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1969: O ano do despertar operário

Nahuel Moreno*

O ano de 1969 está acabando e todo o mundo está tirando suas conclusões. O governo, os patrões e
seus diferentes órgãos de representação, fazem o balanço do ano em que se mudou o curso da
história da Argentina. O que os preocupa é que, pela primeira vez em muito tempo, esta é uma
mudança mais profunda, uma mudança real.

Não foi nenhum general que colocou suas tropas nas ruas, nem a vitória de um partido burguês
substituindo outro partido burguês. A mudança radical na situação nacional foi determinada pela
classe operária. E isso os deixa preocupados. E nisso se apóiam para determinar sua estratégia para
o ano de 1970.

Da mesma maneira que eles, nós acreditamos que é uma necessidade para todos os companheiros e
ativistas operários dar um tempo. Devemos parar um pouco para melhor caracterizar o momento
que estamos vivendo e, acima de tudo, quais são as perspectivas futuras.

Entramos numa etapa pré-revolucionaria


Quando, durante o mês de maio, estávamos sacudindo a poeira e as teias de aranha acumuladas em
tanto anos de “paz social”, dissemos, em nosso jornal, que acabava de se abrir uma nova etapa
histórica na Argentina. O regime havia perdido seu equilíbrio. Havia entrado numa etapa
revolucionária.

O motor dessa mudança foi a classe operária que passou à ofensiva. O nível e a massividade
alcançada por algumas mobilizações, em especial a semiinsurreição de Córdoba e Rosário, golpeou
tão profundamente que a instabilidade e o desequilíbrio se estenderam a toda a sociedade
Argentina.

É importante ressaltar, mais uma vez, o que se entende quando dissemos que entramos numa etapa
revolucionária. E mais importante ainda é compreender qual é a dinâmica concreta, real, que se
seguiu até o dia de hoje. Isso nos permitirá também ter claro quais perspectivas vemos para o ano
de 1970.

Muitas vezes, caracterizamos a etapa pré-revolucionaria como de desequilíbrio e instabilidade do


regime. Porém, ainda que isso seja verdade, pararmos por aqui significaria ficarmos com uma
“verdade” tão imóvel quanto parcial. Isto é, significaria ficarmos com uma dessas verdades muito
verdadeiras, mas que não servem para mais nada.

Uma etapa pré-revolucionaria é uma etapa de transição. Entre quais pontos? De onde para onde?
Desde o velho equilíbrio derrubado pelas consequências da luta de classes, em direção a uma
situação revolucionária, insurrecional, ou para a instauração de um novo equilíbrio, de uma nova
estabilidade do regime.

Em 1969, pudemos ver a combinação de forma altamente contraditória destas duas possíveis saídas.
A estabilidade, que havia começado a apresentar abalos com as primeiras mobilizações estudantis,
veio abaixo quando o movimento operário assumiu o papel de protagonista. Estes dias até o dia de
hoje – maio em Córdoba, setembro em Rosário, passando pelos dias da traída Greve Nacional dos
dias 1º e 2 de outubro – foram os “pontos altos” dessa etapa. Foram os momentos em que se
oferecia a primeira saída, em que se chegava ao patamar superior de uma situação revolucionária.

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Da traição da greve geral até esses momentos, é, por outro lado, o período que caminha em direção
ao sentido contrário, isto é, em direção a um novo equilíbrio.

É bom ficar claro que aqui definimos tendências da realidade. Não estamos dizendo que se chegou a
uma nova estabilização, ou que estejamos a um passo de conseguir. Estes fluxos e refluxos ainda
não decidiram definitivamente coisa alguma.

Para caracterizar o ano de 1969 e as perspectivas para 1970, o essencial é ver concretamente como
se moveram, que dialética tiveram esses vaivens das classes, seus distintos setores, a burocracia
sindical, o governo, o Exército etc. Devemos analisar quais mudanças houve em suas relações de
forças, em suas políticas, que reacomodação tiveram.

De maio a dezembro
Começamos este ano com uma situação cujo traço fundamental era a moral baixa e o retrocesso do
movimento operário. A ditadura de Onganía se apoiava tanto em sua estabilidade política quanto
em seus planos econômicos.

A chegada desse regime (a ditadura) havia significado uma grave derrota para a classe operária,
que, por outro lado, já vinha em retrocesso e foi praticamente incapaz de reagir.

Uma relação de forças favorável com relação ao movimento operário foi o que permitiu que o
regime bonapartista fosse, até maio, um dos mais sólidos governos burgueses que existiu na
Argentina. O regime de Onganía é o desfecho lógico da espiral descendente que o movimento
operário vivia há vários anos. Espiral essa que se retroalimentava, em que a burocracia sindical
contribuia para as derrotas e as derrotas fortaleciam a burocracia sindical.

Maio começa a romper esse círculo vicioso. Pela primeira vez em muitos anos, a classe operária
passou à ofensiva. Pela primeira vez em muitos anos o movimento operário obtém triunfos. Muda
em sentido favorável a sua correlação de forças com o governo e a patronal.

Porém não basta caracterizar que o movimento operário mudou favoravelmente sua relação de
forças com o governo e os patrões e que conseguiu triunfos. De que forma e em qual medida
concreta o fez? Aqui chegamos ao nó da discussão.

O movimento operário, pelo atraso na formação de uma direção classista, por ter conservado a
burocracia sindical no domínio de suas organizações de massas, não muda a relação de forças com o
governo em medida suficiente para produzir sua queda. O movimento operário, pelas mesmas
razões, obtém triunfos, porém de uma forma que permite ao governo fazer parecer que foram
concessões ou bondades de sua parte. O movimento operário foi suficientemente forte para
desequilibrar o regime e foi suficientemente frágil para que este desequilíbrio se mantivesse dentro
de determinados limites, isto é, de limites onde Onganía pudesse se manter, fazer mudanças em sua
política e apontar, agora, em direção ao objetivo número um dos patrões: a instauração de um novo
equilíbrio.

Olhemos isso mais de perto. As mobilizações de maio e setembro colocaram Onganía contra as
cordas. Para arrematar a situação, havia dois obstáculos estreitamente ligados entre si: o
desequilíbrio entre as lutas do interior e na capital, Buenos Aires; e o problema da direção operária,
isto é, o controle dos sindicatos mantidos pela burocracia e a debilidade, inexperiência,
atomização, espontaneísmo etc. da nova vanguarda. Pela ausência de um grande partido
revolucionário, não estava colocada, como possibilidade imediata, a tomada do poder pela classe
operária. Porém, ainda que o movimento operário não tivesse tomado o poder, Onganía poderia ter
sido derrubado se uma mobilização como a de Córdoba se generalizasse em todo o país, em

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especial, em Buenos Aires. Nessa direção, se caminhava nos dias prévios à greve fracassada de 1º e
2 de outubro.

A política de Ongania
Diante dessa situação, Onganía responde com uma política bastante frágil, que parte de uma
caracterização correta da debilidade fundamental do ascenso operário: a sua direção. Onganía
lança sobre Córdoba, nos primeiros momentos, uma brutal repressão. Porém sua política posterior
deixou de ser a de porrada a torto e a direito, e começou a medir cuidadosamente a repressão,
definindo claramente a quem reprimiria e com que força o faria. E não fazia isso por razões
sentimentais. Na verdade, o fazia por razões políticas muito claras: manter aberta a via de
negociação com a burocracia sindical. Nos momentos em que os enfrentamentos mais duros
pareciam inevitáveis, La Verdad caracterizava a política de Onganía com uma frase: “Repressão,
porém dentro dos limites da negociação”.

Negociar significava fazer algumas concessões, reconhecer as vitórias operárias. Porém, ao mesmo
tempo, dar a entender que todas as concessões e triunfos foram obtidos pela via burocrática. Isto é,
dar concessões ao movimento operário e, ao mesmo tempo, tirá-las. Tudo isto, repetimos, a serviço
do objetivo numero um de Onganía: frear o ascenso e preparar as bases do novo equilíbrio.

Como dar para poder tomar


Há muitos exemplos. Vejamos alguns. Uma das bandeiras fundamentais das mobilizações operárias
foi a de liberdade aos presos políticos e a suspensão do estado de sítio.

Hoje os presos estão livres. O estado de sítio parece que vai ser suspenso e, ainda que não tenha
sido até este momento, na prática, ele quase não é aplicado. Porém o governo deixa transparecer
que não soltou os presos como concessão ao movimento operário para excluir uma possível bandeira
mobilizadora do ano de 1970. Isto que é, objetivamente, uma concessão ao movimento operário,
faz transparecer como uma concessão... da Virgem Maria.

As mobilizações lutaram conta as intervenções do governo nos sindicatos. Hoje o governo aparece
“devolvendo a CGT aos trabalhadores”. Na verdade, devolvendo aos podres burocratas que o
ajudaram a frear o ascenso. Onganía propõe realmente suspender as intervenções em quase todos
os sindicatos que estão nesta situação. Sem o ascenso operário teria sido muito difícil conseguir
isto. Porém, obviamente, o faz sobre a base de levar a direção sindical, na verdade, burocratas cem
por cento capituladores, a negociações que lhe ofereçam garantias. Devolve os sindicatos para, ao
mesmo tempo, tomá-los e controlá-los através da burocracia.

No plano econômico, é, naturalmente, onde Onganía pode conceder menos. Entre os 7% de aumento
que havia decidido o congresso patronal de Salta, os 40% que exigia o movimento operário e o
aumento que deu Onganía não há somente diferenças aritméticas. Esse aumento nos salários, entre
$ 20.000 e $ 30.000, significa cerca de 17%. Foi uma concessão miserável, porém uma concessão. O
movimento operário obtém alguns pontos acima da oferta patronal, porém em condições tais que
significa o fim da mobilização e da greve de 1º e 2 de outubro. Isto é, obtém o aumento,
renunciando a luta por um aumento maior.

Na universidade, também há uma situação parecida. Não queremos diminuir a importância das
mobilizações estudantis. Muito pelo contrário. Porém é evidente que elas, por si mesmas,
dificilmente teriam conseguido mudar a situação se não tivesse entrado em cena o movimento
operário.

A confluência do ascenso operário com um movimento estudantil, que busca a unidade com a classe
operária, obrigou a adotar a política que implementa Perez Ghilou, o ministro da Educação.

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Porém onde está sendo preparada a grande manobra dentro do mecanismo “dar para poder tomar”
é no plano político geral. Aqui se impõe tratar de um tema que até este momento deixamos de
lado: o problema da patronal argentina e estrangeira e sua relação com o governo e o Exército.

Onganía e os patrões
A paz social existente até maio produziu, nesse plano, efeitos contraditórios porém unidos pela
mesma causa: a paralisia do movimento operário, que tinha reduzido quase a zero seu peso político.
Em primeiro lugar, a patronal de conjunto estava intimamente agradecida a Onganía por ter
colocado a classe operária para escanteio e facilitado a superexploração. A “estabilidade”
econômica tinha ali sua principal causa. Isso fez que as correntes de oposição burguesa estivessem
tão esvaziadas nos anos de 1967 e 1968.

Mas no início deste ano, precisamente porque a passividade operária lhes dava o luxo de poder
disputar, começa a observar-se sintomas de reanimação política. Não é que a patronal tivesse ido
em massa aos velhos partidos burgueses. A atitude opositora começou a manifestar-se, sem ser
canalizada partidariamente, como a discussão sobre a saída institucional que deveriam dar para o
regime. Isto é, o famoso plano político. Borda construiu, nesse momento, a estrutura corporativista
e começa uma onda de críticas. O fantasma do golpe começa a ganhar corpo.

Lembremos como, diante das primeiras mobilizações estudantis, a imprensa burguesa as apóia com
tudo, especialmente a imprensa do interior, ainda que em Buenos Aires não tenham ficado para
trás. Tratam de jogar todo o problema estudantil nas costas de Borda, uma vez que quase ao mesmo
tempo todos os setores burgueses aplaudem sem restrições a política de Krieger Vasena.

O maio cordobense demonstrou à patronal que eles estavam brincando com fogo. Já não se tratava
das românticas manifestações estudantis, mas de algo muito desagradável: o movimento operário
de pé, nas ruas, correndo da polícia e chegando a exigir em suas manifestações “governo operário e
popular”. A patronal dá um giro de 180 graus e está colocada para ela uma grave disjuntiva: acabar
com Onganía ou defendê-lo, dando-lhe apoio crítico. A segunda opção obtém, evidentemente, a
aceitação majoritária. O pouco peso do setor patronal que opta pela queda de Onganía se reflete no
fracasso do grupo golpista dentro do Exército.

A patronal opta pela continuidade, porém exige mudanças. O faz por várias razões. A queda de
Ongania era uma jogada extremamente perigosa: a classe operária teria feito uma experiência de
que era capaz de derrubar um governo burguês. Outra razão, não menos poderosa, a teria dito
Lanusse (segundo as revistas políticas): “não temos a cartilha para seguir adiante”. Isto é, podemos
tirar Onganía, porém a política a seguir não sabemos qual será.

Frente a essa posição dos patrões, Onganía se adapta relativamente bem. Ainda que diga
publicamente como De Gaulle: “Ou eu ou o caos”, aplica de fato essa política da patronal. Isto lhe
permite também aplicar a política que já analisamos com relação ao movimento operário.

Voltando ao tema depois desta digressão ao problema político geral, podemos dizer que, rodeado do
apoio crítico dos principais setores patronais, nos parece que o regime agora se propõe a encarar
um problema decisivo: a saída política.

Já na reunião de generais, almirantes e brigadeiros no mês de setembro se propõe uma saída com a
“constituição, os partidos e o parlamento” Agora, as repetidas declarações de Lanusse voltam a ter
atualidade. Publicamente, prometeu dar, no final do ano, um plano político concreto. Volta, alem
disso, o reanimamento político burguês e, as discussões sobre a saída política.

Não obstante, isto se dá em uma forma totalmente diferente das que se davam no inicio do ano.
Agora o problema que preocupa a todos os setores burgueses, oficialistas, opositores, ou meio a

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meio como é a maioria, é como instaurar um novo equilíbrio, como impedir a novos maios em 1970.
Em resumo, como fazer para que a atual etapa pré-revolucionaria seja direcionada para uma nova
estabilidade.

Ainda que haja grandes diferenças de interesses, de estratégia etc. entre os diferentes setores
burgueses, esse problema básico para eles é corriqueiro. Não há nada definido, porém é possível
prever que isso os unifique ao redor de uma saída que proponha o governo. Porque a famosa saída
“constituição, partidos e parlamentos” é repetir o mecanismo de dar para poder tirar. Conceder a
democracia política, cozinhando, ao mesmo tempo, uma variedade de partidos “oficialistas” ou
“opositores”, “nacionalistas” ou “liberais”, “peronistas” ou “democráticos” que dêem ao
movimento operário a ilusão de que ele está elegendo os seus governantes, para que depois tudo
siga da mesma maneira.

Isso, naturalmente, teria sido impossível sem um maio. Quando Alsogaray propôs um plano similar,
foi destituído sem dó nem piedade. Hoje pensam, de fato, em aplicar o plano dele. Isto é, canalizar
o ascenso, o triunfo operário, de maneira que termine dirigindo-se contra ele próprio.

O ano de 1970 se apresenta então de forma muito complexa. As duas saídas possíveis a atual
situação pré-revolucionária vão ser disputadas em uma complicada combinação de planos políticos e
sindicais.

Já podemos dizer que não será uma tarefa fácil para a burguesia e o governo. Não podem dar
grandes concessões no campo econômico. Inclusive, nem sequer podem voltar a dar, em curto
prazo, as pequenas concessões que deram neste ano.

No plano político, a saída que se está desenhando é muito coerente no papel. Porém, para levá-la a
pratica, exige um complexo acordo entre todos os setores dos patrões e suas tendências políticas.
Em especial o acordo com o peronismo não é nada fácil de estruturar, e não é possível que isto se
faça sem ele, como já foi tentado, sem êxitos, na época das eleições de Illia.

O que aqui falamos com relação à saída política, não é, repetimos, uma predição firme. Na verdade
nem o próprio Onganía sabe com certeza o que vai acontecer em 1970. Porém, independentemente
dos sinais que indicam essa tendência, uma saída desse tipo é coerente com a política de acordos e
negociações que fez o governo. É o grande acordo entre todos os setores burgueses junto com a
burocracia sindical e a benevolência de Caggiano: grande acordo para resolver pela via reformista
eleitoral as diferenças e levar a classe operaria ao beco sem saída das diferentes opções burguesas.

O movimento operário é quem decidirá esse jogo


Tudo o que analisamos com relação às estratégias e planos dos patrões é muito importante. Porém,
em última instância, estará subordinado à dinâmica que vai adquirir o movimento operário. Ele teve
poder suficiente para derrubar em poucos dias o equilíbrio do regime tão dificilmente construído.
Dele depende o êxito ou o fracasso das tentativas de estabilização.

O movimento operário passa à ofensiva contra o regime e chega, nessa ofensiva, a um limite no qual
é impossível seguir avançando sem uma direção revolucionária ou, pelo menos, classista. Ao não ter
essa direção, não pode seguir avançando de conjunto, não pode voltar, imediatamente, a repetir as
mobilizações de Córdoba, Rosário etc. O avanço prossegue nas bases. Prova disso é a onda de lutas
por fábrica que acontecem ininterruptamente desde que foi suspensa greve geral de 1º e 2 de
outubro.

Isso tem uma causa muito profunda que nos leva ao nó das dificuldades que tem o governo e os
patrões para pacificar, para restaurar o equilíbrio. Como analisamos antes, a via que tem o governo
e os patrões para frear o ascenso é, fundamentalmente, uma via reformista, negociadora, política.

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Porém uma coisa é negociar nas alturas das superestruturas, uma coisa é aplicar uma linha
reformista no nível dos presos políticos, do estado de sítio, da saída política etc. Outra coisa muito
diferente é fazer no nível estrutural, isto é, no nível das relações de produção. Dito de forma mais
simples: os patrões e Onganía podem soltar os presos, se colocar de acordo com os burocratas na
divisão de postos na CGT, negociar com o peronismo as saídas eleitorais etc. Porém não podem e
nem querem diminuir o grau de exploração da classe trabalhadora, oferecer-lhes melhorias
econômicas substanciais. Se fizerem uma coisa é, precisamente, para negar a outra.

O crescente antagonismo que no nível estrutural tem a classe operaria com os patrões se contradiz
com os paninhos quentes conciliadores que se aplicam na superestrutura. Em nenhuma fabrica, que
saibamos, os grandes patrões responderam diminuindo o ritmo de exploração, dando grandes
aumentos por fora dos contratos coletivos, aumentando os níveis salariais etc. Tudo ao contrário: o
torniquete se aperta cada vez mais. Isso contribui para manter o ascenso, porém pelo que já
assinalamos, um ascenso de características atomizadas, de batalhas parciais fábrica por fábrica e,
muitas vezes, somente de setores isolados.

Se os patrões e o governo não acabam com essa contradição, terminará por lançar-se por terra
também a conciliação no nível superestrutural. As batalhas isoladas, alcançando determinado nível,
podem confluir em lutas de conjunto novamente.

Para que seja possível “pacificar” nesse nível, uma vez que a saída reformista é impossível,
somente poderia ser conseguido se o movimento operário sofresse severas derrotas, fracassos
decisivos. E isso ainda não aconteceu.

De todo o processo de 1969, a classe trabalhadora não viveu uma experiência desmoralizadora. A
traição da burocracia deteve o avanço de conjunto, porém não pode retroceder a situação de antes
de maio. E será a manutenção do ascenso na base do movimento operário o que permitirá decidir o
problema da direção do movimento.

De fato, quem decidirá a luta entre a burocracia sindical e a vanguarda operaria é a base do
movimento operário. As mudanças, a dinâmica que tomar a base do movimento operário é o que
inclinará a balança num sentido ou em outro. No começo deste artigo falamos da espiral
descendente que consolidou a burocracia nos sindicatos. Inversamente, é possível algo parecido
entre a dinâmica de ascenso da base, por um lado, e, por outro, a consolidação da vanguarda como
direção reconhecida e o desprestígio da burocracia sindical.

O ano de 1969 demonstrou a necessidade objetiva de uma nova direção. E isto tanto no âmbito das
lutas grandiosas de maio e setembro como a da mais elementar luta numa seção de fábrica. Esta
necessidade objetiva, com todo o atraso, se reflete subjetivamente na classe operária. Até o
momento, e não poderia ser de outro modo, esta consciência da necessidade de uma nova direção
se manifesta, sobretudo, de forma negativa. Manifesta-se mais como repúdio e desprestígio da
burocracia. Muito menos, por outro lado, de forma positiva, isto é, no reconhecimento de novas
direções classistas.

O exemplo recente da General Motors vale para todo o movimento operário. A base,
unanimemente, com uma força e firmeza que até poucos meses não nos atreveríamos a imaginar,
repudia os burocratas. Porém, em contraditório contraste com essa força negativa, não se afirma
positivamente em uma nova direção. Vaiam aos burocratas, votam contras todas as suas propostas,
mas não surge um poderoso comitê de greve.

Estamos, então, num momento extremamente delicado do movimento operário. Também para o
movimento operário o sinal do momento é de instabilidade e de desequilíbrio.

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Agrupar e fortalecer a nova vanguarda
Afirmamos que a base para resolver a disjuntiva burocracia-vanguarda será dada pela dinâmica do
avanço ou retrocesso que tome daqui para diante o conjunto da classe. Isto é objetivo. Uma
centena de Lenins em cada fábrica é impotente em etapas de refluxo. Além do mais, em tais
etapas, jamais surgirá uma centena de Lenins.

Porém dizer que é a base quem decidirá entre os burocratas e os ativistas significa escolher entre
dois polos. Para que essa escolha seja feita no sentido positivo, não basta que um dos polos
(burocracia) seja claramente repudiado. É necessário que o outro polo (vanguarda, ativistas) seja
tocado pela base, que demonstre ser de fato, uma possível direção alternativa. O ativismo disperso,
espontaneísta, inexperiente, debilmente organizado ou sem organização nenhuma pode empurrar
como um todo, colocar-se na primeira fila das lutas, mas dificilmente pode apresentar-se diante da
base como uma direção alternativa aos burocratas.

Retomando o exemplo da General Motors, agora de um ângulo oposto, o de Kloosterman & Cia. se
apresentavam claramente como traidores e fura-greves diante da base. No entanto, do outro lado,
não se apresentava diante da base uma forte vanguarda com linha clara e coerente, bem
disciplinada e organizada, que cobrisse todas as seções da fábrica etc. Não havia cinco ou seis
grandes caudilhos sindicais que levassem a base a dar um passo adiante: do repúdio aos burocratas
a reconhecê-los como sua direção.

É por isso que uma das tarefas decisivas para o próximo ano é a consolidação de uma vanguarda
forte, experiente, organizada e disciplinada. Que a sua força agregue a condição de estrategista da
luta de classes em suas fabricas. Toda a experiência de 1969, com suas vitórias e suas derrotas,
contribuiu para educar muitos ativistas. Em 1970, caso se confirme a continuidade do ascenso,
como acreditamos, esse processo de aprofundará.

A necessidade histórica do partido


Isso só não basta. Se em relação ao conjunto da casse ficou clara a necessidade de uma nova
direção, em relação à vanguarda, toda a experiência de 1969 demonstrou a imperiosa necessidade
do partido. Sem um grande partido de vanguarda operária e estudantil, não será possível superar
a inexperiência, o espontaneísmo, a desorganização do ativismo. E, portanto, não será possível
resolver o problema de direção do movimento operário. Poderá haver novos e grandes ascensos de
conjunto como os que ocorreram neste ano. Contudo, sem dúvidas, corre-se o perigo de que sejam
capitalizados por qualquer “ala de esquerda” da burocracia (Gazzera, Ongaro ou qualquer burocrata
que queira brincar de fazer revolução e que leve a um beco sem saída).

Voltando por terceira vez ao caso General Motors: uma forte organização partidária no seio dos
ativistas seria sinônimo de uma vanguarda com características totalmente diferentes.

Se isso é verdade diante de uma luta em nível de uma fábrica, é mil vezes mais verdade diante do
complexo panorama político geral que teremos no próximo ano. O companheiro que está lendo este
texto deve refletir sobre isso: no marco da sua fábrica, é possível resolver relativamente os
problemas atuando de forma individual. Mas, por exemplo, diante de um fato político em escala
nacional, o que se pode fazer? Suponhamos, companheiro, que amanhã haja eleições. Você vai ficar
de braços cruzados? Ou vai apoiar um partido dos patrões? Você enfrenta todos os dias os patrões da
sua fábrica. E não acha que é necessário enfrentar, em escala nacional, todos os patrões? E como é
possível faze-lo sem um partido?

Pense bem, companheiro. Estas perguntas você que já vê em sua fábrica a necessidade de se unir e
se organizar diante do patrão, deve agora ver que é muito mais necessário organizar-se para
derrotar o governo dos patrões. E isso só é possível fazer estando num partido revolucionário.

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<i>*Editorial do jornal La Verdad de 29 de dezembro de 1969</i>

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