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N. Charo.: 320 M263n.

Ps 2018
Autor: Mbembe, Achillc,
3n.Ps Título: Necropolítica : biopodcr,

lllllll
lllllllllllllllllllllllllllllllllll111111111111111111
212501809 Ac. 641798
,
NECROPOLITICA
N CROPOLÍTICA
l liopod ,, ob rania, estado de exceção,
polítrc d morte
Ad1illcMbcmbc

<• 11 1 edições, 2.018

Publicado pela primeira vez cm inglês como


"Nc ropolitics•: com tradução do lamba por Libby
Mcintjcs, in PubLicCuLture,vol. 15, n.l, inverno de 2003,
pp 11-40. No Brasil, saiu na revista Arte & Ensaios,do
Programa de Pós-Graduação cm Artes Visuais da Escola
de Belas Artes da UFRJ, traduzido por Renara Sancini.
Agradecemos a autorização da revista e da tradutora para
a presente publicação.

Embora adoce a maioria dos usos editoriais do âmbito


brasileiro, a n-1 edições não segue necessariamente as
~onvcnçõcs das instituições normativas, pois considera a
edição um trabalho de criação que deve interagir com a
pluralidade de linguagens e a especificidade de cada obra
publicada.

COORDENAÇÃO EDITORIAL Pccer Pál Pelbart e


Ricardo Muniz Fernandes
PI\OJETO GRÁFICO Érico Perecta
l'I\A DUÇÃO Renaca Santini
l\11 VISÃO TÉCNICA Cezar Bartholomeu
"ll 11 l'A I\AÇÃO Mariana Delfini

/\ 1q1roduçiio parcial sem fins lucrativos desce livro, para


11«1111lv,1doou coletivo, em qualquer meio, está autorizada,
.1,,.1.,'llllº lit.1da a fonte. Se for necessária a reprodução na
11111p,i.1, 111lldt.1se ·ncrar cm concaco com os cdicores.

U.F.M.G. - BIBLIOTECA UNIVERSITÁRIA


11•ltclicoo1.org; IBLIOTECA
UNIVERSITÁRIA
Data:_;JJ_J..DSLJ~ 11111.111111111
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212501809
g.: aJ:.i:>0 ,are NÃO DANIFIQUE ESTA ETIQUETA
1#i syo'lukasapebwe
Umwime wapita
[Ele deixou sua pegada na pedra
Ele mesmo seguiu]
Provérbio Lamba, Zâmbia

Este ensaio pressupõe que a expressão máxima da sobe-


rania reside, em grande medida, no poder e na capa-
cidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer.
Por isso, matar ou deixar viver constituem os limites da
soberania, seus atributos fundamentais. Ser soberano
é exercer controle sobre a mortalidade e definir a vida
como a implantação e manifestação de poder.
Pode-se resumir nos termos acima o que Michel
Foucault entende por biopoder: aquele domínio da

5
sohr • o qual Q poder estabeleceu o controle. 1 Mas
1d,1

,oh tJuais condições práticas se exerce o poder de matar,


devemos perguntar: que lugar é dado à vida, à morte e
ao corpo humano (em especial o corpo ferido ou massa-
l
l ·i ar viver ou expor à morte? ~em é o sujeito dessa crado)? Como eles estão inscritos na ordem do poder?
1·i? que a implementação de tal direito rios diz sobre
, pessoa que é, portanto, condenada à morte e sobre POLÍTICA, O TRABALHO DA MORTE E O "DEVIR
,\ r ·lação que opõe essa pessoa a seu ou sua assassino/ SUJEITO"
a? Essa noção de biopoder é suficiente para contabili- A fim de responder a essas perguntas, este ensaio
zar as formas contemporâneas em que o político, por baseia-se no conceito de biopoder e explora sua rela-
meio da guerra, da resistência ou da luta contra o terror, ção com as noções de soberania (imperium) e estado
faz do assassinato do inimigo seu objetivo primeiro e de exceção.2 Tal análise suscita uma série de pergun-
absoluto? A guerra, afinal, é tanto um meio de alcançar tas empíricas e filosóficas, que eu gostaria de exami-
, soberania como uma forma de exercer o direito de nar brevemente. Como se sabe, o conceito de estado
matar. Se consideramos a política uma forma de guerra, de exceção tem sido frequentemente discutido em
relação ao nazismo, ao totalitarismo e aos campos de
concentração/ extermínio: Os campos da morte em
1. Michcl Foucaulc, "Jl Frmt Défendre la Société": Cours au College de
particular têm sido interpretados de diversas manei-
l·i\111Ce,
1975-I976. Paris: Seuil, 1997, pp. 2.13-2.34.Este ensaio se distancia
d.1, .111:lliscstradicionais sobre a soberania encontrados na disciplina de ras, como a metáfora central para a violência soberana
( :i n ·ias Políticas e em sua subdisciplina, a de Relações Internacionais. e destrutiva e como o último sinal do poder abso-
Fm 1ua maioria, sicuam a soberania dentro dos limites do Estado-nação, luto do negativo. Como diz Hannah Arendt: "Não
d.l\ instituições habilitadas pela autoridade do Estado ou em redes e ins-
há paralelos à vida nos campos de concentração. O
11111i~·ocs
supranacionais. Ver, por exemplo, "Soberania no milênio", edi-
\•h11·111<:cial
de Estudos políticos, 47, 1999. Minha abordagem é baseada seu horror não pode ser inteiramente alcançado pela
1111
,d11la de Michcl Foucault à noção de soberania e sua relação com a
fllll 11,1 e o hiopodcr cm "li faut défendre la société": Cours au College de
l 1,11111.11)7, 1976. Paris: Scuil, 1997: 37-55, 75-100, 12.5-148,2.13-2.44-Ver 2..Sobre o estado de exceção, ver Carl Schmitt,LaDictature. Paris: Seuil,
1 11.l.1( .1111glo Agambcn. Homo sacer.Le pouvoir souverain et la vie nue. 2.000, pp. 2.10-2.2.8,2.35-2.36,2.50-2.51,2.55-2.56;id., La Notion de politique.
I' li 1 ',1 11d, 111,17:ll 80. Théorie du partisan. Paris: Flammarion, 1992..

6 7
imaginação justamente por situar-se fora da vida • da infelizmente privilegiou as teorias normativ.ts d.1
morce".3 Em razão de seus ocupantes serem d ·sprovi- democracia e tornou o conceito de razão um dos ·1•
dos de estatuto político e reduzidos as ·us ·orpos bio- mentos mais importantes canto do projeto d • mod ·r
lógicos, o campo é, para iorgio Agaml ·n, "o lugar nidade quanto do território da soberania. 6 A panir
no qual se realizou a mais absoluta rrmrlirioin/111111,tna dessa perspectiva, a expressão máxima da soberania
que já se deu sobr a e ·rra":1 Na ·su·111111 ,l pol ít iw jurí- é a produção de normas gerais por um corpo (p vo)
dica do campo, :t ·r ·s • ·nt.t, o 'Sl.1dod· l' t r,.w d ·ixa composto por homens e mulheres livres e iguais. Esses
de ser uma susp ·nsao l ·111 fH)r ,ri do n1.1do d • d ir ·ico. homens e mulheres são considerados sujeitos comple-
De acordo com A :trnl ·11,t·lt· .1dq11in·11111
1 ,11Tanjo tos, capazes de autoconhecimento, autoconsciência e
espacial permanente, qu 'Sl' lll,llltr111 011tl1111.1rn ·nce aucorrepresencação. A política, portanto, é definida
fora do estado normal da 1·i. duplamente: um projeto de autonomia e a realização
O objetivo desce en aio 11.10~ d •h,lll'I .1 -.i11gula- de acordo em uma coletividade mediante comunica-
ridade do extermínio dos jud ·us 01110111,lo orno ção e reconhecimento. É isso, dizem-nos, que a dife-
exemplo. 5 Inicio a partir da i<l·ia d· q11• ,1 111ml·mi- rencia da guerra. 7
dade esteve na origem de vári s ·01wd1m 1k fül Ta- Em outras palavras, é com base em uma distinção
nia - e, portanto, da biopolícica. [) ·st011sid ·r.rndo entre razão e desrazão (paixão, fantasia) que a crítica
essa multiplicidade, a crítica políci a ·011l ·1111><)r;1n ·a 1 contemporânea foi capaz de articular uma cerca ideia
de política, comunidade, sujeito - ou, mais funda-
1 mentalmente, do que abarca uma vida plena, de como
3. Hannah Arendt, Origens do totalitarismo, trad. RolH'IIII ll.1pmo. S,10
Paulo: Companhia das Letras, 2.01l, p. 589.
4- Giorgio Agamben, Meios sem fim: Notns sob1·1•
Davi Pessoa Carneiro. Belo Horizonte: Autênti ·a, p. ,, ,.
t, .,d, hr.l\.
,r p11l/111,1, 1
,,
6. Ver James Bohman e William Rehg (orgs.), Deliberative Democmcy:
Essays on Reason and Politics. Cambridge: MIT Prcss, 1997; Jürgen
5. Sobre esses debates, ver Saul Fricdlander (org.), I'r11/1111,11.
t/11·/,1111its Habermas, Between Facts and Norms. Cambridge: MlT Prcss, 1996.
ofRepresentation: Nazism and the "Final So/11ti1111".~.1111hridgc: 7. Jamcs Schmidr (org.), What Is Enlightenment? Eighteenth-Centm-y
Harvard University Press, 199l; e, mais reccnrc111cmc,li ·1u,111dOgilvic, Answers and Tzventieth-Century Qf;estions. Berkeley: Universicy of
"Comparer l'incomparable". Muftitud,es, n. 7, l001, pp. , 10 166. California Press, 1996.

8 9
alcançá-la e, nesse processo, tornar-se agente plena- humanos e populações". Tais formas eh sob ·r:rni.1 ·~t.w
mente moral. Nesse paradigma, a razão é a verdade longe de ser um pedaço de insanidade prodigio.~.1011
do sujeito, e a política é o exercício da razão na esfera uma expressão de alguma ruptura entre os impubos
pública. O exercício da razão equivale a exer feio da e interesses do corpo e da mente. De fato, cal ·01110
liberdade, um elementa-chave para a auLonomia indi- os campos da morte, são elas que constituem nontOJ
vidual. Nesse caso, o roman e da sob ·rania bas ·ia-se do espaço político em que ainda vivemos. Além d isso,
na crença de gue o ujeit é o prin ipal :wwr ·ontrola- experiências contemporâneas de destruição humana
dor do seu próprio signin ·.do.Sol ·rani;i '-, portanto, sugerem que é possível desenvolver uma leitura da polí-
definida como um duplo pro· ·sso d· ",wtoinstiwição" tica, da soberania e do sujeita, diferente daquela que
e "autolimitação" (fixando ·m si os próprios limites herdamos do discurso filosófico da modernidade. Em
para si mesmo). O exerci io d:1sob Tani.t, por sua vez, vez de considerar a razão a verdade do sujeito, pode-
consiste na capacidade da soei ·d. d • par,t ,l .uno ·riaçao mos olhar para outras categorias fundadoras menos
pelo recurso às instituições inspirado por sig11if1 ·a~·oes abstratas e mais palpáveis, tais como a vida e a morte.
específicas sociais e imaginárias. 8
Pertinente a um projeto como esse é a discussão de
Essa leitura fortemente normativa d.1 polfti n de Hegel sobre a relação entre a morte e o "devir sujeita".
soberania foi objeto de inúmeras críti ·as, t)ll • n,10 revi- A concepção da morte, para Hegel, está centrada em
sitarei aqui. 9 Minha preocupação é ·om nqu ·l.ts for- um conceito bipartido de negatividade. Primeiro, o ser
mas de soberania cujo projeto central nao { .t lut;I pela humano nega a natureza (negação exteriorizada no seu
autonomia, mas "a instrumentalizaçã Yen·r;11 i1.adaeh esforço para reduzir a natureza a suas próprias neces-
existência humana e a destruição mat ·rial d· ·orpos sidades); e, em segundo lugar, ele ou ela transforma
o elemento negado por meio de trabalho e luta. Ao
8. Cornclius Castoriadis,A instituição imagirufrin rlttJ1111rr/,,,/r,
11.1d.hr.1~.
transformar a natureza, o ser humano cria um mundo;
Guy Reynaud. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. e l·(e;111)11
r/11
f!rl/ldtl/'I,tr.1d.
mas no processo, ele ou ela fica exposto(a) a sua pró-
bras. Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Bra1il ·i, .1, 100,1.
9. Ver, em particular, Paul Gilroy, O Atlântico 11/gm, u .1d. 1>1.1,. :id pria negatividade. Sob o paradigma hegeliano, a morte
Knipel Moreira. São Paulo: Ed. 34, 2.001, cspcci:ilmcm • o ,,tp. i. humana é essencialmente voluntária. É o resultado de

10 11
riscos conscientemente assumidos pelo sujeito. De que vive uma vida humana. Essa também é a definição
acordo com Hegel, nesses riscos o "animal" que cons- de conhecimento absoluto e soberania: arriscar a tota-
titui o ser natural do indivíduo é derrotado. lidade de uma vida.
Em outras palavras, o er humano verdadeiramente Georges Bataille também oferece compreensões
"torna-se um sujeito" - ou seja, separado do :111imal- críticas sobre como a morte estrutura a ideia de sobe-
na luta e no trabalho pelos quais ·1• ou ·la enfrenta rania, política e sujeito. Bataille desloca a concepção
a morte (entendida como a viol 11n ·ia da 11 ·gativi- de Hegel das ligações entre morte, soberania e sujeito
dade). É por meio desse onfromo ·0111 a more· que de pelo menos três maneiras. Primeiro, ele interpreta
ele ou ela é lançado(a) n m >vim ·nw in • ·ssancc da a morte e a soberania como o paroxismo de troca e
história. Tornar-se sujeito, porrnnw, supo • suscencar superabundância - ou, para usar sua própria termi-
o trabalho da morte. use ·nrnr o trabalho da morte nologia, "excesso".Para Bataille, a vida é falha apenas
é precisamente como Hegel defln • ,t vid.1do ·spfrito. quando a morte a toma como refém. A vida em si só
A vida do espírito, ele diz, não '· aqu ·l.1vid.1qu • cem existe em espasmos e no confronto com a morte. 11
medo da morte e se poupa da d ·strui~·:w, nus .1qucla Ele argumenta que a morte é a putrefação da vida, o
que pressupõe a morte e vive c m isso. ·splrito só fedor que é, ao mesmo tempo, sua fonte e condição
alcança sua verdade quando descobr • ·m si o d ·smem- repulsiva. Portanto, embora destrua o que era para ser,
bramento absoluto. 10 A política é, porrnnto, a morte apague o que supostamente continuaria a ser e reduza
a nada o indivíduo, a morte não se limita ao puro ani-
quilamento do ser. Pelo contrário, é essencialmente
10. G. W. F. Hegel, Fenomenologia do esplrito, Lrnd. P.11110Mcn ·~cs,
autoconsciência; além disso, é a forma mais luxuosa
com a colaboração de Karl-Heinz Efkcn e José Nogu ·ir .1 M.1d1.1do.
Petrópolis/ Bragança Paulista: Vozes/ USF, 2.002. 1m ,1uíLica
Ver L,1111h da vida, ou seja, de efusão e exuberância: um poder
por Alexandre Kojeve,lntroduction ,i la lect11redel legd P.11i,:C.1llirnard,
1947, especialmente o apêndice II, "L'Idée de la mon d:111~
l.1philo~ophk
de Hegel"; e Georges Bacaille, Oeuvres completes XI/. P.11i" ( :.tllirn.1rd, 11. Ver Jean Baudrillard, "Deach in Bacaille", in Fred Botting e Scott
1988, especialmente "Hegel, la More ec lc sacrificc" (pp. 326 l•I 8) • "l lcgcl, Wilson (orgs.), BataiLLe: A Critica! Reader. Oxford: Blackwell, 1998,
l'Homme et l'histoire" (pp. 349-369). especialmente PP· 139-141.

12 13
de proliferação. Ainda mais radicalmente, Bataille como o regime dos tabus em torno deles. 12 A verdade
retira a morte do horizonte da significação. Isso está do sexo e seus atributos mortais residem na experiência
em contraste com Hegel, para quem nada se encontra da perda das fronteiras que separam realidade, aconte-
definitivamente perdido na morte; de fato, a morte é cimentos e objetos fantasiados.
vista como detentora de grande significação, como um Para Bataille, a soberania tem muitas configurações.
meio para a verdade. Mas, em última análise, é a recusa em aceitar os limites
Em segundo lugar, Bataille firmemente ancora a a que o medo da morte teria submetido o sujeito. O
morte no reino do dispêndio "absoluto" (a utra carac- mundo da soberania, Bataille argumenta, "é o mundo
terística da soberania), enquanto Hegc.:Itenta manter a no qual o limite da morte foi abandonado. A morte
morte dentro da economia do conhecimento absoluto está presente nele, sua presença define esse mundo de
e da significação. A vida além da milidade, diz Bacaille, violência, mas, enquanto a morte está presente, está
é o domínio da soberania. Sendo esse o ·aso, a morte sempre lá apenas para ser negada, nunca para nada
é o ponto no qual destruição, supressão • sa rifício além disso. O soberano", conclui, "é ele quem é, como
constituem um dispêndio cão irreversível • radical - se a morte não fosse... Não respeita os limites de identi-
e sem reservas - que já não podem ser decerm inados dade mais do que respeita os da morte, ou, ainda, esses
como negatividade. A morte é o·próprio princípio do limites são os mesmos; ele é a transgressão de todos
excesso - uma "antieconomia". Daí a metá~ ra do luxo esses limites". Uma vez que o domínio natural de
e do "caráter luxuoso da morte". proibições inclui a morte, entre outras (por exemplo,
Em terceiro lugar, Bataille estabelece wna corre- sexualidade, sujeira, excrementos), a soberania exige
lação entre morte, soberania e sexualidade. A sexua- que "a força para violar a proibição de matar, embora
lidade está completamente associada à violên ia e à verdadeira, estará sob condições que o costume define".
dissolução dos limites de si e do corpo por meio de E, ao contrário da subordinação, sempre enraizada na
impulsos orgíacos e excrementais. Como cal, a sexuali-
dade diz respeito a duas formas principais de impulsos 12.. Georges Bacaillc, VisionsofExcess:SefectedWritings, I927-I939, crad.
humanos polarizados - excreção e apropriação-, bem A. Scoekl. Minneapolis: Universicy ofMinncsoca Prcss, 1985, pp. 94-95.

14 15
alegada necessidade de evitar a morte, a soberania defi- estado de sítio. 15 Examino essas trajetórias pelas quais o
nitivamente demanda o risco de morte. 13 estado de exceção e a relação de inimizade tornaram-se
Ao tratar a soberania como a violação de proibi- a base normativa do direito de matar. Em tais instâncias,
ções, Bataille reabre a questão dos limites da política. o poder (e não necessariamente o poder estatal) conti-
Política, nesse caso, não é o avanço de um movimento nuamente se refere e apela à exceção, à emergência e a
dialético da razão. A política só pode ser traçada como uma noção ficcional do inimigo. Ele também trabalha
uma transgressão cm e pirai, 01110 aquela diferença para produzir a mesma exceção, emergência e inimigo
que desorienta a própria ideia do limite. Mais especifi- ficcional. Em outras palavras, a questão é: qual é, nesses
camente, a política é a difcren a colocada cm jogo pela sistemas, a relação entre política e morte que só pode
violação de um tabu. 1•1 funcionar em um estado de emergência? Na formulação
de Foucaulr, o biopoder parece funcionar mediante a
O BIOPODER E A RELAÇÃO DE INIMIZADE divisão entre as pessoas que devem viver e as que devem
Após apresentar uma leitura da políci a c mo o traba- morrer. Operando com base em uma divisão entre os
lho da morte, tratarei agora da soberania, expressa pre- vivos e os mortos, tal poder se define em relação a um
dominantemente como o direito de matar. Em minha campo biológico - do qual toma o controle e no qual se
argumentação, relaciono ~ noçã~ de biopodcr de Fou- inscreve. Esse controle pressupõe a distribuição da espé-
caulr a dois outros conceitos: o estado de exceção e o cie humana em grupos, a subdivisão da população em
subgrupos e o estabelecimento de uma cesura biológica
entre uns e outros. Isso é º·que Foucaulr rotula com o
13. Fred Botting e Scott Wilson (orgs.), The Bataille Render. xford:
Blackwell, 1997, pp. 318-319. Ver também Georges Bataillc, 'lhe Acc,med termo (aparentemente familiar) "racismo".16
Share: An Essay on GeneralEconorny,v. I, Consmnption, trad. Robert ~e a "raça" (ou, na verdade, o "racismo") tenha
Hurley. Nova York: Zone, 1988; e O erotismo, trad. bras. Fernando um lugar proeminente na racionalidade própria do
Schcibc. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.
TheAccursedShare:An Essayon Ceneml J:'conomy,
14. Gcorges Bataillc,
v. 2, TheHistoryo/Eroticism,v.3, Soverei.gnty,trad. Robert l lurlcy. Nova La Dictature,op. cit., cap. 6.
15. Sobre o estado de sítio, ver C. Schmitt,
York: Zone, 1993. 16. Ver M. Foucault, "JLFautDéfendreLaSociété",op. cit., pp. 57-74.

16 17
biopoder é inteiramente justificável. Afinal de contas, Foucault afirma claramente que o direito soberano
mais do que o pensamento de classe (a ideologia que de matar (droit de glaive) e os mecanismos de biopo-
define história corno uma luta econômica de classes), der estão inscritos na forma em que funcionam todos
a raça foi a sombra sempre presente no pensamento os Estados modernos; 20 de fato, eles podem ser vistos
e na prática das políticas do Ocidente, especialmente como elementos constitutivos do poder do Estado na
quando se trata de imaginar a desumanidade de povos modernidade. Segundo Foucault, o Estado nazista foi
estrangeiros - ou a dominação a ser exercida sobre eles. o mais completo exemplo de um Estado exercendo
Referindo-se tanto a essa presença atemporal como o direito de matar. Esse Estado, ele afirma, tornou a
ao caráter espectral do mundo da raça corno um todo, gestão, a proteção e o cultivo de vida coextensivos ao
Arendt localiza suas raíze na experiência demolidora direito soberano de matar. Por uma extrapolação bio-
da alteridade e sugere que a políti a da raça, em última lógica do tema do inimigo político, organizando a
análise, está relacionada com a política da morte. 17 Com guerra contra os seus adversários e, ao mesmo tempo,
efeito, em termos foucaultianos, racismo é acima de expondo seus próprios cidadãos à guerra, o Estado nazi
tudo uma tecnologia destinada a permitir o exercício é visto como aquele que abriu caminho para uma tre-
do biopoder, "este velho direito soberano de matar". 18 menda consolidação do direito de matar, que culmi-
Na economia do biopoder, a função do racismo é regu- nou no projeto da "solução final".Ao fazê-lo, tornou-se
lar a distribuição da morte e tornar possíveis as funções o arquétipo de uma formação de poder que combinava
assassinas do Estado. Segundo Foucault, essa é "a condi- as características de Estado racista, Estado assassino e
ção para a aceitabilidade do fazer morrer". 19 Estado suicidário.
Já se argumentou que a fusão completa de guerra e
política (racismo, homicídio e suicídio), até o ponto
17. "A raça é, do ponto de vista político, não o começo da humanidade
mas o seu fim[ ...] não o nascimento natural do homem mas a sua morte
de se tornarem indistinguíveis uns dos outros, é algo
antinatural." H. Arcndt, Origens do totalitarismo, op. cic., p. 2.32.. exclusivo ao Estado nazista. A percepção da existência
18. Ver M. Foucault, '1lFaut Défandre la Société" op. cic., p. 2.14-

19. Id., ib., p. 2.2.8. 2.0. Id., ib., pp. 2.2.7-232.

18 19
do Outro como um atentado contra minha vida, como extermínio nazista podem ser encontradas no imperia-
uma ameaça mortal ou perigo absoluto, cuja elimina- lismo colonial, por um lado, e, por outro, na serializa-
ção biofísica reforçaria meu potencial de vida e segu- ção de mecanismos técnicos para conduzir as pessoas à
rança, é este, penso eu, um dos muitos imaginários de morte - mecanismos desenvolvidos entre a Revolução
soberania, característico tanto da primeira quanto da Industrial e a Primeira Guerra Mundial. Segundo Enzo
última modernidade. O reconhecimento dessa percep- Traverso, as câmaras de gás e os fornos foram o ponto
ção sustenta em larga medida várias das críticas mais culminante de um longo processo de desumanização e
tradicionais da modernidade, seja quando se dirigem de industrialização da morte, sendo uma de suas carac-
ao niilismo e à proclamação da vontade de poder como terísticas originais a de articular a racionalidade instru-
a essência do ser, seja à reificação, entendida como o mental e a racionalidade produtiva e administrativa do
"devir-objeto" do ser humano; ou ainda à subordinação mundo ocidental moderno (a fábrica, a burocracia, a
de tudo à lógica impessoal e ao reino da racionalidade prisão, o exército). Mecanizada, a execução em série
instrumental. 21 De um ponto de vista antropológico, transformou-se em um procedimento puramente téc-
o que essas críticas contestam implicitamente é uma nico, impessoal, silencioso e rápido. Esse processo foi,
definição do político como relação bélica por excelên- em parte, facilitado pelos estereótipos racistas e pelo
cia. Também desafiam a ideia de que, necessariamente, florescimento de um racismo de classe que, ao tradu-
a racionalidade da vida passe pela morte do outro; ou zir os conflitos sociais do mundo industrial em termos
que a soberania consiste na vontade e capacidade de racistas, acabou comparando as classes trabalhadoras e
matar a fim de viver. o "povo apátrida" do mundo industrial aos "selvagens"
A partir de uma perspectiva histórica, muitos do mundo colonial. 22
analistas afirmaram que as premissas materiais do Na realidade, a ligação entre a modernidade e o ter-
ror provem de várias fontes. Algumas são identificáveis

21. Ver Jürgen Habermas, O discursofilosóficoda modernidade: Doze lições,


22.Enzo Traverso, La Violencenazie: Une généalogie européerme.Paris:
trad. Luiz Sértgio Repa e Rodnei Nascimento. São Paulo: Martins Fontes,
La Fabrique Editions, 2002.
2000, especialmente cap. 3, s e 6.

21
20
nas práticas políticas do Antigo Regime. Nessa pers- do jogo. Aparecem formas de crueldade mais íntimas,
pectiva, a tensão entre a paixão do público por sangue sinistras e lentas.
e as noções de justiça e vingança é crucial. Foucault Não obstante, ein nenhum momento se manifestou
demonstra em Vigiar e punir como a execução do tão claramente a fusão da razão com o terror como
presumido regicida Damiens durou horas, sobretudo durante a Revolução Francesa. 24 Nesse período, o ter-
para a satisfação da multidão. 23 É bem conhecida a ror é erigido a um componente quase necessária do
longa procissão dos condenados pelas ruas antes da político. Postula-se uma transparência absoluta entre
execução, o desfile de partes do corpo - ritual que se o Estado e o povo. "O povo" é gradualmente deslocado,
tornou uma característica-padrão de violência popu- enquanto categoria política, da realidade concreta à
lar - e a exibição de uma cabeça cortada numa estaca. figura retórica. Como David Bates mostrou, os teó-
Na França, o advento da guilhotina marca uma nova ricos do terror acreditam ser possível distinguir entre
fase na "democratização" dos meios de eliminação dos autênticas expressões da soberania e as ações do ini-
inimigos do Estado. Com efeito, essa forma de execu- migo. Eles também acreditam que é possível distinguir
ção que era até então prerrogativa da nobreza é esten- entre o "erro" do cidadão e o "crime" do contrarrevolu-
dida a todos os cidadãos. Em um contexto em que a cionário na esfera política. Assim, o terror se converte
decapitação é vista como menos humilhante do que numa forma de marcar a aberração no corpo político,
o enforcamento, inovações nas tecnologias de assassi- e a política é lida tanto como a força móvel da razão
nato visam não só "civilizar" as maneiras de matar, mas quanto como a tentativa errática de criar um espaço em
também eliminar um grande número de vítimas em que o "erro" seria minimizado, a verdade, reforçada, e o
um espaço relativamente curto de tempo. Ao mesmo inimigo, eliminado. 25
tempo, uma nova sensibilidade cultural emerge, na
qual matar o inimigo do Estado é um prolongamento
2.4. Ver Robert Wokler, "Contcxtualizing Hegel's phenomcnology of thc
Frcnch Rcvolution and thc Terror". PoliticalTheory,n. 2.6,1998, pp. 33-55.
2.3.Michel Foucault, Vigiar e punir: Nascimento da prisão, trad. Raquel 2.5.David W. Bates, Enlightenment Aberrations:Error and Revolution in
Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 1987. France.lthaca: Corncll University Press, 2.002.,cap. 6.

22 23
Em última instância, o terror não está ligado exclu- Todavia, fazendo com que a emancipação humana
sivamente à utópica crença no poder irrestrito da razão dependa da supressão da produção de mercadoria,
humana. Também está claramente relacionado a várias Marx atenua as distinções essenciais entre o campo
narrativas sobre a dominação e a emancipação, apoia- cultural da liberdade construído pelo homem, o reino
das majoritariamente em concepções sobre a verdade e da necessidade, determinado pela natureza, e o con-
o erro, o "real" e o simbólico herdados do Iluminismo. tingente na história.
Marx, por exemplo, confunde o trabalho (o ciclo inter- O cdmpromisso com a eliminação da produção de
minável de produção e consumo necessário à manuten- mercadoria e o sonho de acesso direto e sem interme-
ção da vida humana) com a obra (criação de artefatos diação ao "real" - o cumprimento da chamada lógica
duráveis que se somam ao mundo das coisas). O traba- da história e a fabricação da humanidade - tornam
lho é concebido como o vetor de autocriação histórica esses processos quase necessariamente violentos.
do gênero humano. Como o mostrou Stephen Louw, os pressupostos
Essa autocriação histórica da humanidade é em si centrais do marxismo clássico não deixam escolha a
uma espécie de conflito entre a vida e a morte, ou seja, não ser a "tentativa de introduzir o comunismo por
um conflito sobre os caminhos que levam à verdade decreto administrativo, o que, na prática, significa que
da História: a superação do capitalismo e da forma as relações sociais devem ser desmercantilizadas pela
mercadoria e das contradições associadas a ambas. De força".27 Historicamente, essas tentativas tomaram for-
acordo com Marx, com o advento do comunismo e mas como a militarização do trabalho, o desmorona-
a abolição das relações de troca as coisas aparecerão mento da distinção entre Estado e sociedade e o terror
como elas realmente são; o "real" se apresentará tal
como ele é verdadeiramente, e a distinção entre sujeito
e objeto ou entre o ser e a consciência será superada. 26 Fowkcs. Harmondsworth: Pcnguin, 1986, p. 172. [Ed. bras.: O capital,v. 3
e v. 1, trad. Rubens Endcrlc. São Pau/o: Boi tempo Editorial, 2.011 e 2.017 ).
2.7.Stephen Louw, "ln thc shadow of thc pharaohs: The militarization
Karl Marx, Capital:A Critique of PoíiticalEconomy, v. 3. Londres:
2.6. of labour debate and classical marxist theory". Economyand Society,n.
Lawrence & Wishart, 1984, p. 817- Ver também Capital..., v. 1, trad. Ben 2.9, 2.000, p. 2.40.

24 25
revolucionário. 28 Pode-se considerar que buscavam Qualquer relato histórico do surgimento do ter-
erradicar a pluralidade da condição humana. Com ror moderno precisa tratar da escravidão, que pode
efeito, a superação das divisões de classe, o definhar do ser considerada uma das primeiras manifestações da
Estado e o florescimento de uma verdadeira vontade experimentação biopolítica. Em muitos aspectos, a
geral pressupõem uma visão da pluralidade humana própria estrutura do sistema de plantation e suas con-
como principal obstáculo para a eventual realização sequências manifesta a figura emblemática e paradoxal
de um telos da História predeterminado. Em outras do estado de exceção. 29 Aqui, essa figura é paradoxal
palavras, o sujeito da modernidade marxiano é, fun- por duas razões. Em primeiro lugar, no contexto da
damentalmente, aquele que tenta provar sua soberania plantation, a humanidade do escravo aparece como
pela encenação de uma luta até a morte. Assim como uma sombra personificada. De fato, a condição de
ocorre com Hegel, a narrativa de dominação e eman- escravo resulta de uma tripla perda: perda de um "lar",
cipação está aqui claramente associada a uma narrativa perda de direitos sobre seu corpo e perda de estatuto
sobre a verdade e a morte. Terror e morte tornam-se os político. Essa tripla perda equivale a uma dominação
meios de realizar o telos da história, que já é conhecido. absoluta, uma alienação de nascença e uma morte
social (que é expulsão fora da humanidade). Enquanto
2.8. Sobre a militarização do trabalho e a transição para o comunismo, ver
estrutura político-jurídica, a plantation é sem dúvida
Nikolai Bukharin, ThePoliticsandEconomicsef"theTmnsition Period,trad. um espaço em que o escravo pertence ao senhor. Não
Oliver Field. Londres: Roucledge & Kegan Paul, 1979; e Leon Trotsky, é uma comunidade porque, por definição, a comuni-
Terrorismoe comunismo, trad. Lívio Xavier. Rio de Janeiro: Saga, 1969.
dade implica o exercício do poder de fala e de pensa-
Sobre o colapso da distinção entre Estado e sociedade, ver Karl Marx,A
guerra civil na França, trad. bras. Rubens Endede. São Paulo: Boitempo mento. Como diz Paul Gilroy,
Editorial, 2.011; e Vladimir llitch Lenin, SelectedWórksin Thrce Volumes,
v. 2.. Moscou: Progress, 1977. Para uma crítica do "terror revolucionário~
ver Maurice Merleau-Ponty, Humanismo e terro1·,trad. Naume Ladosky. 2.9. Ver Saidiya V. Hartman, Sceneso/ Subjcction: Terror,Slavery, and Seif-
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1968. Para um exemplo mais recente de Making in Nineteenth-CenturyAmerica. Oxford: Oxford Univcrsity Press,
"terror revolucionário", ver Steve J.Stern (ed.). Shining and Other Paths: 1997; e Manuel Moreno Fraginals,TheSugarmill:TheSoâoewnomicComplc;c
TMzrand Societyin Peru, I9So-I995.Durham: Duke University Prcss, 1998. ef"Sugarin Cuba,I7Óo-I8óo.Nova York: Monchly Review Press, 1976.

26 27
Os padrões extremos de comunicação definidos pela insti- componente da etiqueta, 32 como dar chicotadas ou
tuição da escravidão da plantation ordenam que reconhe- tirar a vida do escravo: um capricho ou um ato de
çamos as ramificações antidiscursivas e extralinguísticas pura destruição visando incutir o terror. 33 A vida do
do poder em ação na formação dos atos de comunicação. escravo, em muitos aspectos, é uma forma de morte-
Afinal de contas, não pode haver nenhuma reciproci- -em-vida. Como sugere Susan Buck-Morss, a condi-
dade na plantation fora das possibilidades de rebelião e ção de escravo produz uma contradição entre a liber-
suicídio, evasão e queixa silenciosa, e certamente não há dade de propriedade e a liberdade da pessoa. Uma
qualquer unidade gramatical da fala suscetível de ligar-se relação desigual é estabelecida ao mesmo tempo em
à razão comunicativa. Em muitos aspectos, os habitantes que é afirmada a desigualdade do poder sobre a vida.
da pfantation vivem de modo assíncrono. 30 Es~e poder sobre a vida do outro assume a forma de
comércio: a humanidade de uma pessoa é dissolvida
Como instrumento de trabalho, o escravo tem um até o ponto em que se torna possível dizer que a vida
preço. Como propriedade, tem um valor. Seu tra- do escravo é propriedade de seu senhor. 34 Dado que
balho responde a uma necessidade e é utilizado. O
escravo, por conseguinte, é mantido vivo, mas em
32. O cermo "etiqueta" é usado aqui para designar as ligações entre graça e
"estado de injúria", em um mundo espectral de hor-
controle sociais. De acordo com Norbcrc Elias ("1he Hiscory ofManncrs".
rores, crueldade e profanidade intensos. O curso vio- TheCivilizingProcess
v. ,, crad. Edmund Jephcocc. Nova York: Pantheon, 1978,
lento da vida de escravo se manifesta pela disposição cap. 2), os coscumcs encarnam o que é "considerado um comportamento
de seu capataz em se comportar de forma cruel e des- socialmente aceitável'; os "preceicos de conduta" e o quadro de "convívio".

controlada ou no espetáculo de sofrimentos imposto 33. "~anco mais alto ela gritou, mais ele chicoteou; e onde o sangue correu
mais rápido, aí ele chicoteou mais demoradamente, diz Douglass sobre as
ao corpo do escravo. 31 Violência, aqui, torna-se um chicotadas cm sua eia pelo sr. Plummer. Ele iria chicoteá-la para fazê-la gritar
e chicoteá-la para ela ficar quieta; e somente pararia de brandir o couro
coberto de sangue quando vencido pelo cansaço[ ...] Foi um espetáculo ter-
30. P. Gilroy, OAtlântico negroop. cit., p. 129. ojthe Lifi:ofFrederickDouglassop. cit.,
rível".Frederick Douglass, Narrati11e
31. Ver Frederick Douglass, Narrati11eojthe LifeofFrederickDouglass,an p. 51.Sobre o assassinato <1lcacóriode escravos, ver pp. 67-68.
American Slave. Houscon A. Baker (org.). Nova York: Pcnguin, 1986. Buck-Morss, "Hegel and Haiti". Cr·itical,n. 26,
34 . Susan 2000, PP· 821-866.

28
29
a vida do escravo é como uma "coisa", possuída por surge uma forma peculiar de terror. 36 A característica
outra pessoa, sua existência é a figura perfeita de uma mais original dessa formação de terror é a concatena-
sombra personificada. ção entre o biopoder, oestado de exceção e o estado de
Apesar do terror e da reclusão simbólica do escravo, sítio. A raça é, mais uma vez, crucial para esse enca-
ele ou ela desenvolve pontos de vista diferentes sobre o deamento. 37 De fato, é sobretudo nesses casos que a
tempo, o trabalho e sobre si mesmo. Esse é o segundo seleção das raças, a proibição dos casamentos mistos,
elemento paradoxal do mundo da plantation como a esterilização forçada e até mesmo o extermínio dos
manifestação do estado de exceção. Tratado como se povos vencidos foram testados pela primeira vez no
não existisse, exceto como mera ferramenta e instru-
mento de produção, o escravo, apesar disso, é capaz de 36. No que se segue, estou consciente do fato de que formas coloniais de
soberania sempre foram fragmentadas. Eram complexas, "menos preocu-
extrair de quase qualquer objeto, instrumento, lingua- padas cm legitimar sua própria presença e mais excessivamente violentas
gem ou gesto uma representação, e estilizá-la. Rom- que suas formas europeias". De maneira significativa, "os Estados europeus
pendo com sua condição de expatriado e com o puro nunca visaram governar territórios coloniais com a mesma uniformidade

mundo das coisas, do qual ele ou ela nada mais é do e intensidade como foi aplicada a suas próprias populações". A. Mbcmbe,
"Sovcrcignty as a form of cxpcndirnrc". ln: T. B. Hanscn e Finn Stcpputat
que um fragmento, o escravo é capaz de demonstrar (orgs.), Sovereign Bodies: Citizens, Migrants and States in the PostcoLoniaL
as capacidades polimorfas das relações humanas por UlórLd.Princecon: Princecon University Prcss, 2002, pp. 148-168.
meio da música e do próprio corpo, que supostamente 37. Em The Racial State (Malden: Blackwcll, 2002), David Toco Goldberg
pertencia a um outro. 35 argumenta que, a partir do século XIX, existem pelo menos duas tradições
historicamente concorrentes da racionalização racial: o narnralismo (com
Se as relações entre a vida e a morte, a política de
base na declaração de inferioridade) e o historicismo (baseado na reivindi-
crueldade e os símbolos do abuso tendem a se emba- cação da "imaturidade" histórica - e, portanto, "educabilidade" - dos nati-
ralhar no sistema de plantation, é interessante notar vos). Em conversa privada (23 ago. 2002), o autor defende a ideia segundo
que é nas colônias e sob o regime do apartheid que a qual essas duas tradições haviam desaparecido, porém de forma diferente,
ao entrar cm contato com as questões de soberania, os Estados de exceção e
as formas de necropodcr. Na sua opinião, nccropodcr pode assumir várias
oJ
35. Roger D. Abrahams, Singing the Master: The Ernergence Aji·ican formas: o terror da morte real ou uma forma mais "benevolente", cujo
Arnerican Culture in the PLantation South. Nova York: Pantheon, 1992. resultado é a destruição de uma cultura para "salvar o povo" de si mesmo.

30 31
mundo colonial. Aqui vemos a primeira síntese entre tende a assumir o rosto de uma "guerra sem fim".
massacre e burocracia, essa encarnação da racionali- Esse ponto de vista corresponde à definição de sobe-
dade ocidental. 38 Segundo Arendt, existe uma ligação rania proposta por Carl Schmitt no início do século
entre o nacional-socialismo e o imperialismo tradicio- xx, nomeadamente, o poder de decidir.sobre o estado
nal. A conquista colonial revelou um potencial de vio- de exceção. Para avaliar adequadamente a eficácia da
lência até então desconhecido. O que se testemunha colônia como formação de terror, precisamos tomar
na Segunda Guerra Mundial é a extensão dos métodos um desvio pelo próprio imaginário europeu, quando
anteriormente reservados aos "selvagens" aos povos coloca a questão crucial da domesticação da guerra e
"civilizados" da Europa. da criação de uma ordem jurídica europeia (jus publi-
No fim, pouco importa que as tecnologias que cul- cum europaeum). Dois princípios-chave fundam essa
minaram no nazismo tenham sua origem na plantation ordem. O primeiro postulava a igualdade jurídica de
ou na colônia, ou, pelo contrário - a tese foucaultiana todos os Estados. Essa igualdade se aplicava especial-
-, que nazismo e stalinismo não tenham feito mais do mente ao "direito de fazer a guerra" (de tomar a vida).
que ampliar uma série de mecanismos que já existiam O direito de fazer a guerra significava duas coisas.
nas formações sociais e políticas da Europa ocidental Por um lado, reconhecia-se que matar ou negociar a
(subjugação do corpo, regulamentações médicas, dar- paz eram funções proeminentes de qualquer Estado.
winismo social, eugenia, teorias médico-legais sobre Isso ia de par com o reconhecimento de que nenhum
hereditariedade, degeneração e raça). Um traço per- Estado deveria exercer qualquer poder para além de
siste evidente: no pensamento filosófico moderno suas fronteiras. Em troca, o Estado não reconheceria
assim como na prática e no imaginário político euro- nenhuma autoridade superior à sua dentro de suas
peu, a colônia representa o lugar em que a soberania fronteiras. Por outro lado, o Estado se compromete-
consiste fundamentalmente no exercício de um poder ria a "civilizar" os modos de matar e atribuir objetivos
à margem da lei (ab legibus solutus) e no qual a "paz" racionais ao próprio ato de matar.
O segundo princípio está relacionado à territoria-
38. H. Arendc, Origens do totalitarismo op. cic., pp. 267-313. lização do Estado soberano, ou seja, à determinação

32 33
de suas fronteiras no contexto de uma ordem global mobilização de sujeitos soberanos (cidadãos) que se
recentemente imposta. Nesse contexto, o Jus publi- respeitam mutuamente, mesmo que inimigos. Não
cum rapidamente assumiu a forma de uma distinção estabelecem distinção entre combatentes e não com-
entre as regiões do mundo disponíveis para a apropria- batentes ou, novamente, "inimigo" e "criminoso". 40
ção colonial, de um lado, e, de outro, a Europa em si Assim, é impossível firmar a paz com eles. Em suma,
(onde o Jus publicum devia perenizar a dominação). 39 as colônias são zonas em que guerra e desordem, figu-
Essa distinção, como veremos, é crucial em termos de ras internas e externas da política, ficam lado a lado
avaliação da eficácia da colônia como instauradora de ou se alternam. Como tal, as colônias são o local por
terror. Sob o Jus publicum, uma guerra legítima é, em excelência em que os controles e as garantias de ordem
grande medida, uma guerra conduzida por um Estado judicial podem ser suspensos - a zona em que a violên-
contra outro ou, mais precisamente, uma guerra entre cia do estado de exceção supostamente opera a serviço
Estados "civilizados". A centralidade do Estado no da "civilização".
cálculo da guerra deriva do fato de que o Estado é o O fato de que as colônias podem ser governadas
modelo da unidade política, um princípio de organi- na ausência absoluta de lei provém da negação racial
zação racional, a personificação da ideia universal e um de qualquer vínculo comum entre o conquistador e
símbolo de moralidade. o nativo. Aos olhos do conquistador, "vida selvagem"
No mesmo contexto, as colônias são semelhantes é apenas outra forma de "vida animal", uma expe-
às fronteiras. Elas são habitadas por "selvagens". As riência assustadora, algo radicalmente outro (aliení-
colônias não são organizadas de forma estatal e não gena), além da imaginação ou da compreensão. Na
criaram um mundo humano. Seus exércitos não for- verdade, de acordo com Arendt, o que diferenciava
mam uma entidade distinta, e suas guerras não são os selvagens de outros seres humanos era menos a cor
guerras entre exércitos regulares. Não implicam a

40. Eu gene Victor Walter, Terror and Resistance: A Study of Pofiticaf


39. Ecienne Balibar, "Prolégomenes à la souverainecé: la fronciere, l'Ecac, Viofence with Case Studies of Some Primitive African Communities.
1epeuple". Les TempsModernes, n. 610, nov. 2.000, pp. 54-55. Oxford: Oxford Universicy Press, 1969.

34 35
de suas peles do que o fato de que "se comportavam constitui necessariamente a consequência natural de
como parte da natureza, que a tratavam como senhor uma guerra colonial. De fato, a distinção entre guerra e
inconcesce". Assim, a natureza continua a ser, com paz não é pertinente. As guerras coloniais são concebi-
todo o seu esplendor, a única e todo-poderosa reali- das como a expressão de uma hostilidade absoluta que
dade. Comparados a ela, os selvagens pareciam fantas- coloca o conquistador face a um inimigo absoluco. 43
mas, ilusões. Os selvagens são, por assim dizer, seres Todas as manifestações de guerra e hostilidade margi-
humanos "naturais", que carecem do caráter específico nalizadas pelo imaginário legal europeu encontraram
humano, da realidade especificamente humana, de cal a ocasião para reemergir nas colônias. Aqui, a ficção de
forma que, "quando os europeus os massacravam, de uma distinção entre os "fins da guerra" e os "meios de
certa forma não tinham consciência de cometerem guerra" entra em colapso; assim como a ficção de que
um critne".41 a guerra funciona como um enfrentamento submetido
Por todas essas razões, o direito soberano de matar a regras, em oposição ao puro massacre sem risco ou
não está sujeito a qualquer regra nas colônias. Lá, o justificativa instrumental. Torna-se inútil, portanto,
soberano pode matar a qualquer momento ou de tentar resolver um dos paradoxos intracáveis da guerra,
qualquer maneira. A guerra colonial não está sujeita bem capturado por Alexandre Kojeve em sua reinter-
a normas legais e institucionais. Não é uma atividade pretação de A fenomenologia do espírito, de Hegel: seu
codificada legalmente. Em vez disso, o terror colo- caráter simultaneamente idealista e aparentemente
nial se entrelaça constantemente com um imaginário inumano. 44
colonialista, caracterizado por cerras selvagens, morte
e ficções que criam o efeito de verdade. 42 A paz não

41. H. Arcndt, 01·igensdo totalitarismo, op. cic., p. 277.


43. Sobre o "inimigo': ver a edição especial L'Ennemi de Raisons Politiques,
n. 5, 2.002..
Para uma interpretação potente desse processo, ver Michael Taussig,
42..
44. Alexandre Kojcvc, fntroduction d la lecture de Hegel. Paris: Gallimard,
Shamanism, Colonialism, and the Wild Man: A Study in Terror and
Healing. Chicago: Univcrsity ofChicago Press, 1987. 1980.

37
36
NECROPODER E OCUPAÇÃO COLONIAL NA novas relações espaciais ("territorialização") foi, enfim,
MODERNIDADE TARDIA equivalente à produção de fronteiras e hierarquias,
Poderíamos pensar que as ideias desenvolvidas acima zonas e enclaves; a subversão dos regimes de proprie-
dizem respeito a um passado distante. No passado, dade existentes; a classificação das pessoas de acordo
com efeito, guerras imperiais tiveram como objetivo com diferentes categorias; extração de recursos; e,
destruir os poderes locais, instalando tropas e insti- finalmente, a produção de uma ampla reserva de ima-
tuindo novos modelos de controle militar sobre as ginários culturais. Esses imaginários deram sentido à
populações civis. Um grupo de auxiliares locais podia instituição de direitos diferentes, para diferentes cate-
participar da gestão dos territórios conquistados, ane- gorias de pessoas, para fins diferentes no interior de um
xados ao Império. Dentro do Império, as populações mesmo espaço; em resumo, o exercício da soberania. O
vencidas obtinham um estatuto que consagrava sua espaço era, portanto, a matéria-prima da soberania e da
espoliação. Em configurações como essas, a violên- violência que ela carregava consigo. Soberania significa
cia constitui a forma original do direito, e a exceção ocupação, e ocupação significa relegar o colonizado a
proporciona a estrutura da soberania. Cada estágio uma terceira zona, entre o estatuto de sujeito e objeto.~
do imperialismo também envolveu certas tecnologias- Esse foi o caso do regime do apartheid na África do
-chave (canhoneira, quinino, linhas de barcos a vapor, Sul. Aqui, o "distrito" constituía a forma estrutural e os
cabos do telégrafo submarino e ferrovias coloniais). 45 bantustões (homelands)tornaram-se as reservas (bases
{A"ocupação colonial" em si era uma questão de rurais), por meio das quais o fluxo de mão de obra
apreensão, demarcação e afirmação do controle físico migrante poderia ser regulamentado e a urbanização
e geográfico - inscrever sobre o terreno um novo con- africana, mantida sob controle. 46 Como Belinda Bozzoli
junto de relações sociais e espaciais. Essa inscrição de demonstrou, o distrito era particularmente um lugar em

45. Ver Daniel R. Headrick, The Tools of Empire: Technologyand 46. Sobre o bantustões, ver G. G. Maasdorp e A. S. B. Hwnphreys (orgs.),
European Imperialism in the Nineteenth Century. Nova York: Oxford FromShantytoumto Township:An EconomicStudy ofAfricanPovertyand
University Prcss, 1981. Rehousingin a South African City. Cidade do Cabo: Juta, 1975.

38 39
que "opressão e pobreza severas foram experimentadas isso se baseia no princípio da exclusividade recíproca. 50
com base na raça e classe social".47 Entidade sociopolí- Todavia, o mais importante é o modo como o poder
tica, cultural e econômica, o distrito foi uma instituição de morte opera:
espacial peculiar, cientificamente planejada para fins de
controle. 48 O funcionamento dos bantustões e distritos A cidade do colonizado [...] é um lugar de má fama,
implicou duras restrições à produção dos negros para o povoado por homens de má reputação. Lá eles nascem,
mercado de áreas brancas, a criminalização da residên- pouco importa onde ou como; morrem lá, não importa
cia negra em fazendas brancas (exceto como servos a onde ou como. É um mundo sem espaço; os homens
serviço dos brancos), o controle do fluxo urbano e, mais vivem uns sobre os outros. A cidade do colonizado é uma
tarde, a negação da cidadania aos africanos. 49 cidade com fome, fome de pão, de carne, de sapatos, de
Frantz Fanon descreve de maneira espantosa a espa- carvão, de luz. A cidade do colonizado é uma vila aga-
cialização da ocupação colonial. Para ele, a ocupação chada, uma cidade ajoelhada. 51
colonial implica, acima de tudo, uma divisão do espaço
em compartimentos. Envolve a definição de limites e Nesse caso, a soberania é a capacidade de definir quem
fronteiras internas, representadas por quartéis e delega- importa e quem não importa, quem é "descartável" e
cias de polícia; está regulada pela linguagem da força quem não é.
pura, presença imediata e ação direta e frequente; e A ocupação colonial tardia difere em muitos aspec-
tos da primeira ocupação moderna, particularmente
47. Belinda Bozzoli, "Why were che 1980s 'millenarian'? Scyle, repcrtoire,
em sua combinação entre o disciplinar, a biopolítica e a
space and auchority in Souch Africa's black cities".journaL of HistoricaL necropolítica. A forma mais bem-sucedida de necropo-
SocioLogy,n. 13,woo, p. 79. der é a ocupação colonial contemporânea da Palestina.
48. !d., ib.
49. Ver Herman Giliomee (org.), Up Against the Fences: Poverty, Passes
and Privifeges in South A/rica. Cidade do Cabo: David Philip, 1985; 50. Frantz Fanon, The vVretched of the Earth, trad. C. Farrington. Nova
Francis Wilson, Migrant Labour in South A/rica. Joanesburgo: Christian York: Grove Weidenfeld, 1991,p. 39.
lnscicute ofSouchern Africa, 1972. 51.!d. ibid., PP· 37-39.

40 41
Aqui, o Estado colonial tira sua pretenção funda- lembrança de um corpo rasgado em mil pedaços e irre-
mental de soberania e legitimidade da autoridade de seu conhecível; os limites, ou melhor, a impossibilidade de
próprio relato da história e da identidade. Essa narra- representação de um "crime absoluto", uma morte indi-
tiva é reforçada pela ideia de que o Estado tem o direito zível: o terror do Holocausto. 53
divino de existir; e entra em competição com outra nar- Para retornar à leitura espacial de Fanon da ocupa-
rativa pelo mesmo espaço sagrado. Como ambos os dis- ção colonial, a ocupação da Faixa de Gaza apresenta
cursos são incompatíveis e suas populações estão entre- três características principais ligadas ao funciona-
laçadas de modo inextricável, qualquer demarcação de mento da formação específica do terror, que chamei
território com base na identidade pura é quase impos- de "necropoder" 54 . A primeira é a dinâmica da frag-
sível. Violência e soberania, nesse caso, reivindicam um mentação territorial, o acesso proibi1o a certas zonas e
fundamento divino: a qualidade do povo é forjada pela a expansão dos assentamentos.
adoração de uma divindade mítica, e a identidade nacio- O objetivo desse processo é duplo: impossibilitar
nal é imaginada como identidade contra o Outro, con- qualquer movimento e implementar a segregação à
tra outras divindades. 52 História, geografia, cartografia e moda do Estado do apartheid. Assim, os territórios
arqueologia supostamente apoiam essas reivindicações, ocupados são divididos em uma rede complexa de
relacionando estreitamente iden~idade e topografia. fronteiras internas e várias células isoladas. De acordo
Em consequência, a violência colonial e a ocupação se com Eyal Weizman, ao se afastar de uma divisão plana
apóiam no terror sagrado da verdade e da exclusividade do território e ao adotar o princípio da criação de
(expulsões em massa, reassentamento de pessoas "apá- limites tridimensionais no interior dele, a dispersão e
tridas" em campos de refugiados, estabelecimento de
novas colônias). Por trás do terror do sagrado, a exuma- 53.Ver Lydia Flem,Urt et Lamémoire descamps: Rep1-ésenter,exterminer.
ção constante de ossadas desaparecidas; a permanente Jean-Luc Nancy (ed.). Paris: Seuil, 2.001.
54. NE: Os textos de Weizman referidos por Mbembe foram escritos
antes que Israel retirasse seus soldados e assentamentos de dentro da
Ver Regina M. Schwarcz, The Curse o/ Cain: The Violent Legacy
52.. oJ Faixa de Gaza, em 2.005. A lógica descrita, porém, continua inteiramente
Monotheism. Chicago: University of Chicago Press, 1997. vigente no cocante à Cisjordânia.

42 43
a segmentação redefinem claramente a relação entre uma divisão conclusiva entre as duas nações por meio
soberania e espaço. 55 de uma fronteira, "a peculiar organização do terreno
Para Weizman, essas ações constituem "a política da que constitui a Faixa de Gaza criou múltiplas separa-
verticalidade". A forma resultante da soberania pode ções, limites provisórios que se relacionam mediante
ser chamada de "soberania vertical". Sob um regime vigilância e controle". Nessas circunstâncias, a ocupação
de soberania vertical, a ocupação colonial opera por colonial não equivale apenas ao controle, à vigilância
uma rede de pontes e túneis, em uma separação entre e à separação, mas também à reclusão. É uma "ocupa-
o espaço aéreo e o terrestre. O próprio chão é dividido ção fragmentada", assemelhada ao urbanismo estilha-
entre a superfície e o subsolo. A ocupação colonial tam- çado que é característico do mundo contemporâneo.
bém é ditada pela própria natureza do terreno e suas (enclaves periféricos e comunidades fechadas: gated
variações topográficas (colinas e vales, montanhas e communities). 56
cursos d'água). Assim, o terreno elevado oferece bene- Do ponto de vista da infraestrutura, uma forma
fícios estratégicos não encontrados nos vales (eficácia fragmentária da ocupação colonial se caracteriza por
da vista, autoproteção, fortificações panópticas que uma rede de estradas de rápida circulação, pontes e
permitem orientar o olhar para múltiplas direções). túneis que se entrecruzam na tentativa de manter o
Weizman diz: "Assentamentos poderiam ser vistos "princípio da exclusividade recíproca" de Fanon. De
como dispositivos ópticos urbanos para a vigilância e o acordo com Weizman,
exercício do poder". No contexto da ocupação colonial
contemporânea, a vigilância está orientada tanto para o as estradas de rotas alternativas tentam separar as redes
interior quanto para o exterior, o olho atua como arma viárias palestinas e israelenses,preferencialmente sem
e vice-versa. De acordo com Weizman, em vez de criar jamais permitir que elas se cruzem. Eles enfatizam,

55.Ver Eyal Weizman, ThePoliticsof Verticality.Disponível cm <https://


56. Ver Stephen Graham e Simon Marvin, Splintering Urbanisrn:
www.opendcmocracy.nec/ecology-policicsvercicalicy/arcicle_8o1.jsp>, Networked Jrifi·astructures, Technological Mobility and the Urban
acesso cm: 16 fcv. 2018.
Condition. Londres: Roucledgc, 2001.

44
45
portanto, a sobreposição de duas geografias distintas tripulados (unmanned air vehicles), jatos de reconhe-
que habitam a mesma paisagem. Em pontos em que se cimento aéreo, prevenção usando aviões com sistema
cruzam as redes,é criada uma separaçãoimprovisada.Na de alerta avançado (Hawkeye planes), helicópteros de
maioria das vezes,passagensde terra são escavadaspara assalto, um satélite de observação da Terra, técnicas de
permitir que os palestinos cruzem sob as grandes autoes- holografia. Matar se torna um assunto de alta precisão.
tradas, nas quais vans e veículos militares israelensescor- Tal precisão é combinada com as táticas de sítio
rem entre diferentes colônias.57 medieval adaptada para a expansão da rede em campos
de refugiados urbanos. Uma sabotagem orquestrada e
Sob condições de soberania vertical e ocupação colo- sistemática da rede de infraestrutura social e urbana do
nial fragmentada, comunidades são separadas segundo inimigo complementa a apropriação dos recursos de
um eixo de ordenadas. Isso conduz a uma prolifera- terra, água e espaço aéreo. Um elemento crucial nessas
ção dos espaços de violência. Os campos de batalha técnicas de inabilitação do inimigo é a da terra arra-
não estão localizados exclusivamente na superfície da sada (bulldozer): demolir casas e cidades; desenraizar as
terra. Assim como o espaço aéreo, o subsolo também oliveiras; crivar de tiros tanques de água; bombardear
é transformado em zona de conflito. Não há continui- e obstruir comunicações eletrônicas; escavar estradas;
dade entre a terra e o céu. Até mesmo os limites no destruir transformadores de energia elétrica; arrasar
espaço aéreo dividem-se entre as camadas inferiores pistas de aeroporto; desabilitar os transmissores de
e superiores. Em todo lugar, o simbolismo do topo rádio e televisão; esmagar computadores; saquear sím-
(quem se encontra no topo) é reiterado. A ocupação bolos culturais e político-burocráticos do Preto-Estado
dos céus adquire, portanto, uma importância crucial, Palestino; saquear equipamentos médicos. Em outras
já que a maior parte do policiamento é feito a partir palavras, levar a cabo uma "guerra infraestrutura!". 58
do ar. Várias outras tecnologias são mobilizadas para
esse efeito: sensores a bordo de veículos aéreos não
58. Ver Scephcn Graham, '"Clean Tcrricory': Urbicidc in chc Wcsc
Bank". Disponível cm: < hccps://www.opcndcmocracy.ncc/conflicc-
57.E. Wcizman, The Politics o/Verticality, op. cic. policicsvcrcicalicy/arciclc_2.41.jsp>, 16 fcv. 2.018.

46 47
Enquanto o helicóptero de combate Apache é usado células territoriais requer autorizações formais. Insti-
para patrulhar o ar e matar a partir dos céus, o trator tuições civis locais são sistematicamente destruídas. A
blindado bulldozer ( Caterpillar D-9) é usado em terra população sitiada é privada de suas fontes de renda. Às
como arma de guerra e intimidação. Em contraste com execuções a céu aberto somam-se matanças invisíveis.
a ocupação colonial moderna, essas duas armas estabe-
lecem a superioridade de instrumentos de alta tecno- MÁQUINAS DE GUERRA E HETERONOMIA
logia do terror da era contemporânea. 59 Após ter examinado o funcionamento do necropoder
Como ilustra o caso palestino, a ocupação colonial no contexto da ocupação colonial contemporânea,
contemporânea é um encadeamento de vários poderes: gostaria de tratar agora das guerras contemporâneas.
disciplinar, biopolítico e necropolítico. A combina- Tais guerras pertencem a um novo momento e dificil-
ção dos três possibilita ao poder colonial a dominação mente podem ser entendidas por meio de teorias ante-
absoluta sobre os habitantes do território ocupado. O riores de "violência contratual" ou tipologias como
"estado de sítio" em si é uma instituição militar. Ele per- guerra "justa" e "injusta", ou mesmo o instrumenta-
mite uma modalidade de crime que não faz distinção lismo de Carl von Clausewitz. 60 Segundo Zygmunt
entre o inimigo interno e o extei;no. Populações intei- Bauman, guerras da era da globalização não incluem
ras são o alvo do soberano. As vilas e cidades sitiadas em seus objetivos conquista, aquisição e gerência de
são cercadas e isoladas do mundo. A vida cotidiana é um território. Idealmente, são ataques-relâmpago.
militarizada. É outorgada liberdade aos comandan- O crescente abismo entre os meios de guerra de
tes militares locais para usar seus próprios critérios alta e baixa tecnologia nunca foi tão evidente como
sobre quando e em quem atirar. O deslocamento entre na Guerra do Golfo e na campanha de Kosovo. Em
ambos os casos, a doutrina da "força esmagadora ou
59. Compare com a panóplia de novas bombas jogadas pelos Estados decisiva" (overwhefming or decisiveforce) foi totalmente
Unidos durante a Guerra do Golfo e a guerra no Kosovo, cm geral
destinadas a fazer chover cristais de grafite para desativar estações dç
energia e redes de distribuição. Michael Ignaticff, VirtunL /IVtir.Nova 60. Ver Michael Walzer,just and Unjust /!Vtirs:A MoraLArgument with
York: Metropolican Books, 2000. HistoricalILLustrations. Nova York: Basic Books, 1977.

48 49
implementada graças a uma revolução militar-tec- a destruição do complexo petroquímico Pancevo, nos
nológica que multiplicou a capacidade de destruição arredores de Belgrado, durante a campanha de Kosovo
de forma jamais vista. 61 A guerra aérea, ao relacionar "deixou as proximidades tão contaminadas com cloreto
altitude, artilharia, visibilidade e inteligência, é con- de vinilo, amônia, mercúrio, nafta e dioxinas, que se
siderada aqui um bom exemplo. Durante a Guerra recomendou o aborto às mulheres grávidas, da mesma
do Golfo, o uso combinado de bombas inteligentes forma que todas as mulheres locais foram aconselhadas
e bombas revestidas com urânio empobrecido (nu), a evitar a gravidez durante dois anos".62
armas de alta tecnologia, sensores eletrônicos, mísseis As guerras da época da globalização, assim, visam
guiados a laser, bombas de fragmentação e asfixiantes, forçar o inimigo à submissão, independentemente de
tecnologias stealth, veículos aéreos não tripulados e consequências imediatas, efeitos secundários e "danos
ciberinteligência paralisavam rapidamente quaisquer colaterais" das ações militares. Nesse sentido, as guer-
capacidades do inimigo. ras contemporâneas são mais uma reminiscência das
Em Kosovo, a "degradação" das capacidades sérvias estratégias de guerra dos nômades do que das guerras
tomou a forma de uma guerra infraestrutura! que des- territoriais de "conquista-anexação" das nações seden-
truiu pontes, ferrovias, rodovias, redes de comunicação, tárias da modernidade. Nas palavras de Bauman,
armazéns e depósitos de petróleo, centrais termoelé-
tricas, centrais elétricas e instalações de tratamento de Sua superioridade sobre a população sedentária se deve
água. Como se pode presumir, a execução de tal estra- à velocidade de seu próprio movimento; sua capacidade
tégia militar, especialmente quando combinada com
a imposição de sanções, resulta na falência do sistema 62.. Thomas W. Smith, "The new law of war: lcgicimizing hi-cech and
de sobrevivência do inimigo. Os danos persistentes à infrascrucmral violencc". lnternational Studies J2.!!arterly, v. 46, n. 3,
vida civil são particularmente eloquentes. Por exemplo, 2.002., p. 367. Sobre o Iraque, ver Geoffrcy Lcslic Simons, The Scourging
oflraq: Sanctions, Law and Natural justice. Nova York: Se. Martin, 1998;
ver também Ahmed Shchabaldin e William M. Laughlin Jr., "Economic
61.Benjamin Ederington e Michael]. Mazarr (orgs.), Turning Point: The sanccions againsc lraq: human and economic coscs".Jnternational]ournal
Guif War and US. Military Strategy. Boulder: Wescview, 1994. o.fHuman Rights, 3, n. 4, 2.000, PP· 1-18.

50 51
de descer do nada sem aviso prévio e desaparecer nova- geograficamente entrelaçadas, e nas quais abundam
mente sem aviso, sua capacidade de viajar facilmente fidelidades plurais, suseranias assimétricas e enclaves.64
e não se incomodar com pertences como os que limi- Nessa organização heterônima de direitos territoriais e
tam a mobilidade e o potencial de manobra dos povos reivindicações, faz pouco sentido insistir na distinção
sedentários.63 entre os campos políticos "interno" e "externo", separa-
dos por limites claramente demarcados.
Esta nova era é o da mobilidade global. Uma de suas Tomemos o exemplo da África, onde a economia
principais características é que as operações militares política do Estado mudou drasticamente ao longo do
e o exercício do direito de matar já não constituem o último quarto do século xx. Muitos Estados africanos
monopólio exclusivo dos Estados, e o "exército regu- já não podem reivindicar monopólio sobre a violência
lar" já não é o único meio de executar essas funções. A e sobre os meios de coerção dentro de seu território.
afirmação de uma autoridade suprema em um determi- Nem mesmo podem reivindicar monopólio sobre seus
nado espaço político não se dá facilmente. Em vez disso, limites territoriais! A própria coerção tornou-se pro-
emerge um mosaico de direitos de governar incom- duto do mercado. A mão de obra militar é comprada e
pletos e sobrepostos, disfarçados e emaranhados, nos vendida num mercado em que a identidade dos forne-
quais sobejam diferentes instâncias jurídicas defacto cedores e compradores não significa quase nada. Milí-
cias urbanas, exércitos privados, exércitos de senhores
63. Zygmunt Baw11an,"Wars of the Globalization Era".Europeanjournal regionais, segurança privada e exércitos de Estado pro-
o/Social Theory, v. 4, n. 1, 2.001, p. 15. "Afastados como estão de seus 'alvos: clamam, todos, o direito de exercer violência ou matar.
correndo daqueles que golpeiam rápido demais para testemunhar a
Estados vizinhos ou movimentos rebeldes arrendam
devastação que causam e o sangue que derramam, os pilotos convertidos
em computadores quase nunca têm a chance de olhar suas vítimas exércitos a Estados pobres. Fornecedores de violên-
no rosco e avaliar a miséria humana que têm semeado." "Militares cia não governamental disponibilizam dois recursos
profissionais do nosso tempo não veem cadaveres nem ferimentos. Talvez,
eles durmam bem; nenhuma pontada em suas consciências os manterá
acordados" (p. 2.7). Ver também "Penser la guerrc aujourd'hui". Cahiers 64.Achille Mbembe, "At the edge of the world: boundaries, territoriality,
elela Villa Gillet, n. 16, 2.002., pp. 75-152..
and sovereignty in Africa".Public Cufture, n. 12., 2.000, pp. 2.59-2.84.

52 53
coercitivos críticos: o trabalho e os minerais. Cada vez Pode, ainda, se apropriar de uma máquina de guerra
mais, a maioria dos exércitos é composta de soldados- ou ajudar a criar uma. As máquinas de guerra funcio-
-cidadãos, crianças-soldados, mercenários e corsários. 65 nam por empréstimo aos exércitos regulares, enquanto
Junto aos exércitos, tem emergido o que, seguindo incorporam novos elementos bem adaptados ao princí-
Deleuze e Guattari, poderíamos referir como "máqui- pio de segmentação e desterritorialização. Tropas regu-
nas de guerra".66 Essas máquinas são constituídas por lares, por sua vez, podem prontamente se apropriar de
segmentos de homens armados que se dividem ou se certas características de máquinas de guerra.
mesclam, dependendo da tarefa e das circunstâncias. Uma máquin:1 de guerra combina uma pluralidade
Organizações difusas e polimorfas, as máquinas de de funções. Tem as características de uma organização
guerra se caracterizam por sua capacidade de metamor- política e de uma empresa comercial. Opera mediante
fose. Sua relação com o espaço é móvel. Algumas vezes, capturas e depredações e pode até mesmo cunhar seu
desfrutam de relações complexas com formas estatais próprio dinheiro. Para bancar a extração e exportação
(da autonomia à incorporação). O Estado pode, por de recursos naturais localizados no território que con-
si mesmo, se transformar em uma máquina de guerra. trolam, as máquinas de guerra forjam ligações diretas
com redes transnacionais. Máquinas de guerra surgi-
65. Em direito internacional, "corsários" (privateers) são definidos como ram na África durante o último quarto do século xx
"navios de propriedade privada que navegam sob uma comissão de guerra em relação direta com a erosão da capacidade do Estado
que capacita a pessoa a quem é concedido continuar todas as formas de pós-colonial de construir os fundamentos econômi-
hostilidade permitidas cm alto-mar pelos usos da guerra". Uso o termo aqui
cos da ordem e autoridade políticas. Essa capacidade
para designar formações armadas que acuam indcpcndentcmencc de qual-
quer sociedade politicamente organizada, na busca de interesses privados, envolve o aumento de receita, o comando e regulamen-
quer seja sob a máscara do Estado ou não. C(Janicc 1homson,Mercenaries, tação do acesso aos recursos naturais dentro de um ter-
pimtes, and sovereigns. Princccon: Princecon Universicy Press, 1997. ritório bem definido. Em meados da década de 1970,
66. Gilles Delcuzc e Felu Guaccari, Capitalisme et schizophrénie. Paris:
com o desgaste das habilidades do Estado em manter
Edicions de Minuic, 1980, pp. 434-52.7 [Mil platôs: Capitalismo e
esquizofrenia, v. 5, crad. bras. Pecer PáJ Perbarc e Janice Caiafa. São Paulo: essa capacidade, emerge uma linha claramente definida
Ed. 34, 1997, PP· 7-95]. entre instabilidade monetária e fragmentação espacial.

54 55
Na década de 1980, a experiência brutal da desvalori- Segundo, o fluxo controlado e a demarcação dos
zação monetária se torna cada vez mais frequente, com movimentos de capital em regiões das quais se extraem
ciclos de hiperinflação ocorrendo em vários países (o recursos específicos tornaram possível a formação de
que incluiu até mesmo a substituição repentina de uma "enclaves econômicos" e modificaram a antiga relação
moeda). Durante as últimas décadas do século xx, a entre pessoas e coisas. A concentração de atividades rela-
circulação monetária tem influenciado o Estado e a cionadas à extração de recursos valiosos em torno des-
sociedade pelo menos de duas formas diferentes. ses enclaves tem, por sua vez, convertido esses enclaves
Primeiro, temos visto uma escassez geral de liquidez em espaços privilegiados de guerra e morte. A própria
e sua concentração gradual em determinados canais, guerra é alimentada pelo crescimento das vendas dos
cujo acesso está submetido a condições cada vez mais produtos extraídos. 68 Consequentemente, novas rela-
draconianas. Como resultado, o número de indivíduos ções surgem entre a guerra, as máquinas de guerra e a
dotados de meios materiais para controlar dependen- extração de recursos.69 Máquinas de guerra estão impli-
tes por meio da criação de dívidas diminuiu abrupta- cadas na constituição de economias locais ou regionais
mente. Historicamente, capturar e fixar dependentes altamente transnacionais. Na maioria dos lugares, o
por meio de dívida tem sido sen:ipre um aspecto cen- colapso das instituições políticas formais sob a pressão
tral tanto da produção de pessoas como da constitui- da violência tende a conduzir à formação de economias
ção do vínculo político. 67 Tais obrigações foram cru-
ciais para determinar o valor das pessoas e julgar seu
68. Ver Jakkie Cilliers e Christian Diccrich (orgs.). Angola'sJ:½rEconomy:
valor e utilidade. ~ndo seu valor e utilidade não são
TheRoleofOilandDiamonds.Pretória: lnstitute for Sccurity Scudies, 2000.
demonstrados, podem ser destituídas como escravos, 69. Ver,por exemplo, "Rapport du Groupc d'cxpcrts sur l'cxploitation illégalc
peões ou clientes. dcs ressources nacurclles et autrcs richesscs de la Républiquc Démocratique
du Congo", relatório da Organização das Nações Unidas n. 2/2001/357,
submetido pela Secretaria Geral ao Conselho de Segurança, 12 abr. 2001.
67.Joseph C. Miller, J:½yo/Death:Merchant Capitalismand theAngolan Ver também Richard Snyder, "Does lootablc wcalth brced disordcr? States,
Slave Trade,I730-IS30. Madison: University ofWisconsin Press, 1988, regimes, and thc political economy of cxtraction". Disponível cm: <https://
especialmente cap. 2 e 4. kcllogg.nd.edu/publications/workin- gpapers/WPS/312.pdf>.

56 57
de milícia. Máquinas de guerra (nesse caso, milícias ou \Essa forma de governabilidade difere do comando
movimentos rebeldes) tornam-se rapidamente meca- (commandement) 71 colonial. As técnicas de policia-
nismos predadores extremamente organizados, que mento e disciplina, além da escolha entre obediência e
taxam os territórios e as populações que os ocupam e se simulação que caracterizou o potentado colonial e pós-
baseiam numa variedade de redes transnacionais e diás- -colonial, estão gradualmente sendo substituídas por
poras que os proveem com apoio material e financeiro. uma alternativa mais trágica, dado o seu extremismo
Em correlação com a nova geografia de extração de Tecnologias de destruição tornaram-se mais táteis, mais
recursos, assistimos ao surgimento de uma forma gover- anatômicas e sensoriais, dentro de um contexto no qual
namental sem precedentes, que consiste na "gestão das a escolha se dá entre a vida e a morte. 72 Se o poder ainda
multitudes". A extração e o saque dos recursos naturais depende de um controle estreito sobre os corpos (ou de
pelas máquinas de guerra caminham de mãos dadas com sua concentração em campos), as novas tecnologias de
tentativas brutais para imobilizar e fixar espacialmente destruição estão menos preocupadas com a inscrição de
categorias inteiras de pessoas ou, paradoxalmente, para corpos em aparatos disciplinares do que em inscrevê-los,
soltá-las, forçando-as a se disseminar por grandes áreas no momento oportuno, na ordem da economia máxima,
que excedem as fronteiras de um Estado territorial. agora representada pelo "massacre".Por sua vez,(a gene-
Enquanto categoria política, as populações são então ralização da insegurança aprofundou a distinção social
decompostas entre rebeldes, crianças-soldados, vítimas entre aqueles que têm armas e os que não têm ("lei de
ou refugiados, civis incapacitados por mutilação ou sim- distribuição de armas"). Cada vez mais, a guerra não
plesmente massacrados ao modo dos sacríficios antigos; ocorre entre exércitos de dois Estados soberanos. Ela é
enquanto os "sobreviventes", depois de um êxodo terrí-
vel, são confinados a campos e zonas de exceção.7° 71. Sobre commandement, ver Achille Mbcmbe, On the Postcolony.
Berkeley: Universicy of California Prcss, 2001, cap. 1-3.

72. Ver Leisel Talley, Paul B. Spiegel e Mona Girgis. "An invescigacion
70. VerLoren B. Landau, "Thc humanitarian hangovcr: Tra.nsnacionalization of increasing morcality among Congolese refugees in Lugufu Camp,
of governmcntal praccicc in Tanzania's refugee-populated arcas".Refugee Tanzania, May-Junc 1999".Journalo/ RefugeeStuclies,14, n. 4, 2001, pp.
Surveyf2!:!:arter!y,
21, n. 1, 2.002, pp. 260-299, pp. 281-287, especialmente. 412-427.

58 59
travada por grupos armados que agem por trás da más- petrificação dos ossos, sua frieza (coofness) estranha,
cara do Estado contra os grupos armados que não têm por um lado, e por outro lado seu desejo persistente de
Estado, mas que controlam territórios bastante distin- produzir sentido, de significar algo.
tos; ambos os lados têm como seus principais alvos as Nesses pedaços de ossada impassíveis, não parece
populações civis desarmadas ou organizadas como milí- haver nenhum vestígio de "ataraxia": nada mais que
cias. Em casos nos quais dissidentes armados não toma- a rejeição ilusória de uma morte que já ocorreu. Em
ram completamente o poder do Estado, eles produzem outros casos, em que a amputação física substitui a
partições territoriais, alcançando o controle sobre morte imediata, cortar os membros abre caminho
regiões inteiras pelo modelo feudal, especialmente onde para a implantação das técnicas de incisão, ablação e
existem depósitos minerais. 73 excisão que também têm os ossos como seu alvo. Os
As maneiras de matar não variam muito. No caso vestígios dessa cirurgia demiúrgica persistem por um
particular dos massacres, corpos sem vida são rapi- longo tempo, sob a forma de configurações humanas
damente reduzidos à condição de simples esqueletos. vivas, mas cuja integridade física foi substituída por
Sua morfologia doravante os inscreve no registo de pedaços, fragmentos, dobras, até mesmo imensas feri-
generalidade indiferenciada: simples relíquias de uma das difíceis de fechar. Sua função é manter diante dos
dor inexaurível, corporeidades, vazias, sem sentido, olhos da vítima - e das pessoas a seu redor - o espetá-
formas estranhas mergulhadas em estupor. No caso culo mórbido do ocorrido.
do genocídio de Ruanda - em que um grande número
de esqueletos foi preservado em estado visível, quando DE GESTO E DO METAL
não exumados -, o surpreendente é a tensão entre a Voltemos ao exemplo da Palestina, onde duas lógi-
cas aparentemente irreconciliáveis se confrontam: a
"lógica do martírio" e a "lógica da sobrevivência". Ao
73. Ver Tony Hodgcs, Angola: F1mn Afro-Stalirúsm to Petro-Diamond
Capitalisrn. Oxford: James Currcy, 2.001, cap. 7; Scephen Ellis, The Mask analisar essas duas lógicas, gostaria de lançar luz sobre
o/ Anarchy: The Destmction qj'Liberia and the Religious Dirnension o/ an os dois problemas gêmeos da morte e terror por um
A_ji-icanCivil /lliár.Londres: Hursc & Company, 1999. lado, do terror e da liberdade por outro.

60
61
No confronto entre essas duas lógicas, o terror não mísseis, um tanque ou o próprio corpo? A distinção
se encontra de um lado, e a morte de outro. Terror entre as armas utilizadas para aplicar a morte impede
e morte estão no coração de cada um. Como Elias o estabelecimento de um sistema de equivalência geral
(Canett" nos lembra,\o sobrevivente é aquele que, tendo entre o modo de matar e o modo de morrer?
percorrido o caminho da morte, sabendo dos extermí- O "homem-bomba" não veste nenhum uniforme
nios e permanecendo entre os que caíram, ainda está de soldado e não exibe nenhuma arma. O candidato a
vivo~Ou, mais precisamente o sobrevivente é aquele mártir persegue seus alvos; o inimigo é uma presa para
que, após lutar contra muitos inimigos, conseguiu quem ele arma uma armadilha. A esse respeito é signifi-
não só escapar com vida, como também matar seus cativo o local em que a emboscada é colocada: o ponto
agressores Por isso, em grande medida, o grau mais de ônibus, a cafeteria, a discoteca, o mercado, a guarita,
baixo da sobrevivência é matar. Canetti assinala que a rua - em suma, os espaços da vida cotidiana.
(na lógica da sobrevivência "cada homem é inimigo de A captura do corpo se soma ao local da emboscada.
todos os outros". Mais radicalmente, o horror experi- O candidato a mártir transforma seu corpo em máscara
mentado sob a visão da morte se transforma em satis- que esconde a arma que logo será detonada. Ao contrá-
fação quando ela ocorre com o outro. É a morte do rio do tanque ou míssil, que é claramente visível, a arma
outro, sua presença física como um cadáver, que faz o contida na forma do corpo é invisível. Assim, dissimu-
sobrevivente se sentir único. E cada inimigo morto faz lada, faz parte do corpo. Está tão intimamente ligada
aumentar o sentimento de segurança do sobrevivente.74 ao corpo que, no momento da detonação, aniquila seu
A lógica do mártir procede por vias diferentes. Ela portador e leva consigo outros corpos, quando não os
é caracterizada pela figura do "homem-bomba': que reduz a pedaços. {Ocorpo não esconde apenas uma
já em si gera uma série de questões. ~l a diferença arma. Ele é transformado em arma, não em sentido
fundamental entre matar usando um helicóptero de metafórico, mas no sentido verdadeiramente balístico.
(Nesse caso, minha morte anda de mãos dadas com
74. Ver Elias Canecti, Massa epoder, trad. bras. Sério Tellaroli. São Paulo:
a morte do outro. Homicídio e suicídio são realiza-
Companhia das Letras, 1995, pp. 2.2.7-2.80. dos no mesmo ato. E em larga medida, resistência e

62 63
autodestruição são sinônimos\ Matar é, portanto, momento de poder. Nesse caso, o triunfo deriva preci-
reduzir o outro e a si mesmo ao estatuto de pedaços samente da possibilidade de estar lá quando os outros
de carne inertes, dispersos e reunidos com dificuldade (nesse caso o inimigo) não estão mais Tal é a lógica do
antes do encerro. Nesse caso, trata-se de uma guerra heroísmo entendida classicamente: executar os demais,
corpo a corpo. Matar requer a aproximação extrema mantendo a própria morte à distância.
com o corpo do inimigo. Para detonar a bomba, é pre- (Na lógica do mártir, emerge uma nova semiose do
ciso resolver a questão da distância, por meio do traba- assassinato) Ela não se baseia necessariamente numa
lho de proximidade e dissimulação. relação entre forma e matéria. Como já indiquei, nesse
Como interpretar essa forma de derramar sangue, caso o corpo se torna o uniforme do mártir. Mas o
na qual a morte não é simplesmente "a minha própria", corpo como tal não é apenas um objeto de proteção
mas algo que vem acompanhado da morte do outro ?75 contra o perigo e a morte.(O corpo em si não tem
Em que difere da morte infligida por um tanque ou um poder nem valor. O poder e o valor do corpo resultam
míssil, num contexto em que o custo de minha sobre- de um processo de abstração com base no desejo de
vivência é calculado em termos de minha capacidade eternidade. Nesse sentido, o mártir, tendo estabelecido
e disponibilidade para matar alguém? Na lógica do um momento de supremacia em que o sujeito triunfa
"mártir", a vontade de morrer se funde com a vontade sobre sua própria mortalidade, pode se perceber como
de levar o inimigo consigo, ou seja, eliminar a possibi- tendo trabalhado sob o signo do futuro. Em outras
lidade de vida para todos. Essa lógica aparentemente palavras: na morte, o futuro é colapsado no presente.
contraria a outra, que consiste em querer impor a Em seu desejo de eternidade, o corpo sitiado passa
morte aos demais, preservando a própria vida. Canecci por duas fases. Primeiro, ele é transformado em mera
descreve esse momento de sobrevivência como um coisa, matéria maleável. Depois, a maneira como é con-
duzido à morte - suicídio - lhe proporciona seu signi-
ficado final. A matéria que constitui o corpo é inves-
75. Martin Heidegger, .É'treet temps. Paris: Gallimard, 1986, pp. 289-32.2
tida de propriedades que não podem ser deduzidas a
[Ed. bras.:Ser e tempo,crad.Márcia de Sá CavalcanccSchuback. Petrópolis:
Vozes,200 6]. partir de seu caráter de coisa, mas sim de um nomos

64 65
transcendental, fora dele. O corpo sitiado se converte viver com o sentimento de estar morrendo. A própria
em uma peça de metal cuja função é, pelo sacrifício, morte deve se tornar a consciência de si mesmo no
trazer a vida eterna ao ser. O corpo se duplica e, na momento em que oblitera o ser consciente.
morte, literal e metaforicamente escapa do estado de
sítio e ocupação) Em cerco sentido, isso é o que acontece (o que pelo
Como conclusão, explorarei a relação entre ter- menos está a ponto de acontecer, ou o que ocorre de
ror, liberdade e sacrifício. Martin Heidegger defende forma ilusória, fugaz) por meio de um subterfúgio no
que o "ser para a morte" é a condição decisiva de toda sacrifício. Nessa situação, o ser se identifica com o ani-
liberdade humana verdadeira. 76 Em outras palavras, mal à beira da morte. Assim, ele morre, vendo-se mor-
se é livre para viver a própria vida somente quando se rer e ainda, em algum sentido, por meio de sua própria
é livre para morrer a própria morte. Enquanto Hei- vontade, em harmonia com a arma de sacrifício. Mas é
degger dá um estatuto existencial ao "ser para a morte" uma comédia!
e o considera uma manifestação de liberdade, Bataille
sugere que "o sacrifício na realidade não revela nada". E para Bataille, a comédia é mais ou menos o meio
Não é simplesmente a manifestação absoluta da negati- pelo qual o sujeito humano "voluntariamente engana
vidade. Também é uma comédia.' Para Bataille, a morte a si próprio". 77
revela o lado animal do ser humano, ao qual ele ainda De que forma as noções de jogo e trapaça se rela-
se refere como o "ser natural" do sujeito. cionam ao "homem-bomba"? Não há dúvidas de que,
"Para sua autorrevelação final, é preciso morrer, nesse caso, o sacrifício consiste na espetacular submis-
mas ele terá que fazê-lo enquanto. vivo - olhando a são de si à morte, no devir sua própria vítima (sacrifí-
si mesmo ao deixar de existir", acrescenta. Em outras cio de si). O "autossacrificado" procede a fim de tomar
palavras, o ser humano tem de estar plenamente vivo posse de sua própria morte e de encará-la firmemente.
no momento de morrer, estar ciente de sua morte, para
77. Georges Bataille, ''.Année 1955 - Hegel, la mort et !e sacrifice". Oeuvres
76. Id., ibid. Completes,v. 12. Paris: Gallimard, 1988, p. 336.

66 67
Esse poder pode derivar da convicção de que a destrui- em todo lugar; construções que trazem à tona memó-
ção do próprio corpo não afeta a continuidade do ser. rias dolorosas de humilhação, interrogatórios e espan-
O ser é pensado como existindo fora de nós O autos- camentos; toques de recolher que aprisionam cen-
sacrifício equivale à remoção de uma proibição dupla: tenas de milhares de pessoas em suas casas apertadas
da auto imolação (suicídio) e do assassinato. Todavia, todas as noites do anoitecer ao amanhecer; soldados
diferentemente dos sacrifícios primitivos, não há patrulhando as ruas escuras, assustados pelas próprias
nenhum animal para servir como um substituto da sombras; crianças cegadas por balas de borracha; pais
vítima. A morte atinge aqui o caráter de transgres- humilhados e espancados na frente de suas famílias;
são. Ao contrário da crucificação, não tem nenhuma soldados urinando nas cercas, atirando nos tanques de
dimensão expiatória. Não se relaciona com os para- água dos telhados só por diversão, repetindo slogans
digmas hegelianos de prestígio ou reconhecimento. ofensivos, batendo nas portas frágeis de lata para assus-
Com efeito, uma pessoa morta não pode reconhecer tar as crianças, confiscando papéis ou despejando lixo
o assassino, que também está morto. Isso implica que a no meio de um bairro residencial; guardas de fronteira
morte se manifesta aqui como pura aniquilação, insig- chutando uma banca de legumes ou fechando frontei-
nificância, excesso e escândalo? ras sem motivo algum; ossos quebrados; tiroteios e
Se observarmos a partir da perspectiva da escravi- fatalidades - um certo tipo de loucura. 78
dão ou da ocupação colonial, morte e liberdade estão Em tais circunstâncias, o rigor da vida e as pro-
irrevogavelmente entrelaçadas. Como já vimos,( o vações (julgamento por morte) são marcados pelo
terror é uma característica que define tanto os Esta- r;o
excesso. que liga o terror, a morte e a liberdade é
dos escravistas quanto os regimes coloniais contem- uma noção "extática" da temporalidade e da política
porâneos. Ambos os regimes são também instâncias O futuro, aqui, pode ser autenticamente antecipado,
e experiências específicas de ausência de liberdade mas não no presente.(O presente em si é apenas um
iver sob a ocupação contemporânea é experimentar
uma condição permanente de "viver na dor\, estrutu- 78. Sobre o que antecede, ver Amira Hass, Drinking the Sea at Gaza: Days
ras fortificadas, postos militares e bloqueios de estradas andNights in aLand under Siege. Nova York: Henry Holt, 1996.

68 69
momento de visão - visão da liberdade que ainda não CONCLUSÃO
chegou. A morte no presente é mediadora da reden- Neste ensaio, propus qu as formas contemporâneas
ção. Longe de ser um encontro com um limite ou que subjugam a vida ao poder da morte (necropolí-
barreira, ela é experimentada como "uma libertação tica) reconfiguram profundamente as relações entre
do terror e da servidão 79 Como observa Gilroy, essa resistência, sacrifício e terro Tentei demonstrar que
preferência pela morte diante da servidão contínua é \ a noção de biopoder é insuficiente para dar conta
um comentário sobre a natureza da liberdade em si das formas contemporâneas de submissão da vida
(ou sua falta). Se essa falta é a própria natureza do que ao poder da morte:, Além disso, propus a noção de
significa para o escravo ou o colonizado o fato de exis- necropolítica e de necropoder para dar conta das
tir, essa mesma falta é também precisamente o modo várias maneiras pelas quais, em nosso mundo con-
pelo qual ele ou ela leva em conta sua própria mor- temporâneo, as armas de fogo são dispostas com o
talidade.(Referindo-se à prática de suicídio em massa objetivo de provocar a destruição máxima de pessoas
ou individual por escravos encurralados pelos caçado- e criar "mundos de morte", formas únicas e novas de
res de escravos, Gilroy sugere que a morte, nesse caso, existência social, nas quais vastas populações são sub-
pode ser representada como um ato deliberado, já metidas a condições de vida que lhes conferem o esta-
que a morte é precisamente aquilo pelo que e sobre o tuto de "mortos-vivos' Sublinhei igualmente algumas
que tenho poder. Mas também é esse espaço em que a das topografias recalcadas de crueldade (plantation
liberdade e a negação operam. e colônia, em particular) e sugeri que o necropoder
embaralha as fronteiras entre resistência e suicídio,
sacrifício e redenção, mártir e liberdade

79. P. Gilroy, O Atlântico negro, op. cit., p. 140.

70 71
Este ensaio é o resultado de conversas com Arjun Appa-
durai, Carol Breckenridge e Françoise Verges. Trechos
foram apresentados em seminários e workshops em
Evanston, Chicago, Nova York, New Haven e Joanes-
burgo. Críticas úteis foram fornecidas por Paul Gilroy,
Dilip Yan Gaonkar, Beth Povinelli, Ben Lee, Charles
Taylor, Crawford Young, Abdoumaliq Simone, Luc
Sindjoun, Souleymane Bachir Diagne, Carlos Forment,
Ato Quayson, Ulrike Kismer, David Theo Goldberg e
Deborah Pose!. Comentários adicionais e ideias, bem
como apoio crítico e incentivo foram oferecidos por
Rchana Ebr-Vally e Sarah Nuttall.
O ensaio é dedicado a meu amigo falecido Tshikala
Kayembe Biaya.

Achille Mbembe
SOBRE O AUTOR

Achille Mbembe é considerado um dos mais agudos


pensadores da atualidade. Leitor de Fanon e Foucault,
com notável erudição histórica, filosófica e literária,
vira do avesso os consensos sobre a escravidão, a desco-
lonização e a negritude. É um dos poucos teóricos que
consegue pensar o contexto mundial contemporâneo
a partir da provincialização da Europa.
Nascido nos Camarões, é professor de História e
Ciencias Políticas na Universidade de Witwatersrand,
em Joanesburgo, bem como na Duke University, nos
Estados Unidos. É autor, entre outros, de Crítica da
razão negra, De la postcolonie, Sortir de la grande nuit e
Politiques de l 'inimitié.
\JO~~ FA:FICM/UFMG
Origem- ~ ,~11,,,®ç., ~
Verba: C)Q, 50 \ õ,3;2.,8 =1-
N.º do Empen:10:0U')IJNF&:::t>~la
N.º N.F.:CX)$ei,_3 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP}
de acordo com ISBD
Data da N.F.:;23/Q&{Q{)\&
Preço: \~ )16
Modalidade Compra~ fbhõí»c:
Q
M479n Mbembe, Achille

Necropolítica: biopoder, soberania, estado de


exceção, política da morte/ Achille Mbembe; traduzido por
Renata Santini. - São Paulo: n-1 edições, 2018.
80 p. ; 12cm x 17cm.

Tradução de: Necropolitics


ISBN: 978-85-6694-350-4

1. Ciências políticas. 2. Filosofia. 3. Antropologia.


4. Soberania. 1.Santini, Renata. li. Título.

CDD 320
2018-186 CDU 32

Elaborado por Odilio Hilario Moreira Junior - CRB-8/9949

Índice para catálogo sistemático


1.Ciência política 320
2. Ciência política 32
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