relação ao endividamento agrícola, Gerson Teixeira analisou os dados do
CENSO e nos apresenta o que segue:
“até menos de 10 há: 7.1%. Considerando os 371.608 estabelecimentos
nesse grupo, com dívidas, tem-se uma dívida média de R$ 5.1 mil, por
estabelecimento;
de 1.000 há e mais: 33%. Considerando os 9.374 estabelecimentos nesse
grupo, com dívidas, tem-se uma dívida média de R$ 943 mil, por
estabelecimento;
considerando o valor dos bens nos estabelecimentos, calculado pelo
IBGE em R$ 1.2 trilhões, infere-se sobre o confortável grau de solvência médio
na agropecuária brasileira;
interessante observar que o grau de solvência é idêntico (2.2%) entre os
estabelecimentos com menos de 10 hectares e os de 1.000 hectares e mais.”
(TEIXEIRA, 2009, pag 6).

Outro elemento importante que analisa Teixeira é o aumento do número de


propriedade, mas com um volume menor de área.
O Movimento dos Pequenos Agricultores também apresenta uma análise do Censo
através do gráco que segue:

O Gráco demonstra que com apenas 14% dos créditos e 24% das terra, o
campesinato responde por 40% do PIB agrícola, 70% da produção de alimentos e gera 74%
dos empregos no campo.
Por outro lado, o Agronegócio (grandes propriedades) acessa 86% dos créditos, 76%
das terras e responde apenas por 60% do PIB agrícola, produz apenas 40% do alimento que
vai pra mesa do povo e gera apenas 26% dos empregos no campo.
Este gráco demonstra com muita clareza a viabilidade da pequena propriedade e
portanto, a viabilidade da agricultura camponesa focada na produção de alimentos e no
abastecimento popular.
O Censo do IBGE 2005/2006 apresenta ainda a renda média por há igual a R$ 368,00
na grande propriedade e R$ 667,00 na pequena.
Diante destes números o Movimento dos Pequenos Agricultores apresenta uma
análise, demonstrando o que seria do Brasil com a realização da reforma agrária, sendo
divididas todas as propriedades acima de mil há, (que são 47 mil propriedades) em lotes de
100 há.
Segundo o MPA, seriam criados 2.920 mil novos estabelecimentos agrícolas, quase 3
milhões de novas famílias camponesas. Contando que a agricultura camponesa ocupa 15
pessoas a cada 100 há esta reforma agrária geraria 21.000.000 de empregos, ao invés das
2.400.000 criados hoje pelo agronegócio. Contando que a pequena propriedade gera
uma renda média de 667,00 por há, geraria um PIB de 99 bilhões, ao invés dos 53 bilhões
gerados hoje. (MPA 2010).
Elementos de controle do território:
Texto extraído da Cartilha: Plano Camponês, construindo o novo caminho da roça,
produzido pelo Movimento dos Pequenos Agricultores no ano de 2007, a partir do Seminário
Nacional de produção.
•O território camponês é um espaço de vida, espaço de produção e espaço de
enfrentamento. O território é estratégico, concreto, nos da governabilidade social e
política, unica nossa base social. Lá a gente come, lá a gente vive, lá nossos lhos estudam,
lá a gente produz, lá a gente enfrenta o agro negócio, ...
•A identidade territorial é uma opção política.
•Valorização do local através dos vínculos afetivos: vizinhança,
•Administração direta de nossas experiências produtivas; Acompanhamento
técnico e político pelo MPA;
•Organização de Base;
•Comunicação;
•Educação ( Escola local voltada para a nossa realidade );
•Soberania Territorial: Agrária, Genética, econômica, hídrica, energética, cultural,...
Família tem papel principal na construção da autonomia, Autonomia na produção de
proteína (milho é produto estratégico)
•Formação de massa, base, militância e de quadros.: capaz de armar a Identidade
Social uma Visão de mundo própria do campesinato, que fortaleça a compreensão de que
camponês e capitalista são mundos distintos; que trabalhe Valores e princípios coletivos
•Armação política do campesinato.
•Políticas públicas estruturantes.
•Ações coletivas, Metodologias participativas
•Valorizar as experiências espontâneas que surgirem na base;
•Desenvolver a cooperação nas suas mais variadas formas, mas articuladas através
da organicidade política do movimento e tenha instrumentos de gestão econômica que
garantam industrialização, acesso a mercado, tecnologias adequadas,
acompanhamento técnico.
•O controle do território não é só geográco e material, mas, cultural, ideológico,
afetivo.
•Terra, água,energia e sementes são base material para o controle do território.
•Política, ideologia, cultura, religiosidade, símbolos, festividades, são base subjetivas
para o controle de território.

Elementos Culturais:
•Elementos de Revalorização da Cultura: a identidade camponesa expressa pelos
Hábitos alimentares, Comidas típicas, Agroindústrias caseiras; Musicalidade camponesa,
Recuperação de culturas locais, Religiosidade popular, Danças, Teatro popular, Reisado;
nosso jeito de se expressar, o jeito de cuidar da terra;
•Elementos contraditórios da questão cultural: Em muitos casos cou a cultura de
derrubar e queimar as matas, especialmente em regiões de fronteira agrícola, os impactos
da revolução verde ainda permanecem, jovens camponeses com comportamento de
agro boys,
(MPA 2007)
ORGANICIDADE
DO MPA
ROTEIRO PARA DEBATER A
ATUALIZAÇÃO ORGÂNICA DO MPA¹
“Se se fala de um movimento social, os
verdadeiros dirigentes revolucionários devem
não só ser capazes de corrigir os erros existentes
em suas ideias, teorias, plano e projetos..., mas
ainda, por ocasião da passagem desse
processo objetivo determinado de um grau a
outro do seu desenvolvimento, se tornar a si
próprios e a todos os demais participantes da
revolução, capazes de seguir essa passagem
no seu conhecimento subjetivo, isto é, chegar a
fazer a correspondência das novas tarefas
revolucionárias, dos novos planos de trabalho,
às novas modicações surgidas na situação.
Num período revolucionário, a situação se
modica muito rapidamente; se a consciência
dos revolucionários não chega a seguir com
rapidez tais modicações, eles são impotentes
para conduzir a revolução à vitória”.
Mao Tse-Tung.

I – APRESENTAÇÃO
O debate sobre a atualização do modelo orgânico do MPA tomou evidência no
último período. Com o objetivo de atualizarmos nossa organicidade frente a realidade da
luta de classes e lançarmos o desao da construção do projeto organizativo no Congresso
do Movimento, a ser realizado em outubro de 2015, realizamos debates e estudos junto a
Direção Nacional, à Coordenação e Nacional, bem como remetemos o debate para as
instâncias estaduais as quais produziram rico debate que realimentou as discussões junto a
Coordenação Nacional.
O texto que temos em mãos é produto dos debates, uma sistematização, e ao
mesmo tempo procura provocar reexões sobre questões organizativas ainda não
denidas mas que nos desaam a dar repostas práticas e orgânicas.
A estudemos com espírito crítico, aberto, e com a criativa generosidade
revolucionária característicos das organizações que tomam a centralidade da
organização e da luta como mediações fundamentais e denidoras dos trabalhadores e
camponeses enquanto classe social portadora de projeto revolucionário de caráter
socialista.

II – MUDANÇAS ESTRUTURAIS QUE IMPACTAM A LUTA E AS FORMAS ORGANIZATIVAS DA


CLASSE TRABALHADORA EM GERAL E DO MOVIMENTO CAMPONÊS EM PARTICULAR.

Derrota das Experiências Socialistas²


A derrota das experiências socialistas, de modo especial a União Soviética, abalaram
o programa das esquerdas de todo mundo e colocou em crise o movimento comunista
internacional.
A crise do movimento comunista perpassa aspectos como: i – crise dos esquemas
teóricos do processo, da via, e da condução das revoluções; ii – crise na construção de
“modelos” de implantação do socialismo em diferentes países e regiões do globo levando
a transplantação do modelo soviético; e iii – crise política das organizações de classe no
¹Sistematização feita por Marcelo Leal Teles da Silva e Humberto Palmeira, militantes e membros da Coordenação Nacional do MPA.
²A utilização do termo “Derrota das Experiências Socialistas” não signica criminalizar os processos revolucionário ressaltando seus erros e
desvios. O adotamos como forma a dar relevo e envergadura aos desaos dos revolucionários no tempo presente. Consideramos os
processos revolucionário tal como Safatle (2012) no qual as revoluções são “um acontecimento verdadeiro não garante a sequência de
suas consequências”.
plano internacional decorrente do domínio Stalinista na orientação política e no método de
condução das organizações.

Ascensão da Hegemonia Neoliberal


A derrota das experiências socialistas coincide com a ascensão da hegemonia
neoliberal no plano internacional junto as sociedades capitalistas ocidentais. Os impactos
se zeram sentir nas mais diversas esferas da vida, no âmbito econômico com a
precarização do trabalho, nos processos de privatização e na abertura de mercados¹. Do
ponto de vista político houve acentuada diminuição das funções públicas do Estado e um
conjunto de derrotas da classe trabalhadora no âmbito internacional. Num mundo unipolar
o imperialismo norte americano aumentou substancialmente seu poderio militar.
Não menos importante o impacto ideológico do neoliberalismo ascendeu sobre as
classes sociais, organizações políticas, intelectuais de esquerda e educou no Brasil duas
gerações de jovens. O m da história e apogeu da sociedade capitalista foi vendido como
principal bandeira de propaganda política destinada a violar a consciência das massas
populares. À juventude foi destinado o projeto de Jovem Mercadoria: seja como Força de
Trabalho barata ou como mediador da mercadoria dinheiro e a mercadoria produto –
consumidor –, estancando sua rebeldia manifesta em projetos coletivos e utópicos,
facilitando sua captura pela indústria cultural, drogas, competição e resignação histórica.

Mudança nas Forças Produtivas, Na Base Econômica e no Mundo do Trabalho


Ensina-nos Marx que a Força Produtiva do Trabalho se altera segundo múltiplas
circunstâncias, tais como “grau médio de destreza dos trabalhadores, o grau de
desenvolvimento da ciência e de sua aplicabilidade tecnológica, a organização social do
processo de produção, o volume e ecácia dos meios de produção e as condições
naturais”². Mudanças nas formas de produção da vida leva a mudanças nas formas de
produção da consciência. Em todos esses campos tivemos rápidas e bruscas alterações nos
últimos 30 anos:
- a substituição do modelo de organização social da produção consequência do
esgotamento do taylorismo-fordismo pelo padrão de exibilidade de acumulação de
capital;
- a massicação da educação tecnológica junto a juventude voltado a ocupação
de setores especializados do mercado de trabalho;
- a introdução da robótica, da microeletrônica, da biotecnologia e nanotecnologia
nos processos de produção industriais e agrícolas;
- o aumento da escala das unidades de produção;
- a massicação dos meios de comunicação de massas e da informática;
Entre outros esses câmbios resultaram numa nova subjetividade do trabalhador,
alterando sua forma de ser, não apenas uma nova forma de produzir o objeto mas um novo
ser para o objeto.
Temos a primeira geração da época moderna que utiliza-se do sexo com o único m
de obter prazer.
A intensicação da exploração da força de trabalho, a paulatina diminuição dos
postos de trabalho pelo aumento da composição orgânica do capital (aumento de
máquinas e tecnologias), a alteração da organização social do processo de produção
dentro da fábrica possibilitando maior controle sobre os trabalhadores, resulta em novos
desaos políticos e organizativos dos trabalhadores assalariados.
Os camponeses não caram alheios ao processo de mudança. Darcy Ribeiro dizia
que o aumento das populações urbanas tornaria, em certa medida, a diversidade cultural
brasileira mais homogênea. Atualmente a distância cultural que separa jovens rurais e
urbanos se dissolvem por meio do acesso aos meios de comunicação, da internet e das
redes sociais abrindo novas necessidades culturais e novas formas de sociabilidade.
Seguimento dos camponeses que compõe a base social do nosso Movimento
ascendeu materialmente: construíram casas, adquiriram carros, motocicletas, tratores e
¹Importa aos movimentos camponeses, especialmente, a abertura dos mercados agrícolas colocando a agricultura brasileira em
competição com a agricultura de tipo capitalista e subsidiada dos países industrializados.
²Marx, Karl. O Capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo. Boitempo, 2013.
colocaram seus lhos para estudar.
As formas produtivas as quais os camponeses assumiram para ascenderem
materialmente os levaram ao aumento das áreas de cultivo, ao aumento da escala e do
tempo de trabalho na propriedade. A introdução maléca da agroquímica, dos herbicidas,
aqui e acolá pela introdução da mecanização, a não ocupação de todos os membros das
famílias pelo minifúndio liberaram parcelas signicativas de jovens para empregos
temporários e para o emprego urbano.
A composição demográca das famílias camponesas diminuiu, bem como o tempo
das famílias para estarem em reuniões e lutas prolongadas.
Não obstante um contingente maior de camponeses caram alijados das políticas
públicas de inclusão produtiva, com sobrevivência restrita a produção de autoconsumo, a
aposentadoria e as políticas sociais de tipo compensatório dos últimos 12 anos.
A construção de um projeto camponês para agricultura deve se dar num quadro de
lutas por reprodução social do campesinato que correspondam a novas aspirações
materiais e culturais.

O Surgimento do Agronegócio¹
No nal dos anos 90, passada a inviável experiência do primeiro governo FHC - de
acumulação de décits externos crescentes e contínuos, o Brasil vira “bola da vez” da
especulação nanceira internacional em 1999 - (crise cambial), o que forçaria o segundo
Governo FHC a reorganizar sua política econômica externa, tendo em vista gerar saldos
comerciais de divisas a qualquer custo. Aqui começa a reestruturação econômica da
economia do agronegócio, diretamente vinculada à expansão mundial das
“commodities”².
O agronegócio se reestrutura como pacto de economia (riqueza) política (poder)
com objetivo de otimizar a extração de renda terra e hegemonizar os sistemas de relações
políticas e ideológicas na sociedade brasileira. O bloco hegemônico articula os
latifundiários, a grande agroindústria transnacional, a grande mídia, o Estado e o capital
nanceiro como vanguarda do pacto de poder.
De forma sumária podemos descrever os aparatos políticos e ideológicos que, em
movimento, reestruturam o poder do agronegócio como sendo:
a – papel determinante do poder de Estado: através da ativação do sistema de
crédito público, do mercado de terras, da alteração de legislação; da desativação de
agências “guardiãs” da função social da terra (INCRA, IBAMA, FUNAI, MDA, ANVISA); do
desmonte de políticas sociais como PAA, PNAE; uso do PRONAF como principal veículo de
subordinação da agricultura camponesa às cadeias do agronegócio, e quando
necessário apoio militar ao agronegócio.
b – monopólio de representação política parlamentar: acentuação da relação
orgânica da bancada ruralista com agroindústrias transnacionais e o capital nanceiro
através do nanciamento privado de campanha resultando numa ampla bancada no
congresso nacional; e da elaboração de leis anticonstitucionais e permissivas ao avanço do
agronegócio (Liberação dos Transgênicos, Agrotóxicos, Legalização da Grilagem na
Amazônia, Código Florestal entre outras).
c – cooptação intelectual e acadêmica: cooptação de intelectuais, partidos e
círculos acadêmicos que exercem inuência no debate ideopolítico.
d – mídia: construção de uma densa rede nacional de comunicação do
agronegócio – canais rurais, agências de notícias e grandes grupos de mídia – em vistas de
popularizar o agronegócio como o porta bandeiras do progresso no Brasil.

No âmbito internacional soma-se a sistemática pressão do imperialismo através de


suas transnacionais das sementes, agrotóxicos, fertilizantes e máquinas agrícolas, bem
como através da Organização Mundial do Comércio e suas regras nefastas.
O poder do agronegócio, explica-se, portanto, dentro da estrutura que articula sua
centralidade na política econômica de Estado que atravessa governos (FHC, Lula e Dilma);
¹Seção construída com base no texto de Guilherme Delgado: O que signica o economia política do agronegócio no
Brasil atual (anos 2.000).
²As exportações de produtos primários saltam de 50 bilhões de dólares em 1998/99 para 250 bilhões em 2010/12 (Delgado, G. 2013).
pela sua organização política interna e sua subordinação consentida aos interesses
imperialistas.

Neo-desenvolvimentismo, Estado e Composição de Classes


Neo-desenvolvimentismo, social-desenvolvimentismo, liberal-desenvolvimentismo ou
lulopetismo, importante é que os diferentes cientistas políticos coincidem em armar que a
ascensão de Lula em 2003 ao governo federal representa uma nova frente de forças
políticas e sociais alinhados ao projeto de crescimento econômico combinado com
políticas sociais de massa. Mesmo sem formalizar participam da frente trabalhadores
assalariados, camponeses, setores médios e burguesia interna.
Mesmo secundário diante das forças de mercado, o Estado recupera funções de
planejamento e indução dos investimentos. Do ponto de vista pragmático a “formula” deu
certo: recuperou o crescimento econômico, beneciou milhões de famílias pobres com
inúmeros programas e políticas sociais e do ponto de vista político eleitoral garante o quarto
mandato.
Uma nova composição de classe surgiu, milhões de jovens foram incorporados ao
trabalho assalariado e formam um jovem proletariado.
A ascensão material (consumo) não coincidiu com elevação da cidadania, com a
participação popular nas grandes decisões da nação. Junho de 2013 representa as
fraturas, e não é possível compreendê-lo com visão estreita, política eleitoral. Atomizados
pelas décadas de educação neoliberal a juventude vai as ruas, em protesto usa a cidade
como arma, e coloca a questão urbana na centralidade da luta classes palco principal de
onde as revoluções não se desfará no século XXI.
Nenhuma força social conseguiu captar e canalizar as energias dispendidas naquele
mês. A direita disputou a juventude pela mídia e ganhou parcelas para o projeto
conservador. Em contrapartida a fragmentação das massas de juventude que foram às
ruas, crescem em São Paulo o poder de luta e convocação de movimentos como MTST e
MPL, e a sensível massicação do Levante Popular da Juventude.
A frente neodesenvolvimentista se depara com seus próprios limites: pouco
crescimento econômico nos últimos três anos; paulatina desindustrialização; crescimento
econômico com base na destruição ambiental; disputa acirrada pela partição da renda
do Estado (banca x burguesia interna x programas/políticas sociais); e do ponto de vista
político a frente se deteriora: o “centrão” domina, chantageia, e as forças populares
encontram-se no ponto de inexão: ou avança nas reformas estruturais e um programa
classista para romper o cerco político ou se tornam caudatárias do protagonismo histórico e
se deterioram em suas funções de representar a classe e portar projeto transformador.

III – CONDIÇÕES PARA SE DEBATER A ATUALIZAÇÃO ORGÂNICA DO MPA


O debate sobre as formas organizativas é tema corrente das organizações
revolucionárias. As formas organizativas assumidas pelas classes em luta devem
corresponder a exigência de cada períodos histórico, não deve se submeter a esquemas
doutrinários, receitas válidas para todas as épocas, e muito menos é uma especulação
caprichosa de um gênio militante.
Somente as formas organizativas que resultam da “invenção” das classes em luta,
como produto histórico, conseguem se desfazer das formas organizativas em desuso e
corresponder as exigências da luta de classes de cada época.
Para fazermos o debate de forma aberta e crítica devemos primeiro nos livrar dos
desvios que cortam a possibilidade de um debate criativo para organização, capaz de
indicar solução para a questão.
Os pressupostos básicos para debatermos são, ao nosso ver, os seguintes:
i)Não dogmatizar as formas organizativas: a necessidade de debater a atualização
organizativa é tarefa permanente de toda organização revolucionária, de esquerda, não
dogmática;
ii)Ser sensível a diversidade: considerar os diferentes campesinatos, os diferentes
momentos da construção do movimento em cada região e estado, resultado da próprio
crescimento do MPA, de suas lutas sociais, e do desenvolvimento desigual e combinado do
capitalismo brasileiro;
iii)Combater o oportunismo: o debate deve ser crítico e criativo, e não para forjar a
exibilização, a perpétua indenição, para assegurar a falta de aplicação prática.
Não nos livrando do primeiro desvio, teremos por consequência a submissão da
organização às formas doutrinárias e dogmáticas de encarar o movimento. Ao não
compreendermos o segundo desao cairemos num debate abstrato, de puro apelo e
apego aos princípios, e não seremos capazes de incorporar de forma crítica os desaos
postos pelo movimento da realidade. Se cometermos ambos os erros vamos nos tornar uma
organização cansada e seremos ultrapassados pela história.
Se manifestarmos incapacidade de discernir a divisa entre o debate criativo sobre a
práxis organizativa e a busca de exibilização organizativa que abrigue Gregos e Troianos,
teremos por consequência um oportunismo organizativo que impedirá o alcance dos
objetivos estratégicos propostos pelo movimento.
Por último, fundamentalmente, devemos considerar o debate da organização
dentro da quadra histórica das mudanças estruturais que descrevemos acima.

IV – LEGADOS DE LÊNIN
As lutas espontâneas dos trabalhadores, lutas de caráter econômico e sindical, não
os levam a passagem a uma consciência política e revolucionária. O militantes
espontaneistas acreditam que as massas populares possuem conhecimento sobre a
estrutura e funcionamento do sociedade, dos fatores da conjuntura que os guiam
revolucionariamente.
É uma verdade que os conhecimento teóricos, políticos revolucionários, se erguem
sobre a chão concreto da luta de classes em cada período histórico. Por outro lado, nos
ensina a história, que as lutas dos trabalhadores no mundo inteiro, sejam elas no centro ou
na periferia do capital, não avançaram por si rumo a compreensão das leis da capitalismo e
na sua transformação revolucionária.
A política revolucionária, parte das lutas econômicas e aproveita-se dos lampejos de
consciência política que ela forja, para eleva-la à consciência revolucionária. Mas somente
isto não basta: as lutas econômicas oferecem possibilidades limitadas em dar-lhes caráter
político, daí resulta errôneo imaginar que é possível a mesma estrutura organizativa, da luta
econômica e social, desenvolver a consciência política.
É necessário uma organização que cumpra o papel de ser a vanguarda do
desenvolvimento político das massas. Uma organização que funcione com base na
unidade, disciplina, centralismo democrático, no trabalho prossional, e que tenha caráter
conspirativo, tornando-se uma educadora das massas difundindo através da organização
e da agitação e propaganda as ideias socialistas.

V – BASES PARA UM NOVO MODELO ORGÂNICO DO MPA


As vezes a consciência está à frente do ritmo das lutas, por outro lado, há momentos
em que o movimento espontâneo das mobilizações de massa traz dentro de si elementos
que estão à frente do processo consciência da militância que participa dela. A exemplo
temos as mobilizações que deram origem ao MPA: pensávamos que o problema central era
a falta de crédito para agricultura camponesa, mas nascemos em meio a uma seca, uma
crise ecológica. A nossa luta estava à frente de nossa consciência, hoje a ecologia, as lutas
ecológicas são um traço denidor do nosso movimento.
Em alguns aspectos nossa teoria está à frente de nossa prática, inuenciando-a
positivamente, desempenhando papel criador a exemplo do Plano Camponês. Em outros,
nossa teoria, está defasada, atroada diante realidade prática a exemplo dos desaos
organizativos.
Surgimos como um movimento de luta econômica, por políticas públicas, mas
surgimos com um método diferente: luta de massas; organização de base; direção coletiva;
de enfrentamento contra o agronegócio e o Estado. No entanto o ponto que realmente
marcou nossa ascensão e nos consolidou foram a conquista de políticas públicas. Nisto
fomos pioneiros, inclusive!
O movimento sindical centra-se nas pautas corporativas, na mediação entre capital
x trabalho do tipo: preços dos produtos e insumo, direitos entre outras. Essa relação com a
base não podemos perder, esse é o risco quando o movimento se institucionaliza.
O etapismo não existe, a transição conserva os elementos positivos do período
anterior – da síntese anterior – e incorpora os novos elementos provindos da realidade
formando uma nova síntese, com novas contradições. Os elementos anteriores, mesmo que
conservados, ganham um novo conteúdo, altera-se de qualidade e de signicado, insere-
se de modo diferente na nova realidade.
Todo momento de transformação qualitativa é um momento de crise. Nos momentos
de crise a organização depura-se, ltra-se, perde bases, alianças, estruturas e militância,
perde força social e política. A crise não é necessariamente superada, a dialética não é
positivista. Nada pode assegurar que a crise produzirá uma nova realidade superior. A
superação passa pela práxis criativa dos sujeitos que compõe a organização, se superada
a crise, inaugura-se um novo período e se estabelece um novo campo de alianças, amplia-
se bases, militância e se reconstitui força social e política.

Classe, Movimento e Organização


As classes sociais são maiores que os movimentos e suas formas organizativas. A classe
não cabe dentro do movimento, é mais ampla, condensa em suas frações uma dinâmica
ampla e complexa. Essa dinâmica, em última análise, determina o ritmo da luta de classes.
Isso não dispensa o papel da agitação e propaganda, da formação e do processo
organizativo em fermentar e despertar as classes para luta. Mas não podemos cair no
voluntarismo sobre a capacidade subjetiva de mobilizar o povo, ou seja, que basta apenas
a vontade de uma organização e/ou de uma personalidade para mobilizar a massa.
O povo, de acordo com suas experiências concretas, desenvolve processo de
aprendizagem próprio, que determina o ritmo das mobilizações e grau de radicalidade das
lutas. A exigência é que a organização esteja inserida no meio do povo, desenvolvendo em
todas as conjunturas uma estrutura de militantes reconhecida pelo povo, capaz de tornar-
se a coluna vertebral das mobilizações, de dirigi-la, de apontá-la o caminho e propor as
táticas e formas de luta mais adequadas para o momento e aceitas pela massa.
As contradições acumuladas no interior das classes geram crises e
descontentamentos que estouram repentinamente. Cabe a organização estar atenta as
tendências gerais da classe, interpretando a realidade em cada momento, e canalizar
essas energias em mobilizações e lutas concretas que permitam ao povo experimentar luta
direta, acumular conhecimento e forjar novos militantes.
As ações espontâneas das massas não respeitam formalidades. Se a organização, a
militância e as lideranças, perdem o ritmo as mobilizações passam por cima e as colocam
em marcha de forma independente, como mostram vários levantes populares pela história.
Essas mobilizações costumam forjar novas formas organizativas, militantes e lideranças e
derrubam as velhas formas, petricadas, de fazer política.

O Papel da Organização
A organização é o conjunto das mediações – formas organizativas – com a realidade.
Quanto maior o conjunto de mediações, ou seja, formas organizativas, desenvolvidas maior
é o grau de concreticidade/inserção da organização e mais apta está a interpretar o
movimento da realidade, manejá-la e transformá-la.
A construção da organização deve ser fruto de ação intencional e não fruto da sorte
e do acaso. A Plano de Construção deve selecionar as regiões, territórios, locais estratégicos
os quais a organização deve ter presença.
Outro aspecto é quanto os sujeitos, todos são importantes: mulheres, crianças, jovens,
idosos entre outros. Todavia a organização deve saber determinar em cada período quais
são sujeitos e quais formas especícas possuem centralidade para acumular forças. Não
determinar os sujeitos em nome de um democratismo – “todos os sujeitos são importantes” –
é renunciar a visão política na construção da organização.
A luta e a organização são os critérios políticos principal denidor da classe. Não
basta sermos numericamente expressivo, cumprirmos função econômica e social para com
a sociedade, possuirmos expressão cultural que marca a sociedade brasileira se não
elevarmos os interesses da classe a patamares organizativos que coloque os camponeses
como sujeito social e político em nível nacional.
Lênin nos ensinou que o proletariado desorganizado é o proletariado desarmado, o
ensinamento serve também aos camponeses, portanto, é preciso “armar os camponeses”.

VI – NOVO MODELO ORGÂNICO


Com base nos elementos expostos anteriormente, apresentamos modelo orgânico
composto por três estruturas organizativas que, correspondem, necessárias a enfrentar a
construção do nosso projeto estratégico e as lutas camponesas no Brasil. São elas: I – A
Organização de Massas; II – A Organização Política; e a III – A Organização Econômica.
Juntamente com o novo modelo orgânico devemos revigorar e ampliar os princípios
e valores do da prática militante do MPA; retomar a concepção revolucionária de
agitação e propaganda como elemento constitutivo do trabalho de massas: “sem
agitiprop não há luta de massas, sem luta de massas não há revolução popular”;
desenvolver métodos de trabalho e organização política combinados a métodos de
trabalho e organização social de massas e processos econômicos; e superar nossa visão
estreita e provinciana, regionalista, onde os municípios e estados possuem centralidade
organizativa e passarmos a encarar a unidade territorial camponesa – características
geográcas, socioeconômica, culturais e relações de poder – tenha centralidade
organizativa.

Organização de Massas – Construir a Contra hegemonia e o Poder Popular


“Esta seção, a Organização de
Massas, tinha estatutos liberais e era ampla,
populista, aberta a todos os que desejavam
a reforma agrária radical”. Clodomir Santos
de Moraes, In: História das Ligas Camponesas
do Brasil.

1. A diversidade das formas camponesas existentes no Brasil podem gerar formas


distintas de organização de massas guiadas por princípios comuns, tais como: constituir
organização de base com protagonismo camponês, mecanismos de direção coletiva e
luta de massas.
2. Desenvolver formas organizativas capazes de envolver a massa camponesa,
difundindo a mensagem do Movimento através da organização e da agitação e
propaganda, e ampliar a presença social do MPA.
3. Estrutura orgânica capaz de inserir o movimento nas lutas sociais – “transformar as
lutas da sociedade nas nossas lutas e nossas lutas em lutas da sociedade” –.
4. Ocupar e disputar, conforme a orientação tática e organizativa do MPA, os
espaços da estrutura social existentes: escolas, feiras, igrejas, clube de mães, associações,
times de futebol, conselhos, teatros, meios de comunicação entre outros.
5. Os núcleos políticos municipais e/ou territoriais, os quais pertencem a estrutura
política do MPA, devem assumir e tornarem-se ferramentas de trabalho local, no município
e ou território camponês especíco. Várias podem ser as formas de organização e trabalho
de massas:
1)Frente de trabalho com juventude – as brigadas de juventude;
2)Frente de trabalho com as mulheres;
3)Frente de trabalho na comunicação;
4)Frente de trabalho nas escolas;
5)Frente de trabalho nas igrejas;
6)Frente de trabalho com idosos, “terceira idade”;
7)Frente de trabalho arte e cultura;
8)Frente de trabalho com organizações econômicos do próprio povo: feiras,
associações, grupos de trabalho, agroindústria entre outras.
6. A Organização de Massas é local privilegiado da difusão das ideias do MPA,
através das ações de agitação e propaganda, dos intercâmbios de experiência e das
trocas técnicas.
7. As lutas locais são preparadas pelo núcleo político e acontece nos organismos de
organização de massas ou na união de conjunto de organismos da Organização de
Massas.

Sobre os Grupos de Bases


Desde as primeiras empreitadas de debates sobre a organicidade do MPA, os Grupos
de Base sempre tiveram centralidade, tornou-se, inclusive, em determinado momento tema
polêmico.
É razoável.
Vejamos de perto algumas reexões e distinções políticas que se fazem necessária.
Vejamos:
1. herdamos da experiência Bolchevique a construção da célula como unidade
básica, alicerce, de nossa organização. É sempre importante ressaltar que o projeto
Bolchevique era o de um partido e não de um movimento social, sob condições históricas
especicas: experiência organizativas dos populistas, o fomento ao terrorismo individual,
trabalho artesanal, dispersão das forças, governo de ditadura e necessidade de trabalho
clandestino.
2. o projeto organizativo era de nuclear revolucionários, principalmente operários e
não famílias camponesas. A célula e a estrutura orgânica era assentada essencialmente
em militantes, revolucionários prossionais.
3. as famílias possuem uma composição social mais complexa: diferenças de gênero,
geração, diferenças econômicas entre as famílias, relações de parentescos e ideologia
heterogênea.
4. a nucleação se dá em torno da construção do partido, das ações com vistas a
perspectiva do poder. Os Grupos de Base formados por famílias demandam outros
elementos, ações de luta social e econômica, possuem limite imposto pela própria natureza
da luta e do movimento, o poder se coloca apenas em germe, os grupos possuem
demandas heterogênicas: econômicas, direitos, educação, cultural entre outras.
5. feitas essas considerações passamos a compreender que os Grupos de Base não se
transformaram na célula política do MPA. Os G.B, formados por família, são a principal
forma organizativa de massa, se organizam e se dissolvem conforme os interesses. Portando
não se trata de desfazer-se dos G.B, mas de considera-lo como instrumento de organização
de massa.

Como exemplo de organização por frente, segue abaixo a sistematização da frente


de juventude que resultou no acúmulo das Brigadas da Juventude. As Brigadas se
constituem como espaço orgânico da juventude camponesa, cumprindo papel na
aliança campo-cidade, na agitação e propaganda a partir de elementos políticos
organizativos dirigidos pela Organização Política.

Brigadas de Juventude: Natureza Política, Organizativa e Método de Trabalho¹

Natureza política
1.As brigadas de juventude deve se construir como espaço privilegiado de ação
política da juventude do MPA;
2.As brigadas de juventude não são um grupo de agitação e propaganda, é o
espaço orgânico da juventude do MPA e camponesa;
3.As brigadas de juventude não se constituem numa instância do MPA, ela deve estar
vinculada a orientação política, tática e estratégica, do MPA;
4.As brigadas de juventude devem estar vinculadas estreitamente ao trabalho de
base e de massas;

¹Texto construído pelo Coletivo Nacional de Juventude e Formação, 2014.


5.As brigadas de juventude objetiva estrategicamente ajudar a consolidar a aliança
campo-cidade por meio das de ações, tais como:
•Agitação e propaganda;
•Ações de solidariedade de classe em situações de luta (greves, marchas,
ocupações, panetagem, piquetes, escrachos, entre outras) e em casos de catástrofes
ambientais e climáticas.
6.As brigadas de juventude deve permitir o desenvolvimento do pensamento político
tático e estratégico da juventude em torno do Plano Camponês. Para isso deve responder a
pergunta: quais são os inimigos do Plano Camponês?!

Natureza organizativa
1.As brigadas não são uma instância, é o espaço orgânico de organização e ação
da juventude do MPA e da juventude camponesa em geral.
2.As brigadas de juventude estão ligadas diretamente ao coletivo de juventude que,
por sua vez, está ligado às instâncias de coordenação e direção do MPA;
3.A tarefa central do coletivo de juventude é formar brigadas de juventude nos
diversos níveis de nossa organização: municipal, regional, estadual e nacional;
4.O coletivo de juventude deve formular linhas políticas, métodos de trabalho,
apontar lutas, estimular as ações e acompanhar as brigadas de juventude;
5.As brigadas de juventude devem possuir autonomia relativa quanto às ações e
métodos de trabalho. Isto SIGNIFICA:
•Ações devem estar no quadro da estratégia e da tática do MPA.
•As ações devem ser estimuladas pelo corpo do MPA e não podem estar
presas a calendário pré-estabelecidos e esperar os uxos lentos do MPA. Neste sentido o
MPA deve aceitar que a formação de brigadas de juventude tornar-se-á em um polo de
tensão positiva da organização, impelindo-o a lutas segundo o calendário da conjuntura e
da oportunidade política.
6.As brigadas de juventude devem ser formadas por jovens da base do MPA, por
jovens camponeses que não estão organizados no MPA, por jovens que se simpatizam com
a luta social e política transformadora quer estejam nas escolas, cursos técnicos e nas
cidades. O grupo deve ter pers de militantes os mais variados possíveis e desenvolver as
mais diversas capacidades de ação.
7.Não é grupo de amigos, mas serve a fortalecer os laços de amizade,
companheirismo e disciplina. Não é grupo de estudo, mas exige a elevação do estudo
preparatório que antecede as ações. Não é um grupo “porra louca” que sai fazendo ações
sem preparo e orientação política, menos ainda um grupo que só reúne e nunca faz ações.

Método de Trabalho
1.O método de trabalho das brigadas de juventude devem combinar
simultaneamente, num mesmo processo, os seguintes elementos:
•Teoria revolucionária: preocupar-se com assimilação criativa da teoria
socialista.
•Tática e estratégia do MPA: o Plano Camponês.
•Itinerante: desenvolver alta capacidade de mobilidade, deslocamento, no
território (de uma comunidade a outra, de um município a outro, dentro do estado e
nacionalmente) e entre seus membros.
•Ações táticas: desenvolver ações com regularidades segundo as
possibilidades abertas pela conjuntura.
2. As reuniões das brigadas de juventude utiliza o método da análise planejamento
ação e avaliação/análise ajuste da linha planejamento ação.
3. Recuperar a agitação e propaganda como elemento chave da teoria da
organização revolucionária:
•Assimilamos aqui a contribuição do Levante Popular da Juventude que
estabelece os seguintes elementos para a agitação e propaganda, quais sejam, a saber:
a)Desaos e pressupostos para agitação e propaganda
1 - fomentar a formação política e ideológica da militância e da base.
2 - fundamental articular agitação e propaganda com a estratégia de trabalho de
base. A Agitprop não é um m em si, mas está relacionada com a política mais ampla de
cada organização e com sua estratégia e mensagem.
3 - construção do poder popular, pela crítica contra-hegemônica e empoderamento
da juventude e da classe trabalhadora.
4 - Construção dos valores socialistas de solidariedade e coletividade, principalmente
através do exemplo pedagógico, da disciplina e do compromisso com a vida do povo.
“É preciso que a agitação e propaganda esteja vinculada à estratégia,
para que não se torne somente um grupo artístico, um apêndice da
organização, e sim algo que perpassa a estrutura. A agitação e propaganda é
tarefa de toda a organização, e não de um grupo autônomo, com linha
política própria. Ela tem que se territorializar, tem que servir para potencializar o
trabalho de base, para crescer, para multiplicar o grupo, para fazer
articulações” (Sistematização do I Curso Nacional de Agitprop - LPJ).

4.Estimular e construir subjetividade revolucionária, elevar a autoestima da classe,


promover e recuperar símbolos revolucionários e a identidade revolucionária da classe.
5.As ações das brigadas podem utilizar-se das mais variadas possibilidades, não
possui pauta pré-estabelecida, age de acordo com as necessidades reais do povo, e
aproveita as oportunidades políticas que surgem com rapidez.
•Aproveitar contradições concretas da vida do povo para fazer lutas: falta de
água, estradas, saúde, fechamento de escolas.
- de forma especial as brigadas podem fazer várias ações em torno da
educação, contra o fechamento de escolas e pela reabertura das escolas rurais.
•Aproveitar contradições no seio do bloco dos inimigos, como: agrotóxicos,
corrupção e fraude de empresas (exemplo: soda e água oxigenada no leite), fusão de
empresas (denunciando a hiprocrisia capitalista da concorrência e livre mercado). Casos
de corrupção de políticos da bancada ruralista. Escrachos e tudo mais que a oportunidade
oferecer e nossa criatividade política sustentar.
•Fazer realizações práticas: reformar escolas, trocar nomes de ruas e escolas e
outras entidades que recebem nomes de ditadores por nome lutadores locais e/ou de
expressão nacional, reformar estruturas comunitários de esporte, lazer, fazer capacitação
em práticas agroecológicas e de convivência com biomas, embelezamento de espaços.
6. Participar e qualicar as mobilizações do MPA: avançar no planejamento das
ações, na qualidade da agitação e propaganda entre outras.

Papel dos Sindicatos


Uma das nossas matrizes organizativas foram os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais,
os STR´s, nosso surgimento está ligado a crítica do esgotamento de sua funções políticas e
organizativas que em determinado momento passou a não corresponder mais as
necessidades de luta do campesinato.
O MPA surge como uma nova ferramenta de luta para as “novas” necessidades da
luta camponesa.
Ao longo desses anos é constatável que o MPA em vários estados se construiu tendo
como base para sua estruturação alguns STR's, alguns denharam outros se reergueram
junto ao trabalho político do MPA, outros cumpriram papel de instrumento legal para
garantir o acesso dos direitos aos camponeses.
Durante os debates sobre organicidade evidenciou a presença do MPA nos STR's,
utilizando-os como mediação para organização de base do MPA em alguns municípios, em
outros como principal instrumento de captação de recursos para o movimento em
determinadas regionais.
A centralidade que achamos importante trazer ao debate é se não seria necessário
construirmos uma frente de trabalho sindical, com o objetivo de fazer colocar a estrutura a
serviço da construção e fortalecimento do movimento de massas. Se nossa pretensão é a
construção da contra hegemonia, não podemos fugir de pensar qual papel da base
sindicalizada e como vamos inuenciar direta e indiretamente na movimentação desta
base. Quais pontos devemos pensar para construir uma frente de trabalho sindical?
Devemos construí-la?

ORGANIZAÇÃO POLÍTICA - Coluna Vertebral e Garante da


Unidade Nacional: Militantes, Dirigentes e Quadros.

“Por outro lado, a Organização Política compunha-se de rígidos


estatutos, destinados e dirigir, de forma unitária e disciplinada, as
atividades das Ligas Camponesas do Brasil, coordenando o trabalho de
massas com o trabalho clandestino”. Clodomir Santos de Moraes, In:
História das Ligas Camponesas do Brasil.

A Organização Política deve funcionar com base na Unidade, Disciplina, no Método


Revolucionário de Direção com base no Centralismo Democrático, com sistema de normas,
princípios e valores claros, os quais estruturem modelo orgânico que se comunique entre as
partes e que faça reproduzir criativamente as linhas do movimento em cada espaço,
gerando uma cadeia de comando ascendente – da base as direções - e descendente –
das direções as bases -.
1.Construir a estrutura comum que da unidade ao movimento, ou seja, qual é a
estrutura elementar que deve existir para se considerar que o MPA exista em determinado
município e/ou território.
2.Acumulamos que deve existir em escala municipal e/ou território, no mínimo, um
núcleo militante, político, conspirativo. Podemos transformar parte de nossas coordenação
municipais nestes núcleos políticos.
3.Temos que debater a composição deste núcleo político: uma percentagem de
militantes (30%) que não provenha da base camponesa e que seja incorporada e
projetada em setores, tarefas especicas, frentes entre outros.
4.Cada núcleo político, deve estar ligada há um número mínimo de famílias e ou
frentes – quantas famílias ou quantas pessoas por frente? – para não termos grupinhos de
vanguarda soltos e porra louca. Essas famílias devem estar organizadas conforme as
possibilidades: grupos de base, cooperativa, associações, frentes de trabalho especica.
4.1 a rigor, um núcleo de bom funcionamento, deve possuir elementos que
desenvolva atividades no âmbito da Organização Política, da Organização de Massas e da
Organização Econômica.
5.Construir estrutura de direção política por estado e território.
6.Construir estrutura de comando em nível nacional: Congresso, Coordenação
Nacional, Direção Nacional, Seminários, Secretaria entre outros organismos capazes de
resolver e dirigir atividades políticas, organizativas e de comunicação.
6.Desenvolver política de formação e projeção de militantes. Preparar
cuidadosamente e retomar o deslocamento de militantes como mecanismo de formar e
projetar militantes, e de acelerar a nacionalização do Movimento.
7. Os militantes, dirigentes e quadros: coordenam o trabalho de base, as frentes de
trabalho especíco, as atividades de comunicação, as atividades de agitiprop, a política
de alianças, a auto-sustentação, as secretarias, e o plano de lutas.
“Toda a arte de uma organização conspirativa consiste em saber
utilizar 'tudo e todos', em dar trabalho a todos e a cada um',
conservando ao mesmo tempo a 'direção' de todo o movimento, e isto
entenda-se, não pela força do poder, mas pela força da autoridade, por
energia, maior experiência, amplidão de cultura, habilidade”. Lênin,
Carta a um camarada.

8. A centralidade da Organização Política é agir conforme a tática e a estratégia do


MPA e posicionar o movimento na conjuntura.
9.Os organismos que resultarem dos trabalhos das frentes, a exemplo das Brigadas de
Juventude, são coordenadas pela Organização Política.
10.Construir instrumentos de comunicação como organizador coletivo.
A Organização Política deve centralizar a direção ideológica e política ao mesmo
tempo em que descentraliza o máximo de tarefas para os mais diversos órgãos e militantes.
É tarefa da Organização Política transformar a força social do Movimento em força de
política, considerando ações de luta política composta por 4 estágios:
I) construir apoio no meio das massas camponesas;
II) construir e massicar formas organizativas das massas camponesas;
III) construir grupos de apoio junto a sociedade em geral;
IV) impulsionar, estimular e fazer a luta de massas, a luta direta.

ORGANIZAÇÃO ECONÔMICA – ALIMERGIA,


Sistemas Camponeses de Produção, Auto-Sustentação
“E com relação ao tipo de atribuições, as seções liais ou de
organismos do comitê deverão organizar também todos os
diversos grupos que servem ao movimento, grupo de estudantes e
grupo de secundaristas, assim como grupos de funcionários
auxiliares, grupos de transporte, de imprensa, os dedicados a
organização de aparelhos, grupos de contra-espionagem, grupos
de militares, de fornecimento de armas e aqueles criados para
organizar 'empresas nanceiras rentáveis' etc. Lênin, Carta a um
camarada.

1. O MPA compreende que solução dos problemas reprodutivos do campesinato


exige mudanças estruturais na sociedade e a construção da economia socialista que
elimine os entraves para o desenvolvimento da economia camponesa cooperada.
1.1 A função da Organização Econômica é a de estruturar ações que ajudem
na resistência camponesa e expressem a proposta política do Movimento na produção,
comercialização e abastecimento, que seja exemplar para o conjunto da sociedade.
1.2 Outra função é contribuir para impulsionar o auto sustentação nanceira do
Movimento.
2. O Plano Camponês aponta a produção de alimentos sadios e o abastecimento
popular como a forma central de construir a aliança campo-cidade.
3. Considerando a nova proposta de organicidade do MPA o Coletivo Nacional de
Produção deverá se tornar num organismo, dirigido pela Organização Política, capaz de
coordenar e estruturar nacionalmente as ações da Organização Econômica.
3.1 Em função da estratégia do Movimento em cada região e circunstância
criar e desenvolver processos produtivos com base em instrumentos como: i – cooperativas
territoriais, associações, institutos; ii – grupos de produção; ii – famílias individuais; iii – feiras; iv
– mercados populares; v – rede de organizações econômicas do campesinato nos diversos
níveis: do munícipio ao nacional.
3.2 Os instrumentos utilizados pela Organização Econômica para organizar a
econômica camponesa são de das classes: i – os que são orgânicos ao MPA, ou seja,
criados e dirigidos diretamente por nós; e ii – os que não são orgânicos ao MPA, ou seja,
instrumentos que fazem parte da estrutura econômica e social e econômica do
campesinato para resolver seus problemas reprodutivos mas que não foram criados e não
são dirigidos diretamente pelo Movimento.
4. Outro desao é diferenciarmos o papel dos instrumentos jurídicos. Até o momento
tratamos de forma simplista, sem diferenciarmos os instrumento jurídico segundo o impacto
social e político deste. Exemplo: uma associação e/ou cooperativa que não tem inserção
na base com aquelas que se vinculam diretamente com base e com as massas.
4.1 Instrumento = tipo de organização econômica – associação, cooperativa,
instituto – coordenado e dirigido pelo nível de coordenação e direção. Estes não se
vinculam diretamente com base. Exemplo: uma cooperativa de ATER pode ser
administrada de uma sala distante e o quadro técnico ser absorvido pela organicidade do
MPA, o instrumento nem aparece para base, ou aparece marginalmente.
Quando este tipo de instrumento da problemas sejam de ordem política e/ou
econômica estes são geralmente resolvido pela coordenação e direção. Afetam o
movimento por meio de outros reexos – tomam tempo dos dirigentes, requerem recursos
para serem resolvidos, e alguns desgastes nas relações políticas -. O problema não atinge
diretamente a base em si.
4.2 Instrumentos com inserção direta na base. Os projetos não operam apenas
em nível de escritório. Os projetos se vinculam diretamente com a organização da base,
com a vida econômica das famílias, com expectativas, conhecimentos, técnicas etc...
Trata-las como instrumentos controlados pela direção é insuciente; não ver a vinculação
com a base, é não ver as exigências e os desaos que isto traz.
A base sente o impacto diretamente –. Trata-las apenas como instrumento é trata-las
como algo externo ao MPA. Este novo tipo de organização econômica não é algo externo,
ele faz parte de uma síntese que compõem a organicidade do MPA.
5. Elas são instrumentos também, mas o são em uma qualidade nova, traz exigências
e desaos novos. Ao contrário dos que pensam que uma esfera econômica prescinde de
uma esfera política, o desenvolvimento de uma esfera econômica exige que cada vez mais
uma coluna política em todos os níveis da organização para dirigi-la.
6. A Organização Econômica está vincula e é ao mesmo tempo esfera política e de
massas. O momento privilegiado destas três é a esfera política que segura em um braço a
Organização de Massas e no outro a Organização Econômica.
7. Nossas cooperativas territoriais, projetos econômicos e produtivos, devem ser a
expressão de nossa proposta política para o campo. Temos unir discurso com prática,
construir uma base material que aproxime das nossas propostas políticas e ideológicas.
7.1 Do ponto de vista prático o Movimento pode criar empresas para ns
especícos nanceiros, ou seja, construir empresas dirigidas pela Organização Política para
levantar recursos para sustentar o Movimento.
8. A esfera econômica é também esfera de massas. Exemplo: a distribuição de
sementes de milho crioulo. Atualmente estruturamos programa de alcance massivo, para
além de nossa base. Se não acumulamos mais politicamente é pela razão de não termos
organismos de comunicação e agitação e propaganda desenvolvidos.

Ousadia, equilíbrio e coragem para decidirmos.


Firmeza e unidade nacional para construirmos
o nosso novo modelo orgânico.
Bom debate!
Apoio:

Você também pode gostar