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Rev. Grad. USP, vol. 2, n. 1, mar.

2017

Apontamentos sobre a Importância da


Construção da Autonomia no Programa
de Educação Tutorial

Rodolfo Dias da Silva1*, Rodolfo Bassani2, Wilson Casemiro dos Santos2


1
Faculdade de Engenharia de Bauru da Universidade Estadual Paulista
2
Instituto de Geociencias e Ciencias Exatas da Universidade Estadual Paulista

* Autor para correspondência: rodspmelo@gmail.com

RESUMO
O presente relato versa sobre o Programa de Educação Tutorial (PET) e desenvolve esta temática por meio
da discussão de experiências verificadas de fortalecimento da identidade, coesão do grupo e valorização do
interesse pelo referido programa por meio da flexibilização das normas de entrada e de permanência nele,
deixando-se para trás resquícios do anterior Programa Especial de Treinamento e implantando, de modo
ampliado, a forma de pensamento renovada pelo conceito de educação tutorial como ferramenta de formação
da autonomia dos estudantes de graduação nas instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras.
Palavras-chave: Flexibilização; Autonomia; Programa de Educação Tutorial (PET).

ABSTRACT
This report approaches the Tutorial Education Program (PET) and develops this thematic by discussing verified
experiences on identity strengthening, group cohesion and valorization of interest through the flexibilization
of entrance and permanence rules, leaving remnants of the former Special Training Program behind and
establishing widely the renewed thoughts from the tutorial education concept as a tool for the development of
autonomy in undergraduate students in Brazilian Higher Education Institutions.
Keywords: Flexibilization; Autonomy; Tutorial Education Program (PET).

A proposta de discussão que apresentamos parte Partindo da concepção de educação tutorial


da ideia da educação tutorial como uma importan- como uma prática pedagógica relevante, a Secreta-
te ferramenta para a formação do conhecimento e ria de Educação Superior do Ministério da Educa-
da autonomia pessoal e profissional dos estudantes ção (SESu/MEC) reformulou o Programa Especial
de graduação das IES brasileiras. Buscamos ana- de Treinamento, criado pela Capes em 1979,
lisar o caráter formativo do Programa de Educa- transformando-o, em 2004, no atual PET, Programa
ção Tutorial (PET), fomentado pelo Ministério da de Educação Tutorial. Como destacado por Corrêa
Educação, o qual objetiva a execução de projetos (2006), o programa tem como objetivo trabalhar
integrando os três pilares da educação superior no com base nas três frentes universitárias (ensino,
Brasil: o ensino, a pesquisa e a extensão. Não será pesquisa e extensão), buscando melhorar a qualida-
tratada aqui da história da educação tutorial no de do ensino na graduação tanto para os membros
Brasil ou do PET, mas se pretende, neste trabalho, quanto para os demais alunos do curso, assim como
discutir como o processo de construção de uma re- estimular a extensão universitária e formar pesquisa-
lação de autonomia entre aluno e professor pode dores com consciência social e participação ativa nas
enriquecer o processo formativo do estudante e va- comunidades (HOFFMANN, 2006).
lorizar o trabalho do professor, elencando formas A tutoria justifica-se e se consolida, fundamen-
de intensificar e fortalecer essa relação. talmente, pela possibilidade de elaborar coletiva
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e criticamente as experiências de aprendizagem, vide opiniões, pois em muitos grupos PET ainda
como oportunidade ímpar para que professores e perdura uma visão tradicional associada ao Pro-
alunos se articulem para produzir conhecimento grama Especial de Treinamento, o qual privilegia
(MARTINS, 2008). o potencial acadêmico do aluno. Além disso, cada
A educação tutorial atua como ferramenta de grupo deve ter a sensibilidade de compreender as
formação ampla dos estudantes, no que concer- necessidades do(s) curso(s) em que atua para, a
ne tanto à área do conhecimento explorada no partir daí, modificar suas práticas. O avanço é
curso de graduação, quanto aos valores sociais paulatino e ocorre de acordo com os interesses e
de organização e coletividade, conforme aponta o ritmo de cada grupo.
Martin (2005). É nesse sentido que o Programa Em geral, este é formado por, no máximo,
de Educação Tutorial busca impactar a comuni- doze alunos de graduação bolsistas, e seis alunos
dade acadêmica. Porém, o número de cursos que de graduação não bolsistas (voluntários). A forma
possuem um grupo PET ainda é reduzido; desse de ingresso desses alunos varia de grupo para grupo,
modo, aumentar o número de grupos PET ainda mas existem certos critérios que prevalecem pauta-
é um desafio. Segundo Breglia (2013), grupos de dos na indicação “apresentar excelente rendimento
estudo e pesquisa são compostos por docentes e acadêmico avaliado pelo tutor” (MEC, 2006, p.
discentes; entretanto, a funcionalidade e a organi- 15), do Manual de Orientações Básicas, que, na prática,
zação divergem das verificadas no PET (constru- traduz-se na supervalorização do coeficiente
ção coletiva, não hierarquizada, com flutuação de de rendimento do aluno no curso, currículo e
temáticas de trabalho que extrapolam o domínio potencial acadêmico; é comum também a adoção
do tutor). Em vias de aprimorarem o PET, alguns de etapas como avaliações escritas e dinâmicas de
grupos, partindo do princípio da autonomia e do grupo ao longo do processo seletivo.
conhecimento das especificidades que existem no Esse procedimento condiz com um sistema de
meio em que estão inseridos, realizam ações para processo seletivo que em muito se assemelha com
democratizar a participação dos estudantes, bus- o precedente Programa Especial de Treinamento,
cando extinguir barreiras para o acesso e a manu- em que o mérito acadêmico era preponderante. No
tenção dos estudantes no programa. atual formato do PET, o que se espera é um desen-
A atuação do programa nas instituições de volvimento conjunto de atividades frutos da relação
Ensino Superior (IES) brasileiras proporciona aluno-professor que beneficiem toda a comunidade
maior qualidade na formação dos estudantes, acadêmica ou não. Assim, mais valem os aspectos
promovendo uma formação em chave mais ampla de identidade e motivação para com o objetivo do
do que a estritamente acadêmica e profissional. programa do que notas e/ou méritos adquiridos ao
Busca desenvolver princípios de responsabilidade longo dos anos, mas que não se traduzem necessa-
social e éticos concomitantemente a uma formação riamente em interesse pelas propostas do PET.
técnica e científica de qualidade. Dessa forma, os Essas preocupações surgiram a partir da obser-
projetos realizados juntamente ao professor tutor vação dos grupos PET da Universidade Estadual
vêm a gerar resultados que podem ser sentidos, Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), campus
em diferentes momentos, tanto para a comunida- Rio Claro/SP, mais tarde expandidas através do
de quanto para o meio acadêmico. contato com outros grupos PET da região Sudes-
Nesse sentido, a discussão sobre democratiza- te e suas experiências de trabalho. Verificou-se
ção do acesso é fundamental para desenvolver que, nos grupos em que o ingresso dos alunos
sistemas que fomentem a autonomia do grupo. era flexibilizado, havia maior coesão e interesse
Essas ações baseiam-se em uma constru- pelos projetos, em relação aos grupos que
ção teórica acerca da flexibilização do sistema de privilegiavam o mérito acadêmico como ponto
ingresso. O sistema de entrada no programa di- de partida para a seleção de seus membros.
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Considerando a importância dessas preocupa- a se tornarem cada vez mais independentes em


ções, iniciou-se no grupo PET da Geografia de relação à administração de suas necessidades de
Rio Claro uma transformação na composição de aprendizagem”. Vários exemplos podem ser veri-
seus membros, desencadeada pela mudança nos ficados de ex-bolsistas do PET que se encontram
princípios que regem a entrada de novos mem- fortemente engajados nos cursos de pós-gradua-
bros, privilegiando a flexibilização e o interesse ção ou atuando como docentes em IES, e se dife-
pelas atividades desenvolvidas pelo PET. Desse renciam como lideranças positivas nos diferentes
modo, observamos uma geração de membros espaços acadêmicos, de modo a evidenciar a im-
mais autônomos e identificados com a proposta do portância do caráter formativo e dos princípios
PET. Entre as mudanças no processo de admissão desenvolvidos no PET. Verifica-se, assim, que há
de novos membros estão: um impacto direto do PET sobre as futuras gera-
• a aceitação de um número ilimitado de ções de acadêmicos, e consequentemente sobre a
voluntários por grupo; ciência que produziremos no futuro.
• o ingresso contínuo de membros voluntá- Os projetos desenvolvidos pelo PET nascem
rios (sem prazo determinado por processo do seio dos próprios grupos, resultado da dis-
seletivo); cussão ética, acadêmica e social dos temas em
• a seleção de novos bolsistas apenas entre debate, estabelecendo-se uma relação dialética
os membros voluntários, caso existam; entre teoria e prática. Assim, é necessária uma
• os critérios preponderantes para a seleção participação, a qual é alcançada através da identi-
dos bolsistas são sua dedicação e interesse ficação dos membros com as propostas e objetivos
pelo Programa, verificados durante seu do PET. A democratização do acesso aos diversos
tempo como voluntário. programas de formação dentro das IES brasileiras
corresponde a uma maior apreciação dos talentos
Dessa forma, cremos: individuais e coletivos, devendo ser desenvolvi-
• evitar o interesse dos alunos de graduação dos para a construção de uma sociedade mais
pelo ingresso no PET apenas em determi- justa e coesa.
nados períodos do ano (processo seletivo);
• evitar a distribuição da bolsa a estudantes Bibliografia
que não se interessam de fato pela proposta BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
do Programa; (MEC). Manual de Orientações Básicas: Programa de
Educação Tutorial. Brasília: MEC, 2006.
• contribuir para o desenvolvimento ao lon-
BREGLIA, Vera Lucia Alves. “Graduação,
go do tempo de um grupo coeso, motivado
Formação e Pesquisa: Entre o Discurso e as
e que aspire aos objetivos de trabalho do Práticas”. Trivium-Estudos Interdisciplinares, vol. 5, n. 1,
Programa (ensino, pesquisa e extensão). 2013, pp. 1-4.
CORRÊA, Alline Fernandes. PET UFMG 1985,
Os aspectos listados promovem maior coerên- 2005: Seu Legado e sua História. Monografia. Belo
Horizonte: Escola de Arquitetura da UFMG, 2006.
cia ao grupo, pois se verifica maior valorização
DANTAS, Flávio. “O PET e a Formação de
do interesse dos alunos pelo PET, o que fortalece Lideranças Acadêmicas e Profissionais”. Infocapes,
a motivação e a coesão nos grupos do Programa. Brasília, DF, vol. 3, n. 1-2, 1995, pp. 18-21.
Hoje, o PET constitui uma das principais HOFFMANN, Jussara. Avaliação Mediadora: Uma
ações da Capes no estreitamento das relações en- Prática em Construção da Pré-Escola à Universidade. Porto
tre a pós-graduação e a graduação. Para Dantas Alegre: Mediação, 2006.

(1995, p. 20), “a proposta do PET, se cumpri- MARTIN, Maria da Graça Moraes Braga. O
Programa de Educação Tutorial – PET: Formação Ampla na
da adequadamente, complementa a perspectiva Graduação. 108 p. Dissertação (Mestrado em Educação).
convencional de educação e ajuda os estudantes Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005.
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MARTINS, Iguatemy Maria de Lucena. “Educação Brasília: Brasil Tropical, 2008, vol. 1, pp. 15-21.
Tutorial no Ensino Presencial: Uma Análise sobre o SANTO, Esmeralda Maria. “Os Manuais Escolares,
PET”. In: MARTINS, Iguatemy M. de L. & KETZER, a Construção de Saberes e a Autonomia do Aluno:
Solange Medina. (orgs.). Programa de Educação Tutorial: Auscultação a Alunos e Professores”. Revista Lusófona de
Uma Estratégia para o Desenvolvimento da Graduação. Educação, vol. 8, n. 8, jul. 2009.
Publicado em 31/03/2017.

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