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Indicações, escolha do método e preparo do

paciente para a Terapia renal substitutiva (TRS) ,


na Doença Renal Crônica (DRC).
Pasqual Barretti

Os pacientes portadores de DRC devem ser encaminha - DRC que apresentarem sinais de desnutrição protéico-
dos ao nefrologista, para preparo da TRS, quando apre - energética (DPE), como redução espontânea da ingestão
sentarem filtração glomerular (FG) menor que 30 protéica diária; hipoalbuminemia, redução da massa
ml/min ou mais precocemente. corporal magra, avaliação nutricional global subjetiva
(SGA) compatível com desnutrição, na ausência de con -
Grau de recomendação C, Nível de evidência IV. dições comórbidas que justifiquem esse quadro, sem res -
posta às medidas de orientação dietética.
Jungers e cols (1), comparando pacientes encami-
nhados ao nefrologista mais que 6 meses antes do início do Grau de recomendação B, Nível de evidência III.
tratamento dialítico, com aqueles que foram encaminha-
dos cerca de 1 mês antes, observaram que o grupo com en- Justificativa: Há forte associação entre indicado-
caminhamento mais precoce apresentou menores níveis res do estado nutricional e o prognóstico, em pacientes
séricos de fósforo e maiores níveis de bicarbonato, hema- dialisados. Em estudo evolvendo 7719 pacientes, menores
tócrito e albumina. O mesmo grupo teve menor custo tera- níveis basais de índice do massa corporal, albumina sérica,
pêutico por paciente, menores médias de dias de hospitali- creatinina sérica, da contagem de linfócitos e do escore da
zação por ano, e maior percentagem de casos com acesso SGA foram independentemente associados com signifi-
vascular permanente, ao início da diálise.Na série brasilei- cante maior risco de morte (6).
ra de Sesso e Belasco (2), pacientes encaminhados mais A terapia dialítica melhora o apetite e os marcado-
que 3 meses antes do início da diálise tiveram 13% de óbi- res antropométricos e bioquiímicos do estado nutricional,
tos, enquanto que os encaminhados menos que 1 mês do como referido nas séries de Pupim e cols (7) e de
início da diálise tiveram taxa de óbito de 29%. Resultados Mehrotra e cols (8)
semelhantes foram observados em outras séries (3,4).
O início da terapia dialítica, deve ser estabelecido pelo
Pacientes e familiares devem receber durante a fase pré- nefrologista com base na filtração glomerular e quadro
dialítica orientação sobre a DRC e seu tratamento, assim clínico do paciente.
como sobre os riscos e benefícios associados a cada mo -
dalidade terapêutica. Grau de recomendação C, Nível de evidência IV.

Grau de recomendação D, Nível de evidência V. As informações disponíveis não permitem estabe-


lecer consenso acerca da FG adequada para início da
A terapia dialítica deve ser iniciada a partir da identifi - diálise crônica.
cação das manifestações do síndrome urêmico (Quadro
1), que constituem indicações inequívocas de diálise e
que, em geral, ocorrem em pacientes com FG < 10 QUADRO 1 – Indicações inequívocas
ml/min. para o início da terapia dialítica
Pericardite
Grau de recomendação D, Nível de evidência V. Hipervolemia refratária a diuréticos
Hipertensão arterial refratária às drogas hipotensoras
Estas indicações correspondem a grau avançado de Sinais e sintomas de encefalopatia
uremia, são estabelecidas e aceitas desde o advento da Sangramentos atribuíveis à uremia
Náuseas e vômitos persistentes
terapia dialítica como método de tratamento (5).
Hiperpotassemia não controlada
Acidose metabólica não controlada
A terapia dialítica deve ser indicada em pacientes com
48 Preparo do Paciente para TRS

Segundo o grupo de trabalho do DOQI/NKF (9), a Crianças portadoras de DRC devem ser preferencial -
terapia dialítica deve ser iniciada quando o “clearance” mente tratadas por DP.
fracional renal de uréia (Krt/V) estiver abaixo de 2,0, o
que corresponde a uma FG entre 9 e 14 ml/min e a uma Grau de recomendação B, Nível de evidência III.
FG, calculada pela média entre as depurações de uréia e A DP é, universalmente, o método mais utilizados
creatinina, de aproximadamente 10,5 ml/min/1,73 m2. para tratamento dialítico de pacientes pediátricos. Segun-
Bonomini e cols (10) observaram maior probabi- do o North American Pediatric Renal Transplant Coopera-
lidade de sobrevida em 12 anos em pacientes que inicia- tive Study (18), a DP foi o método inicial em 97% das
ram a diálise crônica com depuração de creatinina endó- crianças menores que 2 anos, em 70 a 80% entre os 2 e os
gena maior que 10 ml/min, comparando-se àqueles que 12 anos e em 59% das crianças acima de 12 anos. Entre
iniciaram esse tratamento com níveis inferiores a 4 4150 crianças desse estudo, tratadas por DP, 69% fizeram
ml/min. Korevaar e cols (11) não observaram diferenças uso da DP automática (APD), mostrando o relevante papel
na probabilidade de sobrevida em dois anos, entre pacien- dessa modalidade no tratamento dialítico de crianças (19).
tes que iniciaram tratamento tardiamente, em relação à re- Os fatores associados à escolha prioritária da DP
dizem respeito à dificuldade em se manter adequado
comendações do DOQI/NKF, que aqueles cuja indicação
acesso vascular, ao peso corporal menor que 20 kg nas
seguiu essas recomendações . Na série de Traynor e cols crianças de menor idade e à necessidade de se freqüentar
(12), também não se observaram diferenças na probabili- regularmente a escola, em todas as idades (9).
dade de sobrevida em 10 anos, entre os pacientes com FG
de 10,4 ml/min e aqueles com FG de 6,7 ml/min ao início Os pacientes devem ser submetidos à construção de um
do tratamento. acesso vascular permanente (fístula artério-venosa ou
enxerto artério-venoso), quando apresentarem FG infe -
Para a maior parte dos indivíduos e na ausência de con - rior a 25 ml/min, ou dentro de um ano antes do início
tra-indicações, a escolha do método para a TRS pode se previsto da diálise. A fístula deve ser puncionada 3 a 4
basear na preferência do paciente. meses, após a sua confecção e nunca antes de 1 mês.

Grau de recomendação D, Nível de evidência V.


Grau de recomendação C, Nível de evidência IV.
Esta diretriz corresponde à proposta do grupo de
Para os pacientes dialisados, em geral, quando as trabalho de acesso vascular do DOQI/NKF (20).
amostras populacionais são ajustadas para idade, sexo, A utilização de cateteres venosos centrais se asso-
raça e condições comórbidas não há evidências que su- ciou a maior risco de óbito por causas infecciosas e por
portem a superioridade de um dos métodos, quanto à so- outras causas, em pacientes hemodialisados (21,22).
brevida do paciente (13,14).
A idéia preconizada de resultados melhores da diá- QUADRO 2. Contra-indicações para a diálise
lise peritoneal em pacientes diabéticos, coronariopatas e peritoneal
cardiopatas não tem sido confirmada em estudos observa- Absolutas:
cionais, envolvendo grande número de pacientes, havendo • Perda comprovada da função peritoneal ou múltiplas
necessidade de estudos aleatorizados e prospectivos para adesões peritoneais
melhor esclarecimento da morbimortalidade dos diversos • Inacapacidade física ou mental para a execução do
métodos dialíticos em subgrupos específicos (14,15, 16). método
A DP deve ser o método de escolha em pacientes • Condições cirúrgicas não corrigíveis (hérnias,
que não toleram a HD e naqueles com impossibilidade de onfalocele, gastrosquise, hérnia diafragmática, extrofia
obtenção de adequado acesso vascular. Está, entretanto, vesical, colostomias.
contra-indicada nas situações expressas no Quadro 2. Relativas
• Presença de próteses vasculares abdominais há
Grau de recomendação D, Nível de evidência V. menos que 4 meses
• Presença de derivações ventrículo-peritoneais
O transplante renal está indicado na DRC, estando recentes • Episódios freqüentes de diverticulite
o paciente em diálise ou mesmo em fase pré-dialítica • Doença inflamatória ou isquêmica intestinal
(pré-emptivo), quando a FG estiver abaixo de 20 ml/min. • Vazamentos peritoneais
Diretrizes da Associação Médica Brasileira sobre Indica- • Intolerância à infusão do volume necessário para a
ções e Contra-Indicações do Transplante Renal acham-se adequação dialítica
disponíveis (17). • Obesidade mórbida
J Bras Nefrol Volume XXVI - nº 3 - Supl. 1 - Agosto de 2004 49

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