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Hilst
“Douglas Matheus Caldas Belloti”
UnB
Brasília, 2019
O erotismo é uma questão bastante estudada por vários pensadores como Bataille,
Marcuse e Freud. Esse tema cerceia questões não só eróticas no sentido sexual, mas
toda a perspectiva dos instintos de vida, como a fome. Para Freud, o erotismo é aquilo
que move o ser humano em busca dos prazeres, os quais, para ele, “são desejos
irreconciliáveis com a realidade”(Martinez, 2016), dessa forma, existentes apenas
enquanto fantasia e nunca podem ser satisfeitos no encontro com o outro.
Segundo o psicanalista, o excesso energético, do qual o organismo humano
precisa dar conta e do qual ele não se livra nunca, é o que se chama de pulsão. Assim,
percebe-se que a pulsão de vida é interior ao ser e não exterior, ou seja, trata-se de uma
necessidade humana permanente e intrínseca, Dessa forma, “se esclarece que o impulso
constante em busca de um objeto capaz de gerar satisfação é o que move a vida
psíquica; sendo esse móvel da vida psíquica, o desejo, inconsciente e primordial”
(SOARES, 1999, p. 23 apud Guimarães 2017, p.65).
Com isso, o desejo irremediável vai de encontro com a não satisfação dele e “essa
atividade alucinatória tem função fálica, pois o falo pode, ilusoriamente, preencher a falta”.
No entanto, com o passar do tempo, as alucinações dão lugar a uma vivência da falta.”
(GUIMARÃES, p.66). Assim, da falta, o sentimento de incompletude é responsável pelo
pensamento do vazio interno causado pela falha que existe entre o Eu e o Outro. Estes,
na sua busca incansável de um pelo outro, tomam consciência de que são insuficientes e
que o encontro nunca é capaz de suprir as necessidades que os desejos de cada um os
submete.
Dessa maneira, “em O Ego e o Id, Freud (1923/1996) afirma que a pulsão de vida
precisa encontrar formas de manter a vida ante a tendência à mortífera da pulsão oposta”.
(Azevedo e Neto, 2015). É daí que surge o princípio da preservação, isto é, uma tentativa
de controlar os impulsos internos e pensar-se racionalmente ante os desejos do prazer. O
ser passa a não mais procurar aqueles desejos e nega suas pulsões de vida. Segundo
Freud, “essa ausência de obtenção de satisfação através das vivências alucinatórias,
levou ao abandono da própria busca por satisfação.” (Azevedo e Neto, 2015)
Nesse momento, por outro lado, aquelas que levavam à estagnação era a grande
novidade da proposta, e Freud as nomeou Pulsões de Morte (Azevedo e Neto, 2015) Nas
pulsões de morte o ser não busca mais resolver suas questões de busca pela
manutenção da vida na fantasia, pelo contrário, sente-se incapaz e insuficiente. “A pulsão
de morte é responsável ainda pelo sentimento de culpa instalado no ego, que faz com que
o sujeito se julgue merecedor de sofrimento.”(Azevedo e Neto, 2015)
Dessa forma, conclui-se que o sujeito está entre a vida e a morte no sentido de
buscar sua manutenção de vida ou entregando-se aos princípios da morte. Para Silva,
II
E a ti, te conhecendo
Que eu me faça carne
E posse
Como fazem os homens.
Essa relação, entre aquela que representa um fim e aquela que teme o fim porque
deseja a vida, torna-se o centro do pensamento do eu lírico. O temor do eu lírico causado
pelo sentimento de perda é expresso no poema XI
XI
Levarás contigomeus olhos tão velhos?
Ou deixa-os comigo
De que te servirão?
Levarás contigo
Minha boca e ouvidos?
Ah, deixa comigo
Degustei, ouvi
Tudo o que conheces
Levarás contigo
IX
Os cascos enfeixados
Para que eu não ouça
Teu duro trote.
É assim, cavalinha,
Que me virás buscar?
Ou porque te pensei
Severa e silenciosa
Virás criança
Num estilhaço de louças?
Amante
Porque te desprezei?
Ou com ares de rei
Porque te fiz rainha?
A morte é descrita como brusca, nos cascos, mas silenciosa porque enfaixada, o
trote é duro mas a cavalinha é no diminutivo para dar a sensação de menor, frágil, infantil.
A imagem é toda construída pelo eu lírico que a transforma numa criança, ou numa
amante ou numa rainha. Assim, a morte que a segue é algo fruto de sua imaginação. É
constante em sua vida e representada assim por ser ela, aquela que a finalizará e que
não permitirá atingir os prazeres da vida. No entanto, a morte também é posta como
amante, ou seja, aquela que também é responsável por tentar saciar os desejos da poeta.
O tânatos entra em contato dessa forma, com o Eros e os dois se relacionam em
harmonia, como se os dois fossem complementares, isto é, para um existir, o outro do
mesmo jeito também existe. Por isso, a morte é sempre representada como amante,
parceira, companheira nesse ato transversal que perpassa a vida humana, de conquista e
recusa, entre quem deseja e quem não vai poder dar o que ela quer. A morte é a
representação final de que o Desejo não será atingido em hipótese alguma, pois, por trás
dele, só existe o fim, a morte. Bataille (1987), ao teorizar sobre o Erotismo, diz que o
ápice da tentativa de busca do prazer, o orgasmo, é uma pequena morte. Com isso,
mostra que toda busca pelo prazer será resultada no fracasso ou na insatisfação.
Dessa forma, pode-se perceber que Hilda Hilst compõe em seu livro, a imagem
que Freud e Bataille teorizam. Na sua obra, ela se mostra em relação com a morte a partir
da vivência erótica, da busca pelo prazer de escrever, viver e existir, ela só encontra a
morte como resultado permanente de tudo. Por isso, Da morte, odes mínimas representa
o que Freud diz, da incapacidade de se buscar saciar os prazeres da vida e atingir o
esperado resultado. A morte é dita, então como o único final possível para a busca pelo
prazer, não havendo forma diferente de se coordenar as pulsões de vida.
Referências bibliográficas.
BATAILLE, George, O Erotismo, 1987 tradução de Antonio Carlos Viana. Porto Alegre ,
editora, L&PM, 1987.
BARBOSA, Sílvia Michelle de Avelar Bastos, Paraíso do gozoso: o corpo e a persistência
do desejo na poética de Hilda Hilst, Belo Horizonte, 2010.
HILST, Hilda, Da morte, Odes mínimas, in:_____, Da poesia, companhia das Letras, São
Paulo, 1ª ed, 2017.
SILVA, Natália Marques da. “De Escamas & Sangue Escuro”: Estudo Sobre o Erótico em
Hilda Hilst. -- Tangará da Serra-MT / Natália Marques da Silva. 2016.