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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL

RAFAEL LEAL MATOS

RITUAL, PERFORMANCE, CORPO E MOVIMENTO NO TEXTO UM JOGO


ABSORVENTE: NOTAS SOBRE A BRIGA DE GALOS BALINESA, DE
CLIFFORD GEERTZ

Artigo escrito para obtenção da nota final


da disciplina “Tópicos Teóricos em
Antropologia: Da Dança ao Corpo: uma
antropologia do movimento”
(PPGAS/UFRN), ministrada pela
professora Dra. Maria José Alfaro Freire.

Julho de 2014
Natal – RN
INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas a Antropologia da Dança e do Movimento tornou-se um


subcampo importante para a Antropologia, ainda que marginal. Marcadamente
interdisciplinar, essa modalidade de Antropologia vem se desenvolvendo e ganhado
espaço nas últimas décadas ao apresentar uma importante relação com outros subcampos:
como é o caso da Antropologia da Performance. Ambas surgiram e se desenvolveram em
meados das décadas de 1970 e 1980 e foram se conformando enquanto subáreas dentro
da Antropologia que perpassam outras disciplinas – como é o caso dos Estudos de Dança
e Movimento, frequentes nos cursos de dança, e os Estudos de Performance, existentes
nos cursos de teatro.
A primeira vista é clara a relação entre Antropologia da Dança e do Movimento e
a Antropologia da Performance: primeiramente, porque elas são uma interface entre
Antropologia e Arte; segundo, porque são subcampos que trabalham com as noções de
“corpo” e “movimento”, mas também porque historicamente os estudiosos dessas
subáreas têm o costume de analisarem práticas ritualizadas, eventos, apresentações e
situações do gênero. Neste sentido, vários instrumentos analíticos, conceitos, olhares e
temáticas são comuns a ambas. Ainda mais, podemos nos perguntar o seguinte: quantas
apresentações teatrais já vimos que tem a dança com um dos seus elementos
constitutivos? E quantas danças presenciamos que tem em si elementos teatrais
dramáticos?
Diante disso, pretendo analisar o texto Um jogo absorvente: notas sobre a briga
de galos balinesa, de Clifford Geertz, sob a ótica da Performance e, tendo em vista a
intrínseca relação entre Antropologia da Dança e do Movimento e os Estudos de
Performance, farei isso lançando mão de conceitos caros as duas subáreas em questão,
baseando-me em certos textos da disciplina. Escolhi analisar o texto de Geertz sob essa
ótica devido ao meu tema de pesquisa do mestrado: Ritual e Performance na briga de
galos Potiguara do litoral norte da Paraíba.
Neste sentido, o que será colocado neste artigo/ensaio será uma discussão acerca
das noções de ritual e performance (temas da Antropologia da Dança e do Movimento),
seguida de uma demonstração de que o texto Um jogo absorvente: notas sobre a briga
de galos balinesa, apesar de não ser colocado enquanto um estudo de performance, pode
ser compreendido enquanto tal.
RITUAL E PERFORMANCE

Os estudos de performance podem ser tomados como uma maneira antropológica


contemporânea de abordagem de eventos ritualizados. Desde os clássicos a temática ritual
tem sido recorrente por ser considerada como uma importante porta de entrada de
aspectos socioculturais de sociedades distantes (temporal e/ou espacialmente).
Em As Formas Elementares da Vida Religiosa de Émile Durkheim (2003), A
Prece de Marcel Mauss (1981) e A Eficácia Simbólica e Cláude Lévi-Strauss (1975) nota-
se a importância dos rituais, que são colocados por estes autores como uma repetição
reprodutora da coesão do grupo. Nestes clássicos, apesar da prática ritual ser colocada, o
foco das suas investigações estava na crença, no símbolo, no mito. A ação era tida como
uma maneira de acessar o universo simbólico, sendo apenas um reflexo deste. Neste caso
não havia lugar para a criatividade dos indivíduos e para os processos sociais de mudança.
Os estudos de performance em Antropologia se colocam em uma direção oposta,
apesar de ter em comum com alguns estudos clássicos a temática da eficácia. A
abordagem da antropologia da performance, de maneira geral, está estritamente ligada à
ideia de rito e a concepção funcionalista de desempenho de papeis. Na análise da
performance há uma ênfase na prática, no ato, na ação. Isso implica a incorporação da
ideia de processo social, de criatividade e de dinâmica social. Neste sentido, o conceito
de performance pode ser compreendido como uma elaboração contemporânea para a
análise de eventos rituais expressivos (religiosos e seculares) que tem como foco a
interação entre indivíduos, ou seja, seus desempenhos (leia-se performances) em
determinados contextos sociais.
Van Gennep (1978) é um autor de grande importância para o desenvolvimento
dos estudos de performance, que (é bom deixar claro) são posteriores a ele. Isto porque,
foi com este autor que o ritual passou a ser analisado fora do escopo religioso. Além disso,
o indivíduo (que não tinha espaço com os teóricos citados mais acima) e seu lugar na
constituição social passou a ser, mesmo que de maneira incipiente, problematizado. Outro
aspecto importante da obra de Van Gennep é a dimensão temporal, que passa a ser
incorporada na análise dos ritos de passagem – que são, em suma, marcadores temporais
produzidos coletivamente, mas vividos por indivíduos específicos – e que têm como
etapas constitutivas os momentos de “separação”, “margem” e “agregação”. Estas etapas
são momentos ritualizados que, juntos, promovem mudanças na dinâmica social a partir
do momento em que deslocam indivíduos de um espaço social para aloca-los em outro,
mudando o status social destes.
É importante salientar que apesar da influência de Van Gennep os estudos de
performance são mais abrangentes do que a abordagem deste autor. Isto porque tais
estudos não se restringem apenas aos ritos de passagem e, além do mais, apresentam
outros aspectos que não foram colocados por ele. De acordo com Langdon (2012),

“Enquanto as teorias clássicas do ritual tendem a buscar os significados


dos símbolos no processo ritual, os estudos de performance centram sua
atenção na estética, na multidimensionalidade e na interação social,
enfocando a contextualização do evento pelos participantes e a
construção dos sentidos emergentes” (LANGDON, 2012, p. 11).

A partir desta citação, fica clara que a ênfase dos estudos de performances está na
forma e não no conteúdo, nos sentidos emergentes e não nos preestabelecidos. Além
disso, a compreensão da multidimensionalidade do evento, com seus vários significados
é uma questão importante destes estudos que traz consigo implicações metodológicas
diversas – já que os indivíduos experienciam a performance ritual de maneira diferenciada
e o observador tem que estar atento a isto. Porém, apesar dessa unidade colocada, os
estudos de performance são bem variados. Existem certas vertentes dentro desse campo
de análise - o que faz com que o conceito de performance seja algo bem generalizado, de
tal maneira que não se limita a questão do ritual, perpassando a interação cotidiana.
Erving Goffman (1985), interacionista simbólico e funcionalista, utiliza-se da
metáfora teatral para analisar a vida cotidiana. Para isso ele lança mão do conceito
metodológico de “controle das impressões”, que pode ser tido como uma manipulação
performática por parte do pesquisador. Além disso, Goffman se utiliza de expressões
dramatúrgicas como: personagem, ator, atuação, representação (performance), fachada,
cenário, região de fundo (bastidores), plateia, etc. Com isso fica claro que na compreensão
deste autor o nosso cotidiano é performatizado, ou seja, nós tentamos impressionar uma
determinada plateia a partir das expressões que transmitimos e emitimos, ou seja, através
de uma atuação performática.
Outros autores importantes do campo da performance são Victor Turner e Richard
Schechner, que se influenciaram mutuamente: o primeiro um antropólogo iniciado por
este último no universo teatral e o segundo, por sua vez, um teatrólogo iniciado por aquele
nos estudos antropológicos. Ambos tornaram-se duas das principais referências nos
estudos de performance ao darem mais enfoque aos eventos ritualizados, extra-cotidianos.
Victor Turner (2008) em sua análise sobre eventos rituais toma o “drama” como
uma metáfora da vida social. Neste sentido, este autor já faz um ligação entre ritual e
performance, entre antropologia e teatro. Antes disso, influenciado por Van Gennep,
Turner (1974 e 1982) fala sobre momentos rituais marginalizados, onde os papeis sociais
são suspensos. Segundo este autor, estes eventos são situações performatizadas em que a
anti-estrutura aparece, ou seja, através da performance a estrutura social e os padrões
estabelecidos são questionados. Para análise de eventos rituais como este em sociedades
“tribais” e/ou “agrárias” este autor institui o conceito de “liminaridade”. Já para falar
desses momentos em sociedades complexas ele institui o conceito de “liminóide”. A
liminaridade é um evento ritual coletivo ligado ao processo social total de uma
determinada sociedade, neste sentido, ele se apresenta como uma obrigação para os
indivíduos. Já os fenômenos liminóides, embora tenha um efeito coletivo de massa, é
voltado para o lazer individual e vendido para este como mercadoria, assim, estes
momentos rituais se configuram como um momento de participação opcional voltado
para o entretenimento.
Já Richard Schechner (2012), fala sobre ritual, jogo e performance, demostrando
como estes conceitos estão imbricados. O que este autor faz é uma síntese dos autores
anteriores, direcionando a abordagem da performance. Para ele comportamentos
performáticos consistem numa execução de sons e gestos através de um ritual permeado
pelo jogo. Neste sentido, “rituais são memórias em ação, codificadas em ação”
(SCHECHNER, 2012, p. 49). Essa ação consiste na performance exercida por certos
indivíduos. Para este autor, os rituais podem ser divididos em seculares e sagrados, mas
estas categorias em muitos casos se sobrepõem, ou seja, vários rituais misturam em sua
performance elementos sagrados e seculares. Para os estudos de performance, segundo
Schechner, existem sete temas básicos oriundos dos estudos de rituais: ritual como ação,
como performance; similaridade e diferença entre rituais humanos e animais; rituais como
performances liminares; a teoria do processo ritual; dramas sociais; a díade eficácia e
entretenimento; e as “origens” da performance em ritual.
Por fim, temos Tambiah (1985) que defini o ritual (um evento caracterizado pela
formalidade, pelo estereótipo, pela condensação de ações e pela redundância destas)
enquanto uma ação performática. Isto implica dizer que o olhar dado por ele aos eventos
ritualizados é distinto do olhar dado pelos clássicos. Estes, como foi dito, via o ritual
enquanto uma repetição de uma cosmologia predefinida. Crítico desta visão, Tambiah
anseia romper a dicotomia clássica “mito versus rito”, integrando uma análise do
conteúdo (feita pelos clássicos) com a análise da forma (foco das análises de
performance). Para isto, Tambiah não distingue o que é dito do que é feito, para ele, num
evento, ambas são ações rituais performativas que criam realidades quando postas em
prática. Neste sentido, há uma dimensão prática na cosmologia de todo e qualquer ritual.
Dito isso, passarei agora para uma resenha do texto de Clifford Geertz sobre a
briga de galos balinesa, com o intuito de apresentá-lo enquanto um texto que trata sobre
uma performance ritual. Para isso, tentarei articular o escrito citado com as teorias da
performance apresentadas mais acima.

POR QUE UM JOGO ABSORVENTE: NOTAS SOBRE A BRIGA DE GALO


BALINESA É UM ESCRITO SOBRE PERFORMANCE RITUAL?

É importante deixar claro que Clifford Geertz não é um autor diretamente ligado
aos estudos de performance. Ele não se debruçou sobre este tema como fizeram Evirng
Goffman, Victor Turner e Richard Schechener. Porém, pode-se pensar neste autor como
um precursor da antropologia da performance, principalmente devido ao seu texto sobre
a briga de galo balinesa. Neste sentido, apesar de não ter teorizado sobre o tema da
performance nem se colocar com um autor preocupado com tal temática de maneira
direta, em seu texto Um jogo absorvente: notas sobre a briga de galos balinesa Geertz
pode ser tido como um exemplo clássico na abordagem de evento ritualizado tendo como
foco a ação dos indivíduos, suas performances.

O texto enquanto um estudo de performance

Um aspecto importante bastante presente no texto da briga de galos, e que é um


tema chave nos estudos de performance, é a metáfora. Tendo em vista que os estudos de
performance são profundamente influenciados pela arte, a metáfora, recurso
profundamente usado na literatura, consiste para os estudos de performance num recurso
explicativo de realidades distintas, como coloca Victor Turner (2008) ao falar sobre as
metáfora rituais. No caso de Geertz, no subtópico intitulado “de galos e homens” há uma
forte associação metafórica entre os homens e os galos, onde o galo é colocado como um
representante metafórico da masculinidade e de tudo que é tido que possa ser associado a
ideia de animalidade para a sociedade balinesa. Como coloca Geertz:
“... embora seja verdade que os galos são expressões simbólicas ou
ampliações da personalidade do seu proprietário, o ego masculino
narcisista em termos esopianos, eles também representam expressões –
e bem mais imediatas – daquilo que os balineses veêm como a inversão
direta, estética, moral e metafísica, da condição humana: a
animalidade” (GEERTZ, 1978, p. 286).

A descrição de momentos de ação no texto também é bem presente, ou seja, a


performance dos indivíduos envolvidos no ritual é sempre ressaltada, como demostra esse
fragmento:

Cercando todo esse melodrama – que a multidão compacta em torno da


rinha segue quase em silêncio, movendo seus corpos numa simpatia
cinestética segundo o movimento dos animais, animando seus
campeões com gestos de mão, sem palavras, com movimentos dos
ombros, volteando a cabeça, recuando em massa quando o galo com os
esporões mortais tomba num dos lados da rinha (diz-se que os
espectadores às vezes perdem os olhos e os dedos por ficarem tão
atentos), balançando-se em frente novamente enquanto olham de um
para o outro – existe um vasto conjunto de regras extraordinariamente
elaboradas e detalhadas com precisão. (GEERTZ, 1978, p. 290).

O autor trata o evento enquanto um conjunto de pessoas que compartilham um


conjunto de significados num determinado contexto. Esses significados são expressos na
ação dos indivíduos. Devido a esse enfoque na ação como fonte da expressão, ao meu
ver, dá ao texto o status de precursor dos estudos de performance.

[colocar o que está de amarelo na minha dissertação]


A briga de galos enquanto ritual

O que implica dizer a briga de galos balinesa é um evento que consiste numa
performance ritual? Vamos por partes: primeiro o que vem a ser um evento ritual e o
porquê da briga de galos ser considerada enquanto tal? Depois de discutir isso
argumentarei e o porquê destas brigas serem eventos performatizados.
Sendo assim, o que vem a ser um evento ritual? De acordo Esther Jean Langdon
(2012),
o conceito de ritual hoje em dia “abrange um conjunto heterogêneo de
eventos presentes na vida contemporânea, sejam eles profanos ou
sagrados. Podem ser banais, como as [...] saudações cotidianas que
iniciam e encerram encontros, mas também especiais, como cultos
religiosos, atos políticos e cívicos, cerimônias de todos os tipos,
processos jurídicos e os demais eventos que constroem e expressam a
vida tanto individual quanto coletiva. (LANGDON, 2012, p. 17).

Rituais também podem ser definidos como comportamentos formalizados


socialmente e que acontecem com certa frequência, como é o caso da briga de galos
balinesa. Segundo Tambiah, os antropólogos costumam definir o ritual a partir de alguns
traços primordiais, são eles: ordenação estrutural, realização coletiva com uma finalidade
acordada minimamente entre os participantes e, por fim, a percepção partilhada de que o
ritual é um evento distinto de um de um evento cotidiano. Sendo assim, podemos perceber
isto na briga de galos balinesa que, de acordo com Geertz, mesmo proibida, “continuam
a ocorrer com extraordinária frequência” (GEERTZ, 1978, 280), sendo um evento
altamente formalizado, tendo um tempo e um espaço especifico e um conjunto de regras
partilhadas pelos demais e que norteiam seu acontecimento.
Que tipo de rito é a briga de galos balinesa? De acordo com Richard Shechner
(2012), os eventos rituais se dividem em sagrados e seculares. Os do primeiro tipo são
aqueles ligados as práticas religiosas, já os de segundo tipo são aqueles associados as
“cerimônias de estado, vida diária, esportes e qualquer outra atividade não
especificamente de caráter religioso” (SHECHNER, 2012, p. 54). Esta é uma divisão
analítica, isso porque existem várias cerimônias que mesclam elementos seculares e
sagrados no processo ritual, como é o caso do casamento citado pelo autor.
A princípio a briga de galos pode ser tida como um evento ritual secular esportivo,
já que a primeira vista os indivíduos vão lá para apostar e jogar. Porém, ao ler o texto
pode-se perceber certos aspectos desta briga que estão ligados com a cosmologia religiosa
do povo balinês. Segundo Geertz, os galos e as brigas de galos são comumente associados
com “os poderes das trevas”. Ele afirma que “uma briga de galos, qualquer briga de galos,
é, em primeiro lugar, um sacrifício de sangue oferecido aos demônios, com os cânticos e
oblações apropriadas, a fim de pacificar sua fome voraz, canibalesca. (GEERTZ, 1978,
p. 287). Neste sentido, a rinha pode ser tida como um evento secular esportivo permeado
por elementos rituais religiosos.
Além disso, posso assinalar, baseando-se em Victor Turner (1982), que a briga de
galos é um ritual liminóide. A rinha é uma prática proibida pela elite colonizadora, por
isso ela pode ser considerada como situada na anti-estrutura da sociedade balinesa,
abarcada pelos poderes coloniais. De maneira geral “as rinhas são levadas a efeito nos
cantos isolados de uma aldeia, quase em segredo”, como coloca Geertz (1978, p. 280). A
briga de galos não é um evento de participação obrigatória, é um entretenimento opcional
para os membros masculinos dessa sociedade que serve como um momento de
questionamento da estrutura social estabelecida pelos colonizadores. O que faz dessas
rinhas, assumindo uma leitura turneriana, um evento liminóide.

A briga de galos enquanto performance

Agora me deterei na explicação do porquê a briga de galos consisti num ritual


performático. O que é uma performance? Segundo Schechner (2012), performances –
sejam elas artísticas, esportivas ou da vida diária – consistem na ritualizações de sons
gestos [...] que são duplamente exercidos, codificados e transmissíveis [...] [um]
comportamento ritualizado condicionado/permeado pelo jogo. (SHECHNER, 2012, p.
49), como é o caso da briga de galos descrita por no texto de Geertz.
No jogo da briga de galos não está presente apenas dinheiro, mas também status.
Isso não quer dizer que o status de um indivíduo dependa diretamente da rinha. Isso
porque ele não está em jogo de maneira real, mas de maneira simbólica. Em um jogo o
status é alterado de maneira momentânea, não definitiva. Neste sentido, segundo Geertz
(1978), “o status de ninguém é alterado pelo resultado de uma briga de galos (além de
uns poucos casos de jogadores viciados arruinados); ele é apenas afirmado ou insultado,
e assim mesmo momentaneamente. (GEERTZ, 1978, p. 300).
Neste sentido a briga de galos um ritual esportivo permeado por elementos
religiosos e pelo jogo. Richard Schechner (2012) fala do jogo enquanto performance,
segundo este autor:

quando humanos e animais jogam, eles se excedem e se exibem


como o intuito de impressionar os outros jogadores, assim como os
não jogadores que estejam observando [...] Em algumas formas, o
jogo pode parecer mais com uma forma de ritual e com o teatro. O
jogo é geralmente uma sequencia ordenada de ações realizadas em
lugares específicos por uma duração de tempo conhecida.
(SCHECHNER, 2012, p. 127).

Portanto isso faz destas rinhas um evento ritual performatizado. Os


enfrentamentos de entre indivíduos, grupos e facções não são reais de fato. São
performatizados a partir de elementos de jogo, inseridos no ritual. Esses enfrentamentos
são apresentados para um público na forma de rinha, de maneira virtual, tendo os galos
enquanto seus representantes. Desse modo, Geertz aborda as rinhas balinesas enquanto
um evento quase que teatral encenado por atores sociais. Para ele a briga de galos balinesa
é uma forma de arte, onde são encenados dramas da vida real. Em suas palavras:

Como qualquer forma de arte – e é justamente com isso que estamos


lidando, afinal de contas – a briga de galos torna compreensível a
experiência comum, cotidiana, apresentando-a em termos de atos e
objetos dos quais foram removidas e reduzidas (ou aumentadas, se
preferirem) as consequências práticas ao nível da simples aparência
[...]. A briga de galos só é ‘verdadeiramente real’ para os galos – ela
não mata ninguém, não castra ninguém, não reduz ninguém a condição
de animal, não altera as condiçõeos hierárquicas entre pessoas ou
remodela a hierarquia; ela nem mesmo redistribui a renda de forma
significativa. [...] ela assume esses temas – morte, masculinidade, raiva,
orgulho, perda, beneficência, oportunidade – e, ordenando-os numa
estrutura globalizante apresenta-os [...]. Uma imagem, uma ficção, um
modelo, uma metáfora, a briga de galos é um meio de expressão.
(GEERTZ, 1978, p. 311).

Fica claro, então, que Geertz analisa a briga de galos enquanto um teatro, um
drama social, uma representação metafórica de temas reais, que são encenados por
galistas, para uma plateia envolvida. Conforme Esther Jean Langdon (2012) afirma,
Geertz ressalta que:

“a briga de galos balinesa é mais que um jogo de poder, de riqueza ou


de status. Ela é também um teatro da vida social, um espetáculo
realizado pelos balineses, para os balineses, sobre os balineses. Um
círculo ‘performático’ que, compreendendo momentos de reflexividade
de valores e estéticas sociais, demostra como as experiências sociais de
coletividade estão ancoradas em aspectos que não estão,
necessariamente, expressos nas ‘instituições’ ou em outras estruturas
sociais, até então em voga na antropologia. O teatro da vida social em
Bali, expressa na briga de galos, aguça experiências e promove um certo
senso de coletividade, que transcende meras identificações. Fazendo
galos brigarem, os homens se reconhecem, reconhecem sua cultura e
realimentam seu ‘ethos’. Enquanto um espetáculo de si para si mesmo,
a teia cultural vai tecendo-se e alimentando-se, vai definindo-se, e, ao
mesmo tempo, vai colocando em relevo valores até então não
observáveis... (LANGDON, 2012, p. 09).

Por fim, nesse texto clássico da antropologia, o autor analisa a brigas de galos
balinesa enquanto um evento ritual performatizado, a partir de uma ótica interpretativa da
cultura. O autor considera a briga como uma estrutura coletivamente organizada que
expressa grande parte da cultura balinesa. A partir de uma descrição densa de como os
eventos são organizados e de como se dão as apostas, Geertz interpreta as rinhas e traça
relações entre estas e a estrutura social e de status em Bali traçando associações
metafóricas (simbólicas) e concretas entre homens e galos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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