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Julho de 2014
Natal – RN
INTRODUÇÃO
A partir desta citação, fica clara que a ênfase dos estudos de performances está na
forma e não no conteúdo, nos sentidos emergentes e não nos preestabelecidos. Além
disso, a compreensão da multidimensionalidade do evento, com seus vários significados
é uma questão importante destes estudos que traz consigo implicações metodológicas
diversas – já que os indivíduos experienciam a performance ritual de maneira diferenciada
e o observador tem que estar atento a isto. Porém, apesar dessa unidade colocada, os
estudos de performance são bem variados. Existem certas vertentes dentro desse campo
de análise - o que faz com que o conceito de performance seja algo bem generalizado, de
tal maneira que não se limita a questão do ritual, perpassando a interação cotidiana.
Erving Goffman (1985), interacionista simbólico e funcionalista, utiliza-se da
metáfora teatral para analisar a vida cotidiana. Para isso ele lança mão do conceito
metodológico de “controle das impressões”, que pode ser tido como uma manipulação
performática por parte do pesquisador. Além disso, Goffman se utiliza de expressões
dramatúrgicas como: personagem, ator, atuação, representação (performance), fachada,
cenário, região de fundo (bastidores), plateia, etc. Com isso fica claro que na compreensão
deste autor o nosso cotidiano é performatizado, ou seja, nós tentamos impressionar uma
determinada plateia a partir das expressões que transmitimos e emitimos, ou seja, através
de uma atuação performática.
Outros autores importantes do campo da performance são Victor Turner e Richard
Schechner, que se influenciaram mutuamente: o primeiro um antropólogo iniciado por
este último no universo teatral e o segundo, por sua vez, um teatrólogo iniciado por aquele
nos estudos antropológicos. Ambos tornaram-se duas das principais referências nos
estudos de performance ao darem mais enfoque aos eventos ritualizados, extra-cotidianos.
Victor Turner (2008) em sua análise sobre eventos rituais toma o “drama” como
uma metáfora da vida social. Neste sentido, este autor já faz um ligação entre ritual e
performance, entre antropologia e teatro. Antes disso, influenciado por Van Gennep,
Turner (1974 e 1982) fala sobre momentos rituais marginalizados, onde os papeis sociais
são suspensos. Segundo este autor, estes eventos são situações performatizadas em que a
anti-estrutura aparece, ou seja, através da performance a estrutura social e os padrões
estabelecidos são questionados. Para análise de eventos rituais como este em sociedades
“tribais” e/ou “agrárias” este autor institui o conceito de “liminaridade”. Já para falar
desses momentos em sociedades complexas ele institui o conceito de “liminóide”. A
liminaridade é um evento ritual coletivo ligado ao processo social total de uma
determinada sociedade, neste sentido, ele se apresenta como uma obrigação para os
indivíduos. Já os fenômenos liminóides, embora tenha um efeito coletivo de massa, é
voltado para o lazer individual e vendido para este como mercadoria, assim, estes
momentos rituais se configuram como um momento de participação opcional voltado
para o entretenimento.
Já Richard Schechner (2012), fala sobre ritual, jogo e performance, demostrando
como estes conceitos estão imbricados. O que este autor faz é uma síntese dos autores
anteriores, direcionando a abordagem da performance. Para ele comportamentos
performáticos consistem numa execução de sons e gestos através de um ritual permeado
pelo jogo. Neste sentido, “rituais são memórias em ação, codificadas em ação”
(SCHECHNER, 2012, p. 49). Essa ação consiste na performance exercida por certos
indivíduos. Para este autor, os rituais podem ser divididos em seculares e sagrados, mas
estas categorias em muitos casos se sobrepõem, ou seja, vários rituais misturam em sua
performance elementos sagrados e seculares. Para os estudos de performance, segundo
Schechner, existem sete temas básicos oriundos dos estudos de rituais: ritual como ação,
como performance; similaridade e diferença entre rituais humanos e animais; rituais como
performances liminares; a teoria do processo ritual; dramas sociais; a díade eficácia e
entretenimento; e as “origens” da performance em ritual.
Por fim, temos Tambiah (1985) que defini o ritual (um evento caracterizado pela
formalidade, pelo estereótipo, pela condensação de ações e pela redundância destas)
enquanto uma ação performática. Isto implica dizer que o olhar dado por ele aos eventos
ritualizados é distinto do olhar dado pelos clássicos. Estes, como foi dito, via o ritual
enquanto uma repetição de uma cosmologia predefinida. Crítico desta visão, Tambiah
anseia romper a dicotomia clássica “mito versus rito”, integrando uma análise do
conteúdo (feita pelos clássicos) com a análise da forma (foco das análises de
performance). Para isto, Tambiah não distingue o que é dito do que é feito, para ele, num
evento, ambas são ações rituais performativas que criam realidades quando postas em
prática. Neste sentido, há uma dimensão prática na cosmologia de todo e qualquer ritual.
Dito isso, passarei agora para uma resenha do texto de Clifford Geertz sobre a
briga de galos balinesa, com o intuito de apresentá-lo enquanto um texto que trata sobre
uma performance ritual. Para isso, tentarei articular o escrito citado com as teorias da
performance apresentadas mais acima.
É importante deixar claro que Clifford Geertz não é um autor diretamente ligado
aos estudos de performance. Ele não se debruçou sobre este tema como fizeram Evirng
Goffman, Victor Turner e Richard Schechener. Porém, pode-se pensar neste autor como
um precursor da antropologia da performance, principalmente devido ao seu texto sobre
a briga de galo balinesa. Neste sentido, apesar de não ter teorizado sobre o tema da
performance nem se colocar com um autor preocupado com tal temática de maneira
direta, em seu texto Um jogo absorvente: notas sobre a briga de galos balinesa Geertz
pode ser tido como um exemplo clássico na abordagem de evento ritualizado tendo como
foco a ação dos indivíduos, suas performances.
O que implica dizer a briga de galos balinesa é um evento que consiste numa
performance ritual? Vamos por partes: primeiro o que vem a ser um evento ritual e o
porquê da briga de galos ser considerada enquanto tal? Depois de discutir isso
argumentarei e o porquê destas brigas serem eventos performatizados.
Sendo assim, o que vem a ser um evento ritual? De acordo Esther Jean Langdon
(2012),
o conceito de ritual hoje em dia “abrange um conjunto heterogêneo de
eventos presentes na vida contemporânea, sejam eles profanos ou
sagrados. Podem ser banais, como as [...] saudações cotidianas que
iniciam e encerram encontros, mas também especiais, como cultos
religiosos, atos políticos e cívicos, cerimônias de todos os tipos,
processos jurídicos e os demais eventos que constroem e expressam a
vida tanto individual quanto coletiva. (LANGDON, 2012, p. 17).
Fica claro, então, que Geertz analisa a briga de galos enquanto um teatro, um
drama social, uma representação metafórica de temas reais, que são encenados por
galistas, para uma plateia envolvida. Conforme Esther Jean Langdon (2012) afirma,
Geertz ressalta que:
Por fim, nesse texto clássico da antropologia, o autor analisa a brigas de galos
balinesa enquanto um evento ritual performatizado, a partir de uma ótica interpretativa da
cultura. O autor considera a briga como uma estrutura coletivamente organizada que
expressa grande parte da cultura balinesa. A partir de uma descrição densa de como os
eventos são organizados e de como se dão as apostas, Geertz interpreta as rinhas e traça
relações entre estas e a estrutura social e de status em Bali traçando associações
metafóricas (simbólicas) e concretas entre homens e galos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GEERTZ, C. Um Jogo Absorvente: notas sobre a briga de galos Balinesa. In: GEERTZ,
C. A Interpretação das Culturas: ensaios selecionados. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1978 [1973].
______. Dramas Sociais e Metáforas Rituais. In: Dramas, campos e metáforas: ação
simbólica na sociedade humana. Niterói, EdUFF, 2008.