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Brasil potência

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Raúl Zibechi

Brasil potência
Entre a integração regional e um novo imperialismo

2a edição revista

CONSEQUÊNCIA

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© 2012 Raúl Zibechi
Direitos desta edição reservados à
Editora Consequência
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Brasil
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Editora Consequência
Tradução
Carlos Walter Porto-Gonçalves
Revisão
Vinícius Loureiro Renaud
Capa, projeto gráfico e diagramação
Letra e Imagem

Foto da capa
© Alexandre Fagundes | Dreamstime.com

cip-brasil. catalogação-na-fonte
sindicato nacional dos editores de livros, rj

Z62b Zibechi, Raúl, 1952-


Brasil potência : entre a integração regional e um novo imperialis-
mo / Raúl Zibechi ; tradução Carlos Walter Porto-Gonçalves. - Rio
de Janeiro : Consequência, 2012.
348 p. : il. ; 16 x 23 cm

Tradução de: Entre la integracion regional y un nuevo imperia-


limo
Apêndice
Inclui bibliografia e índice
ISBN 978-85-64433-07-6

1. América Latina - Política e governo. 2. Brasil - Política e governo. 3.


Imperialismo. 4. América Latina - História. I. Título.

12-8621. CDD: 320.98


CDU: 32(8)

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Sumário

Apresentação..............................................................................................................7
Prefácio...................................................................................................................... 9
Prólogo......................................................................................................................13
Introdução ...............................................................................................................17

CAPÍTULO 1. O retorno do subimperialismo......................................................29


CAPÍTULO 2. A ampliação da elite no poder.......................................................49
CAPÍTULO 3. A construção de uma estratégia....................................................85
CAPÍTULO 4. Da estratégia de resistência à estratégia de defesa nacional....125
CAPÍTULO 5. A reorganização do capitalismo brasileiro................................159
CAPÍTULO 6. As multinacionais brasileiras na América Latina....................191
CAPÍTULO 7. A nova conquista da Amazônia...................................................215
CAPÍTULO 8. As relações com os países periféricos.........................................247
CAPÍTULO 9. Rumo a um novo centro e novas periferias .............................285
CAPÍTULO 10. Os movimentos antissistêmicos no Brasil Potência...............305

APÊNDICE 1. Lista de siglas..................................................................................323


APÊNDICE 2. Partidos políticos do Brasil..........................................................326
APÊNDICE 3 . Principais empresas......................................................................330
Referências bibliográficas ....................................................................................333
Índices de quadros, mapas e figuras ...................................................................347

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Apresentação

Em geral um livro vale pelas ideias que veicula, mas também pode valer
pelo que mobiliza a partir dessas ideias. É bem o caso do livro que o leitor
brasileiro ora recebe que para sua edição mobilizou amplos esforços de
um grupo de estudiosos sensibilizado pelas questões que levanta, sobre-
tudo diante do novo quadro de integração da América Latina nos marcos
da reorganização global do capitalismo. Além das ideias que o livro traz
é preciso considerar as qualidades próprias do autor, Raúl Zibechi, que
alia à consistência teórico-política uma refinada capacidade de sistemati-
zar informação e um texto escorreito que convoca todos à leitura. Mais do
que isso, que por si só já qualificaria o livro, Zibechi reúne uma qualidade
da/os velha/os intelectuais revolucionária/os que sabem que o comunismo,
mais do que uma doutrina como alguns acreditam, “é o movimento real
que suprime o estado de coisas existente” (Marx) e, como tal, é um movi-
mento aberto. Assim, mais que uma teoria sobre o mundo, o que leremos
aqui é uma reflexão tecida a partir do mundo. Raul Zibechi é desses in-
telectuais que sabem que a produção da vida, e não há produção da vida
sem processo de produção de conhecimento é, sempre, uma produção de
sentido coletivo. Assim, estamos diante de um livro tecido nos encontros
de lutas sociais onde o autor, como nos mostra logo no início do livro, nos
relata as mobilizações sociais que hoje em vários locais da América do Sul
queimam bandeiras brasileiras como ontem queimavam bandeiras esta-
dunidenses. Para entender esse fenômeno fez um mergulho profundo na
realidade brasileira trazendo uma enorme contribuição para a compreen-
são da nova configuração do capitalismo, inclusive de novas configurações
de grupos/classes sociais.
Foi a cumplicidade com as ideais aqui veiculadas nesse livro que fez
com que os pesquisadores do Lemto, do Brasil, e do Coletivo Bajo la Tierra,
do México, se dedicassem a essa empreitada certos de que é preciso en-
tender a reconfiguração geopolítica que se abre no mundo, sobretudo na
América Latina, com o deslocamento do centro geopolítico/econômico do

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mundo para a Ásia com a ascensão da China, e a afirmação do Brasil como


potência regional sul-americana. Sendo assim, registramos a contribuição
desse coletivo de tradução rigorosamente amador e que exatamente por
esse caráter amador sabe da paixão implicada para que o traduzido fosse
minimamente traído. Com todo rigor agradecemos a:
• Cesar Ortega e Bruno Miranda do Coletivo bajo la Tierra (México)
pela tradução os Capítulos 1, 2 e 3;
• Eduardo Barcelos do Lemto pela tradução do Capítulo 4;
• Alanda Lopes do Lemto pela tradução do Capítulo 5;
• Diogo Marçal Cirqueira do Lemto pela tradução do Capítulo 6;
• Aline Miranda Barbosa do Lemto pela tradução do Capítulo 7;
• José Victor Julibone Consadey do Lemto pela tradução do Capítulo 8;
• Rafael Benevides do Lemto pela tradução do Capítulo 9 e
• Alexandre Henrique Asada do Lemto pela tradução do Capítulo 10.
A Revisão técnica e homogeneziezação da linguagem coube a Carlos
Walter Porto-Gonçalves do Lemto.
O modo de produção desse projeto, inclusive de sua tradução, mostra
que estamos diante de outro modo de produção de conhecimento enquan-
to produção coletiva, enquanto Minga, enquanto Mutirão. Aqui forma e
conteúdo indicam a coerência na produção de ideias. Ah, ia me esque-
cendo, a simpatia do autor e as implicações que tem com o que escreve se
mostram muito mais que explicações e, talvez, isso nos ajude a entender
porque tantos implicados.

Carlos Walter Porto-Gonçalves


Niterói, 15 de novembro de 2012

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Prefácio

Por razões diversas, certos temas causam constrangimento. Este é o caso


do livro Brasil potência: entre a integração regional e um novo imperialis-
mo, de Raúl Zibechi, ao analisar de maneira séria e sob variados ângulos
o papel imperialista cumprido pelo capitalismo brasileiro e seus governos.
Experientes pesquisadores e militantes brasileiros de longo curso por ve-
zes deixam questões candentes à sombra, pois elas parecem perturbar a
ordem natural das coisas, embaralhar a maneira tradicional com a qual
abordamos a formação histórica do Brasil e o papel que cumpre nosso
país, em especial no contexto da América Latina. Estamos acostumados
a pensar a história do Brasil a partir da dependência, da subordinação e a
considerar o imperialismo como algo externo, que nos é imposto de fora.
Em consonância com essa interpretação, estabelecemos estratégias e lutas
sociais latino-americanas contra o imperialismo estadunidense e deixa-
mos à sombra os riscos da expansão capital-imperialista atual com base no
Brasil. O período contemporâneo, em especial após a primeira eleição do
governo Lula, exacerbou uma série de variáveis, a começar por uma gigan-
tesca concentração de capitais, que vem transbordando para outros países,
e precisamos com elas nos defrontar.
As interpretações históricas do Brasil tendem a se concentrar em dois
polos: as que enfatizam a dependência externa, marca fundamental rema-
nescente da experiência colonial, infelizmente reatualizada em cada novo
processo de modernização, e as que procuram centrar-se nas relações in-
ternas, em maneiras ou padrões pelos quais se modificaram as estrutu-
ras de dominação social e as relações sociais fundamentais. A dificílima
síntese entre esses dois elementos segue sendo desafio permanente e é a
cada dia mais urgente. Se, de fato, convivemos com os tentáculos da potên-
cia estadunidense, as formas contemporâneas de expansão capitalista nos
impelem a considerar o imperialismo como algo além do que nos chega
desde o exterior. Com raras exceções, entre as quais Ruy Mauro Marini, de
fato é penoso admitir que mantidas as formidáveis desigualdades sociais,

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perdurando processos intensos de desnacionalização de terras e de empre-


sas, perpetuando formas perversas de trabalho e de violência contra mo-
vimentos sociais, estabeleçam-se projetos políticos, econômicos, sociais,
militares e culturais que reproduzem a partir do Brasil, agora em direção
a outros países, o que nos foi imposto desde sempre.
Este livro não nasceu no Brasil; é fruto de trabalho de investigação que
nos olha de fora para dentro, vasculhando atentamente a documentação,
identificando a existência de um projeto de potência regional. Cuidadoso,
não se limita aos dados econômicos diretos, e uma mirada no índice mos-
tra o impressionante roteiro realizado pela pesquisa. Aborda sem medo
questões teóricas e econômicas, assim como inversões das multinacionais
brasileiras em diferentes países de Nuestra America, porém, além disso, se
debruça sobre as novas configurações da propriedade do capital no Bra-
sil, acompanha a indústria bélica e as condições militares, assim como os
projetos estratégicos de “projeção continental” e as políticas em curso para
implementar essa expansão. O capítulo sobre a ampliação da elite no poder
oferece, com dados e fatos, elementos para compreender a complexidade
das novas relações de classe no país, inclusive para o debate teórico sobre
as classes sociais. Podemos concordar ou discordar de algumas hipóteses
e de algumas proposições, mas é imperativa a leitura desta obra. As classes
trabalhadoras brasileiras precisam compreender a nova dificuldade que
esse tipo de projeção imperialista brasileira traz para a necessária conso-
lidação das lutas comuns em nosso continente. É para favorecer um novo
patamar nas lutas populares latino-americanas que essa questão – a do
imperialismo brasileiro – precisa ser enfrentada com clareza.
Esta brevíssima apresentação não pretende defender posições no debate
que, inclusive, já se vem travando no Brasil sobre o tema, pois esse debate
ainda é incipiente ou negado peremptoriamente e sem maiores análises
por muitos. Trata-se, sobretudo, de evitar que a nostálgica expectativa de
um neodesenvolvimentismo capitalista cada vez mais predatório – social,
humana e ecologicamente – não se torne cúmplice de formas dramáticas
de dominação imperialista, sem que estejamos preparados para combatê
-las. Conhecemos as formas truculentas da autocracia burguesa no Brasil,
e suas projeções de potência não permitem que nos iludamos sob novas
modalidades “generosas” de exportação de capitais e de reforço das po-
sições da escandalosa concentração da propriedade de capitais no Brasil.
A urgência da leitura desta obra extrapola as razões teóricas, haja vista

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Prefácio 11

que bandeiras brasileiras vêm sendo queimadas em várias manifestações


populares na América Latina, quando tradicionalmente esse era o destino
das bandeiras estadunidenses.
Virgínia Fontes
Carlos Walter Porto-Gonçalves

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Prólogo

Quando os povos se lançam à luta não calculam as relações de forças no


mundo. Simplesmente lutam. Se antes de fazê-lo se dedicassem a examinar
as possibilidades que têm de vencer, não existiriam nem os movimentos
antisistêmicos nem a multiplicidade de levantamentos, insurreções e re-
sistências que estão atravessando o mundo e nossa região. Os/as de abajo
nunca atuam com base na racionalidade instrumental, como soem crer os
cientistas sociais e os analistas que vêem o mundo desde arriba.
A gente comum aplica em sua vida cotidiana, da que formam parte tan-
to as resistências como os levantamentos, uma racionalidade outra, marca-
da por indignações, sofrimentos e gozos, que os leva a atuar com base em
seu senso comum de dignidade e ajuda mútua. Os cálculos racionais, isso
que certa esquerda chama “correlação de foças”, não formam parte das
culturas de abajo. Mas tampouco se põem em ação de forma mecânica, es-
pontânea como gostam de julgar pejorativamente os profissionais da revo-
lução, mas o fazem em consulta com outros e outras que compartilham os
mesmos territórios em resistência. Aí sim, avaliam e analisam, tendo em
conta se chegou o momento de lançar novos desafios. O que ocupa o cen-
tro de suas análises é se estão capacitados para afrontar as conseqüências
do desafio, que sempre se medem em mortos, feridos e cárcere. Em suma,
os de abajo se lançam à ação logo que avaliam cuidadosamente a fortaleza
interior, a situação de suas próprias forças e não tanto as relações entre os
“de cima” e os “de baixo” que, salvo exceções, sempre são desfavoráveis.
Por que, então, estudar as relações entre Estados, os novos desequilí-
brios e as mudanças que se estão produzindo? Ou, melhor, que impor-
tância tem para os movimentos antisistêmicos a geopolítica, uma ciência
criada pelos Estados imperialistas para dominar as periferias?
A primeira, quase óbvia, é que sempre é necessário conhecer os cenários
nos quais atuamos e de modo muito particular as tendências de fundo que
movem o mundo em um período de especial turbulência. Se concordamos
que o sistema-mundo em que vivemos está atravessando um período de

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câmbios profundos e os modos de dominação estão mundando com certa


rapidez, seguir o rastro de ditas mutações é tão importante para o militan-
te como o reconhecimento do terreno o é para o combatente. Sempre que
se reconheça que a forma adequada de conhecer é a transformação, a ação
e não a contemplação.
A reflexão do subcomandante insurgente Marcos sob o título “La Cuar-
ta Guerra Mundial”, foi uma peça importante para situar os rebeldes do
mundo em uma nova realidade que é a continuação da guerra contra os
povos de Chiapas “pese a que pudo haber terminado de una forma digna y
ejemplar”.1 De alguma maneira esta análise é algo assim como cartografias
ou mapas rudimentários: orientam sem determinar, mostram os obstácu-
los que há por diante e os possíveis atalhos.
Neste caso, se trata de lançar luz sobre a novidade que supõe, para os
povos sul-americanos em particular, a presença de um vizinho con voca-
ção imperial nas fronteiras de nossos territórios. Não só isso. O ascenso
do Brasil como potência regional e global vem de mãos dadas com o nas-
cimento de um novo bloco de poder que não só está reconfigurando o
caráter do conflito nesse país, mas também na região.
A segunda questão, derivada diretamente da anterior, se relaciona com
os impactos dos atuais processos interestatais e geopolíticos nos movimen-
tos sociais. Brasil Potencia é possível graças à aliança de um setor decisivo
do movimento sindical e do aparato estatal federal com a burguesia bra-
sileira e as forças armadas. Explicar a ampliação/reconfiguração do bloco
no poder, foi um de meus objetivos centrais porque estou convencido que
estamos diante da maior novidade que se vem produzindo em nossa região
em décadas. A divisão do trabalho entre os proprietários do capital e os
que o administran (basicamente dirigentes do PT e de alguns grandes sin-
dicatos), ou seja, entre duas frações de classes capilalistas, é parte essencial
do novo cenário regional que explica, em alguma medida, a confrontação
entre o chamado progressismo e a direita tradicional.
Uma parte da última camada de movimentos perdeu sua autonomia
política e ideológica neste novo cenário. Ao apostar no “mal menor” como
atalho ante o acúmulo de dificuldades em nossos territórios, os antigos

1
Pronunciada em 20 de novembro de 1999, foi publicada na revista Rebeldía No. 4, feve-
reiro de 2003, sob o título “¿Cuáles son las características fundamentales de la IV Guerra
Mundial?”.

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Prólogo 15

referentes se converteram em administradores estatais “sensíveis” aos pro-


blemas dos pobres. No melhor des casos, buscam amortecer os efeitos do
modelo, mas em todos os casos o fazem sem questioná-lo, porque já se
integraram ao mesmo.
Por último, ingressamos num período turbulento marcado pela mili-
tarização do planeta e por conflitos armados em grande escala. Para os
de abajo nos toca enfrentar o maior desafio imaginável: defender a vida
ante o projeto de morte dos de arriba. Confio que nos momentos de caos
sistêmico não percamos a bússula e mantenhamos o timão firmemente
orientado para a construção e reconstrução permanentes do mundo novo.
As simpatias que nos despertam as derrotas do império, por menores que
sejam, não devem nublar a vista sobre os horrores que supõem as potências
emergentes agrupadas no acrônimo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e
África do Sul). A recente matança de 34 mineiros sul-africanos, ao que o
progressismo deu escassa relevância, ensina a urdidura classista das novas
hegemonias.
Espero que os debates sobre a realidade do Brasil e da América do Sul,
que as classes dominantes pretendem separar do resto de América Latina
para aprofundar a dominação, resultem de interesse para aqueles que se-
guem empenhados em ir mais além da dura realidade que lhes toca viver.

Raúl Zibechi

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Introdução

O Brasil é um dos poucos países do mundo que está escapando da condi-


ção de periferia. Tem muitas coisas a seu favor: tamanho, riquezas, popu-
lação e, sobretudo, vontade política, imprescindível para transformar as
potencialidades em fatos. Não basta ser a sexta economia do planeta nem
figurar entre os primeiros do mundo em recursos como hidreletricidade,
hidrocarbonetos, água doce, biodiversidade, agrocombustíveis, urânio,
minério de ferro e outros bens comuns. A abundância, por si só, não asse-
gura a independência nem a soberania de nenhuma nação.
Os grandes processos históricos – a desmontagem da relação centro
-periferia é um deles – estão convocados a modificar o funcionamento do
sistema. É muito provável que o capitalismo não possa sobreviver à rup-
tura do vínculo estrutural centro-periferia, já que nesses 500 anos foi o
núcleo da acumulação de capital e de poder das classes dominantes do
Norte – correspondentes a 1% da humanidade – que controlam o plane-
ta. Entretanto, processos profundos como a reconfiguração das relações
Norte-Sul envolvem atores muito diversos com interesses contraditórios.
É muito provável que a ascensão de um punhado de nações emergentes da
sua condição de periferia ao de potências globais se realize sobre os om-
bros dos setores populares desses países e dos seus vizinhos, que tendem a
se converter em periferias das novas potências.
Se considerarmos que a relação centro-periferia se forjou com o ferro
candente do colonialismo, não será possível que nenhum dos países emer-
gentes escape da sua condição periférica sem mediar conflitos interestatais
mais ou menos violentos, mesmo quando a superpotência estadunidense
não tenha condições para travar o tipo de guerras que a levou a ocupar
um lugar hegemônico. Mesmo vivendo um grave período de decadência
econômica, os Estados Unidos mantêm uma importante supremacia mili-
tar, que garante pelo menos a capacidade de chantagear seus competidores
– como está fazendo indiretamente com a China e mais abertamente com
a Rússia.

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Acredito que a ascensão do Brasil à categoria de potência é um proces-


so irreversível e conflituoso. Primeiro, porque as condições internas vêm
amadurecendo lentamente desde a década de 1930, quando o regime de
Getúlio Vargas deu início ao processo de industrialização, promoveu a
formação de uma burguesia industrial e debilitou a oligarquia agroexpor-
tadora. Sete décadas depois, sob o governo de Lula, esse processo pode ter
tomado um caminho sem volta. A ampliação e o reforço das elites domi-
nantes, a adoção de uma estratégia para tornar o país uma potência global,
a sólida aliança entre a burguesia brasileira internacionalizada e o aparato
estatal (que inclui as Forças Armadas e os gestores estatais) e a maturida-
de alcançada pela acumulação de capital no Brasil fazem com que suas
elites dirigentes estejam em condições de aproveitar a decadência relativa
dos Estados Unidos para ocupar espaços que aprofundem sua hegemonia
no país e na região. Trata-se, portanto, de avançar sobre espaços “vazios”
como a Amazônia, sobre os demais países sul-americanos e sobre a África
ocidental, transformadas em regiões disponíveis para o capital “brasileiro”,
seu sistema bancário privado e estatal, suas Forças Armadas e sua buro-
cracia civil.
Será um processo conflituoso porque a América Latina sempre foi uma
região-chave para a hegemonia mundial dos Estados Unidos. Em outras
palavras: a superpotência não poderá manter seu lugar no mundo sem re-
forçar seu domínio na região, onde se destacam, por sua importância, o
Caribe, o México e a América Central, além da América do Sul. É nessa
região onde Washington sofre hoje seus maiores desafios no continente,
focalizados na região andina, que está chamada a se transformar no centro
da conflitividade social e interestatal. Não podemos saber como esse pro-
cesso vai se desenvolver, mas a reativação da IV Frota pelo Pentágono e a
dispersão de novas bases militares na Colômbia e no Panamá antecipam o
recrudescimento das tensões. Para as elites dos Estados Unidos, é evidente
que o único país capaz de obstaculizar suas pretensões hegemônicas é o
Brasil. Para as elites brasileiras, está cada vez mais claro que o seu principal
adversário é a potência do Norte.
Embora este trabalho compartilhe a perspectiva analítica do sistema
-mundo, tenta abordar a realidade latino-americana a partir dos interesses
dos movimentos sociais e antissistêmicos. Está dedicado a compreender a
ascensão do Brasil à categoria de potência global como um processo cheio
de riscos e de oportunidades para os setores populares, que devem enfren-

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Introdução 19

tar uma realidade mutante na qual o quadro de alianças está se alterando


rapidamente, assim como a composição das classes dominantes.
Compreender esse processo implica conhecer as novas correlações de
forças, as alianças que estão tramando os de cima, os setores que se in-
corporam ao bloco no poder e aqueles que são marginalizados do novo
cenário político e social. A região está vivendo sua terceira transição hege-
mônica, que vai reconfigurar completamente os contextos locais e as suas
relações com o mundo. A primeira se estendeu do início do século XIX até
a metade deste século, digamos entre a revolução haitiana de 1804 e 1850,
aproximadamente. Ou talvez possamos considerar o período anterior
de 1780, no contexto das revoluções lideradas por Tupac Amaru e Tupac
Katari. A hegemonia espanhola ou portuguesa foi seguida pela britânica.
Nessas décadas de bifurcação histórica nasceram os Estados-nação, essas
repúblicas de colonos que levaram as elites locais ao poder e os setores po-
pulares – particularmente indígenas e negros – a uma situação muito mais
penosa que a sofrida na época colonial.
Nesses anos também nasceram os partidos conservadores e liberais que
se revezaram na administração das novas repúblicas; formaram-se novas
burocracias estatais, civis e militares, que se encarregaram de controlar os
de baixo, especialmente quem vivia em áreas rurais, onde o poder das ha-
ciendas1 se manifestava de maneira brutal. As oligarquias agroexportadoras
proprietárias de terras governaram a sangue e fogo durante todo o século.
Com a segunda transição hegemônica, iniciada no século XX e esten-
dida até o final de Segunda Guerra Mundial, o novo poder estadunidense
destronou o império britânico. As burguesias industriais substituíram as
oligarquias por meio de processos drásticos, como o argentino e o bolivia-
no, bem dirigidos pelo Estado, como no Brasil, ou estabelecendo acordos
para proteger os interesses do conjunto das classes dominantes.
Se durante a primeira transição hegemônica, a do período de indepen-
dência, os setores populares participaram da revolta em montoneras2 e sob

1
Hacienda: Exploração rural agrícola ou pecuária de caráter latifundiário, levada para a
América Latina pelos espanhóis. Nas regiões de pecuária extensiva, como no Pampa, foi
uma forma de organização econômica que explorava trabalhadores em situação de aguda
dependência.(N.E.)
2
Montonera: Provém de montão. Grupos armados irregulares formados para combater um
inimigo superior, sem organização militar hierárquica. Os setores populares latino-ameri-
canos organizaram “montoneras” durante a guerra de independência contra Espanha. (N.E.)

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outras formas de ação coletiva irregular, em geral a serviço dos caudilhos


locais – crioulos, mestiços, indígenas ou negros – na segunda transição, a
irrupção dos operários organizados em sindicatos permitiu que a classe
trabalhadora deixasse sua marca na configuração do novo poder. No mes-
mo período, nasceram os partidos de esquerda e os diferentes nacionalis-
mos populares e revolucionários. O desenvolvimento industrial por meio
da substituição de importações, processo desigual entre países e regiões,
foi incentivado pelos pactos entre empresários e sindicatos, frequentemen-
te com o consentimento dos governos que edificaram as versões locais – e
reduzidas – do Estado de bem-estar. O sufrágio universal e os direitos de
expressão, associação, manifestação e eleição substituíram o autoritarismo
ditatorial que caracterizou o período oligárquico.
Nessas duas transições hegemônicas, as únicas referências que conhe-
cemos na América Latina que nos oferecem pistas sobre os caminhos que
poderão tomar uma terceira transição em curso, foram registradas pro-
fundas mudanças nas classes no poder, no sistema de alianças e de governo,
no regime político e no sistema econômico. Os lugares que ocuparam os
de baixo até a implementação do modelo neoliberal, preparado pelas dita-
duras militares das décadas de 1960 e 1970, foi incomparavelmente mais
consistente que no período anterior. Observada em perspectiva histórica,
vemos que a irrupção dos setores populares foi particularmente intensa no
período das independências e nas décadas de 1920 e 1940, ou seja, durante
as transições hegemônicas.
A partir dessas considerações, gostaria de destacar cinco aspectos rela-
cionados ao período atual, no qual a hegemonia dos Estados Unidos tende
a ser substituída pela do Brasil na América do Sul.

1) A atual transição hegemônica é uma enorme oportunidade para modifi-


car a correlação de forças a favor dos setores populares. As transições são
períodos breves nos quais o movimento é a pauta dominante, em que a
ebulição, as transformações e os rearranjos reconfiguram a realidade, de
tal modo que nada fica no seu lugar depois de certo tempo.3

Giovanni Arrighi e Beverly Silver. Caos y orden en el sistema-mundo moderno. Madrid:


3

Akal, 2001.

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Introdução 21

Nas duas transições anteriores, foram registrados dois tipos de movi-


mentos durante o período das independências: por um lado, os crioulos,
por outro, os indígenas e os negros, com os mestiços oscilando entre esses
polos, embora inclinados definitivamente para as classes dominantes; e
o das burguesias industriais, juntamente com as classes médias e com as
classes operárias na primeira metade do século XX. No primeiro caso, os
de baixo foram massacrados, exceto no Haiti, cuja revolução triunfante foi
ignorada e isolada. No segundo caso, os trabalhadores industriais, isolados
em ocasiões com os camponeses, conseguiram triunfos notáveis em vários
países, embora as vitórias tenham sido posteriormente apropriadas por
outros setores, desfigurando os objetivos das revoltas e das revoluções. Em
todas as partes, os de baixo conseguiram se tornar classe com consciência
dos seus objetivos e se organizaram para consegui-los.
Apesar da feroz repressão sofrida nas mãos das ditaduras, os explora-
dos e oprimidos da América Latina foram capazes de deslegitimar o mo-
delo neoliberal e abrir fendas suficientemente profundas para levar forças
que se denominam opostas ao Consenso de Washington a ocupar a maior
parte dos governos sul-americanos. Apesar das tentativas de cooptar e
desconcertar os movimentos antissistêmicos por parte dos governos pro-
gressistas, o ciclo de luta contra o modelo permanece aberto. Tudo indica
que nos próximos anos, até que seja finalizado o período de transição he-
gemônica, os movimentos dos de baixo continuarão sendo protagonistas
na configuração dos novos poderes emergentes.
São dois os maiores riscos que ameaçam as classes populares. A longo
prazo, a indefinição de um projeto próprio, ao apostar em um desenvolvi-
mentismo que as burguesias e as elites governantes defendem, concedendo
aos de baixo um lugar subordinado em troca de menos repressão e be-
nefícios materiais reduzidos e condicionados. A curto prazo, a tendência
ao isolamento social e político em decorrência da potência da expansão
capitalista e da falta de clareza sobre como se relacionar com os setores
governamentais, em particular com os que se proclamam progressistas e
revolucionários.

2) O nascimento de uma potência hegemônica intrarregional pela primei-


ra vez na história da América Latina é um desafio inédito devido ao tipo
de relações que as classes dominantes tendem a estabelecer com as elites
dos demais países e com os povos de toda a região. Todas as potências

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hegemônicas nesses cinco séculos foram extracontinentais, e não podiam


ocultar a diferença entre os seus interesses e os da região. Quando se trata
da própria região, as coisas são mais complexas. Encontro três razões para
tal complexidade.
As semelhanças culturais tendem a diluir a consciência da opressão. O
colonialismo é, por definição, algo alheio, estranho à sociedade colonizada.
A diferença e o caráter alheio facilitam uma percepção rápida da opressão.
Pelo contrário, a relativa proximidade cultural entre os grupos dirigen-
tes, mas também entre os setores populares dos países da região, além da
existência de projetos de integração (Mercosul, Unasul e Celac) tendem a
diminuir a conflitividade e a consciência do nascimento de novos poderes
e alianças. Muitos movimentos sociais da região e quase a totalidade das
suas bases ainda têm dificuldades para visualizar os dirigentes históricos
do PT, como Lula, e a cúpula da CUT como parte dos novos poderes opres-
sivos e exploradores.
Em segundo lugar, para os pequenos países da América do Sul se abre
um panorama particularmente difícil, no qual a própria sobrevivência
dessas nações como estados relativamente autônomos será colocada em
questão nas próximas décadas. Amplos setores fronteiriços do Paraguai,
da Bolívia e do Uruguai estão sendo colonizados há várias décadas por
empresários e migrantes brasileiros. Os estrategistas brasileiros realmente
desenharam um projeto de integração que não aposta no estabelecimento
de vínculos de dominação com seus vizinhos. Porém, a lógica do capital
não é a mesma dos governos, como espero mostrar aqui e como surge de
forma transparente no conflito entre o Equador e a empresa Odebrecht.
Em terceiro lugar, tudo indica que os setores populares da região con-
tarão com menos aliados que no período em que os inimigos eram impé-
rios distantes. A nova potência estabelece uma ampla rede de alianças com
governos e empresários que atravessa todo o espectro político da região,
desde a esquerda de Evo Morales até a direita de Juan Manuel Santos. É
hora de compreender a nova geopolítica global e regional em um perío-
do em que as velhas correlações de força se fraturaram. Em alguns países
pequenos, o Brasil controla a economia, o sistema bancário, as empresas,
parte do Estado mediante os impostos que pagam suas empresas e mesmo
alguns movimentos sociais por meio do financiamento de fóruns sociais
que nunca discutem o expansionismo brasileiro.

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Introdução 23

3) Ainda não sabemos se o Brasil Potência vai se converter em um novo


imperialismo. Não existe um determinismo que leve os países emergentes a
repetir a história das potências coloniais europeias. É possível, como indi-
ca Giovanni Arrighi para o caso da China, que se produza uma ascensão
pacífica que abra espaços para os demais países no sentido da construção
de uma comunidade de civilizações respeitosas das diferenças culturais.4
Mas o caso da China é completamente diferente do caso brasileiro. Na
China, houve uma revolução que realizou uma reforma agrária ampla,
consolidando a não separação entre os produtores agrícolas e os meios de
produção, o que permitiu a existência do que denomina “acumulação sem
despossessão”.5 Nada similar ocorre em outras partes do mundo, menos
ainda na América Latina, a região mais desigual do planeta; nem no Brasil,
o campeão mundial da desigualdade.
Encontro três tendências que podem impedir que o Brasil se transfor-
me em um novo centro rodeado de periferias. A mais importante é que
um mundo multipolar, que aparentemente está nascendo, impõe limites
a qualquer hegemonia ao existir uma multiplicidade de centros de poder
relativamente equivalentes. Isso implica um equilíbrio muito instável que
pode induzir os grandes países a ceder, inclusive aos países pequenos. A
busca de aliados e a necessidade de retirá-los do campo de influência do
adversário formam parte do jogo de equilíbrios múltiplos. Por outro lado,
os Estados Unidos continuarão sendo uma grande potência em qualquer
cenário futuro, o que quer dizer que o Brasil deverá lhe fazer concessões
importantes. A China será um contrapeso e uma competidora com a qual
deverão lidar.
A segunda tendência se expressa na possibilidade de que os países da
região reduzam as ambições da nova potência, como já ocorre no Equa-
dor, país que rompeu sua aliança com o Brasil e preferiu a China. Vários
outros países, como a Venezuela, a Argentina, o Chile e a Colômbia, por
diferentes motivos, são capazes de oferecer resistências e forçar negocia-
ções. Por enquanto, predomina uma tendência ao consenso nas relações
intrarregionais, que a chancelaria brasileira se esforçou em promover entre
ações de firmeza e de moderação. No entanto, quando os interesses vitais

4
Giovanni Arrighi. Adam Smith en Pekín. Madrid: Akal, 2007.
5
Ibid., p. 375-381.

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do Brasil estiveram em jogo, como os energéticos, chegou a haver ameaças


com o uso da força, como mostram as manobras militares na fronteira
com o Paraguai.
Em terceiro lugar, os movimentos também possuem a capacidade de
convencer a nova potência. O exemplo mais claro ocorreu na Bolívia em
2011, quando uma parte significativa da população se mobilizou contra a
rodovia que atravessa o Tipnis6 – que incorpora os interesses comerciais
e geopolíticos do Brasil e prejudica os povos indígenas – e forçou sua sus-
pensão temporária. Algo similar ocorre no Peru, onde o acordo energético
assinado por Alan García com Lula para construir várias hidrelétricas foi
seriamente questionado.

4) Surge a necessidade de estabelecer alianças entre os povos latino-ame-


ricanos organizados em movimentos e os setores populares do Brasil que
estão sendo deslocados e prejudicados pela expansão brasileira. A rejeição
à represa de Belo Monte se baseia nos mesmos motivos pelos quais a po-
pulação se opõe ao projeto Inambari (Peru). Além das represas que serão
construídas nos rios amazônicos brasileiros, a estatal Eletrobras prevê a
construção de onze represas em países como Argentina, Peru, Bolívia, Co-
lômbia e Uruguai, com uma potência instalada de 26 mil MW, quase o
dobro de Itaipu, que abastece 17% do consumo energético do Brasil.7
Em 2011, as multinacionais brasileiras repatriaram mais de 21 bilhões
de dólares,8 cifra que equivale ao PIB anual do Paraguai. Uma parte subs-
tancial veio dos países latino-americanos, onde essas multinacionais pos-
suem seus maiores investimentos. Ambos exemplos mostram como tanto
o povo brasileiro quanto os latino-americanos estão sendo explorados pe-
los mesmos capitais, não somente brasileiros, obviamente. Têm, portanto,
interesses comuns que podem levá-los a coordenar suas lutas.

Nesse ponto, também existem novas dificuldades. As grandes centrais


sindicais, como a CUT e a Força Sindical, são aliadas objetivas do capital
brasileiro, e não estarão ao lado dos oprimidos da região, como se pode

6
Território Indígena e Parque Nacional Isiboro Sécure.
7
“Brasil quer acelerar usinas em vizinhos para garantir energia”, Folha de São Paulo, 14
de fevereiro de 2012.
8
“Múltis brasileiras trazem US$ 21 bilhões das filiais”, Valor, 6 de fevereiro de 2012.

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Introdução 25

conclui a partir da atitude que já tomaram diante das rebeliões dos operá-
rios que constroem as represas e dos indígenas que são afetados por elas.
Em todo caso, o rumo que tomarem as lutas sociais e políticas no Brasil
será decisivo para a região, embora seja o país onde essas lutas mostram
um declínio mais prolongado e pronunciado.

5) Os movimentos da região estarão submetidos a pressões múltiplas e esta-


rão imersos em cenários mais complexos e contraditórios. Suas lutas estão
sendo acusadas de favorecer os Estados Unidos e a direita porque debili-
tariam os governos. Por sua vez, os mesmos governos se encarregam de
cooptar e enfraquecer os movimentos por intermédio da criminalização
dos seus dirigentes e de políticas sociais extensas para amenizar as con-
sequências do atual modelo extrativo. Existe uma contradição clara entre
curto e longo prazo, entre os governos e os movimentos do Brasil, inde-
pendentemente das suas diferenças internas, e entre crescimento econômi-
co ilimitado e o Buen vivir9.
Os movimentos estão sendo atravessados por cada uma dessas contra-
dições que frequentemente os superam e diante das quais nem sempre têm
respostas adequadas. É possível que um conjunto de ações como a marcha
em defesa do Tipnis em 2011 na Bolívia, as marchas pela água e contra a
mineração no Peru e no Equador em 2012, a resistência contra a represa
de Belo Monte, as assembleias cidadãs na Argentina e o levantamento no
sul do Chile contra o projeto Hidroaysén estejam indicando o nascimento
de um novo ciclo de lutas que também darão força a novos movimentos
antissistêmicos, talvez mais radicalmente anticapitalistas, na medida em
que questionam o desenvolvimentismo e se baseiam no Buen Vivir como
seu principal referente ético e político.

9
Buen Vivir é a tradução ao espanhol de outros horizontes de sentido ético-políticos para
a vida e que dialoga com/contra a noção ocidental de desenvolvimento. Alguns autores
preferem a tradução Vida Plena. Trata-se de um conceito em construção que emana das
lutas dos povos originários da América Latina que vem resistindo à desterritoralização
que lhes vendo sendo imposta desde o período colonial, nas últimas décadas em nome
do desenvolvimento, quase sempre para se apropriar de suas condições de existência ma-
teriais que, para a grande maioria desses povos, são inseparáveis de suas dimensões sim-
bólicas e espirituais. Uma das principais marcas desses povos e suas propostas de buen
vivir é de outra relação com a natureza, e não de uma relação contra a natureza, como
caracterizam o paradigma hegemônico ocidental.

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Nos últimos séculos, o capitalismo se apropriou das demandas e dos


desejos dos de baixo com novas e mais refinadas formas de opressão e,
mais recentemente, com sofisticadas mercadorias capazes de captar as as-
pirações e inspirações das pessoas comuns. Os movimentos devem saber
lidar com essa enorme dificuldade. A inércia própria somada à sabedoria
das classes dominantes podem transformar esses movimentos em orga-
nizações que, por si só, limam as arestas antissistêmicas e começam a se
acomodar dentro da nova realidade, sem importar a intenção dos seus
quadros mais consequentes.
Por isso, cada ciclo de protestos e mobilizações nasce contra as heran-
ças deixadas pelo ciclo anterior, convertidas em lastros, já que em geral
se tornam parte do sistema opressor. Não há nada de diabólico nisso, em-
bora seja bastante subversivo. É a lógica da vida. Aquilo que um dia foi
um broto que germinou frutos, com o tempo deve ser podado para que a
vida continue crescendo. O tempo é cíclico também para a emancipação e
para a luta antissistêmica. O mundo das rebeldias e das revoluções foi tão
infiltrado pela cultura do progresso que partidos e organizações passa-
ram a se guiar pela imagem de um tempo linear impossível e depredador
da vida.
A relação centro-periferia é uma prisão que foi construída com as tran-
cas do colonialismo e blindada pela férrea divisão do trabalho estabelecida
pelo sistema-mundo capitalista. Os carcereiros são os países do Norte e as
empresas multinacionais que durante cinco séculos se enriqueceram com
a expropriação do trabalho e dos bens comuns do Sul. Não se conhece ou-
tro caminho para desmontar um sistema opressivo e explorador que não
seja por meio de uma série ininterrupta de conflitos que façam voar pelos
ares os cadeados e as correntes que mantêm submetidos povos e pessoas.
Este livro é dedicado ao novo ciclo que está nascendo na América Lati-
na, a todos esses movimentos e ações de rebeldia contra as novas formas de
opressão como a mineração, as monoculturas, as represas... e os novos im-
perialismos. Comecei a coletar a informação necessária para este trabalho
há doze anos, quando a assembleia dos companheiros do jornal Brecha do
Uruguai renovou sua direção e me propôs ser responsável pela seção inter-
nacional. Os sete anos que dediquei a essa tarefa foram chaves para perce-
ber tudo o que ignorava sobre o Brasil e sobre a necessidade de aprofundar
meu conhecimento. Durante esse tempo me convenci da importância para
os movimentos e os militantes de compreender a ascensão do Brasil à ca-

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Introdução 27

tegoria de potência como parte do conjunto de mudanças que estão sendo


registradas no sistema-mundo. Escrevi este livro com essa convicção.
Agradeço o sociólogo uruguaio Gustavo Cabrera, da Universidade Esta-
dual de Londrina, pelo seu apoio bibliográfico durante vários anos. Muitas
pessoas contribuíram de diversas maneiras e, mesmo sem saber, tornaram
possível este trabalho ao longo de mais de uma década. Muito obrigado a
cada uma delas. Agustín nasceu no mesmo ano que comecei a esboçar este
trabalho, e foi um acompanhante atento. Pola cumpriu um papel tão suave
quanto decisivo.

Raúl Zibechi
Montevidéu, março de 2012.

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CAPÍTULO 1

O retorno do subimperialismo

A evolução da ciência social latino-americana nos últimos anos


– apesar de reincidências frequentes em erros antigos – aportou
muitos elementos para invalidar uma das teses que me esforcei
em combater aqui: a de que o regime militar brasileiro era um
simples efeito da ação desse deus ex machina que representa
para alguns o imperialismo norte-americano.
Ruy Mauro Marini

No dia 16 de maio de 2008, camponeses sem-terra do combativo depar-


tamento de San Pedro, no norte do Paraguai, concentraram-se na frente
da fazenda de um colono brasileiro proprietário de 30 mil hectares que
cultiva soja transgênica. Realizaram um ato que denominaram “segunda
independência”, do qual participaram o governador eleito de San Pedro,
José “Pakova” Ledesma, um deputado do Partido Liberal Radical Autên-
tico (aliado do então recém-eleito presidente Fernando Lugo), integrantes
do Partido Comunista e do movimento sem-teto. Leram um manifesto
exigindo “o fim da destruição da mata, das queimadas e da extração de
madeira, além da retirada da força pública e de civis que geram intranqui-
lidade nas comunidades”. Denunciaram a invasão de empresas brasileiras
que “acabaram com 75% da mata nativa, expulsaram, desterraram e ma-
taram camponeses”. O dirigente Elvio Benítez expressou: “Vamos manter
uma luta frontal contra os brasileiros”. O ato foi finalizado com a queima
da bandeira do Brasil.1

1
“Embaixador brasileiro mostra sua tristeza pela queima da bandeira de seu país”, La Na-
ción, Asunción, 16 de maio de 2008, em: <http://www.lanacion.com.py/articulo.php?ar-
chivo=1&edicion=1&sec=1&art=186859>. (Consulta 20/10/2011.)

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30 brasil potência

Parece estranho. Na América Latina, queimaram-se milhares de ban-


deiras dos Estados Unidos a tal ponto que já não é novidade esse tipo de
ação que já faz parte do senso comum das lutas políticas e sociais. Mas
queimar uma bandeira do Brasil é algo novo. No Paraguai, a sensação de
estar sofrendo uma invasão do Brasil tem uma longa história. Trata-se de
um sentimento difuso embora extenso, já que não é uma invasão tradicio-
nal, mas algo muito mais sutil mediante a presença crescente de brasileiros
que cruzam a fronteira, compram terras, cultivam soja ou criam gado. Por
outro lado, a represa de Itaipu exporta quase toda a energia produzida ao
Brasil com preços inferiores aos do mercado, o que é considerado um abu-
so pelos paraguaios.
A sensação de que um país poderoso está ganhando terreno entre seus
vizinhos menores, e mesmo entre os países médios, vem crescendo de
modo constante na medida em que o Brasil se converte em uma potência
de alcance global. No sul do Peru, protestos foram realizados nos últimos
anos contra a construção da hidrelétrica de Inambari. Em dezembro de
2009, centenas de manifestantes bloquearam durante dois dias a ponte so-
bre o rio Inambari que une as regiões de Cusco, Puno e Madre de Dios.
Três pessoas foram baleadas na repressão, e os ronderos2 pegaram um se-
gurança e o castigaram.3
Em março de 2010, a Frente de Defesa de Puno realizou uma paralisa-
ção de dois dias contra o projeto hidrelétrico da qual participou grande
parte da cidade e todos os grêmios. Os estudantes tomaram a universi-
dade, apedrejaram o palácio do governo de Puno e um policial e diante
da repressão tentaram tomar a delegacia para libertar os presos. 4 O pro-
testo foi suficientemente importante para que se incorporassem os co-
merciantes e a população de Puno, Ayaviri, Juli e Yunguyo, até mesmo as
próprias autoridades municipais e o presidente regional. Um documento

2
Ronderos, ou rondas camponesas: forma de organização das comunidades indígenas e
camponesas para se defender de roubo de gado, de delinquentes ou de qualquer ameaça
exterior que ponha a comunidade em perigo.
3
“Protesta en contra de Hidroeléctrica de Inambari terminó sin resultados”, Los
Andes, Juliaca,14 de dezembro de 2009, em: <http://www.losandes.com.pe/Regio-
nal/20091214/30921.html>. (Consulta 20/10/2011.)
4
“La región Puno protesta contra hidroeléctrica del Inambari”, Los Andes, Juliaca, 5 de
março de 2010, em: <http://www.losandes.com.pe/Politica/20100305/33711.html>. (Con-
sulta 20/10/2011.)

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O retorno do subimperialismo 31

difundido pelas organizações que convocaram o protesto indica que a


Empresa de Geração Elétrica Amazonas (Egasur), integrada pelas bra-
sileiras OAS, Eletrobras e Furnas, vai investir quatro bilhões de dólares
na construção de uma hidrelétrica sobre o rio Inambari para produzir 2
mil MW. O projeto consiste na construção de uma represa que forçará
15 mil pessoas a emigrar. Além disso, colocará em grave risco o Parque
Nacional Bahuaja-Sonene.
No dia 16 de junho de 2010, os governos do Peru e do Brasil assinaram
um acordo para o fornecimento de eletricidade ao Peru e para a exporta-
ção de excedentes ao Brasil.5 A soma do potencial das cinco hidrelétricas
que serão construídas será de 6.673 MW (atualmente o Peru consome 5
mil MW), dos quais 90% serão exportados ao Brasil. Os projetos foram
desenvolvidos pela Eletrobras, cujos investimentos beneficiarão outras
empresas brasileiras encarregadas da construção das obras, tais como
Odebrecht, OAS e Andrade Gutierrez. As empresas peruanas, como Elec-
troperú, não participam do processo. Em resumo, trata-se de um conjunto
de megaobras que são desnecessárias para o Peru, que beneficiam o Brasil
e as suas grandes empresas estatais e privadas, mas que vão gerar graves
problemas ambientais e sociais para os peruanos e particularmente para
os povos indígenas.6
Na Bolívia, durante a marcha indígena em defesa do Tipnis entre 15
de agosto e 19 de outubro de 2011, foram escutados gritos contra o Brasil
e contra as suas empresas. Houve marchas e bloqueios de estrada nas
principais cidades contra a repressão policial de 25 de setembro, o que
provocou uma crise política com a renúncia de ministros e altos postos
do governo. Durante a paralisação de 28 de setembro, que acabou em
uma grande manifestação que desceu da cidade de El Alto até a Praça
Murillo, foi escutado um novo grito de guerra: “Evo, lacaio das empresas
brasileiras”.7 A construtora brasileira OAS projetou a polêmica rodovia

5
Ministério de Energia e Minas do Peru, “Acuerdo para el suministro de electricidad al
Perú y exportación de excedentes al Brasil”, Lima, 16 de junho de 2010.
6
“Mayor parte de energía irá a territorio brasileño”, La Primera, Lima, 29 de maio de 2010;
“El espejismo de la integración energética”, César Campodónico, La República, Lima, 19
de junho de 2010.
7
“Disminuye la popularidad de Evo Morales”, Infobae, 29 de setembro de 2011, em:
<http://america.infobae.com/notas/34601-Disminuye-la-popularidad-de-Evo-Morales>.
(Consulta 21/10/2011.)

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32 brasil potência

que vai ser construída com um crédito do BNDES, que foi congelado
durante os protestos.
Diante da ofensiva do capital e do Estado brasileiro na região sul-ame-
ricana, não é estranho que um conceito como “subimperialismo” volte a
aparecer nos debates políticos e estudos acadêmicos. Três décadas depois
da publicação do célebre texto de Ruy Mauro Marini, La acumulación ca-
pitalista mundial y el subimperialismo, 8 o conceito ganha atualidade nova-
mente. Nos últimos anos, vários trabalhos discutiram o tema e os meios de
comunicação adotaram o termo “subimperialismo”, inclusive “imperialis-
mo”, com certa frequência. A ascensão do Brasil pode ser uma das razões
desse interesse renovado. Os conflitos mantidos por grandes empresas bra-
sileiras em países vizinhos pequenos (Petrobras na Bolívia, Odebrecht no
Equador, entre outros), evidenciaram o papel do Brasil na região.
Nas páginas seguintes me proponho a debater o conceito de “subimpe-
rialismo” baseado no texto original de Marini e em alguns dos trabalhos
publicados nos últimos anos: O subimperialismo brasileiro revisitado: a po-
lítica de integração regional do governo Lula (2003-2007), de Mathias Seibel
Luce;9 A teoria do subimperialismo brasileiro: notas para uma (re)discussão
contemporânea, de Fabio Bueno e Raphael Seabra;10 O imperialismo brasi-
leiro nos séculos XX e XXI: uma discussão teórica, de Pedro Henrique Pe-
dreira Campos,11 e O Brasil e o capital-imperialismo, de Virgínia Fontes.12
Além disso, foram publicados vários artigos jornalísticos nos quais o
conceito de subimpério ou subimperialismo tem lugar destacado,13 além

8
Ruy Mauro Marini, “La acumulación capitalista mundial y el subimperialismo”, Cuader-
nos Políticos, n. 12, México, ERA, abril-junio, 1977.
9
Mathias Seibel Luce. O subimperialismo brasileiro revisitado: a política de integração
regional do governo Lula (2003-2007). Porto Alegre: Universidade Federal de Rio Grande
do Sul, 2007.
10
Fabio Bueno y Raphael Seabra, “El capitalismo brasileño en el siglo XXI: un ensayo de
interpretación”, 25 de maio de 2010, em: <http://www.rosa-blindada.info/?p=351>. (Con-
sulta 21/10/2011.)
11
Pedro Henrique Pedreira Campos, O imperialismo brasileiro nos séculos XX e XXI: uma
discussão teórica, exposição na XXI Conferência Anual da International Association for
Critical Realism, Niterói, Universidade Federal Fluminense, 23-25 julho de 2009.
12
Virginia Fontes. O Brasil e o capital-imperialismo. Rio de Janeiro: EPSJV, UFRJ, 2010.
13
Carlos Tautz, “Imperialismo brasileiro”, 11 de maio de 2005, em: <www.asc-hsa.org/
files/Imperialismo_Brasileiro.pdf> y Andrés Mora Ramírez, “¿Subimperio o potencia al-
ternativa del sur?”, 14 de setembro de 2009, em: <http://alainet.org/active/33011>. (Con-
sulta 21/10/2011.)

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O retorno do subimperialismo 33

de diferentes trabalhos sobre as empresas brasileiras na América do Sul e


alguns estudos notáveis sobre a geopolítica regional dos hidrocarbonetos,
sobre a Iniciativa de Infraestrutura para a Região Sul-americana (Iirsa),
sobre as hidrelétricas que estão sendo construídas para fornecer energia ao
Brasil e sobre as monoculturas para biocombustíveis, aspecto que tem um
lugar muito destacado em termos mundiais.

O ambiente político da década de 1970 no Brasil

Quando Marini se preocupava com expansionismo brasileiro utilizando o


conceito “subimperialismo”, o país vivia uma ditadura militar que buscava
torná-lo uma potência regional aliada dos Estados Unidos. Marini fazia
parte do grupo revolucionário Política Operária (Polop), criado em 1961,
uma organização da esquerda marxista pioneira no Brasil, marcada por
sua diferenciação do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que defendia o
legalismo parlamentarista e a colaboração com uma suposta “burguesia
nacional”. Além disso, a Polop foi caldo de cultura para importantes orga-
nizações revolucionárias e notáveis quadros políticos e teóricos.
Com o golpe de Estado de 1964, Marini teve que se exilar no México e
voltou ao Brasil somente vinte anos depois. Sua produção teórica mais im-
portante, na qual desenvolve sua reflexão sobre o subimperialismo, foi re-
alizada no exílio: em 1967, publicou Subdesarrollo y revolución no México,
sua obra mais difundida, com numerosas edições, incluindo uma edição
ampliada em 1974; em 1972, publica Dialéctica de la Dependencia no Chile,
onde militou no Movimiento de Izquierda Revolucionaria (MIR) e morou
até o golpe de Estado de 1973; em 1977, escreveu o artigo La acumulación
capitalista mundial y el sub-imperialismo, novamente no México.
Nesses anos de intensa criatividade teórica e de forte atividade mili-
tante, o clima que envolveu os pensadores revolucionários latino-ameri-
canos foi marcado pela luta de classes, pela ofensiva imperialista dos Es-
tados Unidos e por sua estreita aliança com as elites locais para sufocar as
esquerdas e os movimentos populares. Em um breve texto autobiográfico,
Marini indica que a produção teórica dos ativistas da sua geração renderia
frutos depois do golpe militar de 1964, “quando, limitada em sua militân-
cia, a jovem intelectualidade brasileira encontraria tempo e condições para
se dedicar plenamente ao trabalho acadêmico e se sentiria convocada a fa-

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34 brasil potência

zê-lo devido à situação predominante em toda a América Latina, assolada


pela contrarrevolução”.14
Seu esforço em se diferenciar da análise do PCB, que assegurava que o
golpe de 1964 instalava um regime “fantoche” do Pentágono e do Depar-
tamento de Estado, fez com que ele estudasse as raízes do golpe em cau-
sas internas vinculadas a certo grau de desenvolvimento do capitalismo
dependente. Marini pensava que a explicação de um fenômeno político
“é decididamente ruim se parte justamente de um fator que o condiciona
de fora”.15 Ao mesmo tempo observava as peculiaridades do novo regime
considerado diferente dos golpes de Estado anteriores, destacando a fusão
entre a cúpula militar e a burguesia, a exportação de manufaturas e de
capitais com intervenção direta nos países da região, sempre articulado ao
imperialismo estadunidense, para realizar um vasto processo de rearranjo
nacional e regional.
Três décadas depois, o trabalho de Marini continua brilhando por sua
originalidade teórica, por sua audácia política e pela seriedade analítica.
Parece necessário focar no conceito de “subimperialismo” para detectar
se o curso dos anos e as mudanças ocorridas no sistema-mundo podem
modificar, mesmo que parcialmente, aquela análise.
Em primeiro lugar, Marini considera o golpe de 1964 como “uma
resposta à crise econômica que afetou a economia brasileira entre 1962 e
1967 e à consequente intensificação da luta de classes”.16 Porém, não é uma
análise mecânica nem economicista, já que sempre coloca, de acordo com
Marx, a luta de classes em um lugar destacado e como chave epistemológi-
ca para decifrar a realidade. Por isso, afirma que a elite militar que lidera
o golpe intervém na luta de classes em curso e fusiona seus interesses com
o grande capital. Consequentemente, o subimperialismo é “a forma que
assume o capitalismo dependente ao chegar à etapa dos monopólios e do
capital financeiro”.17
Em segundo lugar, essa aliança entre o grande capital e as Forças Ar-
madas possui interesses parcialmente diferentes do império; por causa dis-

14
Ruy Mauro Marini, “La acumulación capitalista mundial y el subimperialismo”, Cua-
dernos Políticos, n. 12, México, ERA, abril-junho de 1977, p. 67.
15
Ruy Mauro Marini. Subdesarrollo y revolución. México: Siglo XXI, 1974. p. 26.
16
Ibid., p. 191.
17
Ibid., p. 192.

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O retorno do subimperialismo 35

so, utiliza o conceito de “cooperação antagônica” para descrever o tipo de


relações entre Washington e Brasília.18 Essa aliança nasce para destravar
problemas específicos do capitalismo dependente brasileiro. Explica que o
núcleo da solução subimperialista implementada desde 1964 consiste em
resolver um problema de mercado que está criando dificuldades para a
acumulação de capital na indústria, convertida no setor mais dinâmico.
De fato, devido à concentração da propriedade agrária e ao caráter das
relações sociais no contexto do monopólio latifundiário, o mercado inter-
no é incapaz de absorver a produção industrial; dificuldade que somente
podia ser resolvida mediante uma reforma agrária. Esse é o nó da crise
política que provoca o golpe de 1964.
As contradições entre a indústria e o latifúndio se agravaram com a
crise do setor externo pela queda do preço do café na década de 1950,
principal produto de exportação do Brasil. O consequente déficit da ba-
lança comercial mostrava um dos gargalos da economia e da socieda-
de brasileira. Como Marini indicou, a complementaridade entre o se-
tor agroexportador e o industrial estava rompida por dois motivos: por
um lado, a redistribuição, que poderia superar o impasse, teria afetado
a mais-valia de um setor da burguesia; por outro, a irrupção dos seto-
res populares (camponeses, operários, estudantes) tirava toda a margem
de manobra para ensaiar reformas. “O esgotamento do mercado para os
produtos industriais (...) só poderá ser ampliado através da reforma da
estrutura agrária”.19 A radicalização política dos movimentos sociais, que
incluiu rebeliões de sargentos e marinheiros, ameaçando a desintegração
do aparato repressivo, foi respondida com a radicalização da oligarquia,
da burguesia e das Forças Armadas.
O golpe foi uma reação desse setor que mostrou “que não tem razão
quem vê o atual regime militar do Brasil como o resultado de uma ação
externa”,20 como pretendia o PCB. O regime nascido com o golpe resolve
o problema estrutural olhando para o exterior e para o capital estrangei-
ro: por intermédio da exportação de manufaturas e da intervenção estatal
com grandes obras de infraestrutura, de transportes, eletricidade e equi-
pamento militar.

18
Ibid., p. 60.
19
Ibid., p.37.
20
Ibid., p. 54.

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36 brasil potência

A solução encontrada, própria de um país dependente e que converte seu


imperialismo em um subimperialismo, foi oferecer participação aos mo-
nopólios estrangeiros na exploração do trabalhador brasileiro e nos lucros
derivados da expansão comercial, isto é, realizar esta política mediante
uma aliança irrestrita com o capital estrangeiro.21

Nos anos seguintes, o país cresceria a ritmos formidáveis, chegando


a 12% ao ano no início da década de 1970, enquanto a indústria alcançou
18%. O investimento norte-americano cresceu abruptamente, e o salário
real caiu mais de 20% entre 1965 e 1974, mas as exportações de produ-
tos manufaturados triplicaram no mesmo período.22 Foram as filiais de
empresas estrangeiras que abarcaram a maior parte dessas exportações.
Em poucos anos, o Brasil se transformou na oitava potência industrial
do mundo. Sob o regime militar, a burguesia industrial brasileira “tenta
compensar a impossibilidade de ampliar o mercado interno através da in-
corporação extensiva de mercados já formados, como o do Uruguai, por
exemplo”.23 Certamente essa “impossibilidade” reflete, por um lado, a debi-
lidade de uma burguesia incapaz de enfrentar o latifúndio mas, por outro
lado, também reflete a potência de um movimento social, já que seu temor
às classes populares faz com que se entregue aos braços da oligarquia lati-
fundiária e das Forças Armadas.
Essa expansão em direção aos mercados externos da região não é pos-
sível sem a aliança estreita com o capital monopolista estadunidense, já
que a capacidade de poupança interna da burguesia industrial brasileira
ainda era muito baixa, o que impediu a promoção de uma constante reno-
vação tecnológica da indústria. Durante um longo período, a debilidade
dessa burguesia, que possui interesses prioritariamente no Brasil, impediu
a construção de uma estratégia política e econômica relativamente autô-
noma.
Adicionalmente ao “milagre econômico”, com elevadíssimas taxas de
crescimento e a instalação de grandes multinacionais no Brasil, encontra-
se um ativo expansionismo que permite a consolidação dos interesses dos
Estados Unidos na região. Este é o terceiro aspecto que Marini aborda: o

21
Ibid., p. 193-194.
22
Ruy Mauro Marini, “La acumulación capitalista mundial y el subimperialismo”, op. cit.
23
Ruy Mauro Marini, Subdesarrollo y revolución, op. cit., p. 76.

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O retorno do subimperialismo 37

capitalismo brasileiro se militariza, algo que não é casual nem circuns-


tancial, mas estrutural. Como se pode ver, isso se diferencia do esgotado
processo de substituição de importações e do papel atribuído a qualquer
um dos golpes de Estado anteriores ou posteriores na região. Uma reali-
dade diferente que exigia análises em novas direções. Aí está a relevância
da teorização do subimperialismo, como forma de romper a repetição de
velhos clichês superados pela realidade:

O subimperialismo implica dois componentes básicos: por um lado, uma


composição orgânica média em escala mundial dos aparatos produtivos
nacionais e, por outro lado, o exercício de uma política expansionista re-
lativamente autônoma, que não só é acompanhada por uma integração ao
sistema produtivo imperialista, mas que se mantém na base da hegemonia
exercida pelo imperialismo em escala internacional. Visto nesses termos
parece-nos que, independentemente dos esforços da Argentina e de outros
países para elevar-se à categoria subimperialista, só o Brasil expressa ple-
namente, na América Latina, um fenômeno dessa natureza.24

Mas o subimperialismo não é um fenômeno exclusivamente econômi-


co. Não só exporta manufaturas, mas também capital e, mais importante
ainda desse ponto de vista, entra na disputa pelos recursos naturais, maté-
rias-primas e fontes de energia. Parte dessa política de expansão foi a pre-
tensão de invadir o Uruguai no começo da década de 1970, a participação
no golpe de Estado de Hugo Bánzer na Bolívia em 1971 e a assinatura do
Tratado de Itaipu com o Paraguai em 1973, entre os acontecimentos mais
destacados.
Essa política expansionista é uma característica central do subimperia-
lismo que foi pregada pelos membros da Escola Superior de Guerra, como
o coronel Golbery do Couto e Silva. Sua biografia é uma espécie de síntese
da aliança entre o grande capital e a elite militar: completou sua formação
militar nos Estados Unidos e depois se integrou à Força Expedicionária
Brasileira, que combateu na Segunda Guerra Mundial na Itália incorpora-
da ao V Exército estadunidense. Integrou-se ao Estado-Maior do Exérci-
to, participou da missão militar brasileira no Paraguai durante três anos

24
Ibid., p. 17.

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38 brasil potência

e, em 1952, foi nomeado adjunto do Departamento de Estudos da Escola


Superior de Guerra. O governo nascido do golpe de Estado de 1964 o no-
meou chefe do Serviço Nacional de Informação, sendo o organizador e o
primeiro titular do novo serviço de inteligência até o fim do governo de
Humberto Castelo Branco (em 1967); tornou-se um dos homens fortes do
regime. Retornou depois à atividade privada, contratado pela multinacio-
nal estadunidense Dow Chemical como presidente para América Latina.25
Contando com Couto e Silva, a multinacional se tornou uma das empresas
petroquímicas mais importantes no Brasil.
Sua proposta era tão simples quanto frontal: aliança com os Estados
Unidos contra o comunismo, expansão interna em direção à Amazônia
para ocupar os “espaços vazios” e expansão externa em direção ao Pací-
fico para cumprir o “claro destino” do Brasil. Finalmente, o controle do
Atlântico Sul. Defendia que o Brasil deveria realizar uma “troca justa” com
o império, que se traduzia em “negociar uma aliança bilateral” na qual
entregava recursos naturais e posições estratégicas em troca dos “recursos
necessários para que participemos da segurança do Atlântico Sul”, que
considerava “monopólio brasileiro”.26 Achava que o Atlântico Sul tinha um
papel similar ao do Caribe na expansão dos Estados Unidos.
Depois de consolidada essa aliança, dentro da tradição das Forças Ar-
madas brasileiras, sustentava que a principal hipótese de conflito não se
encontrava no arco amazônico, que considerava “fronteiras mortas”, mas
no sul, onde aparece o desafio da Argentina. Na sua opinião, o Paraguai
e a Bolívia estavam economicamente subordinados à Argentina e eram
“prisioneiros geopolíticos”, sendo essas áreas “zona de atrito externas onde
podem chegar a chocar os interesses brasileiros e argentinos”. Entretanto,
“onde se define a tensão máxima no campo sul-americano” é na fronteira
com o Uruguai, “por causa da proximidade dos centros de força potencial-
mente antagônicos”.27 Essas eram as “fronteiras vivas” que deveriam ser
atendidas.
Portanto, não é casual que o regime brasileiro tenha dado passos para
expandir-se nessa direção. O objetivo era “tornar-se o centro de irradiação
da expansão imperialista na América Latina, criando inclusive as premis-

25
Golbery do Couto e Silva. Geopolítica del Brasil. México: El Cid Editor, 1978. p. 8-9.
26
Ibid., p. 56-57.
27
Ibid., p. 60.

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O retorno do subimperialismo 39

sas para um poderio militar próprio”.28 No início da década de 1970, foi


divulgado um esquema de intervenção militar no Uruguai denominado
Operação Trinta Horas, que seria colocada em marcha caso a instabilidade
política ameaçasse transbordar o Estado uruguaio ou se nas eleições de
1971 a recente Frente Ampla ganhasse a presidência.
A instabilidade política nas fronteiras preocupava os militares brasilei-
ros. A existência da operação foi difundida pelos círculos militares argen-
tinos (nesse momento o país era governado pelo general Alejandro Agus-
tín Lanusse), alarmados pela possibilidade de que o Brasil chegasse ao rio
da Prata.29 Nesse período, ambos os países distribuíam suas forças milita-
res baseados na hipótese de um conflito pelo controle do estuário do Prata,
herança da rivalidade entre a Espanha e Portugal. Na década de 1970, o
Brasil realizava manobras militares na região sul, construía rodovia nessa
direção e acabava de inaugurar, em outubro de 1971, “a maior base aérea
da América do Sul em Santa Maria”, no Rio Grande do Sul.30
A intervenção brasileira no golpe de Estado do general Hugo Bánzer
contra o governo de Juan José Torres em agosto de 1971 está documentada
e foi publicamente defendida por porta-vozes militares. A intervenção na
Bolívia se baseou em duas teses vigentes nesse momento entre os militares
brasileiros: a “doutrina do cerco”, que dizia que o Brasil estava rodeado
por regimes hostis e a “guerra ideológica preventiva” para neutralizar essa
situação.31 O golpe começou em Santa Cruz, onde já estavam assentados
poderosos empresários brasileiros, transformada na base territorial dos
golpistas.
Nos dias prévios e posteriores ao levantamento de Bánzer aterrissa-
ram aviões no aeroporto de Santa Cruz com munições e armas para os
golpistas. Tratava-se de grandes quantidades de metralhadoras que foram
entregues nesses dias decisivos, quando mineiros e estudantes resistiam
armados contra membros da Falange Socialista Boliviana, que tinha ado-
tado o nome de Exército Nacionalista Cristão.32 No dia 15 de agosto, qua-

28
Ruy Mauro Marini, Subdesarrollo y revolución, op. cit., p. 74.
29
Paulo Schilling. ¿Irá Brasil a la guerra? Montevidéu: Fundación de Cultura Universita-
ria, 1973. p. 74.
30
Ibid., p. 4.
31
Ibid., p. 80.
32
James Dunkerley. Rebelión en las venas. La lucha política en Bolivia 1952-1982. La Paz:
Quipus, 1987. p. 170.

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40 brasil potência

tro dias antes do golpe, o Brasil tinha mobilizado tropas na fronteira; os


aviões que levavam armas aos militares e aos civis golpistas ostentavam a
bandeira brasileira. O envolvimento direto com os golpistas foi tão longe
que o cônsul do Brasil em Santa Cruz, Mario Amorío, chegou a ser ferido
durante os combates.33
A recompensa chegaria rapidamente. Nos anos seguintes, seria assina-
da uma série de acordos pelos quais a Bolívia entregava ao seu vizinho
petróleo, gás, manganês e mineral de ferro a preços preferenciais.34 Mas
não se conformaram só com o controle dos recursos naturais, planejaram
o desenho das vias de comunicação para chegar ao Pacífico, com destaque
para a “construção da ferrovia Cochabamba-Santa Cruz, que se articularia
com Santos, no Atlântico e Arica, no Pacífico”.35 Muito tempo depois esses
mesmos objetivos assumiriam outros nomes, como a iniciativa Iirsa.
Mas também houve cessão de território. Em 1974, a Bolívia cedeu 12
mil km2, incluindo os povoados de San Ignacio e Palmarito; em 1976, ce-
deu mais 27 mil km2, sempre por meio de revisões fronteiriças; o Brasil
também chegou a ocupar diretamente a ilha Suárez em Beni, ao norte do
país.36 Assim como em outros países, como no Paraguai, a colonização de
cidadãos brasileiros foi ocupando terras muito mais baratas, chegando a
conformar territórios onde são maioria.
O terceiro caso é o do Paraguai, onde o Brasil conseguiu uma agressiva
penetração e enormes vantagens com a assinatura do Tratado de Itaipu
em 1973. Marco Aurélio Garcia, assessor de Política Externa do presidente
Lula, escreveu 37 anos depois que a decisão do regime militar brasilei-
ro de construir Itaipu, arcando com todos os gastos de construção da re-
presa, “mais que uma opção política energética, teve um claro significado
político”.37 Tratou-se de atrair o Paraguai para a esfera brasileira e isolar
a Argentina. Os fatos ao redor da construção de Itaipu dão uma imagem
transparente do que Marini considerava subimperialismo.

33
Ibid., p. 171.
34
Marcelo Quiroga Santa Cruz. Oleocracia o patria. México: Siglo XXI, 1982.
35
Paulo Schilling, ¿Irá Brasil a la guerra?, op. cit., p. 86.
36
James Dunkerley, Rebelión en las venas, op. cit., p. 177.
37
Marco Aurélio Garcia, “O lugar do Brasil no mundo”, em Emir Sader e Marco Aurélio
García. Brasil entre o passado e o futuro. São Paulo: Boitempo, 2010. p. 163.

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O retorno do subimperialismo 41

Foi a maior hidrelétrica do mundo até a construção da represa de Três


Gargantas na China, três décadas depois. A assinatura do Tratado de
Itaipu entre o Brasil e o Paraguai gerou fortes polêmicas na época e um
profundo mal-estar na Argentina. Fazia muito tempo que o Brasil tinha
a intenção de aproveitar a queda de Sete Quedas e o Salto do Guaíra para
construir uma grande represa hidrelétrica sobre o rio Paraná, que mediava
a fronteira com o Paraguai, segundo o Tratado de 1872 entre ambos países,
depois da Guerra da Tríplice Aliança (Guerra do Paraguai). Entretanto, a
demarcação de um trecho de cerca de vinte quilômetros rio acima das que-
das gerou divergências entre as autoridades de ambos os países.
Para resolver o conflito, foi assinado em 1927 o Tratado Ibarra-Manga-
beira, ratificando como fronteira o rio Paraguai entre os rios Apa e Bahia.
Em 1963, sob a presidência de João Goulart, o ministro de Minas e Energia
do Brasil visitou o Paraguai e garantiu ao seu presidente que não daria
nenhum passo na construção da represa de Sete Quedas sem o total con-
sentimento do Paraguai.38 Em janeiro de 1964, foi criada a Comissão Mista
Paraguaio-Brasileira para estudar todos os aspectos da obra que poderia
ter uma potência entre 12 e 15 milhões de MW, igual ou superior a Itaipu.39
Tudo mudou com a chegada do regime militar. Em 31 de março de 1964,
Goulart foi derrubado, e em junho de 1965, um pelotão militar integrado
por um sargento e por sete soldados ocupou Puerto Renato na zona de lití-
gio ainda não delimitada. Em 21 de outubro, a Comissão de Limites do Pa-
raguai, integrada pelo vice-chanceler Pedro Godinot e outros cinco funcio-
nários, apresentou-se no local para verificar a violação da fronteira, e todos
os participantes foram presos por um sargento brasileiro.40 Outras versões
afirmam que o chanceler brasileiro Juracy Magalhães ameaçou iniciar uma
guerra contra o Paraguai, segundo suas próprias memórias.41 Assim, a dita-
dura militar consolidou uma nova usurpação do território paraguaio, dessa
vez com o objetivo de construir uma enorme represa hidrelétrica.

38
Juan Antonio Pozzo Moreno, “Breve reseña histórica de las relaciones paraguayo brasi-
leñas”, ABC, Asunción, 28 de junio de 2008.
39
Paulo Schilling, “Itaipú: energía y geopolítica”, 1978, em: <http://www.manuelugarte.
org/modulos/biblioteca/s/shilling_expansionismo_brasilenio/expansionismo_brasile-
nio_parte3.htm>. (Consulta 20/10/2011.)
40
Ibid.
41
Juracy Magalhães, Minhas Memórias Provisórias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1982. p. 201-203, citado por Pozzo Moreno.

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42 brasil potência

Porém, o regime decidiu não construir Sete Quedas, e no seu lugar


construiu Itaipu. A análise documentada de Paulo Schilling lhe permite
concluir que, quando já estavam adiantadas as gestões internacionais para
conseguir financiamento, a decisão teve um caráter geopolítico:

Por que de uma hora para outra mudaram os planos brasileiros e decidi-
ram a construção de Itaipu, 160 quilômetros mais para o sul, no próprio
rio Paraná? A única explicação para esta mudança aparentemente sem
vantagens técnicas nem econômicas poderia ser encontrada em um deta-
lhe técnico de caráter meramente geopolítico. A construção de Itaipu vai
prejudicar, pela proximidade das duas represas e pela consequente dimi-
nuição da força da corrente, a construção de Corpus pela Argentina. Os
técnicos afirmam, inclusive, que as duas hidrelétricas, assim como estão
programadas, são excludentes. A única possibilidade de viabilizar a repre-
sa de Corpus seria se os brasileiros concordassem em aumentar a altura de
Itaipu de 100 metros sobre o nível do mar (como está prevista) a 125. Pare-
ce óbvio que o governo brasileiro nem sequer vai considerar esta hipótese,
pois ela significaria a redução do potencial desta última.
Aparentemente, a manobra dos geopolíticos brasileiros teve êxito total:
garantiu ao Brasil uma potência de 12,6 milhões de kW, anexou pratica-
mente o Paraguai e prejudicou o projeto hidrelétrico mais importante da
Argentina, para o qual ela não tem, como o Brasil, alternativas exclusiva-
mente nacionais.42

Mas, ao aceitar o projeto brasileiro, o Paraguai rompia a neutralidade


que mantinha desde a guerra de 1870, cem anos atrás, incorporando-se
como país subordinado à esfera de influência do Brasil. Autoridades do
regime militar, como o ministro de Minas e Energia Antonio Dias Leite,
confirmaram essa asseveração ao destacar que o projeto de Itaipu foi uma
decisão política antes que energética. Por isso, o ministro de Minas e Ener-
gia teve que ceder o protagonismo à chancelaria.43
A importância dos casos de Itaipu e do golpe de Estado de Bánzer na
Bolívia mostra a agressividade do Brasil contra seus vizinhos. Esse papel

42
Paulo Schilling, “Itaipu: energía y geopolítica”, op. cit.
43
Ibid.

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O retorno do subimperialismo 43

que se conferia o Brasil era algo novo na região sul-americana, e Marini se


esforça de maneira notável para compreendê-lo baseado em um conceito
de enorme valor teórico e político. A exportação de capitais que come-
çaram a realizar as empresas localizadas no Brasil à região nesse mesmo
período era a faceta econômica dessa política expansionista.
O ambiente político e ideológico sobre o qual Marini reflete e escreve
implica uma exaltação do nacionalismo brasileiro e a férrea aliança com os
Estados Unidos. Na conjuntura regional inaugurada pelo golpe de Estado
de 1964, o Brasil se converteria em uma ameaça para seus vizinhos e par-
ticularmente para os países menores e frágeis como o Paraguai, a Bolívia
e o Uruguai. Essa era pelo menos a consideração de um dos principais
ideólogos do regime, Golbery do Couto e Silva:

As nações pequenas se veem de um dia para outro reduzidas à condição de


Estados pigmeus e já se prevê seu fim melancólico sob os planos de inevi-
táveis integrações regionais; a equação de poder no mundo se reduz a um
pequeno número de fatores e nela se percebem somente poucas constela-
ções feudais, Estados barões, rodeadas por Estados satélites e vassalos [...]
Não há outra alternativa para nós que aceitá-los (os planos de integração
do império) e aceitá-los conscientemente...44

A ideia de que o Brasil deve “engrandecer ou perecer”, nascida na Es-


cola Superior de Guerra, foi se implantando na burguesia brasileira e em
amplos setores da sociedade. Nesse clima de expansão nacional, Marini
busca explicar as razões do golpe e da hegemonia do seu país sem apelar às
categorias estabelecidas, para o qual busca forjar novas ideias. Esse esforço
contém tanto sua criatividade teórica quanto sua atualidade.

Marini e a teoria do subimperialismo

Marini vinha desenvolvendo, assim como a maior parte da esquerda re-


volucionária latino-americana, um combate ideológico contra as teses
do marxismo ortodoxo, representado pelos partidos comunistas que tei-

44
Golbery do Couto e Silva citado por Paulo Schilling, ¿Irá Brasil a la guerra?, op. cit., p. 16.

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44 brasil potência

mavam em afirmar o caráter “pré-capitalista” das economias da América


Latina.45 Contrariamente, defende que se tratava de “um capitalismo sui
generis que somente tem sentido se o contemplamos na perspectiva do sis-
tema em seu conjunto, tanto a nível nacional quanto, principalmente, a
nível internacional”.46 Esse combate teórico formou parte de um ambicioso
projeto revolucionário que se propôs a revolução anticapitalista sem pas-
sar por uma revolução burguesa ou democrático-burguesa liderada pela
burguesia “nacional”, como defendiam os partidos comunistas. Questão
nada menor que afetava tanto as alianças quanto as formas de luta, legais
ou ilegais, eleitorais ou insurrecionais/armadas. Estava convencido de que
as críticas aos postulados comunistas eram urgentes depois do golpe de
Estado de 1964, que tinha mostrado que a suposta burguesia “nacional”
era firme aliada do imperialismo e apoiava sem fissuras o regime militar.
Tratava-se de uma urgência política que lhe forçava a aprofundar as aná-
lises teóricas.
A tese do subimperialismo de Ruy Mauro Marini se articula a três eixos:
a hegemonia absoluta dos Estados Unidos no mundo; a existência de cen-
tros médios de acumulação, dependentes do centro, que mantinham uma
relação de cooperação antagônica com os Estados Unidos e que, ao mesmo
tempo, praticavam formas de expansionismo na região; e a existência de
um projeto político subimperialista que a ditadura militar de alguma ma-
neira encarnava. Cada um desses aspectos mudou substancialmente nas
três décadas transcorridas desde que o texto foi escrito.
A hegemonia incontrastável dos Estados Unidos. Esta afirmação atraves-
sa todo o trabalho e é um dos eixos que dão forma ao conceito de subimpe-
rialismo. Marini sustenta sua tese em um conjunto de dados: em 1948, 72%
das reservas mundiais de ouro pertenciam aos Estados Unidos, 61% do
investimento direto mundial correspondia ao capital estadunidense, que
tinha sido capaz de “reorganizar a economia capitalista mundial em bene-
fício próprio”.47 A hegemonia econômica deve ser somada à superioridade
militar absoluta e uma abrumadora presença nos organismos criados na

45
Ruy Mauro Marini. “Dialética da dependência”, em Roberta Traspadini e João Pedro
Stédile. Ruy Mauro Marini. Vida e obra. São Paulo: Expressão Popular, 2005. p. 138.
46
Ibid.
47
Ruy Mauro Marini, “La acumulación capitalista mundial y el subimperialismo”, op. cit.,
p. 1.

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O retorno do subimperialismo 45

conferência de Bretton Woods em 1944, como o Banco Mundial e o Fundo


Monetário Internacional.
Marini estabelece com precisão as peculiaridades do domínio estadu-
nidense ao afirmar que assim como a hegemonia britânica criou e consoli-
dou o mercado mundial, “o período da hegemonia norte-americana seria
o da integração imperialista dos sistemas de produção”.48 Em 1968, o ca-
pital estadunidense controlava as principais multinacionais responsáveis
por 25% do produto interno bruto mundial. A exportação de capital e o
peso do capital financeiro são características centrais do capitalismo nessa
etapa. A outra é a férrea hierarquização dos diferentes elos do sistema sob
o capital estadunidense, de modo que os países não centrais eram necessa-
riamente dependentes e subordinados aos Estados Unidos. Embora Marini
apresente uma tendência ao “declínio da monopolaridade no mundo capi-
talista”, estima a existência de uma “integração hierarquizada dos centros
de acumulação” cujo vértice se localiza no capital estadunidense.49
Centros de acumulação média. O próprio desenvolvimento capitalista
promoveu “o surgimento de centros médios de acumulação”, denomina-
dos também potências capitalistas médias: “Já foi o tempo do modelo sim-
ples centro-periferia, caracterizado pelo intercâmbio de manufaturas por
alimentos e matérias-primas”.50 Marini capta a complexidade da divisão
internacional do trabalho: já não se trata da conquista de mercados por
meio do comércio, mas, sobretudo, da acumulação de capital mediante a
produção além das fronteiras, com a instalação de fábricas em países do
“terceiro mundo”.
Este é um aspecto fundamental da sua tese sobre o subimperialismo.
Trata-se de centros intermediários, onde se cristalizou um estrato de gran-
des empresas: “Agora se trata da vinculação do capital estrangeiro a um
setor da estrutura produtiva nacional, o que tem como contrapartida sua
desnacionalização em termos de propriedade, embora não sua diminuição
na economia nacional”.51 Enfatiza a dependência desse estrato empresa-
rial, particularmente do capital estadunidense, que nos anos estudados por
Marini era, sem dúvidas, o principal investidor na região, atraído pelos

48
Ibid., p. 3.
49
Ibid., p. 8.
50
Ibid.
51
Ibid., p. 10.

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46 brasil potência

baixos salários, pela existência de um mercado interno crescente e pela


possibilidade de exportar aos países mais próximos.
Detecta uma situação dupla. Por um lado, a dependência econômica, e
por outro a necessidade de focar-se nas exportações devido à estreiteza do
mercado interno e às dificuldades estruturais para poder ampliá-lo. Isto
como consequência da incapacidade da burguesia de realizar uma reforma
agrária que a levaria a se enfrentar com os latifundiários que dominavam
a economia e o aparato estatal. Em suma, existia uma luta por mercados.
Mas imediatamente nos adverte que a exportação de manufaturas não é
suficiente para determinar se estamos falando de um país subimperialista.
Conclui que o subimperialismo é “a forma que a economia dependente
assume ao chegar à etapa dos monopólios e do capital financeiro”.52
Uma política de subpotência. Marini sustenta que o Brasil é o único
país que expressava esse fenômeno na América Latina, já que estando ple-
namente integrado aos marcos da hegemonia imperialista, a equipe “tec-
nocrático-militar” que assumiu o poder depois do golpe de 1964, possuía
um “projeto político” que foi, de fato, uma resposta da alta cúpula contra a
ascensão das lutas sociais registradas na América Latina após a Revolução
Cubana. A existência de um projeto próprio, que implica a construção de
uma área de influência e de vigilância na região, é um dado importante na
argumentação de Marini. Entretanto, esse papel regional era realizado em
estreita cooperação com a potência hegemônica mundial, assumindo na
região o papel de agente que defende os interesses do império.
A análise revela sutilezas e profundidades. Recusa a ideia de que o re-
gime militar fosse apenas “um simples fantoche do Pentágono e do De-
partamento do Estado”, mas enfatiza que a burguesia brasileira “aceitou o
papel de sócio menor em sua aliança com os capitais estrangeiros” e que a
política exterior da ditadura buscava “uma perfeita adequação entre os in-
teresses nacionais do país e a política de hegemonia mundial realizada pe-
los Estados Unidos”.53 Ter compreendido essa dualidade é um dos grandes
méritos teóricos de Marini. Mas vai mais longe porque não separa teoria
de ação política e conclui que essa nova realidade subimperialista para a
época possuía implicações políticas.

52
Ibid., p. 17.
53
Ruy Mauro Marini, Subdesarrollo y revolución, op. cit., p. 57-58.

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O retorno do subimperialismo 47

Utiliza o conceito de “cooperação antagônica” para descrever a relação


entre a superpotência hegemônica e um país dependente com desenvol-
vimento médio. O conceito foi estabelecido pelo marxista alemão August
Talheimer, que no período do pós-guerra o utilizou para compreender as
relações entre os Estados Unidos e os países industrializados que recebe-
ram investimentos mas que acabaram se convertendo ao mesmo tempo
em exportadores de capitais. Marini sustenta que a “cooperação antagôni-
ca” expressa tensões entre os diferentes centros no processo de integração
imperialista, que “abrem fissuras na estrutura do mundo imperialista e
atuam vigorosamente em benefício do que tende a destruir as próprias
bases dessa estrutura: os movimentos revolucionários nos países subde-
senvolvidos”.54
O desenvolvimento de um complexo industrial-militar e de uma indús-
tria de bens de capital não somente pretendia transformar o país em uma
potência industrial, mas era condição necessária para a expansão interna-
cional. Desse modo, foi possível criar uma “simbiose entre os interesses da
grande indústria e os sonhos hegemônicos da elite militar”.55 Certamente
essa expansão não só não contradiz o imperialismo, mas se integra como
peça-chave na irradiação da influência da potência hegemônica.
A principal consequência política da nova realidade passa pela “interna-
cionalização da revolução latino-americana”, que se torna “a contrapartida
inevitável do processo de integração imperialista” que tinha transformado
o Brasil em subimpério e em subpotência.56
Nas três décadas transcorridas desde a publicação dos trabalhos de Ma-
rini sobre o subimperialismo, houve mudanças óbvias no mundo, na região
sul-americana e no Brasil. A posição dos Estados Unidos sofreu modifica-
ções importantes ao ponto de que hoje existe consenso em aceitar o declínio
da ex-superpotência, apesar de manter uma superioridade importante no
terreno militar, que mesmo assim não lhe permite ganhar guerras, e em
algumas tecnologias de ponta. Na América do Sul, os Estados Unidos já
não estão sozinhos, constatando-se uma forte presença da China, do capital
espanhol e, sobretudo, do Brasil. Embora seja mais evidente e mais comen-
tada, essa não é a única mudança que modifica as análises de Marini.

54
Ibid., p. 61.
55
Ibid., p. 71.
56
Ibid., p. 78.

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48 brasil potência

Nas páginas seguintes espero poder mostrar que no Brasil existe outro
conjunto de modificações notórias: a ampliação da elite no poder, inte-
grando novos atores na aliança entre os militares e a burguesia paulista;
que essa nova elite construiu uma estratégia de poder que deve levar o Bra-
sil a se tornar uma potência mundial (já é a principal potência regional);
que o país se tornou um centro autônomo de acumulação de capital com
grandes empresas multinacionais entre as mais importantes do mundo em
vários ramos produtivos com o apoio do Estado; que está desenhando a ar-
quitetura política, econômica e de infraestrutura da região sul-americana,
transformando-a em seu quintal, seu “pátio traseiro”, com relações alta-
mente assimétricas com alguns países. Esses elementos devem ser agre-
gados a uma sólida política de fortalecimento militar, à direção da missão
militar das Nações Unidas no Haiti e ao desenho de uma estratégia capaz
de intervir em zonas conflituosas da região de modo direto ou indireto.
Certamente, este conjunto de mudanças modificam, na minha opinião,
a atualidade do conceito de “subimperialismo” para descrever o papel do
Brasil. De qualquer forma, mais importante que o conceito (creio que, com
certas reservas, podemos utilizar o de “imperialismo”) são as consequ-
ências políticas que derivam da compreensão da nova realidade para os
povos latino-americanos e, particularmente, para a ação coletiva dos mo-
vimentos sociais.

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CAPÍTULO 2

A ampliação da elite no poder

As camadas mais altas do antigo proletariado se transformaram,


em parte, no que Robert Reich chamou de “analistas simbólicos”:
são administradores de fundos de pensão, oriundos de antigas
empresas estatais, dos quais o mais poderoso é o Previ, dos
funcionários do Banco do Brasil, ainda estatal, integram os
conselhos de administração, como no BNDES, na qualidade de
representantes dos trabalhadores.
Francisco de Oliveira

As luzes das eleições presidenciais de 30 de outubro de 2010, que fizeram


de Dilma Rousseff sucessora de Luiz Inácio Lula da Silva, iam se apagando
quando começaram a se difundir alguns dados que confirmavam a nova
composição de poder no Brasil. O PT elegeu 88 deputados, a maior ban-
cada da Câmara. A maioria absoluta, 60% dos deputados petistas se origi-
nam do setor sindical. São 62 parlamentares sindicais na Câmara, e outros
seis estão no Senado. Deles, 49 pertencem ao PT, sete ao PC do B, dois ao
PDT, dois ao PV, um ao PSOL e um ao PPS; quatro dos seis senadores sin-
dicais também são do PT, e os dois restantes do PC do B.
Levando em conta as principais esferas de decisão, o PT é antes de mais
nada um partido de sindicalistas, embora seja preciso destacar que elegeu
sete deputados empresários. Além disso, o PT praticamente monopoliza a
representação sindical, já que pertencem a esse partido 80% dos sindicalis-
tas eleitos deputados e 78% do total dos parlamentares eleitos.1

1
Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, Boletim do Diap, n. 243, Brasília,
outubro de 2010.

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50 brasil potência

O crescimento da bancada sindicalista tem sido importante nos últi-


mos vinte anos: em 1991, havia apenas 25 sindicalistas no Congresso, cifra
que aumentou muito. É verdade que a bancada empresarial é muito maior
que a sindical, pois chegou a 169 parlamentares (tinha 120), pertencendo
32 ao PMDB, aliado do governo, e 28 ao direitista DEM. Diferentemente da
bancada sindical, quase toda petista, a empresarial se distribui em quase
todos os partidos do espectro parlamentar. Por último, a bancada ruralista
(vinculada aos criadores de gado e ao agronegócio), que vem diminuindo
de forma nítida: caiu de 117 a 61 parlamentares. Uma primeira conclusão:
diminui a força eleitoral do velho latifúndio e cresce a dos empresários e
sindicalistas.
Um segundo dado que vale a pena analisar se relaciona ao financia-
mento dos partidos políticos e particularmente aos fundos que o PT re-
cebe. Chama a atenção o importante papel que os empresários possuem
no financiamento dos partidos, especialmente as empresas construtoras.
O empresariado contribuiu com 470 milhões de dólares aos candidatos
eleitos; 54% dos parlamentares eleitos receberam algum tipo de apoio das
construtoras, ou seja, 264 deputados e 42 senadores.2
O partido que recebeu mais dinheiro das construtoras foi o PT (15 mi-
lhões de dólares), seguido do PSDB (11 milhões).3 Trata-se de empresas
que se beneficiam das grandes obras de infraestrutura contempladas na
Iirsa e no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e que agora
esperam aumentar seus lucros com as obras que vão ser realizadas para a
Copa do Mundo de 2014 e para a Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro. As
empresas que lideraram os donativos são Camargo Corrêa, Queiroz Gal-
vão, Andrade Gutierrez, OAS e Odebrecht, nomes que veremos se repetir
ao longo deste livro. Calcula-se que as construtoras sejam responsáveis
por um quarto de todas as doações eleitorais.4 As empresas vinculadas
ao agronegócio fizeram suas principais doações aos candidatos da região
Centro-Oeste e optaram majoritariamente por membros do DEM, grupo
que tem se destacado na defesa dos interesses desse setor por intermédio

2
“Construtoras ajudam a eleger 54% dos novos congressistas”, Folha de São Paulo, 7 de
novembro de 2010.
3
Ibid.
4
Instituto Ethos e Transparency Internacional, A Responsabilidade Social das Empresas
no Processo Eleitoral. Edição 2010, São Paulo, 2010, p. 30.

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A ampliação da elite no poder 51

da bancada ruralista. Nas eleições de 2006, as mil maiores empresas priva-


das foram responsáveis por 30% da arrecadação total das campanhas dos
candidatos à presidência, o que sem dúvidas revela a importância desse
tipo de financiamento.5
De acordo com o que foi encontrado até o momento, podemos dizer
que estamos diante do paradoxo de um empresariado que financia par-
cialmente a eleição de sindicalistas, supostamente seus maiores inimigos
se observarmos o discurso político de ambos os setores. Vemos concre-
tamente empresários da construção financiando o partido dos sindicatos.
Entretanto, se observarmos quem são esses sindicalistas convertidos em
parlamentares, podemos concluir que possuem um perfil bem diferente
do que poderia se esperar: dois terços têm diploma universitário, entre os
quais se destacam economistas, advogados e professores. A maior parte
provém de empresas estatais e do setor bancário. A imensa maioria deles,
outros dois terços, foram reeleitos.6 Em outras palavras, trata-se de profis-
sionais especializados como parlamentares.
Parece necessário indagar algo mais sobre a trajetória do sindicalismo,
já que conforma, juntamente com os empresários e com a alta burocracia
estatal, o coração das novas elites brasileiras.

A trajetória sindical

Em 6 de janeiro de 2003, poucos dias depois de Lula assumir a primeira


presidência, Delúbio Soares, tesoureiro do PT durante a campanha elei-
toral de 2002, organizou uma festa em sua cidade natal, Buriti Alegre, no
interior de Goiás. Entre 15 e 18 aviões executivos aterrissaram na pista da
pequena cidade de 12 mil habitantes. Entre os convidados, figuravam o go-
vernador de Goiás e o do Mato Grosso do Sul, além do publicitário Duda
Mendonça, responsável pela campanha de Lula.7 Dois anos depois, foi acu-
sado de corrupção, e no dia 30 de maio de 2006 a Justiça do país iniciou
um processo por formar parte de uma “organização criminosa” que com-

5
Ibid., p. 32.
6
A partir de Boletim do Diap, op. cit.
7
Francisco de Oliveira, Crítica à razão dualista o Ornitorrinco, São Paulo, Boitempo, 2003,
p. 146.

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prava votos de parlamentares, no que ficou conhecido como o “escândalo


do mensalão”.8 Soares renunciou ao cargo, caminho que seguiram outros
dirigentes do PT e do governo Lula.
Soares foi sindicalista e exerceu o cargo de tesoureiro nacional da CUT,
integrou o Fundo Amparo do Trabalhador (FAT)9 como delegado sindical
e foi coordenador das campanhas presidenciais de Lula em 1989 e 1998.
Esses fatos permitem visibilizar algumas trajetórias de dirigentes sindi-
cais vinculados à cúpula de um partido como o PT e ao mesmo tempo al-
tos funcionários do FAT, que foi definido por Francisco de Oliveira como
“o maior financiador de capital a longo prazo do país”.10 Na sua opinião, o
“núcleo duro” do PT está integrado por trabalhadores transformados em
operadores de fundos de pensão, o que lhes permite acesso aos fundos
públicos e o estabelecimento de vínculos com o capital financeiro, do qual
se converteram em cogestores. Em apenas duas décadas, a CUT e o PT
viveram um processo acelerado de transformações cujos momentos mais
importantes se deram nos primeiros anos do neoliberalismo.

1. A década de 1990, conhecida como a década neoliberal, produziu enor-


mes mudanças na vida social e política que influenciaram não somente
no comportamento das elites, mas também em vastos setores populares.
Armado Boito Jr. defende que a conversão do PT em administrador de
uma nova hegemonia burguesa “não foi superficial nem repentina”, mas
parte de um processo mais amplo que atravessa todas as classes sociais,
incluindo os trabalhadores.11 Seu ponto de partida consiste em constatar
as transformações na vida cotidiana dos trabalhadores das plantas auto-
mobilísticas, dos bancários e dos petroleiros, para depois compreender as
razões que levaram a CUT, a maior central sindical do continente, com 20
milhões de afiliados, a realizar a atual mudança.

8
Mensalão faz referência aos pagamentos mensais que dezenas de parlamentares rece-
biam baseados em um esquema armado por dirigentes do PT e do governo federal.
9
O FAT é um fundo administrado pelo Ministério do Trabalho para financiar o seguro-
desemprego e programas de desenvolvimento social baseado em contribuições patronais
e dos trabalhadores.
10
Francisco de Oliveira. Crítica à razão dualista/O Ornitorrinco. São Paulo: Boitempo,
2003. p. 146.
11
Armando Boito Jr., “A hegemonia neoliberal no governo Lula”, Crítica Marxista, n. 17.
Rio de Janeiro: Revan, 2003. p. 4.

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A ampliação da elite no poder 53

Uma pesquisa de opinião realizada em 2003 entre empregados de quatro


empresas (Ford, Mercedez Benz, Scania e Volkswagen) de São Bernardo
do Campo permite estabelecer um perfil desses trabalhadores: 90% tinham
moradia própria em bairros com água, luz, asfalto e saneamento básico;
70% tinham ensino fundamental completo; 75% tinham mais de onze anos
em seus empregos, recebiam altos salários e a maior parte tinha compu-
tador e acesso à internet.12 Esse tipo de trabalhador, com uma indubitável
cultura de classe média urbana e acesso ao consumo, controlou desde o
começo o movimento sindical metalúrgico do ABC,13 berço do novo movi-
mento operário brasileiro. Três quartos dos operários dessas quatro plantas
estão afiliados ao sindicato, e 81% deles declararam simpatia pelo PT.
Os trabalhadores da indústria automobilística, os bancários e os pe-
troleiros são os principais promotores da corrente majoritária da CUT, a
Articulação Sindical, que também é hegemônica na direção do PT. Essa
corrente teve cinco ministros no primeiro governo Lula: Trabalho, Segu-
ridade Social, Fazenda, Comunicação Social e Cidades, além do próprio
presidente. Além disso, os militantes da Articulação ocupam importantes
cargos em empresas estatais e nos fundos de pensão, o que leva Boito a
afirmar que se trata de uma “classe” que detém o controle do aparato do
Estado. Desde o nascimento do “novo sindicalismo”, no final da década de
1970, durante a última parte da ditadura militar, a prática sindical desse
setor decisivo do movimento já sofria fortes traços de corporativismo, de-
sejava o crescimento econômico para elevar o consumo familiar e a cons-
trução de um Estado de bem-estar social no Brasil.14
As mudanças ocorridas no começo da década de 1990, sobretudo as
transformações nas indústrias automobilísticas do ABC paulista, repre-
sentaram um duro golpe para os sindicatos.15 As modificações na organi-
zação do trabalho (com a adoção do toyotismo), as mudanças tecnológicas
com a introdução de computadores e robôs criaram um novo tipo de tra-

12
Ibid., p. 6.
13
O ABC é a região industrial da área metropolitana de São Paulo, cujo nome deriva das
iniciais das cidades de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano, que com-
põem o núcleo da região.
14
Ibid.
15
Fabiana Scoleso, “Sindicatos dos metalúrgicos do ABC: as novas relações entre capital
e trabalho na década de 1990”, III Simpósio de Lutas Sociais na América Latina, Gepal,
Paraná, Universidade Estadual de Londrina, 24-26 de setembro de 2008.

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balhador, qualificado e escolarizado, disposto a um gerenciamento parti-


cipativo juntamente com a direção da empresa. Assim, em poucos anos
se produziu uma mutação no perfil da classe operária: no âmbito político,
mais disposta a negociar que lutar; no âmbito cultural, operários poliva-
lentes já não especializados em uma profissão ou tarefa e comprometidos
com o aumento da produtividade. Paralelamente, diminuíram as greves:
de quatro mil, em 1989, passaram a 587, em 1992, e a 693, em 1993, com
um pico de 1.258, em 1995, para posteriormente se manter em uma média
de 600 greves anuais até o final da década.16

2. Paralelamente, e em parte como conseqüência dessas modificações no


perfil da classe trabalhadora, foram registradas mudanças nos sindicatos
e no cenário político que fazem com que vários analistas falem da “der-
rota” da classe operária ou então de um conjunto de fracassos: uma der-
rota política ao não ter podido eleger Lula nas eleições presidenciais de
1989, somada à derrota econômica e cultural que representou a hegemonia
neoliberal a partir de 1990. No terreno sindical, a Constituição de 1988,
que consagrou a nova democracia e o fim do regime militar, deixou em
pé as práticas do velho sindicalismo corporativista, entre elas o chamado
“imposto sindical”, ou desconto obrigatório da quota sindical para todos
os trabalhadores. O novo sindicalismo que a CUT representava não con-
seguiu impor na Assembleia Constituinte a ruptura com o velho modelo
sindical pelego.17
Esses fracassos, agregados à reestruturação empresarial no início do
neoliberalismo, aceleraram o “insulamento corporativo” dos principais
sindicatos da CUT, que daí em diante dedicaram seus maiores esforços
a garantir as condições de vida dos seus afiliados mediante o aumento do

16
Marcelo Badaró Mattos, “A CUT hoje e os dilemas da adesão à ordem”, Outubro, n. 9.
São Paulo: Instituto de Estudos Socialistas, 2003.
17
Pelego, em referência à pele do cordeiro, assimila-se à “carneiro”, fura-greves ou ama-
relo no linguajar do Rio da Prata. No Brasil, o termo “pelego” começou a se popularizar
durante o governo de Getúlio Vargas na década de 1930. Imitando a Carta do Trabalho
de Benito Mussolini, Vargas decretou a Lei de Sindicalização em 1931, submetendo os
estatutos sindicais ao Ministério do Trabalho. Pelego era o líder sindical de confiança do
governo e com vínculos com o Estado. Sob a ditadura militar instalada em 1964, pelego
passou a ser o sindicalista apoiado pelos militares.

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A ampliação da elite no poder 55

consumo.18 A Plenária Nacional da CUT, realizada em setembro de 1990,


em Belo Horizonte, foi um momento decisivo de virada ao substituir o
sindicalismo de confrontação por um sindicalismo propositivo. Na década
de 1990, os sindicatos dos bancários, dos petroleiros, dos petroquímicos
e dos trabalhadores da indústria automobilística apostaram na luta pelo
contrato coletivo de trabalho em detrimento das normas protetoras do di-
reito laboral, numa virada que os levou a se desentender da maior parte
dos trabalhadores, agora já precarizados, terceirizados, desempregados ou
informais. Paralelamente, por meio da experiência da negociação da Câ-
mara Setorial da Indústria Automobilística, o sindicalismo se aproximou
da burguesia e de modo muito particular da Fiesp (Federação das Indús-
trias do Estado de São Paulo).
Segundo Boito Jr., essa reconfiguração da ação sindical começou na
base e foi se irradiando até as cúpulas. O autor conclui que a experiência
na câmara setorial foi uma espécie de ensaio para uma política de coo-
peração mais ambiciosa. Desse modo, “os trabalhadores das montadoras,
através do Sindicato Metalúrgico do ABC, tentou estabelecer uma frente
econômica pelo crescimento em conjunto com uma fração da grande bur-
guesia brasileira, acreditando que a Fiesp pudesse ser um aliado seguro na
luta contra a política recessiva patrocinada pelos interesses do setor finan-
ceiro”.19

3. Em meio à reestruturação produtiva neoliberal, que implicou a demis-


são de uma grande quantidade de trabalhadores em todos os setores, in-
cluindo o automobilístico, a petroleira estatal, os bancos e toda a indústria
no final da década de 1990, os sindicatos se inseriram nos planos estatais
de formação por meio do FAT, que significam receitas milionárias para a
CUT, muito superiores às que recebiam por conceito de quotas sindicais.
Já sem a força que teve na década anterior, derrotado seu candidato nas
eleições presidenciais e em plena ofensiva do capital, desde 1995 a CUT
decidiu se inserir nos programas oficiais de requalificação profissional por
intermédio do Plano Nacional de Qualificação Profissional, instrumenta-
dos pelo FAT, onde convergem sindicatos e empresários. O V Congresso

18
Armando Boito Jr., “A hegemonia neoliberal no governo Lula”, op. cit., p. 9.
19
Ibid., p. 12.

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da CUT, celebrado em 1994, depois de analisar a “reestruturação exclu-


dente” empreendida pelo capital com o apoio de um “Estado privatizado”,
propõe como parte da sua campanha contra o desemprego uma “política
de formação profissional adequada às novas exigências do mercado de tra-
balho e com participação da representação sindical”.20
Essa proposta está relacionada com a tese defendida pelo governo de
Fernando Henrique Cardoso e pelo empresariado no sentido de que o de-
semprego se deve à falta de qualificação profissional dos trabalhadores.21
Em 1998, a CUT arrecadou 17 milhões de dólares, dos quais dois milhões
vinham do FAT para formação profissional. Em 1999, a central sindical
recebeu 32 milhões de dólares: 12 milhões procedentes do FAT, cifra que
se elevou a 20 milhões em 2000. Desde 1999, 70% dos gastos da CUT estão
ligados aos Programas de Qualificação Profissional do FAT, ou seja, a ins-
tâncias vinculadas ao Estado e aos empresários.22
Por um lado, a central perde autonomia financeira, já que depende
cada vez mais de uma receita não relacionada com as contribuições dos
seus afiliados. Por outro lado, vemos “a cultura sindical que esta estrutura
gera, estimulando a aparição de dirigentes mais preocupados em se man-
ter nesses aparatos, desenvolvendo uma espécie de “carreira sindical”, que
de representar efetivamente suas bases”.23 Quanto a esse aspecto, existem
algumas diferenças de interpretação. Uma parte considerável dos analistas
sindicais considera que o momento de inflexão da CUT foi o “acordo das
montadoras”,24 enquanto outros postulam que foi a entrada da CUT na
CIOSL,25 que implicou uma mudança na forma de conceber a organização
sindical com um estilo mais monolítico e subordinado à corrente majori-
tária na direção nacional.26 Existe algo em comum: ambos fatos ocorreram

20
“V Congreso nacional da CUT”, p. 17 en http://www.cut.org.br/documentos-oficiais/3
(Consulta 10/01/2013).
21
Marcelo Badaró Mattos, “A CUT hoje: os dilemas de adesão à ordem”, op. cit.
22
Ibid.
23
Ibid.
24
Tese sustentada, entre outros, por Boito Jr. e Mattos.
25
Confederação Internacional de Organizações Sindicais Livres, convertida na Confede-
ração Sindical Internacional a partir de 2006.
26
Rudá Ricci, “A CUT vai caminhando para ser a antiga CGT do século XXI”, em IHU
Online, 2 de setembro de 2008, em: <http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/16373-`a-
cut-vai-caminhando-para-ser-a-antiga-cgt-do-seculo-xxi`--entrevista-especial-com-ru-
da-ricci>. (Consulta 22/11/2011.)

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A ampliação da elite no poder 57

em 1992; por isso pode se afirmar que a virada foi realizada no ambiente
posterior à derrota eleitoral de Lula (1989) e nas primeiras fases do neolibe-
ralismo no Brasil, quando ocorre a reestruturação produtiva das grandes
empresas.
Por último, essa institucionalização da CUT e a sua profissionalização
dependente do Estado não deixou de influir na integração dos seus órgãos
de direção, assim como na massa afiliada. Novamente as mudanças con-
vergem no mesmo período histórico. No Congresso de 1988, os delegados
de base eram 50,8% dos congressistas, enquanto 49,2% eram dirigentes.
No Congresso de 1991, ocorre um giro fenomenal: 83% são dirigentes e
apenas 17% são delegados de base.27

4. Sob o governo Lula, o entrelaçamento entre sindicalismo e Estado se


aprofunda, como não poderia ser de outro modo. O processo se acelera,
chegando a uma espécie de final esperado. O sociólogo Rudá Ricci, que
assessorou o Departamento de Trabalhadores Rurais da CUT em 1990,
sintetiza este processo:

Da década de 1980 para cá, as organizações populares conquistaram mui-


tos espaços de cogestão. Hoje temos 30 mil conselhos de gestão pública (de
direitos e setoriais) ao longo do Brasil. Então, os líderes sociais, incluindo
os sindicalistas, passam a mudar de perfil: de líderes de mobilizações a
uma direção com capacidade técnica de governar. Percebe-se a mudança
de perfil dos sindicalistas dos grandes sindicatos: do carisma e da capaci-
dade oratória a um estilo mais reflexivo. O ponto final foi a entrada nos
ministérios. A partir daí não é mais dirigente sindical. É um agente gover-
namental.28

Como vimos, convergem dois processos. O primeiro é a queda da mo-


bilização sindical. Das quatro mil greves em 1989 se passa a uma média de
entre 600 a 900 anuais na década de 1990, para diminuir a uma média de
300 entre 2004 e 2007.29 Esse descenso agudo na atividade sindical merece

27
Marcelo Badaró Mattos, “A CUT hoje: os dilemas de adesão à ordem”, op. cit.
28
Rudá Ricci, “A CUT vai caminhando para ser a antiga CGT do século XXI”, op. cit.
29
Armando Boito; Andreia Galvão y Paula Marcelino, “Brasil: o movimento sindical e
popular na década de 2000”, OSAL. Buenos Aires: Clacso, n. 26, outubre de 2009. p. 39.

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as mais variadas interpretações: desde quem considera que se trata de uma


fase de recomposição depois das derrotas da década anterior, em um mo-
mento em que a CUT está se “acomodando” ao continuísmo do governo
Lula, até quem defende que a capacidade de resistência dessa central dimi-
nuiu com a cooptação dos seus principais dirigentes.30
A verdade é que o movimento sindical não mobilizou seus afiliados
nem sequer quando foi aprovada a reforma da previdência, que prejudicou
seriamente os trabalhadores ao reduzir os direitos dos funcionários esta-
tais e expandir o sistema de pensões privado ou “complementar” mediante
fundos de pensão. Os caminhos para chegar a esse tipo de resultado foram
vários. Por um lado, “centenas de sindicalistas ou ex-sindicalistas assumi-
ram cargos em ministérios, na administração pública e nos organogramas
de empresas estatais”.31 Essa é uma parte da história. A outra é a mencio-
nada por Ricci: os 30 mil conselhos onde se coadministram serviços como
a saúde, a educação, a assistência social e diversos direitos. Em 2001, antes
da chegada de Lula ao Palácio do Planalto, já existiam 22 mil conselhos
somente na área municipal, integrados em grande medida por ativistas so-
ciais e, sobretudo sindicais.32 Cita também a participação de sindicalistas
em cargos ministeriais e em organismos tripartites como o Conselho de
Desenvolvimento Social e o Fórum Nacional de Trabalho, espaços onde se
debatem reformas e políticas estatais.
Uma segunda questão se relaciona com um estilo sindical que no Brasil
se denomina sindicalismo cidadão, herdeiro do sindicalismo propositivo da
década de 1990, que assume a prestação de serviços ao trabalhador, como
a já mencionada formação profissional que permite uma receita caudalosa.
Sob o governo Lula, os sindicatos negociaram com os bancos a outorga de
créditos aos seus afiliados, que podem ser descontados dos seus respecti-
vos holerites, o que beneficiava os bancos, já que reduz os riscos de não
pagamentos, e os trabalhadores porque deles são cobrados menos juros

30
A primeira posição em Armando Boito et al., op. cit. A segunda em Andreia Galvão, “O
movimento sindical frente ao governo Lula”, revista Outubro, n. 14. São Paulo: Instituto
de Estudos Socialistas, 2006.
31
Armando Boito; Andreia Galvão e Paula Marcelino, “Brasil: o movimento sindical e
popular na década de 2000”, op. cit., p. 37.
32
Celina Souza, “Sistema brasileño de gobierno local”, em Catia Lubambo; Denilson Ban-
deira e André Melo (comp.) Diseño institucional y participación política: experiencias en el
Brasil contemporáneo. Buenos Aires: Flacso, 2006. p. 146.

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A ampliação da elite no poder 59

que em outros sistemas como os cartões de crédito, além do fato dos sindi-
catos obterem um rendimento de 0,5% do empréstimo.33 Este tipo de ação,
que se enquadra dentro do sindicalismo cidadão, é apresentado diante dos
afiliados como “conquistas”.
Esse sindicalismo começou a priorizar as festas sobre as mobilizações,
como sucede com os espetáculos de 1° de maio, que até o governo Lula
era realizado somente pela central conservadora, a Força Sindical. Mas
a partir de 2004, a CUT começou a contratar especialistas em marketing
para organizar a festa que inclui megaeventos com artistas populares, sor-
teios de carros e apartamentos e a prestação de serviços como cabeleireiro
e documentação. Desse modo, a crescente institucionalização e a perda
de autonomia se agregam à despolitização e até ao reforço da perspectiva
neoliberal, dos valores do mercado e da individualização dos problemas
do trabalhador.34
O governo Lula promoveu reformas na legislação sindical que permi-
tem a passagem de uma porcentagem das quotas sindicais diretamente às
centrais se cumprirem alguns requisitos como representar pelo menos 5%
dos trabalhadores e ter mais de cem sindicatos afiliados. Isso lhes permite
conseguir o reconhecimento legal e dessa forma integrar 10% das quotas
que, diga-se de passagem, são compulsórias para os trabalhadores, embora
não sejam necessariamente afiliados, representando um dia de trabalho
por ano. Isso fortalece o poder das cúpulas, e, paralelamente, tornou-se
um incentivo para a formação de novos sindicatos. Para alguns analistas,
a criação da Conlutas e da Intersindical (ambas, dissidências da esquerda
da CUT) e da Nova Central Sindical dos Trabalhadores (ligada ao sistema
confederativo) estariam relacionadas, em alguma medida, com essas mu-
danças na legislação sindical, além da inconformidade da esquerda sindi-
cal com a perda da autonomia da CUT.35
A quinta questão a levar em conta é a participação de sindicalistas no
governo Lula em um grau nunca visto antes.

33
Andreia Galvão, “O movimento sindical frente ao governo Lula”, op. cit., p. 144. Diferen-
temente da Força Sindical, a CUT não obtém dividendos, mas negocia juros mais baixos
e pode atrair mais filiados.
34
Ibid.
35
Armando Boito, Andreia Galvão e Paula Marcelino, “Brasil: o movimento sindical e
popular na década de 2000”, op. cit., p. 48.

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60 brasil potência

Sindicalistas em cargos estatais

A elite do poder estatal federal viveu importantes mutações nos últimos


anos, de modo particular desde janeiro de 2003, quando Lula chegou à
presidência. No Brasil, existem cerca de 80 mil cargos de confiança; deles,
cerca de 47.500 são cargos de confiança na administração direta que po-
dem ser nomeados discricionariamente pelo Poder Executivo.36 De todos
esses cargos, os que pertencem à Direção e Assessoria Superiores (DAS)
níveis 5 e 6 e os de Natureza Especial (NES) são definidos como “cargos
de direção comandados por dirigentes políticos”, já que se localizam no
escalão imediatamente inferior ao dos ministros e secretários de Estado.37
Ao serem cargos nomeados diretamente pelos ministros ou pelo próprio
presidente, e por se tratar de postos gerenciais de alto nível, são considera-
dos a elite dirigente do governo.
Esse escalão está integrado por apenas mil cargos. O estudo da soci-
óloga Maria Celina Soares d´Araújo destaca essa elite. Em 2009, 984 car-
gos de confiança integravam o DAS 5: chefes de gabinete dos ministros,
diretores de departamento, consultores jurídicos, secretários de controle
interno e subsecretários de planejamento, orçamento e administração.
Outros 212 cargos formavam parte do DAS 6: assessores especiais, sub-
secretários e secretários de órgãos da Presidência. Os cargos NES eram
62, em 2009: comandos das Forças Armadas, direção do Banco Central
e diversos cargos jurídicos e secretarias especiais. O trabalho de campo
conseguiu respostas de 30% desses 1.258 cargos, o que o torna a fonte
mais importante de informação acerca do mais elevado escalão do go-
verno Lula.
Um primeiro dado é que apenas 20% são mulheres e que entre 84% e
87% são brancos (de acordo com o primeiro e o segundo governo Lula, ou
seja, entre 2003-2006 e 2007-2010, respectivamente); 95% possuem forma-
ção superior ou são pós-graduados, predominando economia, engenharia
e direito.38 Entretanto, a formação dos pais desses cargos é muito menor:
apenas 45% possuem formação universitária completa, o que mostra que

36
Maria Celina d´Araújo, A elite dirigente do governo Lula. Rio de Janeiro: Fundação Ge-
túlio Vargas, 2009. p. 9.
37
Ibid., p. 15.
38
Ibid., p. 32-37.

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A ampliação da elite no poder 61

os cargos de maior confiança provêm de famílias com níveis socioeconô-


micos mais baixos que os alcançados pelos filhos.39
Porém, o dado mais relevante é a participação em organizações sociais
dos cargos de confiança na alta administração federal: 45% possuem afilia-
ção sindical e uma porcentagem similar participa de movimentos sociais,
enquanto 30% participam de conselhos profissionais, o que permite con-
cluir que um setor majoritário dos cargos de confiança são profissionais
organizados.40 Essa porcentagem chama a atenção porque é várias vezes
superior à média de afiliação sindical dos brasileiros, que é de 18%. A me-
tade desses cargos é de funcionários públicos de carreira, sobretudo pro-
fessores e bancários. Entre os sindicalizados, a maioria (39%) está afiliada
a algum partido político, sendo o PT (com 82,5%) o partido que tem mais
adesões nesse setor.41 Extrapolando os dados da enquete, dos 1.200 cargos
de maior confiança no governo federal, quase a metade (cerca de 600) pro-
vém do mundo sindical.
Conforme os dados vão sendo mais refinados, ou seja, quando o círculo
se fecha, aparecem novos elementos que configuram com maior rigor um
tipo denso de associativismo entre os cargos de confiança e particular-
mente entre os que provêm do campo sindical. Comparando os afiliados a
sindicatos com os não afiliados, vemos que 62% daqueles participam além
do mais de movimentos sociais, frente a somente 45% dos não afiliados;
36% têm experiência em administração local municipal frente a apenas
24% dos não afiliados. Isto confirma a ideia de que os cargos de confiança
sindicalizados “são os mais envolvidos em experiências associativas”.42 Por
último, a maior parte desses cargos de confiança que provém do mundo
sindical teve experiências em funções técnicas e como consultores, o que
permite garantir que se trata de um grupo social caracterizado por sua
ampla e variada experiência profissional e por um alto associativismo.
A autora que realizou a investigação sobre as elites no governo Lula es-
tima que a forte presença sindical no governo não é um reflexo do triunfo
eleitoral do PT, mas da elevada taxa de sindicalização no setor público, em
geral com forte adesão a este partido, próxima de 80% entre os funcioná-

39
Ibid., p. 42.
40
Ibid., p. 53.
41
Ibid., p. 60-63.
42
Ibid., p. 64.

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62 brasil potência

rios do Poder Executivo federal. Considera que a destacada presença de


sindicalistas no governo deve ser analisada como parte de um projeto que
concede maior representação aos organismos de classe dos trabalhadores.
Entretanto, a autora adverte:

Em um país com tantas desigualdades como o Brasil, nada indica que o


fortalecimento da estrutura sindical corporativa possa se converter em
instrumento de maior igualdade social, econômica e política. Porque nun-
ca foi. Ao contrário, foi instrumento de hierarquização de ganhos e de di-
reitos na sociedade brasileira, pautado por direitos desiguais e restringidos
apenas a quem estava formalizado no mercado de trabalho.43

O assunto debatido tem a ver com o risco da repetição da velha histó-


ria do sindicalismo brasileiro de criar “oligarquias sindicais” e privilégios
para uns, enquanto a imensa maioria dos trabalhadores continua vivendo
na informalidade e não tem sequer a possibilidade de se sindicalizar.
Para finalizar esta seção, uma breve descrição da importância dos mi-
nistros provenientes do campo sindical. No primeiro governo Lula, 26%
dos ministros vinham do sindicalismo, e no segundo, 16%. Vale esclarecer
que nos sete governos pós-ditadura, a porcentagem média de sindicalistas
no gabinete era de apenas 11,5%. Quanto à participação nos movimentos
sociais, 45% dos ministros de Lula estavam vinculados; por sua vez, 38%
dos seus ministros estavam no conselho de alguma empresa estatal.44
Com este conjunto de dados, podemos ter um perfil aproximado da
importância que teve o movimento sindical nos dois governos Lula, de
modo muito particular no primeiro escalão do poder. Deve ficar claro, não
obstante, que se trata de um sindicalismo de classes médias, integrado por
professores, bancários e outros profissionais, com estudos universitários,
pós-graduados e como funcionários estatais de carreira. Diferentemente
do que aconteceu nos governos anteriores, a Casa Civil centraliza a no-
meação dos cargos DAS 5 e 6 e NES. A Casa Civil é, portanto, um cargo
estratégico: foi ocupada por José Dirceu no primeiro governo Lula, que
estava fadado a sucedê-lo, até que teve que renunciar devido ao “escândalo

43
Ibid., p. 78.
44
Ibid., p. 117-125.

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A ampliação da elite no poder 63

do mensalão”. Posteriormente, foi ocupada por Dilma Rousseff, e quando


ela assumiu a presidência, nomeou para esse cargo o ex-ministro da Fazen-
da de Lula, Antonio Palocci. Todos figuras de primeira fila dos governos
do PT.

O papel dos fundos de pensão

A relação entre sindicalistas e fundos de pensão é o tema central. O que é


realmente novidade e que não começa com a era Lula, mas se torna visí-
vel sob seu mandato, são as conseqüências da participação de dirigentes
sindicais nesses fundos, isto é, sua imersão no mundo financeiro. Pela im-
portância que tem, já que não se trata somente de quantidades enormes
de dinheiro, mas também pelas implicações quanto à formação de uma
camada de sindicalistas especializados como investidores financeiros deve
ser tratada de modo extenso.
Para compreender o papel dos fundos de pensão, é preciso rastrear pri-
meiro o Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT) e o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Este foi criado em 1952
para suprir as necessidades de financiamento a longo prazo da economia
brasileira, que nesses anos buscava modernizar a matriz industrial. Du-
rante seu primeiro período, a principal fonte de recursos do banco era o
imposto de renda, mas os fluxos monetários que recebia eram irregulares.
Para resolver esta situação, a Constituição de 1988 criou o FAT e deter-
minou que 60% da arrecadação do Programa de Integração Social e do
Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS-Pasep)
fossem destinados ao seguro-desemprego e 40% ao BNDES para financiar
programas de desenvolvimento.45 Entretanto, como o gasto com seguro-
desemprego era menor que a porcentagem decidida constitucionalmente,
o FAT teve excedentes que transferiu ao BNDES como Depósitos Especiais,
o que o levou a aumentar o volume das contribuições realizadas.
O FAT funciona na órbita do Ministério do Trabalho e do Emprego e
está dirigido por um Conselho Deliberativo de caráter tripartite e pari-

45
Vivian Machado dos Santos, “Por dentro do FAT”, Revista do BNDES, n. 26, Rio de
Janeiro, dezembro de 2006, p. 3-14.

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64 brasil potência

tário, integrado por representantes do governo, dos trabalhadores e dos


empregadores: quatro sindicalistas, quatro empresários e os ministérios
do Trabalho, Previdência Social e Agricultura, além de um membro do
BNDES. Uma das funções do Conselho é elaborar propostas para investir
os enormes recursos do FAT. Também há representantes sindicais na di-
reção do BNDES.
Os recursos do FAT no BNDES cresceram de 2% em 1989 a 40% em
1999. Por isso, é considerado “o maior financiador de capital a longo prazo
no país”.46 Até 2006, o FAT era responsável por 67% dos desembolsos do
BNDES, que cresceram de 11 bilhões de dólares em 1997 a mais de 100
bilhões em 2010.47 Essa cifra dá uma ideia da importância do BNDES, con-
vertido no principal banco de fomento do mundo e na instituição capaz
de orientar a economia do Brasil na direção que o governo pretender. Nos
seus primeiros anos, o BNDES foi um agente decisivo na construção da in-
fraestrutura do país: na década de 1970, “foi responsável pela maturidade
da indústria de bens de capital”; na década de 1980 cumpriu um papel na
hora de salvar empresas em crise, e na década de 1990 “atuou operando e
financiando as privatizações”.48 Durante o primeiro governo Lula, o ban-
co se orientou em promover as exportações para depois se concentrar no
financiamento da infraestrutura e na reestruturação do capitalismo bra-
sileiro.
A transferência de fundos do FAT ao BNDES não deixou de crescer ape-
sar dos gastos maiores que o fundo tem no pagamento do seguro-desem-
prego. Não obstante, continua sendo de longe a principal fonte de renda do
BNDES, que nesta etapa possui várias fontes alternativas de captação de
recursos. De 2001 a 2008, as contribuições do FAT ao BNDES passaram de
49 bilhões de reais a 116 bilhões, quase 70 bilhões de dólares a mais, repre-
sentando aproximadamente a metade da receita do banco.49
Para se ter uma noção do lugar físico e simbólico que ocupam os sin-
dicalistas, deve se levar em conta que os investimentos do BNDES repre-

46
Francisco de Oliveira, Crítica à razão dualista. O ornitorrinco, op. cit., p. 146.
47
“Evolução do desembolso do BNDES”, em BNDES, <http://www.bndes.gov.br/SiteBN-
DES/bndes/bndes_pt/Institucional/Relacao_Com_Investidores/Desempenho/#desem-
bolso2010>. (Consulta 25/12/2011.)
48
“As finanças do BNDES: evolução recente em tendências”, em Revista do BNDES, Rio de
Janeiro, n. 31, junho 2009, p. 4.
49
Ibid., p. 37.

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A ampliação da elite no poder 65

sentam ao redor de 7% do PIB do Brasil, o que lhe outorga a capacidade de


orientar a economia. O BNDES possui investimentos em várias empresas,
em geral como sócio minoritário, mas com a possibilidade de um repre-
sentante com assento nos conselhos diretivos. É sócio da Petrobras e da
Vale, duas empresas estratégicas para o Brasil: a quarta maior petroleira do
mundo, empresa que assegura a soberania energética do país e a segunda
maior mineradora do planeta. Mas também tem presença no Banco do
Brasil, que figura entre os dez bancos mais importantes do mundo. Assim
como o BNDES cumpriu um papel importante nas privatizações da déca-
da de 1990, promovidas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso,
agora financia fusões de grandes empresas brasileiras para lançá-las no
mercado global em condições de competir com as maiores multinacionais
e ainda é o principal financiador do projeto de integração da infraestrutu-
ra regional, a Iirsa.
Outro lugar onde os sindicalistas, particularmente os oriundos do setor
bancário, possuem uma presença preponderante é nos fundos de pensão
por capitalização, isto é, privados. A privatização do sistema de pensões
tem sido um dos principais responsáveis pelo enorme crescimento do setor
financeiro. Para se ter uma ideia da dimensão do negócio, calcula-se que
em todo mundo alcançaram um volume de 17 trilhões de dólares, entre
25% e 30% do PIB mundial em 2010. Os 300 maiores fundos de pensão do
mundo reúnem um patrimônio de 11 trilhões de dólares, similar ao PIB
dos Estados Unidos. Em alguns países, o patrimônio dos fundos de pensão
é superior ao PIB: na Holanda, a porcentagem é de 155% do PIB, a maior
do mundo; na Suíça é de 143%; no Reino Unido e nos Estados Unidos che-
gam a 72% do PIB.50
No Brasil, os fundos de pensão privados foram criados em 1977 pelo
regime militar para fomentar a poupança. Na década de 1990, algumas
empresas decretaram falência e os fundos foram utilizados para fomentar
as privatizações. Em 2001, sob o governo FHC, foi aprovada a Lei Com-
plementar 108, que democratizou a participação dos afiliados na adminis-
tração dos fundos, determinando que podiam participar de um terço dos
cargos dos conselhos deliberativos e fiscais e em 50% dos cargos caso o

50
Datos de Pensions & Investments, em: <www.pionline.com>.

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66 brasil potência

patrocinador seja uma empresa estatal ou municipal.51 Entretanto, essa lei


somente foi regulamentada em 2003 sob o governo Lula, que promoveu a
participação dos trabalhadores na direção dos fundos, considerados uma
maneira para moralizar, humanizar e domesticar o capitalismo.52
Em 2010, os fundos de pensão no Brasil alcançaram um patrimônio de
300 bilhões de dólares, 16% do PIB (similar ao PIB da Argentina), conver-
tendo-se nos maiores investidores institucionais do país.53 Desse ponto de
vista, têm uma importância ainda maior que o BNDES. Diferentes estudos
indicam que possuem ampla margem para crescer, ao ponto de se estimar
que em apenas dez anos chegarão a representar 40% do PIB.
O otimismo dos operadores dos fundos de pensão e do próprio governo
que os promove se baseia em dois elementos. Por um lado, a evolução regis-
trada nos últimos anos: das 323 entidades pensionistas existentes em 2003,
passaram a 372 em 2010; as empresas públicas ou privadas patrocinadoras
cresceram de 1.626 a 2.250 no mesmo período e os coletivos participantes
(sindicatos, cooperativas, associações profissionais) cresceram de sete em
2003 a 476 em 2010, dados que revelam a expansão do setor.54
Mas o dado mais eloquente, que fez parte de boa parte dos prognósticos
traçados pelos fundos de pensão para promover o crescimento, radica na
profunda mudança da estrutura social do país. Como pode se observar do
Quadro 1, em 2003 a maioria da população era pobre, pois tinha uma ren-
da familiar menor que três salários mínimos. Em 2010, as classes médias
(grupo C) aumentaram em 30 milhões de pessoas, chegando a 50% da po-
pulação; em 2014 se estima que chegarão a 56%, cerca de 113 milhões.55 Por
outro lado, os setores pobres chegariam a ser pela primeira vez na história
do Brasil, menos de um terço da população.

51
Maria Chaves Jardim, “Entre a solidariedade e o risco: sindicatos e fundos de pensão
em tempos do governo Lula”, Tese de Doutorado, Universidade Federal de São Carlos,
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, 2007, p. 60.
52
Ibid., p. 73.
53
“Fundos de pensão têm desafio de mudar cultura do brasileiro de não poupar”, Folha de
São Paulo, 17 de novembro de 2010.
54
Carlos de Paula, “O Cenário da Previdência Complementar Hoje e na Próxima Década”,
31º Congresso Brasileiro dos Fundos de Pensão, Previc (Superintendência Nacional da
Previdência Complementar, Olinda, 18 de novembro de 2010.
55
Carlos de Paula, “O Cenário da Previdência Complementar Hoje e na Próxima Década”,
op. cit.

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A ampliação da elite no poder 67

Quadro 1. Evolução das classes por renda 2003-2014 (% da população)

ANO A/B C D E TOTAL


2003 8 37 27 28 100
2009 11 50 24 15 100
2014 16 56 20 8 100

Fonte: FGV; IBGE.56

Estamos falando de mais de 50 milhões de pessoas que agora fazem


parte do consumo de massas. Uma parte delas é cliente potencial dos fun-
dos de pensão privados. Por isso, pode se dizer que a previsão de que os
fundos cheguem a 40% do PIB é realista. Justamente pelo apoio entusias-
mado que lhes brinda o governo, estão em condições de se converter no
motor da poupança e das finanças que contribuirão para o crescimento
econômico do país.
Entretanto, trata-se de um setor enormemente concentrado: dos 372
fundos de pensão que havia no final de 2010, somente um punhado con-
centra a maior parte dos recursos. Os dez maiores fundos reúnem cerca
de 175 bilhões de dólares, correspondente a 60% do total. Os três maio-
res concentram 45% do patrimônio total. Trata-se dos fundos de pensão
dos trabalhadores de três empresas estatais: Previ, dos funcionários do
Banco do Brasil, cujo capital estimado é de mais de 90 bilhões de dólares,
correspondente a 30% do patrimônio dos fundos de pensão do Brasil;
Petros, o fundo dos trabalhadores da Petrobras, o segundo mais impor-
tante com 31 bilhões de dólares; e Funcef, dos funcionários da Caixa
Econômica Federal, o terceiro com 26 bilhões de dólares.57 O Estado tem
acesso preferencial a essas quantias fabulosas. E os que estão melhor si-
tuados na direção desses fundos são os trabalhadores do Sindicato dos
Bancários de São Paulo.

56
A Fundação Getúlio Vargas (FGV) classifica a população por grupos de renda familiar:
as Classes A e B possuíam mais de R$4.891 mensais em 2010; a Classe C entre R$1.064
e R$4.891 reais; a Classe D entre R$768 e R$1.064 reais e a Classe E menos de R$768 por
família. O salário mínimo em 2010 era de R$510 reais, ou R$300 dólares (dólar aproxi-
mado: R$1,70).
57
Revista Previ, n. 53, Rio de Janeiro, Previ, agosto de 2010.

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Vejamos de perto o caso do Previ. Em agosto de 2010, estava colocado


em 25º lugar no ranking mundial dos fundos de pensão privados.58 É o
maior fundo da América Latina, e seu capital supera os PIBs do Uruguai,
do Paraguai e da Bolívia juntos. O Previ elege suas autoridades a cada dois
anos. A metade dos integrantes dos cargos de direção são eleitos pelos as-
sociados (na eleição realizada em maio de 2010 participaram 170 mil pes-
soas), e a outra metade é eleita pelo próprio Banco do Brasil.

Quadro 2. Dez principais fundos de pensão em 2010

ENTIDADE EMPRESA INVESTIMENTO* ATIVOS ASSISTIDOS


PREVI Pública Fed. 90.880.000.000 94.5145 87.180
PETROS Pública Fed. 31.171.000.000 89.388 55.631
FUNCEF Pública Fed. 26.200.000.000 78.516 32.990
CESP Privada 11.176.000.000 15.936 29.897
VALIA Privada 8.241.000.000 58.295 21.292
ITAUBANCO Privada 7.102.000.000 26.924 7.264
SISTEL Privada 6.850.000.000 1.849 26.088
BANESPREV Privada 5.848.000.000 4.720 22.793
FOLRUZ Pública Est. 5.370.000.000 9.258 12.030
REAL GRANDEZA Pública Fed. 5.130.000.000 5.720 6.703

Fonte: Petros.
*Dólares em outubro de 2011.

Se observarmos a integração dos cinco órgãos de direção do mais impor-


tante dos fundos, o Previ, aparece de modo transparente a importância do
sindicato dos bancários. A Direção Executiva está integrada por cinco mem-
bros, dois dos quais são oriundos do Sindicato dos Bancários de São Paulo.
Dos doze membros do Conselho Deliberativo, três procedem do sindicato
bancário, assim como dois dos oito integrantes do Conselho Fiscal. Nos ou-
tros dois conselhos executivos, o sindicato possui mais seis membros. No
total, de 50 cargos executivos, 13 provêm do sindicato. Como os demais di-

58
Revista Previ, n. 53, Rio de Janeiro, Previ, agosto de 2010.

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A ampliação da elite no poder 69

retores são nomeados pelo banco, que logicamente corresponde ao governo


federal, a hegemonia do PT na direção dos fundos de pensão das empresas
estatais é arrasadora.59 Interessa-me destacar que esses treze executivos do
fundo de pensão Previ têm em suas mãos a decisão sobre como utilizar mi-
lhões e milhões de dólares, a quem emprestá-los e em que condições, onde e
como investi-los. A propósito, o Previ não é exceção. No Petros, o fundo de
pensão da Petrobras, três dos quatro principais cargos provêm do sindicato.
O estudo de Maria Celina d´Araújo sobre a elite do governo Lula chega
a conclusões similares. Entre 1999 e 2008, dos 86 dirigentes executivos e do
conselho fiscal dos três principais fundos identificados pela pesquisa (de um
total de 143), somente dez eram mulheres; 50% das direções do Previ e do
Petros, assim como 40% do Funcef participam do sindicato, uma porcenta-
gem ainda maior que os membros do DAS detalhados anteriormente.60 Vale
destacar que já durante o segundo governo FHC (1999-2002), 41.2% dos car-
gos diretivos desses três fundos pertenciam a sindicatos, mas a porcentagem
cresceu nos dois governos Lula: no primeiro mandato (2003-2006), passou a
51,3%, e no segundo (2007-2010) alcança a incrível marca de 66,6%.61 É o que
se chama de hegemonia absoluta.
Estima-se que entre todos os fundos haveria cerca de oito mil cargos
executivos, dos quais a metade é eleita, com rendas mensais entre 12 e 18
mil dólares em média.62 Obviamente, nem todos eles pertencem a sindi-
catos, mas uma boa porção, talvez mil ou dois mil, com muita presença
nos fundos de empresas estatais, que são as maiores. Não é estranho que
nas empresas estatais haja uma briga severa para colocar pessoas afins nos
cargos de direção dos fundos. Em 2010, o PT controlava 15 fundos, entre
eles o Previ, Petros e Funcef, enquanto o PMDB controlava oito e o PSDB
somente um entre as empresas estatais.63 Dos dez maiores fundos de pen-
são, o PT controlava seis.64
Os fundos de pensão investem em toda a economia, incluindo as empre-
sas privadas. Levando em conta o BNDES e os fundos de pensão estatais, o

59
Revista Previ, n. 51, Rio de Janeiro, Previ, junho de 2010.
60
D´Araújo, Maria Celina, A elite dirigente do governo Lula, op. cit., p. 74-76.
61
Ibid., p. 76.
62
“PT e PMDB querem manter domino em fundo de pensão”, Jornal DCI, em: <http://
www.prevhab.com.br/stPublicacoes.aspx?secao=0&item=587>. (Consulta 29/05/2011.)
63
Ibid.
64
Revista Veja, 4 de março de 2009.

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70 brasil potência

alcance do governo chega a 119 grandes empresas privadas.65 O Previ, por


exemplo, pode nomear o presidente da Vale, apesar de ser uma empresa
privada, já que é o principal investidor da multinacional juntamente com
Petros e Funcef. Sérgio Rosa foi diretor do Previ durante oito anos e tam-
bém presidiu o conselho de administração da Vale, até que ambos os cargos
foram ocupados por Ricardo Flores, nomeado pelo PT.66 O Previ é o prin-
cipal investidor no mercado de capitais no Brasil e tem participação acio-
nária nas maiores empresas: além da Vale, figura na Embraer, Petrobras, os
bancos Itaú-Unibanco e Bradesco, Ambev, Usiminas, Gerdau, Neoenergia,
CPFL e a empresa de telefonia Oi, além de se estender ao setor imobiliário,
tendo investimentos em 14 shopping centers.67 O Petros, por sua vez, possui
investimentos na ordem de 1,5 bilhões de dólares no Itaú-Unibanco, corres-
pondente a 11% do capital votante e possui ações na Petrobras, Vale e Oi.68
O Previ participa de 70 empresas nas quais tem a faculdade de nome-
ar um total de 285 conselheiros. Algumas delas são verdadeiras multina-
cionais: na Brasil Foods, a segunda empresa alimentícia do país, o Previ
tem 15% da propriedade; na CPFL, a distribuidora de energia de São Paulo,
31%; na Embraer, a terceira empresa aeronáutica do mundo, tem 14% das
ações e na Vale, a segundo mineradora do planeta, investiu 18 bilhões de
dólares, além de controlar a Valepar, principal acionista da empresa.69 Este
caso é o melhor exemplo da capacidade dos fundos de controlar inclusive a
maior empresa privada do país. A Valepar possui 53,3% do capital com di-
reito a voto na Vale e 33,6% do capital total. Mas a Valepar está controlada
pelos fundos de pensão, já que o Previ possui 49% das ações e o BNDES 9%.
Isso permite que os fundos e o governo federal tomem decisões de peso em
uma multinacional privada.
Nos dois governos Lula, houve vários ministros e altos cargos que vi-
nham ao mesmo tempo do sindicalismo e dos fundos de pensão. Ricardo

65
“Estudo mostra que governo é sócio de 119 empresas”, Agencia Estado, 2 de dezembro de
2010, em: <http://economia.estadao.com.br/noticias/economia+geral,estudo-mostra-que-
governo-e-socio-de-119-empresas,45860,0.htm>. (Consulta 20/10/2011.)
66
“Fundo de pensão Previ acumulou, em 10 anos, rentabilidade de 553,35%”, Valor, 19 de
maio de 2010.
67
Diário do Grande ABC, 30 de novembro de 2010.
68
“Fundo de pensão da Petrobras vira sócio da controladora de Itaú”, Folha de São Paulo,
26 de novembro de 2010.
69
“O PT e os fundos de pensão”, revista Piauí, n. 35, agosto de 2009.

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A ampliação da elite no poder 71

Berzoini foi ministro da Previdência Social e depois do Trabalho, e tam-


bém presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo. Luiz Gushiken
ocupou a Secretaria de Comunicações da Presidência e também o Sindi-
cato dos Bancários de São Paulo, além de ter uma consultora de fundos de
pensão. José Sasseron foi presidente da Anapar e dirigente do Sindicato
dos Bancários de São Paulo. Wagner Pinheiro dirigiu o Petros e o sindicato
bancário. Sérgio Rosa ocupou a presidência do Previ e da Confederação
Nacional dos Bancários. Guilherme Lacerda presidiu o Funcef e participou
da fundação da CUT.70
Seria preciso agregar a esse conjunto de cargos outros ministros que da
mesma forma são oriundos do sindicalismo: Olivio Dutra, ministro das
Cidades, que presidiu o Sindicato dos Bancários do Rio Grande do Sul; Ja-
cques Wagner, que ocupou o cargo de ministro do Conselho de Desenvol-
vimento Econômico e a presidência do Sindiquímica; Miguel Rosseto, que
foi ministro de Desenvolvimento Agrário e dirigiu o sindicato do pólo pe-
troquímico do Rio Grande do Sul; Humberto Costa, que se desempenhou
como ministro da Saúde e como secretário do Sindicato de Médicos do
Pernambuco; Luiz Dulci, que foi secretário-geral da Previdência e presi-
dente do Sindicato dos Trabalhadores de Ensino de Minas Gerais; Marina
Silva, ex-ministra do Meio Ambiente e fundadora da CUT no Acre; Os-
valdo Braga, que ocupou o cargo de secretário nacional do Trabalho e de
diretor do Sindicato Metalúrgico de São Bernardo do Campo; e Antonio
Palocci, que foi ministro da Fazenda e diretor do Sindicato dos Médicos
de São Paulo.71
A tese de doutorado de Maria Chaves Jardim é o trabalho mais com-
pleto sobre a relação entre sindicalistas e fundos de pensão. Indica que
“os postos-chave do mercado financeiro, como os bancos e a direção dos
fundos de pensão foram ocupados parcialmente por ex-sindicalistas com
trajetória em fundos de pensão”, o que mostra sua capacidade de se aproxi-
mar do mercado financeiro graças “ao capital simbólico e social acumula-
do, resultado das interações anteriores com o setor dos fundos”.72 Essa con-
fluência não foi um processo casual, mas intencional, desejado e planejado.

70
Maria Chaves Jardim, “Entre a solidariedade e o risco: sindicatos e fundos de pensão em
tempos do governo Lula”, op. cit., p. 172-173.
71
Ibid., p. 171-172.
72
Ibid., p. 173.

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72 brasil potência

Os sindicatos dos bancários, dos eletricistas, telefônicos, dos petroleiros e


alguns de metalúrgicos reivindicaram a criação de fundos de pensão pri-
vados para seus afiliados e a participação ativa na sua gestão. Em três dé-
cadas, em vez de oferecer os serviços tradicionais aos seus afiliados, esses
sindicatos passaram a ofertar serviços financeiros, o que Jardim considera
“uma estratégia inédita”.73
Entre 2000 e 2003, aparecem na CUT cursos de formação nos quais se
esboçam os primeiros argumentos ao redor da gestão de fundos. No curso
“Previdência Complementar e Regime Próprio”, participam cerca de mil
sindicalistas por ano. Seu objetivo é difundir os fundos entre as bases dos
sindicatos, uma mudança de atitudes dos dirigentes em direção ao merca-
do financeiro que teria sido produzida na metade da década de 1990.74 Em
2002, Gushiken defendia uma tese curiosa, embora rapidamente adotada
pelo movimento sindical, na qual assegura que “os fundos de pensão aca-
bam assumindo importância estratégica na luta contra o próprio processo
de financeirização da economia mundial”, enquanto membros do Sindi-
cato de Bancários de Campinas indicavam que “é muito positivo que o
sindicato dialogue com o mercado financeiro e tente se infiltrar porque os
tempos mudaram”.75
Talvez o momento culminante desse processo tenha sido a decisão de
fazer entrar um sindicalista no conselho da Bolsa de Valores de São Paulo
(Bovespa), o que implicou a incorporação dos conceitos da agenda eco-
nômica de mercado. O mencionado curso da CUT enfatiza os seguintes
aspectos: que os recursos dos trabalhadores sejam geridos por eles mes-
mos, que isso seja feito baseado em uma “cultura da prudência e não da
agressividade típica do perfil capitalista”, que os fundos sejam investidos
no progresso social e que o poder dos fundos beneficie os trabalhadores.76
A formação de uma elite sindical vinculada aos fundos de pensão foi
um processo iniciado na década de 1990 e que se acelerou durante os dois
governos Lula. A vitória eleitoral de Lula foi possível graças ao apoio dessa
elite em formação. Um bom exemplo disso é a Carta de Brasília, um ma-

73
Ibid., p. 189.
74
Ibid,. p. 192.
75
Citados por Maria Chaves Jardim, “Entre a solidariedade e o risco: sindicatos e fundos
de pensão em tempos do governo Lula”, op. cit., p. 197.
76
Ibid., p. 237.

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A ampliação da elite no poder 73

nifesto emitido em 17 de outubro de 2002 por 193 dirigentes eleitos em 39


fundos que, segundo indica o texto, “administram recursos da ordem de
90 bilhões de dólares”.77 Entre os assinantes, destacam-se presidentes, di-
retores e conselheiros dos principais fundos de pensão estatais e privados,
além do presidente da associação de usuários José Ricardo Sasseron. O
manifesto sustenta que “os fundos de pensão representam uma opção só-
lida e viável para a complementação das aposentadorias e para a formação
de uma poupança a longo prazo” e postula que Lula é o candidato que se
comprometeu “com o pleno desenvolvimento desse sistema, com sua de-
mocratização e com os direitos dos participantes”.
Por outro lado, a chegada de Lula ao governo institucionalizou os fun-
dos de pensão para conseguir recursos com o fim de acelerar o crescimen-
to da economia e, como veremos em breve, como estratégia de inclusão
social e de moralização do capitalismo. A elite que surge dessa tendência
dupla, resumida na confluência do Estado com o mercado financeiro foi
definida na pesquisa de Jardim como

oriundos do setor bancário de São Paulo e que fazem parte do núcleo de-
cisório das políticas do PT; passaram pela Fundação Getúlio Vargas de
São Paulo, são de classe média, sexo masculino, brancos e heterossexu-
ais. Mulheres, negros ou índios não existem neste espaço social, onde, da
mesma forma, a regra da “boa etiqueta” não abre espaços para “posturas
desviadas” como a homossexualidade.78

A participação da maior parte dessa nova elite no ambiente da Fundação


Getúlio Vargas e do Sindicato dos Bancários de São Paulo lhes permitiu a
socialização em ambientes nos quais compartilham códigos acerca do papel
dos fundos de pensão. Paralelamente, os sindicalistas interessados nos fun-
dos de pensão começam a frequentar ambientes empresariais, realizam lei-
turas e cursos relacionados com o assunto e elaboram um discurso diferente
do tradicional no âmbito sindical. São Paulo é o epicentro desse movimento,

77
“Dirigentes eleitos de fundos de pensão apoiam Lula” em: Associação Nacional dos Par-
ticipantes de Fundos de Pensão, <http://www.anapar.com.br/boletins/boletim_66.htm>.
(Consulta 10/01/2013).
78
Maria Chaves Jardim, “Entre a solidariedade e o risco: sindicatos e fundos de pensão em
tempos do governo Lula”, op. cit., p. 248-249.

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74 brasil potência

já que nesse estado se concentram 163 dos 370 fundos de pensão, sendo tam-
bém o lugar onde surgiram a CUT e o novo sindicalismo brasileiro.
Para finalizar a descrição dessa elite, veremos brevemente algumas bio-
grafias pessoais. Antes de ser ministro de Lula, Luiz Gushiken era sócio
da empresa consultora Global Prev (ex-Gushiken & Associados), e como
deputado foi sempre a referência do PT na área das aposentadorias. For-
mou-se na Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio
Vargas, junto com Ricardo Berzoini. Gushiken indicou vários nomes para
o primeiro gabinete de Lula, sendo o responsável pela nominação dos pre-
sidentes dos três maiores fundos: Previ, Petros e Funcef. São eles, respec-
tivamente, Sérgio Rosa, com quem tinha compartilhado o sindicato ban-
cário, Wagner Pinheiro, com quem, além do sindicato, dividiu a área do
programa para a candidatura de Lula em 2002 e, finalmente, Guilherme
Lacerda, que foi assessor econômico do PT desde 1998.79
Ricardo Berzoini foi deputado do PT, dirigente bancário e trabalhou
juntamente com Gushiken em campanhas e lobbies para a aprovação de
leis a favor dos fundos de pensão. No primeiro governo Lula, foi ministro
da Previdência e depois do Trabalho. Devido ao escândalo do mensalão,
deixou o cargo e passou a ocupar a Secretaria-Geral do PT. O advogado
Adacir Reis completa o trio das pessoas mais influentes sobre os fundos.
Amigo de Gushiken, liderou a Secretaria da Previdência Complementar
(fundos de pensão) durante o primeiro governo Lula e é conhecido como
“guardião” dos fundos, com grande influência sobre a associação de enti-
dades de fundos (Abrapp) e dos usuários (Anapar). Diferentemente dos
anteriores, Reis não é oriundo do meio sindical tendo feito carreira como
operador de primeiro nível dos próprios fundos.
O caso de Wagner Pinheiro é parcialmente diferente, pois procede do
Banco Santander, onde trabalhou como economista, tendo sido diretor e
presidente do fundo de pensões desse banco (Banesprev), o sétimo fundo
em volume de ativos, ascendendo a seis bilhões de dólares. Sob o governo
Lula, presidiu o fundo da Petrobras (Petros), o segundo do ranking.
Sérgio Rosa é um dos casos mais notáveis, segundo revela a pesquisa
da revista Piauí. Seu pai chegou de Portugal com 14 irmãos para trabalhar

Ibid., p. 252-254. Todos os dados a continuação sobre a elite dos fundos provêm do mes-
79

mo trabalho, p. 254-260.

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A ampliação da elite no poder 75

em um açougue em São Paulo. Aos 13 anos, começou a desossar carne, na


adolescência vendia livros batendo em portas de casas e posteriormente
integrou a Organização Socialista Internacionalista, um grupo trotskista
clandestino, onde conheceu Luiz Gushiken, que integrava o comitê central,
além de Antonio Palocci, entre outros. Em 1980, entrou no Banco do Brasil
por concurso, onde conheceu Berzoini. O grupo liderado por Gushiken se
vinculou ao setor majoritário do PT, chamado Articulação, ao qual perten-
ciam Lula e José Dirceu. De 2003 a 2010, Rosa dirigiu o fundo de pensões
mais importante da América Latina e o 25º do mundo. Segundo o próprio
Rosa, “os fundos entraram no projeto de poder que a Articulação dese-
nhou em 1992, quando o grupo percebeu que a batalha pelo poder, dentro
ou fora do partido, não poderia ser vencido só ideologicamente. Que par-
tido não gostaria de ter acesso a esse caixa milionário?”.80
Os sindicatos e as centrais sindicais realizaram cursos de formação, fre-
quentemente com profissionais da empresa de Gushiken ou com membros
de centros como o Instituto Ethos (dedicado à responsabilidade social em-
presarial) ou o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Em 2003,
a Anapar organizou um curso com a empresa Global Prev de Gushiken,
que contou com a participação do sindicato estadunidense AFL-CIO.81 O
Sindicato dos Bancários de São Paulo possui um Centro de Formação Pro-
fissional em vias de se transformar na Faculdade dos Bancários, ditando
sete cursos anuais. Um deles se intitula “Gestão empresarial sob um olhar
financeiro” e está dirigido, segundo o próprio sindicato, a “empresários,
assessores, analistas financeiros, gerentes, investidores, administradores,
executivos, ou seja, pessoas empreendedoras”.82
Essa nova elite, como não poderia ser de outra maneira, não somente
participa desse tipo de cursos, mas se socializa em espaços distintos aos
dos trabalhadores, frequenta coquetéis, festas e congressos nos finais de
semana em hotéis-fazenda de luxo, eventos que se tornam “rituais de au-
tolegitimação”.83

80
“O PT e os fundos de pensão”, revista Piauí, n. 35, agosto de 2009.
81
Ibid., p. 266.
82
Sindicato dos Bancários: <http://www.spbancarios.com.br/profissionalcursos.asp?c=9>.
(Consulta 14/03/2011).
83
Maria Chaves Jardim, “Entre a solidariedade e o risco: sindicatos e fundos de pensão em
tempos do governo Lula”, op. cit., p. 265.

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76 brasil potência

Nova classe ou capitalismo sindical?

Sobre essa elite sindical e a sua participação em altas esferas do governo e


nos fundos de pensão existe um debate em curso que tenta explicar a emer-
gência do novo ator. Vamos repassar brevemente alguns dos argumentos
esgrimidos, começando com a posição do governo Lula e do movimento
sindical.
O programa de governo do PT na campanha eleitoral de 2002 argu-
mentava que os fundos de pensão são um “poderoso instrumento de for-
talecimento do mercado interno e uma forma de poupança a longo prazo
para o crescimento do país”.84 Até aqui, trata-se de um argumento clássico
e, em última instância, razoável. Não obstante, aparece uma tese que faz
referência aos fundos de pensão como uma nova estratégia destinada a
controlar o capitalismo e a moralizá-lo. Trata-se de uma virada que leva a
direção do PT e os sindicalistas vinculados aos fundos de pensão a pensa-
rem no futuro do país por intermédio do mercado e do sistema financeiro.
Nesse sentido, Lula se destacou por ter apostado nos fundos como cha-
ve para o desenvolvimento do país, mas também como eixo da integração
social. Pouco depois de assumir a presidência, os três principais fundos
(Previ, Petros e Funcef) convocaram o Seminário Internacional sobre Fun-
dos de Pensão, no Rio de Janeiro, nos dias 27 e 28 de maio. No discurso que
encerrou o evento, Lula chamou os sindicalistas a criar fundos de pensão
com o argumento da “utilização social” desses fundos.85 “Se não aumen-
tarmos a poupança, não haverá recursos para investimentos; se não houver
investimentos, não haverá crescimento econômico; se não houver cresci-
mento, não haverá criação de emprego; se não houver criação de emprego,
não haverá renda”.86
As tarefas que antes correspondiam ao Estado, agora são encarnadas
pelo mercado financeiro, que passa a ser chave para o sucesso de um go-
verno de esquerda. Adacir Reis, à época secretário da Previdência Comple-
mentar, garantiu nesse encontro que “os fundos de pensão formam parte
do projeto estratégico do presidente Luis Inácio Lula da Silva e têm um

84
“Programa do Governo do PT 2002”, citado em Maria Chaves Jardim, op. cit., p. 75.
85
Valor Econômico, 29 de maio de 2003, citado em Maria Chaves Jardim, op. cit., p. 163.
86
“Seminário Internacional sobre Fundos de Pensão”, em: <http://www.anapar.com.br/
boletins.php?id=113>. (Consulta 14/03/2011.)

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A ampliação da elite no poder 77

papel fundamental na reforma que busca iniciar um novo ciclo de cresci-


mento da poupança previdenciária no país”.87
Umas das intervenções mais interessantes nesse seminário, do qual
participou a cúpula dos fundos de pensão do Brasil, sindicalistas e autori-
dades vinculadas ao assunto, foi a de Oded Grajew, à época assessor espe-
cial de Lula. Grajew é empresário, foi presidente da Associação Brasileira
de Fabricantes de Brinquedos, além de fundar e presidir o Instituto Ethos
de Empresas e de Responsabilidade Social. É pós-graduado em adminis-
tração de empresas na Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, como boa
parte dos sindicalistas dos fundos de pensão. Grajew também é um dos
inspiradores do Fórum Social Mundial, o encontro de todos os movimen-
tos do mundo.
Grajew é um defensor da “responsabilidade empresarial” ou responsa-
bilidade social das empresas e considera que os fundos de pensão podem
ter um papel decisivo para dotar o capitalismo de “uma postura ética e de
uma visão social”, o que pode implicar uma virada no sistema e pode levar
o mercado financeiro a não se guiar exclusivamente por critérios de renta-
bilidade e segurança dos seus investidores.88
Defende que o Brasil se encontra em excelentes condições para se tor-
nar uma referência global nesse sentido. A maneira como Grajew defende
a “responsabilidade social” das empresas é, pelo menos, contraditória. Por
um lado, defende valores como o respeito dos direitos humanos e dos tra-
balhadores, o meio ambiente e a preocupação com “práticas de boa gover-
nança corporativa”. Ao mesmo tempo, indica que a responsabilidade so-
cial empresarial é um bom negócio, já que é “o único caminho para a sus-
tentabilidade a longo prazo dos lucros” porque “atraem e retêm talentos,
motivam seus funcionários, ganham a preferência dos consumidores e da
comunidade, ganham acesso a mercados, financiamento e investimentos
e correm menos riscos de acumular passivos ambientais, sociais e éticos”.89

87
Adacir Reis, intervenção no I Seminário Internacional sobre Fundos de Pensão,
em: <http://www.ancep.org.br/imprensa/materias/semin_inter.htm#6>. (Consulta
14/03/2011.)
88
Oded Grajew, intervenção no I Seminário Internacional sobre Fundos de Pensão, em:
<http://www.ancep.org.br/imprensa/materias/semin_inter.htm#6> (Consulta 14/03/2011.)
89
Entrevista a Oded Grajew, revista GV Executivo, São Paulo, Fundação Getúlio Var-
gas, São Paulo, v. 4, n. 1, fevereiro/abril, 2005, em: <http://rae.fgv.br/gv-executivo/vol-
4-num1-2005/oded-grajew>. (Consulta 9/06/2011.)

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Por outro lado, defende a proposta da inclusão social pela via do mer-
cado, na mesma direção que os gestores dos fundos de pensão e que o go-
verno do PT. Considera que foi a mobilização do terceiro setor e as ONGs,
baseadas nas orientações da responsabilidade social, que possibilitaram
avanços em matéria de direitos humanos, gênero, raça, infância e direitos
sociais por meio de “ações de solidariedade” e de “atender a emergência
social”. A responsabilidade social das empresas do setor financeiro radica
em escolher bem os investimentos: “o banco Itaú e o ABN Amro Real são
dois bons exemplos dessa nova atitude de mercado”, assegura Grajew.90
Esses pontos de vista são os que levam Jardim a considerar que o go-
verno Lula defende uma “domesticação” ou “moralização do capitalismo”,
concretizada na inclusão social via fundos de pensão:

Neste contexto, legitimar os fundos e deslegitimar o “capital selvagem” é


uma estratégia simbólica que consiste em distinguir atividades de inclu-
são social e atividades de especulação; entre os fundos de pensão do pas-
sado e os do presente. Consequentemente, os fundos de pensão ganham
legitimidade social sobre uma atividade puramente econômica.91

Mas, ao mesmo tempo, acredita que se trata de um discurso ambíguo,


pois os fundos de pensão do Brasil são os maiores compradores de títulos
da dívida pública: 63% dos investimentos dos fundos estão colocados em
renda fixa, isto é, fundos de dívida pública, o que os torna meros especu-
ladores e “usurários” do governo.92 O Brasil possui uma das taxas de juros
mais altas do mundo, o que contradiz tanto o discurso sobre o predomínio
do âmbito social sobre o econômico quanto a suposta prioridade do longo
prazo sobre o curto prazo. Trata-se, portanto, de uma virada que conduziu
à convergência de interesses com o capital financeiro e que se reflete em
um discurso que “levou o governo do PT, sindicatos e centrais sindicais a
agregar o conceito de ‘mercado’ ao seu tradicional discurso social”.93

90
Ibid.
91
Maria Chaves Jardim, “Domesticação e/ou Moralização do Capitalismo no Governo
Lula: Inclusão Social Via Mercado e Via Fundos de Pensão”, Dados, Rio de Janeiro, n. 1 ,
2009, p. 144.
92
Ibid., p. 150.
93
Ibid., p. 152.

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A ampliação da elite no poder 79

Não existe na esquerda um debate em profundidade sobre essas novas


realidades que em geral são abordadas com velhos conceitos, como coop-
tação ou traição, que não contribuem para a compreensão do fenômeno.
O crítico mais sólido sobre a participação dos sindicalistas na direção dos
fundos de pensão é o sociólogo Francisco de Oliveira. Na sua opinião, tra-
ta-se de “uma verdadeira nova classe social”, formada a partir do “controle
do acesso aos fundos públicos, do conhecimento do ‘mapa da mina’”.94 Sua
proposta de que estaríamos diante da conformação de uma nova classe
tem sido polêmica, e foi negada pelos sindicalistas. Sustenta que essa nova
classe, cujos destaques são pessoas como Gushiken e Berzoini, “tem uni-
dade de objetivos, formou-se no consenso ideológico sobre a nova função
do Estado, trabalha no interior do controle dos fundos estatais ou semies-
tatais e está no lugar que faz a ponte com o sistema financeiro”.95
Esse “núcleo duro do PT”, ou seja, “trabalhadores transformados em
operadores de fundos de pensão”, seria similar à classe nascida nos países
socialistas “a partir do controle do aparato produtivo estatal pela burocra-
cia”.96 Não se dedica a controlar os lucros da empresa privada, mas está lo-
calizada no lugar onde esses lucros são gerados, ou seja, nos fundos de pen-
são. A particularidade do caso brasileiro, segundo Francisco de Oliveira,
é que a acumulação financeira é registrada sobretudo no âmbito estatal.97
Agrega que o trabalhador que dirige fundos de pensão está dividido, mas
que sempre ganha seu lado financeiro, porque deve se comportar como
administrador dos fundos no final das contas.
Em trabalhos posteriores, Francisco de Oliveira repetiu mais ou menos
os mesmos argumentos, mas não aprofundou na análise e na descrição dessa
“nova classe”. Agregou que o controle do aparato estatal possibilitou que o
PT tivesse acesso aos fundos públicos, algo que parece evidente, empurrado
pelo crescimento do poder da burguesia e do enfraquecimento paralelo do
mundo do trabalho, que tinha dado vida à CUT e ao próprio PT, pelas polí-
ticas empresariais de cunho neoliberal que redundaram no desemprego, na
precarização, no trabalho informal e na reconversão massiva da indústria:

94
Francisco de Oliveira, Crítica à razão dualista. O ornitorrinco, op. cit., p. 147-148.
95
Ibid,. p. 148.
96
Ibid., p. 147.
97
Francisco de Oliveira, “O momento Lênin”, Novos Estudos, n. 75, São Paulo, Cebrap, p.
23-47, julho 2006.

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80 brasil potência

Sob condições de decomposição da sua base classista, o simétrico cresci-


mento do poder de classe não unificável da burguesia e o predomínio em
seu interior da “nova classe” dos administradores dos fundos de pensão, o
PT respondeu com sua própria estatização, que ganhou a forma de ocu-
pação dos cargos e funções do governo para justamente processar o aces-
so aos fundos públicos. É a substituição da política pela administração, a
impossibilidade da política, que é dissenso, escolha, opção, dentro de um
conjunto de determinações.98

Pelo contrário, Jardim considera dois argumentos que problematizam


o nascimento de uma “nova classe” associada aos fundos de pensão. Pri-
meiramente, retoma a opinião de Gushiken de que no Brasil são poucos
os sindicatos que se envolvem ativamente nas eleições dos conselhos dos
fundos de pensão.99 Em segundo lugar, questiona o poder e a capacidade
dos sindicalistas eleitos para os cargos diretivos dos fundos de influir nas
decisões e sugere que “no espaço financeiro, os sindicalistas não conse-
guem impor expressamente sua voz” e que “o poder de negociação dos
sindicalistas na mesa dos empresários é limitado”.100 Diferentemente de
Francisco de Oliveira, crê que o envolvimento dos sindicalistas nos fundos
de pensão não está orientado por interesses econômicos e que se trata de
estratégias de caráter político voltadas mais para o interior do mundo sin-
dical que para o exterior.101
Sua tese, publicada em 2007, recolhe dados dos anos anteriores, e é mui-
to provável que o processo tenha se aprofundado. Pelo menos em um pon-
to, aparecem diferenças notáveis: um mapeamento mínimo realizado em
alguns fundos de pensão, como Petros e Previ, permite concluir que a pre-
sença de sindicalistas em conselhos deliberativos e fiscais, assim como nas
direções executivas, é suficientemente importante para influir nas decisões
em aliança com o governo federal. De fato, os fundos cumpriram um papel
relevante na orientação política e econômica desenhada pelo governo Lula.
Este dado também é destacado pelo estudo de d´Araújo.

98
Ibid., p. 40-41.
99
Maria Chaves Jardim, “Entre a solidariedade e o risco: sindicatos e fundos de pensão em
tempos do governo Lula”, op. cit., p. 223.
100
Ibid., p. 214-215.
101
Ibid., p. 217.

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A ampliação da elite no poder 81

Finalmente, no livro Capitalismo sindical, João Bernardo e Luciano Pe-


reira defendem que na transformação dos sindicatos em investidores capi-
talistas se registra outra modalidade de apropriação como a que realizam
os gestores ou a tecnoburocracia: “ao contrário dos burgueses que se apo-
deram do capital mediante garantias jurídicas da propriedade individual e
da transmissão dos bens por meio da herança, os gestores se apoderam co-
letivamente do capital graças a um mecanismo de caráter mais sociológico
que jurídico”.102 Esta opinião, que se vincula à experiência do socialismo
real, onde não existia a propriedade privada dos meios de produção, mas
sim uma burocracia estatal que os geria para benefício próprio, conside-
ra que o controle da economia disfarçado sob a forma de remuneração
garante a esses gestores a posse efetiva do capital. Como consequência, o
desenvolvimento do capitalismo teria provocado a existência de uma clas-
se trabalhadora e de duas classes capitalistas: a burguesia e os gestores.103
Acredito que ainda faltam pesquisas mais profundas antes de se pro-
nunciar acerca do processo de formação ou da formação já consolidada de
uma nova classe social ao redor da gestão dos fundos de pensão. De qual-
quer forma, não seria conveniente reproduzir as velhas divisões geradas no
movimento revolucionário entre quem pensava que na URSS teria surgido
uma nova burguesia e quem acreditava que se tratava de uma burocracia
no poder.
Porém, pode se afirmar que existe uma nova elite no poder estatal a
partir do qual lida com aspectos importantes da economia, como veremos
nos capítulos seguintes. Nesse sentido, os fundos de pensão são uma sólida
ferramenta nas mãos dessa elite que lhes permite controlar nada menos
que 16% do PIB do Brasil, ao que devemos somar os fundos do BNDES,
que contribuem para a promoção da reestruturação do capitalismo bra-
sileiro, para a realização de grandes investimentos em infraestrutura na
América do Sul e para a projeção das multinacionais locais competir em
boas condições com outras multinacionais do mundo.
A maior parte dos analistas brasileiros concorda que a década de 1950
foi decisiva para a formação de uma burguesia industrial que modificou a
fisionomia do país. Mas essa burguesia adquiriu consciência dos seus in-

102
João Bernardo e Luciano Pereira, Capitalismo sindical. São Paulo: Xamã, 2008. p. 13.
103
Ibid., p. 14.

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teresses como classe nacional em contato direto com a Escola Superior de


Guerra (ESG), criada em 1949 como um instituto de estudos de política e
de estratégia vinculado ao Ministério da Defesa. Assim como a burguesia
industrial se focava na acumulação de capital por reprodução ampliada,
isto é, por meio da reprodução industrial, a ESG se tornou a principal fon-
te de reflexão estratégica e, segundo Severino Cabral, “desempenhou um
papel central na cultura política brasileira contemporânea”.104
A princípio, ambas vertentes podem ser consideradas complementárias,
mas de fato ocorreu uma potente interação, já que boa parte dos quadros
da burguesia participou dos cursos da ESG e foi adotando seus pontos de
vista sobre o papel que o Brasil deveria cumprir no mundo. Parece um fato
incontestável que o desenvolvimento econômico de um país do tamanho e
com as riquezas do Brasil o levam naturalmente a se tornar uma potência
mundial, como antecipou Golbery do Couto e Silva ao defender que seu
país fosse “centro de poder autónomo e atuante no ecúmeno mundial”.105
O matrimônio entre desenvolvimentismo e nacionalismo, ou seja, entre
empresários e militares foi levando o país a construir uma política exterior
independente.106
Cinco décadas depois da criação do setor de dirigentes que levou o Bra-
sil a forjar sua base industrial, ao golpe de Estado de 1964 e a uma nova
ascensão econômica, produziu-se na primeira década do século XXI a am-
pliação da elite no poder. Gestores e sindicalistas de empresas estatais se
incrustaram nos espaços onde as decisões políticas são tomadas e estabele-
ceram relações de confiança tanto com militares quanto com empresários
brasileiros. Não creio que estejamos diante de uma nova classe no poder,
mas diante da gradual ampliação da velha elite que se sente revitalizada
com fortes injeções de capitais frescos e com projetos que atualizam o ve-
lho anseio da casta militar de converter o Brasil em potência global.

104
Severino Cabral, Brasil megaestado. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004. p. 30.
105
Ibid., p. 129.
106
Ibid., p. 49.

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CAPÍTULO 3

A construção de uma estratégia

Para a América do Sul, especialmente para o Brasil, o momento


atual é decisivo, embora o dilema seja sempre o mesmo:
enfrentar o desafio de realizar o potencial da sociedade
brasileira, superando suas extraordinárias disparidades e
vulnerabilidades pela execução árdua e persistente de um
projeto nacional consciente, num contexto de formação de um
pólo sul-americano não hegemônico em estreita aliança com
a Argentina ou então se incorporar de forma subordinada ao
sistema político norte-americano comandado pelos EUA.
Samuel Pinheiro Guimarães

Em sua intervenção no VII Encontro Nacional de Estudos Estratégicos, re-


alizado em novembro de 2007, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães
indicou que se fosse feita uma lista dos dez países de maior superfície, de
maior população e os de maior produção, só três, Estados Unidos, China
e Brasil, apareceriam em todas as três.1 Um país que está entre os mais
poderosos e ricos do mundo requer algum planejamento a longo prazo,
minimamente nas áreas nas quais o mercado não costuma intervir, como
a defesa e a tecnologia. O Brasil tem uma longa tradição de estudos e aná-
lises estratégicos e experiência quanto ao planejamento, mas agora conta
com a vontade daqueles que ocupam os escalões superiores da condução
estatal de definir seu caminho e transitá-lo para atingir os objetivos traça-
dos, que não podem ser outros que ocupam o lugar que lhe corresponde

1
Gabinete de Segurança Institucional, “Anais do VII Encontro Nacional de Estudos Estra-
tégicos”, Vol. 3, Brasília, 2008, p. 372.

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no mundo pelo seu tamanho, população e riqueza: ser uma das grandes
potências globais.
Com a chegada do PT e de Lula ao governo, foi ativado o Núcleo de
Assuntos Estratégicos da Presidência da República (NAE) na órbita da Se-
cretaria de Comunicação do Governo e de Gestão Estratégica. Na fase ini-
cial, o ministro foi Luiz Gushiken e o coordenador Glauco Arbix, estavam
à frente do principal centro de pesquisa (Ipea); o secretário executivo era
o coronel aposentado Oswaldo Oliva Neto. A secretaria não foi mais uma
dentro do governo, como mostrou sua evolução posterior transformando-
se em ministério, ou seja, na Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) em
2008, dirigida por alguns dos mais notáveis intelectuais do país, como Ro-
berto Mangabeira Unger e Samuel Pinheiro Guimarães. A criação do NAE
sob a direção Gushiken não foi uma decisão improvisada, como se conclui
a partir da breve, mas transcendente gestão que colocou o planejamento
brasileiro em um novo patamar.
Já na metade de 2004, apenas um ano depois de estabelecido, o NAE
publicava seu primeiro caderno, que avançava no primeiro esboço de pla-
nejamento estratégico de longa duração: Projeto Brasil 3 Tempos.2 Foi a
primeira definição da nova força política que tinha chegado ao governo de
mostrar que não só procurava ocupar o Palácio do Planalto, mas mudar
a história do Brasil. A partir desse momento, o NAE (depois ministério)
converteu-se numa fábrica de ideias, propostas e iniciativas que foram se-
guidas de ações que começaram a dar forma ao projeto de país que vinha
sendo desenhado. Alguns dos projetos mais notáveis impulsionados por
essa equipe são: a Estratégia Nacional de Defesa, que está inspirando a
reorganização e rearmamento das Forças Armadas com missões precisas,
além da consolidação de uma indústria de defesa tecnologicamente autô-
noma. O Projeto Brasil 3 Tempos: 2007, 2015, 2022, é o plano diretriz que
situa o país no caminho para se converter em potência global. Além dessas
propostas, pode ser somada uma infinidade de análises estratégicas, desde
a nano e a biotecnologia até os biocombustíveis e a mudança climática, que
contribuem de forma notável a nutrir as equipes de governo de argumen-
tos para a tomada de decisões de grande audácia.

2
Núcleo de Assuntos Estratégicos, “Projeto Brasil 3 Tempos”, Cadernos NAE, n. 1, Presi-
dência da República, julho de 2004, Brasília.

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A construção de uma estratégia 85

Transformar o Brasil em potência global implica percorrer em pouco


tempo um caminho duplo. Em termos internos, propiciar altas taxas de
crescimento econômico, superar a pobreza extrema e a desigualdade que
são um empecilho para o desenvolvimento, investir em infraestrutura,
educação, pesquisa em ciência e tecnologia, propiciar uma reestruturação
que projete as grandes empresas brasileiras como competidoras com as
grandes multinacionais, além de dispor de Forças Armadas capazes de dar
segurança a um país que será o quinto mais importante do mundo no final
dessa década. No cenário internacional, implica dotar-se de um conjunto
de alianças, na região sul-americana primeiro, com outros países do Sul e
também com os do Norte; assegurar uma presença marcante nos fóruns
internacionais, desenvolver um papel relevante no intercâmbio e no co-
mércio mundial, e ganhar legitimidade em todos os terrenos. Para atingir
objetivos tão ambiciosos, faz-se necessário sem dúvida um pensamento
estratégico.

Uma história de planos e de planejamento

Antes mesmo do governo desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek


(1956-1960), o país já tinha experimentado a necessidade de pôr em mar-
cha o planejamento de despesas e investimentos, planos centrados na
área da economia, para promover o crescimento sustentado. A criação da
Companhia Siderúrgica Nacional sob o Estado Novo de Getúlio Vargas,
em 1941, com uma grande fundição em Volta Redonda, produzindo aço
desde 1946, formou parte do empenho na industrialização do país que os
primeiros planos de desenvolvimento tinham como alvo central. Mas foi o
Plano de Metas do governo Kubitschek que marcou um ponto de inflexão,
já que concentrou a capacidade do Estado em estimular setores inteiros da
economia com o apoio do BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico) e do Conselho de Desenvolvimento da Presidência.
A ênfase foi colocada nas grandes obras de infraestrutura e na indús-
tria de base. O Plano compreendeu 30 metas organizadas por setores. Ao
desenvolvimento do setor energético destinou-se 44% dos investimentos
totais em obras para a produção de energia elétrica, nuclear e para produ-
ção e refinação de petróleo. O setor de transportes ficou com 30% dos in-
vestimentos, concentrados em rodovias, ferrovias e portos, enquanto 20%

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foram destinados às indústrias de base, sobretudo siderurgia, alumínio,


metais não ferrosos, cimento, celulose e papel. O crescimento teve uma
média de 7% anual entre 1957 e 1962, superando com acréscimo a média
de 5,2% dos períodos anteriores, com um pico de quase 11% em 1958, ano
em que a indústria cresceu 17%.
O Plano conseguiu acelerar o crescimento industrial, mas não se pro-
punha um desenvolvimento global do país e deixou como herança não
desejada um impulso inflacionário pela forte emissão monetária para fi-
nanciar as obras (entre as quais se destacou a construção de Brasília), o
que obrigou a adotar um programa de estabilização monetária em 1958.3
Um dos problemas que teve que enfrentar foi a oposição do governo dos
Estados Unidos, gerando problemas de financiamento externo.4 A admi-
nistração do presidente Dwight Eisenhower não respondeu ao chamado
do Plano de Metas para impulsionar o desenvolvimento industrial (que
buscava promover, em cinco anos de governo, 50 anos de progresso): a
Ford e a General Motors rejeitaram a instalação de fábricas no Brasil. Em-
bora Washington concedesse um empréstimo para ampliar a siderúrgica
de Volta Redonda, o incipiente programa nuclear do governo Kubitschek
provocou um forte enfrentamento entre ambos os países.5
O Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social elaborado
por Celso Furtado em apoio à gestão do governo de João Goulart (1963-
1964) foi o seguinte. Em 1962, durante a gestão de Furtado foi criado o
Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão, ocupado por Roberto
Campos durante a primeira etapa da ditadura militar. O Plano Trienal foi
negativamente impactado pela conjuntura política de grandes turbulên-
cias sociais e uma elevada inflação que atingiu 91% em 1964, ano do golpe
de Estado. Aparece aqui uma limitação quando projetos e planos de mais
fôlego foram postos em prática: sem um clima de estabilidade social, po-
lítica e econômica, os melhores programas não podem ser aplicados. Por
essa razão, o Núcleo de Assuntos Estratégicos conclui que a economia foi
vítima da política, já que “o processo inflacionário e as crises políticas (…)

3
Ibid., p. 87.
4
Alberto Moniz Bandeira, Presencia de Estados Unidos en Brasil. Buenos Aires: Corregi-
dor, 2010. p. 430.
5
Ibid., p. 431 e ss.

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A construção de uma estratégia 87

frustraram os objetivos desenvolvimentistas”.6 Com a perspectiva que o


tempo oferece, o NAE estima que além da estabilidade política, os planos
de desenvolvimento devem contemplar não só planejamento econômico,
mas “macro-setorial”, ou seja, devem considerar todas as variáveis, tanto
nacionais quanto internacionais.
Nesse sentido, outros analistas enfatizam o papel dos Estados Unidos e
do capital internacional como fator desestabilizador do desenvolvimento
nacional. Moniz Bandeira lembra que Kubitschek denunciou em 1959 “o
FMI e os inimigos do Brasil independente de tentar forçar uma capitu-
lação nacional, a fim de que a indústria caísse nas mãos estrangeiras”.7
Merece destaque que esse tipo de denúncias encontrou ouvidos receptivos
tanto no Clube Militar quanto na poderosa organização industrial paulista
(Fiesp). Na opinião de Moniz Bandeira, no começo da década de 1960 a
“crise de domínio de classe” que se traduziu numa crescente instabilidade
política favoreceu as tensões que se conjugaram no “impasse entre as cres-
centes necessidades do desenvolvimento brasileiro e os interesses domi-
nantes dos Estados Unidos”.8 A ingerência de Washington incluiu uma
“invasão silenciosa” de todo tipo de assessores, militares e civis, elevando
a cifra de entrada de cidadãos estadunidenses no Brasil a quase cinco mil
em 1962, traduzida no apoio a grupos paramilitares que a direita formava
nessa época.9
O regime militar de 1964 iniciou com um Plano de Ação Econômica
para atacar as causas estruturais da inflação, além das monetárias. Con-
seguiu reduzir a inflação de 91% em 1964 a 22% em 1968, redução menor
que a prevista, além de relançar o crescimento com taxas de quase 10% no
final da década, com um forte impulso da indústria que chegou a crescer
em torno de 15% anualmente.10 Com certeza, durante o regime militar
(1964-1985) o planejamento deu um salto qualitativo. Apesar do discur-
so anticomunista e contrário à intervenção do Estado na economia, todo
o período militar caracterizou-se por um forte intervencionismo estatal

6
Núcleo de Assuntos Estratégicos, Cadernos NAE, n. 1, op. cit., p. 88. Alberto Moniz Ban-
deira, Presencia de Estados Unidos en Brasil, op. cit, p. 453.
7
Alberto Moniz Bandeira, Presencia de Estados Unidos en Brasil, op. cit., p. 453.
8
Ibid., p. 499.
9
Mais detalhes sobre a participação dos Estados Unidos no golpe de 1964 em Moniz Ban-
deira, op. cit., p. 501-533.
10
Núcleo de Assuntos Estratégicos, Cadernos NAE, n. 1, op. cit., p. 92.

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que incluiu um sensível aumento dos impostos. “O modelo nunca foi um


protótipo de livre iniciativa”, apontou o NAE, já que recuperou a tradição
intervencionista que se delineia desde o período de Getúlio Vargas, com
grandes investimentos em infraestrutura.11
Na sua avaliação do planejamento durante o regime militar, o NAE va-
loriza, além dos sucessos em matéria econômica, a capacidade de ter efeti-
vado uma reforma do Estado nas áreas de planejamento e de impostos que
permitiram preparar as bases do crescimento, enquanto a aliança entre
militares, tecnocratas e diplomáticos deixou “marcas no funcionamento
posterior do Estado brasileiro, em especial no plano de carga fiscal e nas
responsabilidades indutoras, reguladoras e promotoras do desenvolvi-
mento”.12 Entre essas reformas de caráter estratégico que influenciam e
se mantém até o dia de hoje, destaca a criação em 1964 do Ipea (Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada),13 cuja missão é brindar suporte técnico
e institucional à formulação de políticas públicas e programas de desen-
volvimento. É uma instituição importante e de grande solidez, que desde
2007 está integrada ao Ministério de Assuntos Estratégicos da Presidência,
o principal centro brasileiro de pesquisa.
Mediante um conjunto de reformas administrativas, na qual o Decre-
to-lei 200 de 1967 foi uma das peças-chave, procedeu-se a consolidação
de uma nova forma de gestão pública que atribuiu às instituições de pla-
nejamento “uma grande parte da responsabilidade na condução de for-
ma relativamente autônoma, tendo como objetivo o aprofundamento do
processo de industrialização”.14 O Ipea elaborou o Plano Decenal de De-
senvolvimento Econômico e Social para o período 1967-1976 a pedido do
ministro de Planejamento Roberto Campos, que teve uma trajetória tão
notável quanto curiosa: sob o governo de Vargas, foi um dos criadores do
BNDE (sem o S de “social” naquele momento) e presidente da instituição
entre 1958 e 1959; com Kubitschek, teve uma importante participação no
Plano de Metas e depois foi ministro do governo militar, convertendo-se
em um dos artífices do planejamento. Liberal primeiro e neoliberal de-
pois, foi também um firme desenvolvimentista. Ao despedir-se do cargo

11
Ibid., p. 93.
12
Ibid., p. 94.
13
Criada como Oficina de Pesquisa, seu nome foi modificado em 1967 para o atual Ipea.
14
Núcleo de Assuntos Estratégicos, Cadernos NAE, n. 1, op. cit., p. 95.

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A construção de uma estratégia 89

em março de 1967, destacou as ideias-força que inspiraram sua gestão à


frente do planejamento:

Buscou-se formular una estratégia de desenvolvimento a longo prazo, para


escapar do hábito constante da improvisação imediatista, que sacrifica o
futuro ao presente, por não compreender o passado (…) O plano não é
um episódio, é um processo. Não é um decálogo, é um roteiro; não é uma
mordaça, mas uma inspiração: não é um exercício matemático, mas uma
aventura calculada. Planificar é disciplinar prioridades e prioridade signi-
fica postergar uma coisa em favor de outra.15

O IPEA conta com um Conselho de Orientação integrado por 20 perso-


nalidades, que resumem a história recente do país e que por sua diversida-
de encarnam o projeto de nação que defende o Estado. Ao lado do econo-
mista do PT Márcio Pochman, presidente do IPEA, figurava a prestigiosa
economista Maria da Conceição Tavares, também petista, Antonio Delfim
Neto, o mais prestigioso economista do regime militar, o engenheiro Eli-
ézer Batista da Silva, ex-presidente da mineradora estatal Vale do Rio Doce,
Rubens Ricupero, ministro da Fazenda em 1994 quando o Plano Real foi
implantado, o ensaísta Cândido Mendes de Almeida e Carlos Lessa, ex-
diretor do BNDES durante o primeiro governo Lula, entre outros. Quero
destacar que a integração do grupo assessor encarna as continuidades do
processo de planejamento no Brasil ao longo de quase meio século. A frase
de Campos citada acima pode ser sustentada pelos atuais altos cargos que
conduzem o destino do país.
Em 1972, iniciou-se o I Plano Nacional de Desenvolvimento que priori-
zou os grandes projetos de integração nacional em transportes e telecomu-
nicações, assim como os corredores de exportação. Em 1974, o II Plano foi
dedicado à expansão das indústrias de base como siderurgia e petroquí-
mica, procurando a autonomia nacional em insumos básicos. Esses dois
planos são hoje valorizados como “o ponto alto do planejamento governa-
mental no Brasil”, sendo mais extenso e intensivo que em qualquer outro
período histórico.16 Os próprios hierarcas do regime militar consideravam

15
Ibid., p. 96-97.
16
Ibid., p. 103.

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as empresas estatais como parte do arsenal das políticas do governo, o que


décadas mais tarde foi reativado pelo governo Lula. Entre as realizações
desse período, destacam-se a hidroelétrica de Itaipu, a rodovia Transama-
zônica, a ponte Rio-Niterói, a primeira central nuclear e um conjunto de
obras de infraestrutura, construção naval, extração de minerais e comu-
nicações.
O segundo Plano de Desenvolvimento, que se estendeu de 1974 a 1979,
“traçou o perfil do Brasil como uma grande potência emergente”, con-
vertendo-se na oitava economia do mundo.17 Isso foi possível devido ao
tipo de industrialização planejada, que deixou de ser focalizada nos bens
de consumo para realizar fortes investimentos em bens de capital, insu-
mos básicos como metais não ferrosos, minerais, agroquímicos e celulo-
se, além de infraestrutura energética. Porém, o segundo shock petroleiro
de 1979 e a crise da dívida em 1982 geraram turbulências econômicas
e políticas na etapa final da ditadura, com o crescimento de um vasto
movimento democrático; o conceito de planejamento começou a decair
abrindo um longo período de estancamento e inflação até o Plano Real,
de 1994. Uma vez freado o “milagre econômico”, abriu-se uma etapa na
qual apenas foram colocados em andamento planos de estabilização de
caráter conjuntural e defensivo, com o qual o conceito de planejamento
estratégico foi deixado de lado.
Para finalizar esta breve história dos planos de desenvolvimento, é inte-
ressante constatar a visão dos membros do NAE sob o governo Lula sobre
o Plano Real posto em marcha por Fernando Henrique Cardoso, o maior
inimigo político do PT. Reconhecem que “pela primeira vez em muitos
anos, atacou-se previamente as causas da inflação, principalmente o déficit
público, no lugar de tentar através dos mecanismos conhecidos (controle
dos preços e dos salários) simplesmente minimizar seus efeitos”.18 Segun-
do o NAE, isso permitiu não só a estabilidade econômica, mas também
“um retorno ao planejamento governamental”. Em 1998, o Ministério de
Assuntos Estratégicos da Presidência elaborou o projeto Brasil 2020, que se
limitava a desenhar cenários exploratórios para o futuro do país, plasma-

17
Ibid., p. 104.
18
Ibid., p.112

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A construção de uma estratégia 91

do no Cenário Diadorim, que buscou refletir “os desejos dominantes” na


sociedade brasileira sobre o futuro.19

Brasil em 3 Tempos: o país do Centenário

Ao apresentar o primeiro Caderno do NAE, em julho de 2004, o ministro


Luiz Gushiken estabeleceu que o objetivo da equipe nesse momento era
“articular a inteligência nacional para o tratamento de temas estratégicos
desenvolvendo atividades de informação, prospecção, análise e simulação”
com o objetivo de desenvolver um projeto de nação.20 O primeiro objetivo
traçado pelo Núcleo foi desenhar o Projeto Brasil 3 Tempos com planos de
18 anos, até 2022, com estágios intermediários em 2007 e 2015. Propunha-
se explicitamente superar a cilada do curto prazo e planejar o futuro do
país para no mínimo duas décadas.
A criação do NAE foi uma das primeiras decisões tomadas pelo go-
verno Lula pouco depois de assumir a presidência. O primeiro secretário
executivo foi Oswaldo Oliva Neto, irmão do senador Aloízio Mercadante,
quem teve um papel relevante no impulso inicial do Núcleo nas primeiras
e decisivas formulações. Mais à frente, veremos que depois de deixar o
NAE passou a ocupar outros cargos não menos importantes embora mais
discretos. O Projeto Brasil 3 Tempos, a primeira publicação do NAE, “ma-
terializa as concepções de um planejamento nacional a longo prazo”, como
apontou Oliva Neto.21 Em 2005, o NAE passou a integrar-se diretamente à
Presidência da República, e em 2008 foi criada a nova Secretaria de Assun-
tos Estratégicos (SAE).22 O Ipea passou a vincular-se à SAE, processo que
institucionalizou o planejamento estratégico em todas as áreas do governo.
Fruto de um importante trabalho de pesquisa e consulta, em 2008 foi
aprovado o Programa Nacional de Atividades Espaciais e o Plano Amazô-
nia Sustentável, articulando a estratégia para o desenvolvimento sustentá-

19
“Cenário Diadorim. Esboço de um Cenário Desejável para o Brasil. Projeto Brasil 2020”,
Revista Parcerias Estratégicas, Brasília, Secretaria de Assuntos Estratégicos, n. 6, março
de 1999, p. 35.
20
Núcleo de Assuntos Estratégicos, Cadernos NAE, n. 1, op. cit., p. 5.
21
Núcleo de Assuntos Estratégicos, “Agenda para o futuro do Brasil”, Caderno NAE, n. 8,
Brasília, maio de 2007, p. 5.
22
Leis 11.204, de 5 de dezembro de 2005, e 11.754, de 23 de julho de 2008, respectivamente.

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92 brasil potência

vel da região, decisiva para o futuro do país. Nesse mesmo ano foi publica-
da a Estratégia Nacional de Defesa, que definiu uma completa reorganiza-
ção das Forças Armadas e as prioridades dos investimentos em setores que
são considerados estratégicos (nuclear, espacial, tecnologia de informação
e comunicação), e foram realizados ciclos de planejamento estratégico
com o Ipea. Em 2009, começou a elaboração do projeto Brasil 2022.
Para elaborar o primeiro projeto (Brasil 3 Tempos) e lançar o processo
de gestão estratégica a longo prazo, abriu-se uma instância no governo
que levou à criação de um “Conselho de Ministros” encarregado de co-
ordenar o projeto, comandado pelo NAE, que incluiu os ministros da
Casa Civil (José Dirceu), Secretaria-Geral da Presidência (Luiz Soares
Dulci), de Desenvolvimento Econômico e Social (Tarso Genro), de Co-
municação do Governo e Gestão Estratégica (Luiz Gushiken), todos eles
vinculados à Presidência, e o ministro de Planejamento, Orçamento e
Gestão (Guido Mantega). Esse verdadeiro “gabinete estratégico” estava
integrado por militantes do PT e por pessoas de confiança do presidente
Lula, além de ser coordenado também por Oliva Neto. Veremos que, re-
centemente, quando os projetos foram definidos com precisão, abriu- se
à participação de pessoas que não pertencem ao círculo íntimo da máxi-
ma direção do PT.
O NAE cria grupos de trabalho, realiza muitas mesas redondas e en-
contros, além de publicar cadernos e diversos projetos que balizam os ob-
jetivos traçados entre os mais diversos setores. Com grande pragmatismo,
o NAE concluiu depois de cuidadosas análises que os planos anteriores
fracassaram por causa do seu conceito estático de projeto e no seu lugar
priorizam o conceito de processo e substituem o conceito de “planejamen-
to” pelo de “gestão”, que lhes permite introduzir correções durante a im-
plementação dos objetivos traçados.23 O NAE dividiu a realidade brasileira
em várias dimensões para que especialistas fizessem estudos que foram
depois modelados pelo Núcleo baseados em amplias consultas à sociedade,
de modo tal que se combinassem os conhecimentos de especialistas com a
“vontade popular”.24 No total, participaram ao redor de 500 pesquisadores
e 50 mil pessoas que geraram um milhão e meio de dados “relacionados

23
Núcleo de Assuntos Estratégicos, Cadernos NAE, n. 1, op. cit., p. 42 e 51.
24
Núcleo de Assuntos Estratégicos, Cadernos NAE, n. 8, op. cit., p. 55.

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A construção de uma estratégia 93

com a percepção do futuro da sociedade sobre as principais pautas estra-


tégicas nacionais”.25
Nesse processo, ocorrido nos anos 2005 e 2006, surgiram as 50 princi-
pais pautas estratégicas de longo prazo que, se forem concretizadas colo-
cariam o Brasil entre as nações desenvolvidas. Na percepção da sociedade,
em ordem de importância, aparecem os seguintes objetivos: qualidade do
ensino, educação básica, violência e criminalidade, desigualdade social e
nível de emprego.26 Além dos projetos já apontados, entre 2004 e 2007, o
NAE elaborou doze cadernos sobre as mais diversas pautas (desde nano-
tecnologia até mudança climática) e desenvolveu ciclos de planejamento
estratégico com o Ipea entre 2008 e 2010.27 O projeto Brasil 2022 foi apre-
sentado em dezembro de 2010 por Pinheiro Guimarães. Na apresentação
do documento, o ministro de Assuntos Estratégicos justificou a necessida-
de do planejamento a longo prazo:

A tarefa de planejamento é de extraordinária importância para os países


subdesenvolvidos como o Brasil, ao contrário do que acontece nos países
altamente desenvolvidos. Nos países capitalistas altamente desenvolvidos,
a maturidade da infraestrutura física e social e a convicção de que as forças
do mercado orientariam da melhor forma possível os investimentos pro-
dutivos e as relações do país com o exterior, fazem parecer pouco impor-
tante a atividade de planejamento. Essa afirmação deve ser matizada, pois
esses países desenvolvidos planejam de forma muito atenta e persistente as
atividades do Estado em duas áreas decisivas: defesa e alta tecnologia não
são deixadas jamais ao mercado e ao seu sistema de preços.28

Nesse texto se sustenta a ideia de que o crescimento da China se deve


ao planejamento do Estado e à regulação das empresas privadas tanto em

25
Ibid.
26
Ibid., p. 16.
27
Os Cadernos do NAE até 2010 foram dedicados a: biotecnologia, mudança climática,
reforma política, cenários prospectivos, futuro do Brasil, inclusão digital, matriz de com-
bustíveis, modelo macroeconômico e nanotecnologia. Quanto aos ciclos de palestras, as
principais foram: desenvolvimento social, política exterior, cultura, educação, segurança,
institucional, minas e energia, ciência e tecnologia, saúde, desenvolvimento agrário, es-
porte, portos, planejamento, segurança social, igualdade racial e comunicação social.
28
Secretaria de Assuntos Estratégicos, Brasil 2022, Brasília, 2010, p. 5.

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94 brasil potência

termos de localização geográfica quanto de compromissos de transferên-


cia de tecnologia e de nacionalização dos investimentos e das exportações.
Além disso, explica que o projeto abrange três gestões de governo, por isso
não apresenta programas de governo nem metas financeiras. Para a elabo-
ração de Brasil 2022 se formaram 37 grupos de trabalho, um para cada mi-
nistério, integrados por técnicos do SAE, do Ipea, da Casa Civil e de cada
ministério. O texto tem quatro partes: O Mundo em 2022, América do Sul
em 2022, Brasil em 2022 e Metas do Centenário. Os dois primeiros tradu-
zem o olhar dos estrategistas do Brasil sobre a realidade global e regional.
Entre os múltiplos desafios colocados para 2022, o mais importante é a
crescente concentração de poder nos países centrais. O texto sustenta que a
diferença de poder militar entre os Estados Unidos e o resto do mundo vai
continuar e será “um fato estratégico fundamental” que vai se ampliar pela
própria evolução da tecnologia militar.29 A tendência global, na opinião
da SAE, expressa uma aceleração do desenvolvimento científico e tecno-
lógico que modificará as relações de poder com uma forte concorrência
entre megaempresas e Estados, com um grande impacto da informática
e da nanotecnologia, que continuarão transformando os processos físicos
produtivos com uma crescente oligopolização dos mercados. A biotecno-
logia e a engenharia genética têm grande impacto na competitividade da
agricultura, além de consequências para a saúde humana.
No terreno militar, os armamentos serão cada vez mais letais, auto-
matizados, miniaturizados e com controle remoto, o que vai aumentar a
diferença de poder entre os Estados Unidos e os países da periferia. Tudo
indica que a concentração de poder seja a principal tendência, o que “deve
constituir a principal preocupação da estratégia brasileira na esfera inter-
nacional e doméstica.”30 Apenas um exemplo: os Estados Unidos investem
400 bilhões de dólares em pesquisa e registram 45 mil patentes por ano,
enquanto o Brasil investe somente 15 bilhões e registra 480 patentes. Por
isso, o projeto Brasil 2022 defende que o país deve agir sobre as principais
tendências internacionais “para impedir a cristalização dos privilégios das
grandes potências, que travam nosso desenvolvimento”.31 Nesse sentido,
os brasileiros veem a perspectiva imediata como pouco auspiciosa.

29
Ibid., p. 15.
30
Ibid., p. 18-19.
31
Ibid., p. 16.

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A construção de uma estratégia 95

Propõem uma estratégia inspirada no que vem fazendo a China: permitir


o acesso ao seu mercado e aos seus recursos naturais sob condição de que
seja desenvolvida a indústria em solo brasileiro e que haja transferência de
tecnologia. Em paralelo, como o sistema econômico global estará cada vez
mais dominado por umas poucas empresas dos países centrais, o Brasil deve
estimular as empresas nacionais para impedir que o país se transforme em
“uma mera plataforma de produção e exportação de megaempresas multi-
nacionais, cujas sedes encontram-se em países altamente desenvolvidos”.32
Em suma, aposta em competir no mesmo terreno e com as mesmas ar-
mas. O principal objetivo é evitar a incorporação subordinada a algum dos
blocos mundiais, para o qual é preciso liderar um bloco sul-americano que
possa garantir o fortalecimento do capital e a mão-de-obra nacionais. Na
análise de Brasil 2022, a região sul-americana deve transitar pelo caminho
do arquipélago das nações subdesenvolvidas à conformação de um bloco
capaz de influir no mundo, apoiado em suas enormes riquezas naturais:
minerais, fontes de energia, terras cultiváveis, água e biodiversidade. Mas a
região é muito heterogênea, com alto grau de concentração de riqueza, in-
dústria escassamente desenvolvida, exceto Argentina e Brasil, exportações
concentradas em matérias-primas e nos últimos anos ameaçada pela avas-
saladora concorrência da China, que afeta a integração comercial regional.
Por outro lado, os acordos de livre comércio que assinaram os Estados
Unidos com Chile, com o Peru e com a Colômbia logo depois do fracasso da
Alca, procuram “tornar impossível a formação de uma união aduaneira na
América do Sul”.33 Para continuar com a integração regional e aprofundá-la,
o Brasil deve ajudar na superação das enormes assimetrias entre os doze pa-
íses sul-americanos, contribuindo para o desenvolvimento dos mais atrasa-
dos. Com certeza, sobre essa questão sobram declarações e faltam políticas
concretas, mas é uma mudança com relação ao discurso anterior. Como
aponta Brasil 2022, as assimetrias entre os países da região têm algumas
características estruturais que não serão fáceis de modificar. Na década de
1960, todos os países da região tinham uma pauta exportadora muito con-
centrada em poucos produtos, a tal ponto que apenas três produtos primá-
rios concentravam 70% das exportações. Em 2010, isso mudou, ainda que

32
Ibid., p. 26.
33
Ibid., p. 40.

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96 brasil potência

de modo parcial e desigual. Os três principais produtos de exportação do


Brasil somam 20% das suas exportações totais. No caso do país que vem
atrás quanto à qualidade das exportações, os três primeiros produtos re-
presentam 40%. O que contribui para que o comércio do Brasil com seus
sócios regionais seja muito desequilibrado e, sobretudo, que as empresas
sejam muito desiguais; as grandes empresas brasileiras, que se expandiram
primeiro na região e depois para o resto do mundo, estão tendo crescente
importância nas economias de cada um dos países sul-americanos. Conse-
quentemente, há uma preocupação com uma eventual hegemonia brasileira.
Os encarregados do planejamento estratégico em Brasília acreditam
que o país tem uma responsabilidade especial para começar a reverter essa
situação. Sustentam que a América do Sul vive uma situação semelhante
àquela que atravessou a Europa após a Segunda Guerra Mundial, o que
levara os Estados Unidos a ativar o Plano Marshall para promover o desen-
volvimento e evitar que a região caísse nas mãos do comunismo soviético.
Por isso, o Brasil deverá “abrir seus mercados sem exigir reciprocidade e
financiar a construção da infraestrutura desses países e sua intra-relação
continental”, para o qual deve ampliar o mecanismo do Fundo para a Con-
vergência Estrutural do Mercosul.34 Se o país mais importante de América
do Sul deixasse a região nas mãos das estratégias de investimento do mer-
cado e das multinacionais, as tensões e os ressentimentos aumentariam,
podendo também afetar o desenvolvimento do Brasil, conclui o projeto
estratégico do governo. Por último, a estratégia propõe a expansão para
a África Ocidental, onde Brasil terá que enfrentar a forte concorrência
com os interesses comerciais, financeiros e estratégicos chineses. Existe
a disposição de compartilhar o Atlântico Sul de forma pacífica com seus
vizinhos; para o Brasil, este oceano tem uma importância estratégica para
garantir sua segurança.

As Metas do Centenário

Os planejadores estratégicos brasileiros vislumbram que ao redor de 2022


a Unasul será o centro de um pólo sul-americano com projeção global. O

34
Ibid., p. 53

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A construção de uma estratégia 97

Mercosul deixará de ser apenas uma união aduaneira para se converter na


união econômica dos países que o integram. O Brasil será um país “plena-
mente soberano, com os meios necessários para garantir a segurança das
suas fronteiras terrestres, seus mares, seu espaço aéreo e sua infraestrutura
crítica contra as ameaças transnacionais, capaz de dissuadir qualquer Es-
tado que tentar limitar nossa autodeterminação, nossa segurança econô-
mica, nosso desenvolvimento”.35
Em matéria de política exterior, os documentos anexos de Brasil 2022
enfatizam que em poucos anos se deram passos gigantes na sua inserção in-
ternacional. Em 2003, o Brasil impulsionou a criação do G-20 e organizou a
reunião de cúpula Índia-Brasil-África do Sul (Ibas). Em 2004, teve um papel
ativo na criação da Minustah (Missão de Estabilização de Nações Unidas em
Haiti), foi o país responsável pelo comando militar, bem como na criação do
G-4 junto com a Índia, a Alemanha e o Japão para a reforma do Conselho
de Segurança das Nações Unidas. Em 2005, foi realizada a primeira cúpula
América do Sul-Países Árabes. Em 2006, foi criado o Fundo de Convergên-
cia Estrutural do Mercosul para apoiar o desenvolvimento dos países me-
nores, como o Paraguai e o Uruguai, concretizado em um fundo de trans-
ferências monetárias feitas pelo Brasil e pela Argentina. Nesse ano também
ocorreu a primeira cúpula América do Sul-África. Em 2007, foi assinada a
criação do Banco do Sul e a aliança estratégica Brasil-União Europeia. Em
2008, foi aprovado o tratado constitutivo da Unasul. Já em 2009, assinaram-
se acordos comerciais com a Índia, institucionalizou-se a aliança Bric (Brasil,
Rússia, Índia e China), conseguiu-se que a OEA suspendesse os efeitos da
resolução de 1962 que excluía o governo cubano, além do Brasil concretizar
a aliança estratégica com a França, que supõe amplos acordos de cooperação
militar. Em 2010, ocorreu também a primeira cúpula da América Latina e do
Caribe sem a presença dos Estados Unidos, dando espaço para a criação da
Comunidade de Estados Latino-americanos e do Caribe (Celac). O forte im-
pulso à política Sul-Sul permitiu que entre 2003 e 2008 o comércio do Brasil
com o Mercosul crescesse 222%, com a África 316%, com a Ásia (Asean)
329% e com os países árabes 370%.36 O que a diplomacia do Brasil ainda não
conseguiu foi a ansiada cadeira permanente no Conselho de Segurança das

35
Ibid,. p. 58
36
Secretaria de Assuntos Estratégicos, Brasil 2022, “Relações Exteriores. Importância es-
tratégica”, em <http://www.sae.gov.br/brasil2022/?p=52>. (Consulta, 10/01/2012.)

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98 brasil potência

Nações Unidas. A criação da Unasul e do Conselho de Defesa Sul-americano


(CDS) teve um papel relevante na região, e demonstra como a estratégia vai
sendo construída passo a passo, aproveitando as novas oportunidades que
facilitam a crescente debilidade (relativa) dos Estados Unidos. A rejeição à
proposta da Área de Livre Comercio das Américas (Alca), eixo da política
regional da administração de George W. Bush, teria sido impossível sem o
conjunto de mudanças que provocaram os movimentos sociais que deslegi-
timaram o Consenso de Washington e depois concretizaram os governos
progressistas e de esquerda no poder desde 1999. A Cúpula das Américas de
Mar del Plata, em novembro de 2005, sepultou a proposta integracionista de
Washington mas, no mesmo ato, abriu as portas à ampliação do Mercosul a
toda a região sul-americana, em particular à Venezuela. A postura do Brasil,
acompanhado pela Argentina, foi chave pela firmeza e pela solidez dos argu-
mentos. Houve um antes e um depois dessa reunião presidencial.
A criação da União de Nações Sul-americanas (Unasul) não teria sido
possível sem esse passo prévio. Em dezembro de 2004, os presidentes da
região assinaram a Declaração de Cusco, que conformou a Comunidade
das Nações Sul-americanas. Depois de sucessivos encontros, em abril de
2007 adotou o nome de Unasul. Mas o processo continua se aprofundando.
Devido ao ataque aéreo da Colômbia contra o acampamento de Raúl Reyes
(membro do Secretariado das Farc), em território equatoriano no dia 1º de
março de 2008, que ameaçou deflagrar um sério conflito na região andina,
a Unasul decidiu criar o CDS para coordenar as Forças Armadas da região.
Embora o tratado constitutivo tenha sido assinado em maio de 2008 em
Brasília, efetivou-se juridicamente apenas em 11 de março de 2011, depois
de cumprir o requisito de que pelo menos os poderes legislativos de nove
dos doze países membros tivessem subscrito esse convênio. Como projeto
regional, a Unasul tem como objetivo construir, de forma participativa e
concertada, um espaço de integração e de união no âmbito cultural, social,
econômico e político entre seus integrantes, utilizando o diálogo político,
as políticas sociais, a educação, a energia, a infraestrutura, as finanças e o
meio ambiente, entre outros, para eliminar a desigualdade socioeconômica,
conseguir a inclusão social, a participação cidadã e fortalecer a democracia.37

37
“Tratado Constitutivo da União de Nações Sul-americanas”, em: <http://www.comuni-
dadandina.org/unasur/tratado_constitutivo.htm>.

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A construção de uma estratégia 99

A Unasul substituiu a OEA. Quando da ofensiva da ultradireita boli-


viana contra o governo de Evo Morales, em agosto e setembro de 2008, e
quando da rebelião policial no Equador no dia 30 de setembro de 2010, que
pôde se transformar em golpe de Estado, a nova aliança regional foi deci-
siva, ocupou o centro do cenário político e alinhou todos os governos em
defesa da democracia. A OEA, outrora poderoso instrumento diplomático
subordinado à Casa Branca, deixou de ocupar aquele lugar preponderante
que teve durante tantas décadas.
É evidente que o papel do Brasil, e muito particularmente da chance-
laria de Itamaraty, foi decisivo para promover essa virada. A integração
política chegou a um ponto alto jamais visto, embora faltem avanços im-
portantes no terreno econômico, onde as complementaridades devem ser
construídas com generosidade e com uma visão de longo prazo. Mas isso
começou recentemente. Os megaprojetos de infraestrutura contempladas
na Iirsa estão estreitamente vinculados ao projeto de integração econômi-
ca e política, ainda que tenha sido proposto quase dez anos antes. O se-
guinte passo pode ser a implementação de uma moeda única para a região,
o que abriria as portas para sua desvinculação da economia do dólar.
A criação do CDS é outra decisão de caráter estratégico impulsionada
pelo Brasil. O órgão foi proposto pelo presidente Lula e criado em dezem-
bro de 2008, mas pode considerar-se o dia 10 de março de 2008, data da
primeira reunião, como sua verdadeira data de nascimento. Sua criação
está relacionada com a crise regional entre a Colômbia, a Venezuela e o
Equador por causa do mencionado ataque contra o acampamento de Raúl
Reyes. A Declaração de Santiago de Chile, de março de 2009, estabeleceu
a cooperação em matéria de defesa, a superação das assimetrias no gasto
militar e dos conflitos mediante o diálogo e a coordenação da segurança
externa das nações. Não é uma aliança militar, mas é um primeiro passo
de coordenação em uma matéria tão complexa e sensível como a defesa.
A reunião dos ministros da Defesa, ou seja, do Conselho de Defensa
da Unasul, realizada em Lima em 11 de novembro, estabeleceu 26 ações
no marco do Plano de Ação 2012 para a integração em termos de defesa, a
criação de uma zona de paz na região sul-americana além de uma agência
espacial. Os projetos serão executados em dois ou três anos. A Argentina
ficou encarregada de pôr em marcha a fabricação de um avião de treina-
mento para a formação de pilotos, de cujo processo participarão o Equador,
a Venezuela, o Peru e o Brasil. Cada país vai fabricar partes que depois

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100 brasil potência

serão montadas em um lugar a determinar. O Brasil, por sua vez, ficou à


frente do projeto do avião não tripulado para a vigilância de fronteiras.38
De alguma forma, o caminho que começaram a percorrer os países sul
-americanos em matéria de defesa é o mesmo que já transitam o Brasil e a
Argentina. Em 5 de setembro de 2011, os ministros da Defesa de ambos os
países, Arturo Puricelli e Celso Amorim, reuniram-se para dar continui-
dade ao acordo entre as presidentas Dilma Rousseff e Cristina Fernández
do dia 29 de julho de 2011, que reafirma “a importância da relação estraté-
gica em matéria de defesa entre a Argentina e o Brasil”. A Declaração Con-
junta que assinaram os ministros estabelece a criação de um Mecanismo
de Diálogo Político Estratégico a nível vice-ministerial para aprofundar
a cooperação militar. A segunda seção define áreas de “Cooperação em
tecnologia e produção para a defesa” com vários objetivos: a produção do
veículo “Gaúcho”, o desenvolvimento de blindados, a cooperação das in-
dústrias naval e aeroespacial, incluindo o cargueiro brasileiro KC-390 e em
matéria de informática e ciber-defesa.39
Um dos aspectos onde a cooperação bilateral mais avançou foi na fa-
bricação do cargueiro militar KC-390, desenhado pela empresa aeronáuti-
ca Embraer, do Brasil, que contará com peças fabricadas em Córdoba, na
Argentina e com um investimento conjunto de um bilhão de dólares. Essa
cooperação pode estender-se ao blindado brasileiro “Guarani” e ao veículo
leve “Gaúcho”.40 É verdade que as mudanças na região poderiam ser mais
ambiciosas se as propostas de integração energética tivessem avançado se-
riamente, como o Gasoduto do Sul, do qual nunca voltou a se falar, e se
fossem concretizados os acordos que deram vida ao Banco do Sul para
construir uma nova arquitetura financeira. Nesse sentido, as aspirações
do eixo conformado pela Aliança Bolivariana para os Povos da Nuestra
América (Alba) ainda estão muito longe de ser aceitas pelo conglomerado
de países que conformam a Unasul.

38
“Unasul foca suas políticas de Defesa em proposta de fabricação de aviões”, EFE, Lima,
11 de novembro de 2011, em <http://www.abc.es/agencias/noticia.asp?noticia=997234>.
(Consultado em 11/01/2012.)
39 “Declaração conjunta de Puricelli e Amorim”, Ministério de Defesa da República
Argentina, 5 de setembro de 2011, em <http://www.mindef.gov.ar/prensa/comunicados.
php?notId=1969>. (Consultado 11/01/2012.)
40
“Brasil e Argentina discutem produção de blindados leves”, Valor, 6 de setembro de 2011.

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A construção de uma estratégia 101

Essa projeção global de Brasil, que é uma das prioridades da estratégia


de longo prazo do país, teve seu auge quando conseguiu um acordo com a
Turquia e o Irã, no dia 16 de maio de 2010, para resolver uma crise provo-
cada pela negativa dos Estados Unidos a aceitar que o Irã produza urânio
enriquecido. Trata-se de um acordo para intercambiar urânio com a Tur-
quia, de modo a não fazê-lo com o Irã, que lhe permitiu evitar novas san-
ções internacionais.41 Esses tipos de ações geraram enfrentamentos dire-
tos e públicos do Brasil com Washington, mas lhe permitiram ganhar um
lugar nos fóruns mundiais que tomam decisões nos mais vários assuntos.
Ademais, Brasília definiu intensificar a cooperação Sul-Sul e multiplicar
por dez os recursos destinados à cooperação técnica prestada por Brasília
aos países em desenvolvimento,42 o que deverá colocar a diplomacia do
Itamaraty em boas condições para tomar iniciativas com os países do Sul.
Em seguida, a lista dos principais objetivos das Metas do Centenário,
ou seja, até 2022, agrupadas em quatro áreas em que aparecem com certo
detalhe os objetivos de política interior:

Economia
+ Crescer 7% por ano.
+ Aumentar a taxa de investimentos a 25% do PIB.
+ Reduzir a dívida pública a 25% do PIB (43% em 2010).
+ Atingir a inclusão digital de 100% da população adulta.
+ Duplicar a produção e as exportações agropecuárias.
+ Aumentar a produtividade agropecuária em 50%.
+ Triplicar o investimento em pesquisa agropecuária.
+ Dobrar a produção de alimentos.
+ Multiplicar por cinco a agricultura sustentável.
+ Duplicar o consumo per capita de peixe e a pesca em 50%.
+ Quintuplicar as exportações e sextuplicar as de média e alta tecnologia.
+ Levar o investimento privado em pesquisa e desenvolvimento a 1% do
PIB.
+ Levar o gasto total em pesquisa e desenvolvimento a 2,5% do PIB.
+ Ter 450 mil pesquisadores e 5% da produção científica mundial.

41
El Mundo, Madri, 17 de maio de 2010.
42
Secretaria de Assuntos Estratégicos, Brasil 2022, op. cit.

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102 brasil potência

+ Triplicar o número de engenheiros.


+ Dominar as tecnologias microeletrônicas e de produção de fármacos.
+ Decuplicar o número de patentes.
+ Assegurar independência na produção de combustível nuclear.
+ Dominar as tecnologias de fabricação de satélites e de veículos lançado-
res.

Sociedade
+ Erradicar a extrema pobreza e o trabalho infantil.
+ Chegar a 10 milhões de universitários.
+ Incluir o Brasil entre as dez maiores potências olímpicas.
+ Atingir autonomia na produção de insumos estratégicos.
+ Duplicar o gasto público em saúde.
+ Universalizar a seguridade social.
+ Atingir a igualdade salarial entre negros e brancos.

Infraestrutura
+ Levar a 50% a participação de energia renovável na matriz energética.
+ Elevar a 60% a utilização do potencial hidráulico (de 29% em 2007).
+ Dobrar o uso per capita de energia.
+ Instalar quatro novas usinas nucleares.
+ Aumentar o conhecimento geológico do território amazônico de 30% a
100%.
+ Reduzir em 40% o uso de combustíveis fósseis.
+ Ampliar a capacidade portuária a 1,7 bilhões de toneladas.
+ Assegurar o acesso à banda larga de 100 Mbps a todos os brasileiros.
+ Ter em órbita dois satélites geoestacionários.

Estado
+ Decuplicar os recursos do Fundo de Convergência Estrutural do Mer-
cosul.
+ Decuplicar a cooperação técnica e financeira com a África.
+ Consolidar a Unasul.
+ Consolidar a articulação política com os países em desenvolvimento.
+ Lançar ao mar o submarino nuclear.
+ Lançar o primeiro satélite construído no Brasil.

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A construção de uma estratégia 103

No processo de converter-se em potência global, o Brasil vai dando al-


guns passos que mostram que está percorrendo o caminho que se propôs.
Em termos econômicos, em 2011 se tornou o sexto PIB do mundo e con-
tinuará dando passos à frente de potências como a França. Durante os
oito anos do governo Lula, cerca de 30 milhões de brasileiros deixaram
a pobreza e passaram a engrossar as classes médias. Foram produzidos
avanços sociais em educação e saúde, ainda insuficientes. Desenhou-se um
conjunto de estratégias setoriais, entre elas a Estratégia Nacional de Defesa.
Conta com algumas das principais empresas multinacionais do mundo e
conseguiu a autonomia energética. Talvez um sinal do novo estatuto do
Brasil no mundo seja o fato de ter sido eleito para organizar a Copa de
Mundo de Futebol de 2014 e a cidade do Rio de Janeiro ter sido designada
para abrigar os Jogos Olímpicos de 2016.

Quem é quem no planejamento estratégico

Algumas personalidades tiveram um papel destacado no atual planejamen-


to estratégico do Brasil. Conhecer a trajetória e as análises de algumas delas
pode contribuir para se ter uma ideia mais exata sobre como foram se cons-
truindo os projetos a longo prazo. Uma parte delas, talvez os que tenham
uma trajetória mais destacada, não provém do PT, mas de outras forças
políticas ou são funcionários públicos de carreira. De qualquer forma, o go-
verno de Lula teve a virtude de atraí-los e de trabalhar com eles durante um
período de incubação no qual se colocaram as bases de uma nova estratégia.
Samuel Pinheiro Guimarães é diplomático de carreira, ocupou a Se-
cretaria-Geral do Ministério de Relações Exteriores (Itamaraty), foi mi-
nistro de Assuntos Estratégicos e, quando Lula deixou o governo, conver-
teu-se no representante-geral do Mercosul. Foi professor da Universidade
de Brasília, nomeado em 2006 “intelectual do ano” pela União Brasileira
de Escritores e publicou 18 livros, entre eles: Quinhentos anos de periferia,
em 1999, e Desafios brasileiros na era dos gigantes, em 2006. Neste livro,
desenvolve sua visão estratégica sobre o papel do Brasil que orientou seu
trabalho quando se desempenhou na SAE.
Com efeito, Samuel Pinheiro é um dos mais importantes intelectuais
do Brasil e da América Latina. É graduado em economia pela Boston Uni-
versity e em direito pela Universidade Federal de Rio de Janeiro. É membro

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104 brasil potência

do Centro de Estudos Estratégicos da Escola Superior de Guerra. Teve um


papel relevante no projeto Brasil 2022 e na formulação da Estratégia Na-
cional de Defesa. Durante a ditadura militar, foi demitido da direção da
Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) por se opor à
interferência da Usaid no governo do marechal Humberto Castelo Branco
(1964-1967). Durante o governo do general João Figueiredo (1979-1985),
teve que abandonar a Embrafilme pelo escândalo que provocou o filme
Brasil pra frente, que criticava a ditadura. Durante o governo de Collor
de Melo, afastou-se do país, exercendo suas funções durante cinco anos
na França, e, sob o mandato de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002),
criticou abertamente a entrada na Alca, motivo pelo qual foi afastado do
cargo de diretor do Instituto de Investigações em Relações Internacionais
do Itamaraty.43 Pela sua trajetória e por suas posições políticas, é um na-
cionalista de esquerda, mas não é membro de nenhum partido político.
Durante a primeira fase do governo Lula, ocupou o segundo posto da
chancelaria junto a Celso Amorim. Nesse período, o Brasil começou sua
projeção internacional, tendo um papel decisivo na Cúpula da OMC em
Cancún em 2003, com a criação do “Grupo G-20”, liderado pelo Brasil,
pela China, pela Índia e pela África do Sul. Seus adversários qualificam-no
de antinorte-americano, mas é um firme defensor do Brasil.
Em Desafios brasileiros na era dos gigantes, estabelece que o seu país
tem três grandes desafios pela frente. O primeiro é a eliminação gradual,
mas firme, das desigualdades internas, que em sua opinião se resumem na
concentração da renda e da riqueza, na privação e na alienação cultural,
no acesso à tecnologia, na discriminação racial e de gênero e na influên-
cia do poder econômico sobre as decisões políticas.44 O segundo desafio
são as vulnerabilidades externas crônicas, que são econômicas, políticas,
tecnológicas, militares e ideológicas. Acredita que enquanto as fraquezas
econômicas têm sido amplamente debatidas, a questão tecnológica, que
leva o país a depender de tecnologia importada, costuma ficar em segundo
plano. A debilidade militar agrava-se, porque o Brasil assinou o tratado
de não proliferação nuclear e pela redução dos gastos militares na década
de 1990, no contexto do modelo neoliberal, bem como pela dependência

Revista Caros Amigos, São Paulo, n. 51, junho de 2001.


43

44
Samuel Pinheiro Guimarães. Desafios brasileiros na era dos gigantes. Rio de Janeiro:
Contraponto, 2006. p. 259.

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A construção de uma estratégia 105

das importações de armamento. Essas vulnerabilidades foram se aprofun-


dando até 2002, fim do governo Fernando Henrique Cardoso, mas outras
são ainda questões problemáticas pela escassez de recursos orçamentários.
O terceiro desafio é o mais importante, e consiste na realização, por
parte da sociedade brasileira, do “seu potencial econômico, político e mi-
litar”, porque o Brasil não é um pequeno Estado, e sim um dos maiores do
mundo, acompanhado de perto só pela China e pelos Estados Unidos no
que se refere a população, território e produto interno bruto. Para desen-
volver esse potencial, aposta em um crescimento do mercado interno e na
produtividade da população que lhe permitam uma forte “acumulação de
capital per capita” e um potente desenvolvimento tecnológico.45 Paralela-
mente, o Brasil tem fronteiras com dez países, o que é um fator importante
“para permitir ao Estado brasileiro desenvolver uma estratégia política e
econômica que possibilite a articulação de um bloco regional sul-america-
no de grande capacidade de projeção de poder, sempre que estiver articula-
do em termos não hegemônicos, com mecanismos compensatórios e com
a redução efetiva das disparidades”.46
Para poder cumprir com os três desafios, deve se superar o Consenso
de Washington, ou seja, deve existir um Estado forte, uma economia re-
gulada que não seja susceptível às forças do mercado e um planejamento
estratégico. Pinheiro Guimarães está consciente do fato de que a ascensão
do Brasil ao patamar de potência modificará a relação de força em ter-
mos continentais e mundiais e que o principal adversário são os Estados
Unidos, para os quais “América Latina, ao contrário do que se diz, é a re-
gião mais importante”.47 Mas as razões de fundo pelas quais deve dar esse
passo são de caráter interno, e nesse ponto a sua análise ancora-se num
nacionalismo que subordina o conflito social à realização dos objetivos da
grande potência:

Esta ascensão brasileira à condição de grande potência não deve ser consi-
derada uma utopia, mas um objetivo nacional necessário, porque sua não

45
Ibid., p. 263.
46
Ibid., sublinhados no original.
47
Samuel Pinheiro Guimarães. Quinhentos anos de periferia. Rio de Janeiro: Contraponto,
1999. p. 99. Samuel Pinheiro Guimarães, Desafios brasileiros na era dos gigantes, op. cit.,
p. 265-266.

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realização corresponderia ao fracasso em enfrentar aqueles desafios com


os quais o Brasil se defronta e, por tanto, aceleraria o ingresso da socie-
dade e do Estado brasileiros em um período de enorme instabilidade (e
de eventuais conflitos internos), de fragilização democrática, de crescente
ingerência externa na sociedade brasileira que poderiam, em caso extremo,
levar a tensões pela fragmentação territorial e política do Brasil.48

Depois de estabelecer essa importante diretriz, avança passo a passo


no desenho de objetivos primeiro regionais e depois mais amplos. As re-
lações com a Argentina e com os Estados Unidos são chaves. Em primeiro
lugar, estabelece que o Brasil não tem razão nenhuma para se submeter
à hegemonia estadunidense, país que na sua opinião desconfia das solu-
ções multilaterais para os problemas globais, desenvolvendo uma política
que antepõe a afirmação dos seus interesses por cima inclusive do direito
internacional. Essa atitude é denominada um “arrogante unilateralismo
intervencionista”, que não duvida em apelar à força armada.49
Com relação aos países periféricos, acredita que os Estados Unidos
abandonaram a cooperação para a modernização dos estados da periferia
para aplicar uma política de controle, propiciando seu desarmamento e
a adoção de uma “democracia liberal, midiática e assistencialista.”50 O
Brasil encontra-se rodeado por um espectro de bases militares estaduni-
denses que realizam operações conjuntas com países da região, embora
considere que a estratégia de Washington consiste na regionalização do
Plano Colômbia.
Para reverter essa situação, o Brasil deve encarar a construção da união
política sul-americana para promover “a firme e serena repulsão de políti-
cas que submetem à região aos interesses estratégicos dos Estados Unidos
que devem constituir o eixo de nossa estratégia”.51 Para atingir esse obje-
tivo, é essencial a cooperação entre a Argentina e o Brasil, países-chave na
região que devem construir uma visão comum do mundo. Se este for o
primeiro e fundamental passo, a partir de então podem se compreender
um conjunto de questões relativas à atitude de Brasília com Buenos Aires

48
Samuel Pinheiro Guimarães, Desafios brasileiros na era dos gigantes, op. cit., p. 265-266.
49
Ibid., p. 268.
50
Ibid., p. 270.
51
Ibid., p. 276.

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A construção de uma estratégia 107

e, sobretudo, as tentativas de Washington e das direitas continentais por


desestabilizar os governos argentinos que possam se orientar na mesma
direção que o Brasil, ou seja, que priorizam a unidade regional.
Esse bloco regional deve enfrentar três grandes desafios a curto prazo:
resistir à absorção econômica do bloco norte-americano por intermédio
da Alca, os TLCs e a dolarização gradual; evitar e enfrentar uma possível
intervenção militar na Colômbia que poderia se estender à região amazô-
nica; e recuperar o controle das suas políticas econômicas sob a influência
do FMI e da OMC.52 Esse diagnóstico foi escrito em 2006. Em 2011, quan-
do foi escrito este livro, boa parte dos desafios expostos haviam sido supe-
rados ou estavam em fase de superação, o que mostra a decisão da política
exterior brasileira de converter seus objetivos em realidade.
Os outros desafios da política exterior do Brasil, segundo Pinheiro Gui-
marães, desdobram-se do estabelecido até aqui: dotar as forças armadas de
capacidade dissuasiva, articular a defesa militar e política das fronteiras e
em especial da Amazônia, acessar tecnologia de ponta sem aceitar limita-
ções assimétricas e desiguais, preservar a autonomia política, econômica
e militar do Brasil. Depois o resto. Com um bloco regional unido, com
um Mercosul consolidado e um país em crescimento e com capacidade
de se defender, priorizam-se as relações Sul-Sul, com a Índia, a China, a
Rússia, a África do Sul, a Turquia e o Irã, entre os de maior destaque. Essas
relações podem, inclusive, contribuir para a superação de desafios como
a vulnerabilidade militar, por meio de compras de armas da Rússia e da
China, por exemplo.
É uma estratégia em círculos concêntricos que se expandem de modo
simultâneo, onde o avanço em um aspecto reforça os outros, e vice-versa.
A experiência de outros países que pretenderam realizar seu potencial (ou
ascender ao patamar de potência) indica que devem enfrentar enormes
dificuldades e assumir o risco de serem agredidos pelos Estados Unidos.
Samuel Pinheiro lembra no seu livro que em 1995 difundiu-se a notícia das
novas reservas descobertas que convertiam o Iraque num produtor de pe-
tróleo capaz de substituir a Arábia Saudita, somado ao fato de que o regime
de Saddam Hussein tinha abandonado o padrão dólar em favor do euro,

52
Ibid., p. 424-425.

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como chave para compreender a invasão desse país.53 Esse é justamente o


caminho do Brasil: desenvolver todo seu potencial nacional, o que para
um país do seu tamanho implica inevitavelmente um enfrentamento com
os poderes globais hegemônicos.
Devemos agregar aos elementos anteriores que as principais tendências
atuais estão na direção de uma maior concentração de poder (e poder tec-
nológico e militar) no centro do sistema e de uma crescente instabilidade
e fragilização das periferias. Perante essa realidade, acredita que “não haja
solução individual para nenhum país da América do Sul”.54 O interes-
sante dessa análise é que não se ancora em questões ideológicas nem pre-
conceitos, mas chega à conclusão lógica de uma visão de mundo a partir
dos interesses de um grande país da periferia. Um dos objetivos traçados
naquele momento cumpriu-se apenas dois anos depois com a formulação
de uma estratégia de defesa para o Brasil e, de alguma forma, para toda
a região. Samuel Pinheiro se insere numa longa tradição nacionalista em
que se destacam os presidentes Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, o
economista Celso Furtado e, na sua opinião, o general Ernesto Geisel, pre-
sidente entre 1974 e 1979. Como pode se ver, defende uma genealogia que
atravessa democracia, ditaduras civis e militares e profissionais, já que é
uma corrente com uma longa e densa história no Brasil.
Mais recentemente, Samuel Pinheiro manifestou sua postura sobre
duas pautas candentes: a energia nuclear e os caminhos para promover a
integração regional. Num artigo intitulado “Mudança climática e energia
nuclear”,55 aponta que 81% das reservas conhecidas de urânio estão con-
centradas em seis países, entre eles Brasil, que tem a sexta maior reserva
tendo explorado somente 20% do território, pudendo chegar a ser o tercei-
ro. Só cinco empresas produzem 71% do urânio do mundo e somente oito
países possuem o conhecimento tecnológico do ciclo completo de enrique-
cimento de urânio e a capacidade industrial para produzir todas as etapas
do ciclo. O Brasil é um deles.
Por isso, estima que o Brasil não deve assinar o Protocolo Adicional aos
Acordos de Salvaguarda com a Agência de Energia Atômica (AIEA), pre-

53
Ibid., p. 306.
54
Ibid., p. 320.
55
Samuel Pinheiro Guimarães, “Mudança de clima e energia nuclear”, Valor, 11 de junho
de 2010, em: <http://www.sae.gov.br/site/?p=3663>. (Consulta 20/06/2010.)

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A construção de uma estratégia 109

vistos no Tratado de Não Proliferação (TNP), já que permitiria que fossem


controladas as instalações onde se enriquece urânio e se constrói um sub-
marino nuclear. Sustenta que são instrumentos disfarçados para revisar o
TNP, o que limitaria o direito do Brasil para desenvolver sua tecnologia
nuclear. Conclui: “O Brasil conquistou o domínio da tecnologia de todo o
ciclo de enriquecimento de urânio e tem importantes reservas de urânio.
Só três países, o Brasil, os Estados Unidos e a Rússia, tem tal situação pri-
vilegiada”.56 Isso foi escrito enquanto se desempenhava como ministro de
Assuntos Estratégicos.
No tocante à unidade regional, defende um megaprojeto de apoio aos
países da América do Sul, como manifestado em seu artigo “América do
Sul em 2022”,57 que depois seria publicado na íntegra como parte do pro-
jeto Brasil 2022. A proposta do Brasil lançar um Plano Marshall em apoio
aos países menores da região é uma mostra de audácia intelectual e política
e de determinação estratégica. Aposta em desenvolver esforços ao longo
de várias décadas nas quais o Brasil seja capaz de articular programas de
desenvolvimento econômico para “estimular e financiar a transformação
econômica dos países menores”.58 Os dois caminhos vislumbrados são a
abertura do mercado brasileiro às exportações dos seus vizinhos, superan-
do travas como vem fazendo com a Argentina, além de financiar a cons-
trução de obras de infraestrutura, como a Iirsa, que na realidade benefi-
ciam as grandes construtoras brasileiras e aceleram o comércio em direção
ao Pacífico, no qual está muito interessada a burguesia paulista. Uma parte
substancial dos projetos estratégicos que estão transitando no Brasil tem a
marca dessa personalidade intelectual e política.
Roberto Mangabeira Unger foi o primeiro ministro de Assuntos Es-
tratégicos, em 2007, nomeado por Lula para estrear a nova secretaria, ape-
sar de haver declarado dois anos antes que seu governo era “o mais corrup-
to da nossa história”,59 o que revela que o governo colocou seus objetivos
de planejamento estratégico acima de desavenças políticas. É professor de

56
Ibid.
57
Samuel Pinheiro Guimarães, “A América do Sul em 2022”, Carta Maior, 26 de julho
de 2010, em: <http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_
id=16822>. (Consulta 10/06/2011.)
58 Ibid.
59
Roberto Mangabeira Unger, “Pôr fim ao governo Lula”, Folha de São Paulo, 15 de no-
vembro de 2005, p. 2.

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110 brasil potência

direito na Universidade de Harvard desde os 25 anos, sendo o professor


mais jovem na história da instituição, onde foi nomeado professor vitalício
e é membro da Academia Americana de Artes e Ciências. Se considerar-
mos que Samuel Pinheiro é o pensador da projeção geopolítica brasileira,
Mangabeira Unger já foi reconhecido e resenhado por vários destacados
intelectuais do mundo. Teve forte influência no desenvolvimento do pen-
samento jurídico estadunidense, a tal ponto que Richard Rorty assegura
que contribuiu para “modificar o currículo das escolas de direito e a au-
toimagem de nossos advogados”.60 Sua obra é considerada um dos aportes
mais vastos e ambiciosos para a reorganização da sociedade.61
No Brasil, no final da ditadura militar, foi membro do Movimento De-
mocrático Brasileiro, e junto com Ulysses Guimarães construiu o Partido
do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), sendo um dos redatores
do manifesto de fundação. Trabalhou junto com Leonel Brizola no PDT.
Nas eleições de 1998 e 2002, colaborou com a candidatura de Ciro Gomes
(PPS). É neto de Otavio Mangabeira, um dos mais importantes políticos
da direita nordestina, fundador da União Democrática Nacional, que foi
governador da Bahia e chanceler sob a presidência de Washington Luís
(1926-1930). Mais recentemente, Mangabeira foi membro fundador e vice
-presidente do Partido Republicano, integrado pelo ex-vice-presidente do
país José Alencar.
Embora pouco conhecido fora do Brasil e dos Estados Unidos, sua es-
tatura intelectual é notável. Seus livros mais importantes publicados no
Brasil, ainda que originalmente publicados em inglês, são Necessidades fal-
sas (2005), Política (2001), A Segunda via (2001), Paixão: um ensaio sobre a
personalidade (1998) e A alternativa transformadora (1996).62 Junto a Ciro
Gomes escreveu O próximo passo: uma alternativa prática para o Brasil,

60
Richard Rorty, “Unger, Castoriadis and the romance of a national future”, em Robin
W. Lovin e Michael J. Perry (ed.). Critique and Construction: A Symposium on Roberto
Unger’s Politics. New York: Cambridge University Press, 1987. p. 30.
61
Além do texto de Rorty, pode-se consultar Perry Anderson, “Roberto Unger y las polí-
ticas de transferencia de poder”, em Campos de batalla. Bogotá: Tercer Mundo Editores,
1995. p. 209-236; Geoffrey Hawthorn, “Practical Reason an Social Democracy: Reflections
on Unger´s Passion and Politics”, em Robin W. Lovin e Michael J. Perry (ed), op. cit., p.
90-114.
62
A editora Boitempo (São Paulo) publicou até agora sete livros de Mangabeira Unger,
<www.boitempo.com>.

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A construção de uma estratégia 111

uma intervenção político-eleitoral no panorama político brasileiro. Man-


gabeira Unger desenvolve uma teoria social que tem sido definida como
“o mais ambicioso projeto socioteórico do final do século XX”63 e como
um projeto que “com o olhar na reconstrução social, não tem comparação
contemporânea”.64
Sua vasta obra contém uma recusa ao marxismo determinista, embora
sem dúvida seja influenciado por Marx, além de uma crítica simultânea
ao liberalismo. Segundo Cui Zhiyuan, um dos intelectuais mais destaca-
dos da “nova esquerda” chinesa (que se opõe às reformas capitalistas), que
seleciona e prefacia a edição brasileira do seu livro Política, Unger conse-
gue demonstrar que as teorias assentadas na análise das “estruturas pro-
fundas”, de cunho determinista, encontram-se num avançado estado de
descomposição.65 Nesse sentido, sua teoria social implica uma dupla rejei-
ção: “em primeiro lugar, ao marxismo, posto que faz eco de uma visão do
passado definida por um número limitado de modos de produção, conce-
bidos como ordens integradas, susceptíveis de reproduzir-se em diferentes
épocas ou ambientes”, e, em segundo lugar, “ao positivismo sociológico ou
historiográfico, já que tende a negar a existência de totalidades sociais ou
descontinuidades qualitativas”.66
Cunha o conceito de “contexto formador” no lugar do “modo de pro-
dução” de Marx, por considerá-lo excessivamente determinista, posto que
mais aberto a revisões e contestações. A “capacidade negativa” indica a
vontade humana de transcender os contextos formadores mediante sua
negação, em pensamento ou em ação. Potencializar a “capacidade negati-
va” implica criar contextos institucionais mais susceptíveis a sua própria
revisão e transformação, “diminuindo assim a lacuna entre estrutura e
rotina, revolução e reforma gradual, movimento social e institucionaliza-
ção”.67 Por isso, valoriza a capacidade negativa como um fim em si mesmo,

63
Geoffrey Hawthorn, “Practical Reason an Social Democracy: Reflections on Unger´s
Passion and Politics”, op. cit., p. 90.
64
Perry Anderson, “Roberto Unger y las políticas de transferencia de poder”, op. cit., p.
228.
65
Cui Zhiyuan, “Prefácio” a Política. La teoría contra el destino. São Paulo: Boitempo, 2001.
p. 11-22.
66
Perry Anderson, “Roberto Unger y las políticas de transferencia de poder”, op. cit., p.
212.
67
Cui Zhiyuan, “Prefacio” a Política. La teoría contra el destino, op. cit., p. 14.

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112 brasil potência

como uma dimensão da liberdade humana para perseguir novos objetivos.


“Retirar os desentrincheiramentos” dos contextos formadores é o modo de
avançar na emancipação individual e no progresso material.
Assim como repudia o “fetichismo estrutural”, impugna também o “fe-
tichismo institucional” que nega ou limita a possibilidade de mudar os con-
textos formadores e se restringe a jogar de acordo com as regras e limites
que impõe o contexto social. Considera que as instituições não são neutras
e se opõe a conceitos abstratos como democracia representativa, economia
de mercado ou sociedade civil livre. Em seu lugar, propõe um “experi-
mentalismo democrático” que rompa com o constitucionalismo do século
XVIII, que combina aspectos plebiscitários com canais amplos e diversos de
representação política da sociedade.68 Nesse sentido, considera que a força
que move a história é “a disposição positiva dos seres humanos a transcen-
der os contextos herdados, o desenvolvimento como dépassement”.69
Resgata a pequena empresa cooperativa a partir de um ângulo original:
seus desenhos flexíveis de organização do trabalho “foram tão progres-
sistas do ponto de vista técnico e, por isso, tão viáveis do ponto de vista
econômico como as enormes corporações e a indústria de produção mas-
siva”.70 Seu objetivo é resgatar este tipo de empreendimentos, para o que é
necessário não só o apoio do Estado, mas, sobretudo, um novo regime de
direitos de propriedade: “Um dos temas mais fascinantes na discussão de
Unger das novas formas de economia de mercado é a relação que faz entre
esses problemas institucionais e as práticas avançadas recentes da atual
produção de vanguarda”.71
A proposta programática, sua “teoria social construtiva”, tem aspec-
tos originais como a sua proposta de desagregar a propriedade privada,
ou seja, um desmembramento do direito de propriedade tradicional para
ser atribuído a diversos titulares. Não acredita numa supressão da pro-
priedade privada pela estatal ou por cooperativas de trabalhadores, por-
que manteriam seu caráter de propriedade unitária. Em seu lugar, propõe
uma estrutura de propriedade em três níveis: um fundo central de capital

68
Ibid., p. 16.
69
Perry Anderson, “Roberto Unger y las políticas de transferencia de poder”, op. cit., p. 216,
em francês no original.
70
Ibid., p. 221.
71
Cui Zhiyuan, “Prefacio” a Política. La teoría contra el destino, op. cit., p. 17.

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A construção de uma estratégia 113

criado pelo governo nacional para proceder a um controle social da acu-


mulação econômica; vários fundos de investimentos criados pelo governo
e pelo fundo central de capital para ser aplicado em bases competitivas;
e, finalmente, agrupamentos primários de capital que serão os grupos de
trabalhadores, técnicos e empreendedores.72
Essa “propriedade desagregada”, junto com organizações da socieda-
de civil, promoveria uma democracia descentralizada e uma “democra-
cia com autonomia”, capazes de transformar a sociedade atual. Para Cui
Zhiyuan, na proposta de Mangabeira Unger há uma espécie de síntese da
tradição Proudhon-Lasalle-Marx e das tradições radical-democrática e li-
beral.73 Para Perry Anderson, seu ponto fraco é que não aparece a catego-
ria de adversário ou inimigo, o que o aproxima da tradição utópica. Porém,
diz, “diferentemente de todos os demais projetos atualmente disponíveis,
este sonho parece sadio e eficaz”.74
Essa notável personalidade intelectual foi nomeada por Lula como seu
primeiro ministro de Assuntos Estratégicos. Esteve apenas dois anos no
cargo, de junho de 2007 a junho de 2009, mas desenvolveu algumas das
mais notáveis iniciativas dos oito anos do governo Lula. A Estratégia Na-
cional de Defesa que leva sua assinatura é sem dúvida uma peça que marca
uma virada na história recente do Brasil; devido a sua importância, merece
ser estudada em detalhe. Além disso, desenhou os primeiros passos de
iniciativas regionais para a Amazônia, para o Nordeste e para o Centro-O-
este, iniciativas setoriais na relação trabalho-capital, educação, agricultura,
uma agenda nacional de gestão pública, de superação do apartheid na saú-
de e sobre políticas sociais.75
Em sua Carta programática a Lula, sustenta que a base social do projeto
para um novo modelo de desenvolvimento é o desejo da maior parte do
povo brasileiro de seguir o caminho da “segunda classe média: mestiça,
vinda de baixo e composta por milhões de brasileiros que lutam para abrir
pequenos negócios, que estudam de noite e inauguram no país uma cultu-

72
Ibid., p. 19.
73
Ibid., p. 20.
74
Perry Anderson, “Roberto Unger y las políticas de transferencia de poder”, op. cit., p. 236.
75
Todas estas iniciativas fazem parte da carta de Mangabeira Unger ao presidente Lula na
qual pede sua exoneração como ministro. Ver “Carta programática ao Presidente (digita-
da)”, 29 de junho de 2009, em: <http://www.law.harvard.edu/faculty/unger/portuguese/
propostas.php>.

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114 brasil potência

ra de autoajuda e de iniciativa”.76 Diferentemente da revolução de Getúlio


Vargas, que realizou a aliança do Estado com os setores organizados da so-
ciedade e da economia (empresários e sindicatos), a revolução em marcha
no Brasil consiste em que o Estado faça uso dos seus recursos para seguir
o exemplo “desta vanguarda de trabalhadores emergentes”, que comanda
o imaginário popular. Também esboça algumas das ideias e propostas que
vem formulando há algum tempo:

Não atingiremos esse objetivo sem fazer o que raramente fizemos em


nossa história nacional: inovar as instituições. Não é suficiente regular a
economia de mercado. Não é suficiente, através de políticas sociais, con-
trabalançar as desigualdades geradas pelo mercado. É preciso reorganizar
o mercado institucionalmente para torná-lo socialmente inclusivo e am-
pliador de oportunidades. É apenas uma das muitas aplicações da recons-
trução institucional da qual carecemos. Sem ela, obras físicas, por mais
justificadas que sejam, ficarão longe de resolver os problemas brasileiros
ou sequer de atingir os objetivos a que elas mesmas estão destinadas.77

Uma das passagens mais interessantes é aquela que propõe redesenhar


as relações trabalho-capital, que não têm se modificado desde o período de
Getúlio Vargas. Afirma que o país enfrenta a ameaça de “ficar espremido
numa prensa entre os países de alta produtividade e os países de trabalho
barato” e que por interesse nacional deve-se escapar dessa prensa pelo alto
(valorização do trabalho e da produtividade), e não por baixo (trabalho
precarizado). “Não temos futuro como uma China com menos gente”.78
Logo apresenta medidas para resolver o problema da informalidade e da
participação dos trabalhadores nos ganhos das empresas, algo que está na
Constituição mas ainda não tem sido transformado em lei.
Quanto ao seu pensamento estratégico, tem alguns pontos em comum
com Samuel Pinheiro: “Nosso país está predestinado a se engrandecer
sem imperar”.79 No VII Encontro de Estudos Estratégicos, propôs quatro

76
Ibid., p. 2.
77
Ibid., p. 2.
78
Ibid., p. 7.
79
Roberto Mangabeira Unger, “Uma visão de longo prazo para o Brasil”, palestra no VII
Encontro Nacional de Estudos Estratégicos, em Gabinete de Segurança Institucional,

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A construção de uma estratégia 115

grandes eixos: a defesa, a Amazônia, a ampliação digital e a ampliação


das oportunidades econômicas. Não há desenvolvimento sem estratégia
de defesa, disse ao propor uma reorganização das forças armadas para um
novo desdobramento no território, potencializar a indústria de defesa e a
qualificação pessoal. Congratulou-se de que hoje no Brasil exista um deba-
te aberto sobre a questão da defesa.
Sobre a Amazônia, um terço do território, apontou que não pode ser
preservada como uma área sem atividade econômica, mas também não
deve ser desflorestada para abri-la à pecuária e à soja. Aposta em “um pro-
jeto nacional de regionalização econômica e ecológica, com estratégias
econômicas diferenciadas para as diferentes regiões”, o que implica “en-
frentar problemas totalmente novos no mundo”.80 Manter a população
dispersa na Amazônia com alta qualidade de vida e elevado nível educati-
vo é um dos maiores desafios.
A inclusão digital passa por construir uma infovia nacional, estimular a
produção de conteúdos nacionais e “um regime de governança de Internet,
no Brasil e no mundo, que assegure a gestão comunitária da Internet pela
sociedade civil mundial não controlada nem pelos estados nacionais nem
pelos interesses das empresas”.81 Para avançar nessa direção, aposta em
utilizar os recursos do Estado em apoio da maioria não organizada dos
trabalhadores, dos quais 62% são informais. É consciente que as desigual-
dades não se modificam com políticas sociais, mas mediante mudanças
no modelo, e que a principal política social é a capacitação e educação
dos brasileiros. Sobre o que denomina “democratização da economia de
mercado”, foi mais explícito que na carta a Lula: trata-se de reorganizar o
mercado, de reconstruir as instituições. Mas isso não vai acontecer como
“uma dádiva de uma tecnocracia iluminada e uma população passiva”, e
sim como consequência da “pressão popular”.82
Finalmente, apontou que um grande obstáculo para seguir em frente
como país é que os brasileiros ainda não se sentem grandes, não imaginam
um destino de grande potência e seguem prisioneiros de uma visão fatalis-

“Anais VII Encontro Nacional de Estudos Estratégicos”, Brasília, Presidência da República,


6 a 8 de novembro de 2007, v. 2, 2008, p. 467.
80
Ibid., p. 472.
81
Ibid., p. 473.
82
Ibid., p. 477.

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116 brasil potência

ta. Afirma repetidamente a ideia de “se engrandecer sem imperar”. Acre-


dita que o mundo está prisioneiro da falta de alternativas por causa de um
empobrecimento programático das democracias. O Brasil precisa é dis-
cutir alternativas e lançar-se a mudar o mundo como fizeram no seu mo-
mento outros países. “Essas nações que se tornaram poderosas no mundo
e que nós nos acostumamos a imitar se forjaram entre crises econômicas e
guerras”.83 O Brasil deve aprender a mudar sem guerra nem ruínas, o que
requer um novo vocabulário, e, sobretudo, assumir coletivamente que esse
é um dos problemas centrais do país.
O coronel retirado Oswaldo Oliva Neto foi o primeiro secretário-geral
do Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE), em 2003, e se converteu em
chefe do organismo em 2007, quando Luis Gushiken saiu do gabinete. É
irmão do histórico dirigente do PT Aloízio Mercadante, filho do influente
general Oswaldo Muniz Oliva, que foi comandante da Escola Superior de
Guerra na década de 1980 e se retirou em 1990 para converter-se em con-
sultor na área de planejamento estratégico, ramo em que havia se especiali-
zado no Exército.84 Oliva Neto tem pós-doutorado em Política, Estratégia e
Alta Administração na Escola do Estado-Maior do Exército, fez vários cur-
sos de especialização na Fundação Getúlio Vargas, é autor da metodologia
com que o NAE realizou o planejamento estratégico a longo prazo e da
monografia “Penta – Prospectiva Estratégica e Interação Conjugada (uma
metodologia de gestão estratégica)”.85 Durante o primeiro governo Lula,
entre 2003 e 2006, realizou um conjunto de tarefas que colocaram as bases
dos planos estratégicos em várias áreas. Em 2004, passou de assistente do
comandante do Exército a secretário executivo do NAE. Em 2006, conver-
teu-se em ministro do NAE, organismo que coordenou o projeto estratégi-
co Brasil 3 Tempos e as análises estratégicas do NAE sobre biocombustíveis,
mudança climática, nanotecnologia, reforma política, demografia, matriz
de combustíveis, modelo macroeconômico e inclusão digital. No segundo
governo Lula, de 2007 a 2010, converteu-se primeiro em assessor do pre-

83
Ibid., p. 487.
84
Revista Isto é, “O general de Mercadante”, 20 de janeiro de 2003, em: <http://www.terra.
com.br/istoegente/181/reportagens/oswaldo_muniz.htm>. (Consulta 27/03/2011.)
85
Apresentada no ano 2001 como conclusão do curso “Política, Estratégia e Alta Ad-
ministração”, em Revista Eletrônica Brasiliano & Associados, n. 28, São Paulo, Brasilia-
no & Associados, março 2007, em: <http://www.brasiliano.com.br/revistas_anteriores.
php?PHPSESSID=68e832a68fa6162c568e1b8a4b09d4de>. (Consulta 31/03/2011.)

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A construção de uma estratégia 117

sidente para o projeto de inclusão digital em escolas públicas e depois em


assessor de planejamento estratégico na empresa Penta Prospectiva Estra-
tégica, da qual foi também diretor.
Em 2006, quando ainda era membro do NAE, propôs a criação de uma
“Otan sul-americana”, com a convicção de que no futuro haverá guerras
na região pelo acesso à água.86 Na opinião de Oliva Neto, os objetivos da
coordenação militar regional seriam três: defender os recursos naturais,
dissuadir uma intervenção extracontinental no Cone Sul e distender as
relações entre os países sul-americanos. Disse que o projeto enquadra-se
no programa Brasil 3 Tempos, e destacou que “quando os problemas de
falta de energia, água e matérias primas se tornarem mais agudos e fora da
América do Sul esta situação começar a gerar estresse internacional, (ou-
tros países) poderiam dirigir seus olhos à nossa região”.87 O militar disse
que o projeto deveria ficar pronto em 2007, e pelo que parece ficou. Porém,
em 2008 e depois do bombardeio da Colômbia contra o acampamento do
dirigente das Farc Raúl Reyes no Equador, o Brasil viu a oportunidade
para colocá-lo em andamento. É evidente que os planejadores estratégicos
do Brasil adiantaram-se aos acontecimentos planejando objetivos regio-
nais a médio e longo prazo, e quando encontram as oportunidades dão o
passo necessário para tornar os planos realidade. E isso acontece em todas
as áreas, ainda que a defesa talvez seja o aspecto mais visível.
Em 2006, Oliva Neto concedeu uma longa entrevista sobre as questões
energéticas, uma das pautas prioritárias do NAE. Destacou que em apenas
20 anos terá sido estabelecida uma nova matriz energética, mais limpa que
a atual. Isso indica, em sua opinião, que o país tem muito pouco tempo
para implementar novas fontes, porque uma vez que se tenha assentado o
novo modelo que substitua o petróleo, já terá passado a janela de oportu-
nidades para o Brasil. O objetivo é aproveitar que o Brasil tem uma impor-
tante vantagem comparativa para a produção de etanol; o NAE realizou
junto com algumas firmas um estudo que lhe permitiu concluir que há
90 milhões de hectares disponíveis para cultivar cana de açúcar, e esta é

86
“Brasília propone una Otan sudamericana”, Agencia Periodística del Mercosur, 16 de
novembro de 2006 em: <http://lists.econ.utah.edu/pipermail/reconquista-popular/2006-
November/044587.html>. (Consulta 31/03/ 2011.)
87
Ibid.

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118 brasil potência

a grande oportunidade para liderar uma mudança na matriz energética.88


Também falou sobre a nanotecnologia, pauta abordada num rigoroso es-
tudo do NAE que monitorou 150 mil frentes de investigação no mundo
para orientar empresários e cientistas especializados na matéria. Se não
trabalharem seriamente, diz Oliva Neto, daqui a dez anos podem ficar fora
do mercado industrial, o que seria muito grave para um país que pretende
ser potência global.
Na citada entrevista, uma das raras que deu o coronel aposentado, enfa-
tiza que há países, como a Coreia do Sul, que tem se especializado em mi-
croeletrônica, e que isso implica uma grande vulnerabilidade, já que está
se produzindo um salto da micro à nanoeletrônica, que deixará seu parque
industrial fora da concorrência em apenas cinco ou dez anos. O Brasil deve
aprender com esses processos, decidindo-se a dar um salto em tecnologia
e investigação. “Estamos criando uma massa crítica de pesquisadores, pro-
fessores e especialistas que o Brasil nunca teve”, disse, em referência à for-
mação da mesma quantidade de especialistas que a Alemanha e a França.89
No governo Dilma, a carteira de Ciência e Tecnologia é ocupada justamen-
te pelo irmão de Oliva Neto, Aloízio Mercadante Oliva.
Em 7 de setembro de 2009, abriu-se uma nova e decisiva oportunida-
de para os planejadores estratégicos do PT, ao assinar um acordo entre o
Brasil e a França para a compra de 51 helicópteros de transporte militar
EC-725, quatro submarinos convencionais e um nuclear. Ao mesmo tem-
po, anunciou-se a compra de 36 caças Rafale, embora esta parte da opera-
ção tenha sido congelada sob o governo Dilma. Todos os acordos supõem
transferência de tecnologia e a construção da maior parte desses aparatos
no Brasil, o que contribuirá a um potente renascimento de uma indústria
militar vinculada ao Estado, assim como propõe a Estratégia Nacional de
Defesa. Nessa nova conjuntura, que promete a criação de um complexo
militar-industrial brasileiro, o coronel Oliva Neto se converteu numa fi-
gura-chave. Sendo uma pessoa de máxima confiança do governo Lula e
também do atual governo Dilma, reúne a dupla condição de planejador
estratégico e de executor das estratégias desenhadas. Alguns dos passos

88
“Diferencial do Brasil está no agronegócio”, em Carta Maior, 3 de julho de 2006, em:
<http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=11588>.
(Consulta 31/03/2011.)
89
Ibid.

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A construção de uma estratégia 119

dados desse momento em diante foram desenhados com extrema cautela


por Oliva Neto e uma pequena equipe de pessoas vinculadas à presidência.
O acordo para a fabricação dos helicópteros supunha criar um marco
para que a empresa Eads,90 a maior fabricante europeia de armamento
bélico, encontrasse uma contraparte brasileira capaz de assumir o desafio,
de modo a não ter que estabelecer relações com uma multidão de empresas
de médio porte que dominavam a indústria militar brasileira. O governo
decidiu reviver uma velha empresa que teve um papel pioneiro na fabri-
cação e exportação de armas. A Engesa (Engenheiros Especializados SA)
foi criada em 1963 e teve um papel destacado nas décadas de 1970 e 1980,
fabricando caminhões e blindados que foram exportados para 18 países,
entre eles os tanques Cascavel e Urutu. Porém, a firma faliu em 1993.
A criação da Engesaer (a nova Engesa) é fruto não só dos acordos com
a França, mas do silencioso e paciente trabalho de Oliva Neto pelo menos
desde 2008, um ano antes de concretizados os acordos. A nova empresa é
a que recebe e processa a tecnologia transferida por Eads. Os helicópteros
EC-725 são produzidos na fábrica de Helibras no Brasil, única fabrican-
te de helicópteros na América Latina, com 70% pertencente à Eurocop-
ter, principal fabricante de helicópteros civis do mundo, vinculada à Eads.
No caso de Engesaer, os europeus terão somente 20% das ações, ficando o
resto reservado para investidores nacionais privados, para fundos de pen-
sões e para o governo federal, que vai controlar a empresa.91 Segundo a
publicação, todo o processo foi desenvolvido no mais absoluto sigilo por
Oliva Neto. Engesaer aproveitará a capacidade instalada de outras cinco
empresas: Imbra Aerospace, Mectron, Akaer, Atmos e Gigacom. Oliva
Neto desempenha-se como articulador a partir de uma plataforma muito
particular, a empresa em que seu pai foi diretor, Penta Prospectivo Estraté-
gica, dedicada ao assessoramento em matéria de segurança e defesa.
Em maio de 2010, deu-se um segundo passo decisivo com a assinatura
de uma aliança entre Odebrecht e Eads Defence & Security. Ou seja, entre

90
Siglas de European Aeronautic Defence and Space Company (Eads), corporação euro-
peia criada em 2000 pela fusão da Aeroespacial Matra da França e da Casa da Espanha
e Daimler-Chrysler da Alemanha. Fabrica os aviões comerciais Airbus, aviões militares,
mísseis e foguetes espaciais.
91
“A volta da Engesa: O Brasil que produz armas de guerra”, Revista Isto é, 19 de agosto
de 2009, em: <http://www.istoe.com.br/reportagens/16703_A+VOLTA+DA+ENGESA>.
(Consultado 21/03/2011.)

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120 brasil potência

um líder mundial no setor aeroespacial e armamentista e a construtora


brasileira que aparece entre as 20 maiores do mundo. O comunicado da
Odebrecht é muito claro: “A aliança tem como objetivo converter-se num
sócio competente e de completa confiança das forças armadas, de orga-
nizações governamentais e de empresas locais”.92 Eads faturou 60 bilhões
de dólares em 2009 fabricando aviões civis e militares, mísseis, sensores e
uma ampla gama de material militar. A Odebrecht faturou 25 bilhões de
dólares em construção pesada, infraestrutura, energia, petróleo e petro-
química; é uma multinacional brasileira forjada por um grupo familiar
que emprega quase 90 mil pessoas. Na nova empresa, Odebrecht-Eads De-
fesa SA, com sede em São Paulo, Oliva Neto se converteu em Diretor de
Desenvolvimento de Negócios.
Três meses depois, em setembro de 2010, Odebrecht deu outro passo
importante com a criação de Copa Gestão em Defesa, como forma de par-
ticipar nos milionários programas de modernização das forças armadas.
A nova empresa tem dois sócios minoritários, Atech, uma empresa de tec-
nologia criada para o Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam) e Penta,
de Oliva Neto.93 Odebrecht continuou avançando e deu um terceiro passo
que a coloca como a empresa melhor situada no crescente e suculento ne-
gócio da modernização das forças armadas. No começo de 2011, assumiu
o controle da Mectron, o maior fabricante brasileiro de mísseis e uma das
maiores firmas do setor defesa.94 O BNDES tinha 27% do capital total da
Mectron, e a Odebrecht passou a controlar mais da metade do capital da
empresa, colocando-se num lugar destacado no momento em que está se
produzindo uma remodelação estratégica do setor.
A Odebrecht mantém uma longa relação com o Partido dos Trabalha-
dores e com Lula, pelo menos desde 1992, tendo feito importantes con-
tribuições econômicas para suas campanhas eleitorais, ao ponto de ter se

92
“Eads Defence & Security e Organização Odebrecht unem forças no Brasil para esta-
belecer uma parceria de longo prazo”, em <http://www.odebrecht.com.br/sala-imprensa/
press-releases?id=14268>. (Consultado 21/03/2011.)
93
“Odebrecht cria empresa de gestão na área de Defesa”, 17 de setembro de 2010 em:
<http://economia.ig.com.br/empresas/industria/odebrecht+cria+empresa+de+gestao+-
na+area+de+defesa/n1237778550208.html>. (Consulta 31/03/2011.)
94
“Odebrecht adquire controle da fabricante de mísseis Mectron”, Folha de São Paulo, 25
de março de 2011, em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/893738-odebrecht-adqui-
re-controle-da-fabricante-de-misseis-mectron.shtml>. (Consulta 2/04/2011.)

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A construção de uma estratégia 121

convertido numa relação de confiança mútua. Em 2008, a Odebrecht já


tinha sido eleita pelo governo, sem licitação, para ser a encarregada junto
com a francesa DCSN para a montagem de quatro submarinos convencio-
nais e de um nuclear, projeto estimado em 10 bilhões de dólares, que inclui
a construção de um estaleiro numa base naval para a Marinha.95 Oliva
Neto encarna a aliança entre o Estado comandado pelo PT e os grandes
empresários industriais brasileiros, da qual participam quadros militares e
civis dedicados a planificar o caminho do Brasil em direção ao seu destino
de grande potência.
Poderiam ser mencionados, certamente, outros importantes planeja-
dores e gestores estratégicos. Aloízio Mercadante é um deles, fundador
do PT, homem-chave no Senado durante os dois governos Lula, ministro
de Ciência, Tecnologia e Inovação e depois ministro da Educação sob o
governo Dilma. Celso Amorim é outra peça central dos governos do PT.
Como chanceler de Lula, teve um papel destacadíssimo em todos os fóruns
mundiais, nas principais crises da região e foi mencionado como o “melhor
chanceler do mundo” pela revista Foreign Policy.96 Com Dilma, passou a
ocupar o Ministério da Defesa num momento estratégico para concretizar
o rearmamento das forças armadas.

95
“Odebrecht cria empresa de gestão na área de Defesa”, op. cit.
96
Foreign Policy, 7 de outubro de 2009, em: <http://rothkopf.foreignpolicy.com/
posts/2009/10/07/the_world_s_best_foreign_minister>. (Consultado 10/01/2012.)

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CAPÍTULO 4

Da estratégia de resistência à
estratégia de defesa nacional

Se quisermos ser um grande país, se quisermos ser capazes de


nos defender e não nos deixar intimidar, precisamos nos armar,
e para armar-se, é preciso uma indústria de defesa baseada em
nossas capacidades.
Roberto Mangabeira Unger

No final do ano de 2004, o Estado-Maior do Exército Brasileiro enviou


quatro oficiais superiores ao Vietnã para o estudo aprofundado das téc-
nicas de guerrilha, com as quais as forças armadas derrotaram os Estados
Unidos três décadas atrás. O relato da missão ficou por vários dias na pá-
gina do Exército (<www.exercito.gov.br.>.), destacando que “a visita teve por
objetivo realizar contatos com as forças armadas daquele país para viabili-
zar, em futuro próximo, intercâmbio sobre as estratégias de resistência nos
vários níveis estratégico, tático e operacional”.1
A missão foi coordenada pelo tenente-coronel Moraes José Carvalho
Lopes e pelo capitão Paulo de Tarso Bezerra Almeida, ambos do Centro de
Instrução de Guerra na Selva, o major Cláudio Ricardo Hehl, da Escola de
Aperfeiçoamento de Oficiais, e o coronel Luiz Alberto Alves, do Comando
de Operações Terrestres. Na mesma página, o general Claudio Barbosa
Figueiredo, chefe do Comando Militar da Amazônia, apresentou detalhes
da missão, que visitou as cidades de Hanoi, Ho Chi Minh (ex Saigón), e
a província de Cu Chi, onde ainda se conservam 250 quilômetros de tú-
neis construídos durante a guerra. Segundo ele, a Estratégia de Resistência

1
Diário da Manhã, Goiânia, 10 de fevereiro de 2003. Disponível em: <http://www.achano-
ticias.com.br/noticia.kmf?noticia=2809013>. (Consulta 03/04/2011.)

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124 brasil potência

“não difere muito da guerra de guerrilhas e é um recurso que o Exército


não hesitaria em adotar em um possível confronto com um país ou gru-
pos de países com potencial econômico e bélico superior ao do Brasil”, e,
acrescentou, “se deverá contar com a própria floresta tropical como aliada
no combate ao inimigo”.2
O general Claudio Barbosa Figueiredo não é precisamente um homem
de esquerda. Durante o regime militar foi ajudante do marechal presidente
Arthur da Costa e Silva (entre 1968 e 1969). Assumiu o comando da Ama-
zônia com a chegada de Lula ao governo, em fevereiro de 2003. Em seu dis-
curso oficial, perante uma comissão parlamentar destacou: “Precisamos
de uma estratégia que custe caro a qualquer sociedade que tente invadir
a Amazônia”, para evitar qualquer ameaça contra esta região de vital im-
portância.3 Enfatizou ainda: “Desenvolvemos no Brasil uma estratégia de
resistência que transforma a floresta em aliada, inimiga de nosso inimigo”.
Salientou que essa estratégia será usada contra forças de maior porte, “dos
países centrais”, aquelas que o Brasil não poderia enfrentar ante uma guer-
ra convencional.
O general se referia a uma estratégia concebida a tempo pelas forças
armadas, segundo ele desde 1998, preocupada com as incertezas do cená-
rio geopolítico mundial (após a queda do socialismo soviético) e, sobretu-
do para resistir à imposição da hegemonia dos Estados Unidos, que havia
fixado seus interesses nos recursos naturais da Amazônia, inclusive com
a construção de um cinturão de bases militares no entorno da região.4
A Estratégia de Resistência começou a ser formulada ainda nos primei-
ros anos da década de 1990, por parte de oficiais que tinham participa-
do do combate à guerrilha do Araguaia na segunda metade dos anos de
1970 e treinados no Centro de Instrução de Guerra na Selva, com sede em

2
Mario Augusto Jakobskind, “Aprendiendo de Vietnam”, em Brecha, Montevideo, 18 de
fevereiro
de 2005 e Observatório da Imprensa, 25 de janeiro de 2005. Disponível em: <http://www.
observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=313JDB003>. (Consulta 03/04/2011.)
3
Câmara dos Deputados, Departamento de Taquigrafia, “Depoimento do Comandante
Militar da Amazônia General Cláudio Barbosa de Figueiredo”, Comissão de Relações Ex-
teriores e Defesa Nacional, Brasília, 2 de outubro de 2003, p. 31.
4
Paulo Roberto Corrêa Assis, “Estratégia da resistência na defesa da Amazônia”, Núcleo
de Estudos Estratégicos Mathias de Alburquerque (Neema), Amazônia II, Rio de Janeiro,
Tauari, 2003.

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Da estratégia de resistência à estratégia de defesa nacional 125

Manaus. Em 1991, o comandante da Amazônia, general Antenor de San-


ta Cruz Abreu, disse perante a Comissão de Defesa Nacional da Câmara
dos Deputados que converteria a floresta em um Vietnã, caso ocorresse
uma invasão; nesse ano se debateu o tema na Escola de Comando e Estado
-Maior do Exército, que buscava planejar uma estratégia capaz de transfor-
mar as forças armadas em forças guerrilheiras em caso de invasão.5
Em 1990, o ex-comandante da Amazônia, general Luís Gonzaga Lessa,
declarou que com o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos se transfor-
maram no único poder hegemônico, e que, ao anunciar sua vocação de
“polícia do mundo”, a questão havia se convertido em “uma preocupação
de todos nós”.6 Nesses primeiros anos, a ideia de que uma potência tec-
nologicamente superior poderia invadir parte da Amazônia, para apro-
priar-se de reservas naturais de metais estratégicos (como o nióbio, usa-
do na indústria aeronáutica), além da água, levou o Comando Militar da
Amazônia a realizar treinamentos com foco na guerra de guerrilhas e, em
2001, apontar a necessidade de participação da população na Estratégia de
Resistência.7
João Roberto Martins Filho, presidente da Associação Brasileira de Es-
tudos de Defesa, aponta que em meados da década de 1990 a Estratégia de
Resistência já estava consolidada, sendo revitalizada, posteriormente no
final da década, quando se aprovou o Plano Colômbia, considerado pelos
militares brasileiros uma ameaça à Amazônia.8 Esse tema é central por-
que mostra como as forças armadas têm sido capazes de definir suas pró-
prias prioridades mesmo em momentos em que os governos neoliberais
debilitaram o aparato estatal e reduziram os recursos/investimentos para
a defesa. A reprodução do espírito nacionalista nas forças armadas nunca
deixou de existir, seja no regime militar, ou mesmo sob o Consenso de Wa-
shington, processo que possibilitou aos militares manter sua autonomia de
pensamento, inclusive quando não contavam com o apoio político.

5
João Roberto Martins Filho, “As Forças Armadas Brasileiras no pós Guerra Fria”. Forta-
leza, Revista Tensões Mundiais, v. 3, 2006, p.78-89.
6
Luiz Alberto Moniz Bandeira, As relações perigosas: Brasil-Estados Unidos (De Collor a
Lula, 1990-2004). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. p. 271.
7
Ibid., p. 272-274.
8
João Roberto Martins Filho, “As Forças Armadas brasileiras e o Plano Colômbia”, em
Celso Castro (coord.) Amazônia e Defesa Nacional. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Var-
gas, 2006. p. 13-30.

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126 brasil potência

Segundo o historiador e especialista em relações exteriores Luiz Alber-


to Moniz Bandeira, as forças armadas sempre desconfiaram das intenções
dos Estados Unidos, especialmente a partir da intensificação da presença
militar na Colômbia, Equador e Peru, sob o pretexto de combate ao tráfico
de drogas e a guerrilha. A presença militar estadunidense na região tem
crescido e se diversificado desde a desativação da base Howard no Panamá,
em 1999. O Comando Sul dos EUA tinha no início da década de 2000 a
responsabilidade sobre as bases de Guantánamo (Cuba), Fort Buchanan
e Roosevelt Roads (Porto Rico), Soto Cano (Honduras) e Comalapa (El
Salvador), e as bases aéreas recentemente criadas em Manta (Equador),
Rainha Beatriz (Aruba) e Hato Rey (Curaçao). Além disso, coordena uma
rede de 17 radares terrestres: três no Peru, quatro na Colômbia e o restante
mantém sob sigilo militar em países andinos e do Caribe.9 A Colômbia,
em particular, se converteu em meados da década de 2000 no quarto maior
beneficiário da ajuda militar dos Estados Unidos no mundo, atrás apenas
de Israel, Egito e Iraque; e a embaixada em Bogotá é a segunda maior do
mundo depois do Iraque.
Foi na década de 1990 que se aprofundaram as divergências entre os
militares e os governos neoliberais a respeito do desmantelamento da in-
dústria bélica brasileira, que nas décadas de 1970 e 1980 chegou a produzir
cerca de 70% dos equipamentos utilizados pelas forças armadas, impor-
tando carros de combate (que antes eram exportados) até pólvora, capace-
tes e bazucas. Aparentemente, a imposição dessas políticas desde Washin-
gton aumentou o sentimento nacionalista entre os oficiais “onde a grande
maioria responsabilizava as pressões dos Estados Unidos e das políticas
neoliberais impostos pelo FMI e Banco Mundial”.10
O Brasil se opôs fortemente ao Plano Colômbia. Durante a IV Confe-
rência dos ministros de Defesa das Américas, celebrada em Manaus em
outubro de 2000, o então presidente Fernando Henrique Cardoso refutou a
possibilidade de incorporar o Exército brasileiro no combate ao tráfico de
drogas, tal como propunha o presidente Clinton. Aliás, em resposta ao Pla-
no Colômbia, o Brasil pôs em marcha o Plano Cobra (iniciais de Colômbia
e Brasil) para evitar que a guerra naquele país atinja a Amazônia brasileira,

9
Juan Gabriel Tokatlian, “La proyección militar de Estados Unidos en la región”, Le Mon-
de Diplomatique, Buenos Aires, dezembro de 2004.
10
Luiz Alberto Moniz Bandeira, op. cit. p. 276.

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Da estratégia de resistência à estratégia de defesa nacional 127

e o Plano Calha Norte para evitar que guerrilheiros e narcotraficantes cru-


zem a fronteira.11
Os militares brasileiros se sentiam cercados por bases estadunidenses,
e nesse período reafirmaram a vontade de fortalecer sua autonomia. Uma
ampla reportagem divulgada pelo jornal Zero Hora, de Porto Alegre, de
março de 2001 ilustra bem a posição das forças armadas. A matéria trazia
a ideia de que os Estados Unidos estavam cercando o Brasil: “Os Estados
Unidos montaram em território sul-americano e ilhas próximas, nos dois
últimos anos, um ‘cordão sanitário’ com 20 bases militares, divididas entre
bases aéreas e estações de radar”.12 Segundo a reportagem, não há rela-
ção de cooperação entre as forças armadas do Brasil e Estados Unidos, já
que o Brasil não permite bases estadunidenses em território nacional, não
participa de missões conjuntas com os Estados Unidos e quase não recebe
fundos para combater o narcotráfico.
Já Fernando Sampaio, reitor da Escola Superior de Geopolítica e Estra-
tégia, dedicada ao estudo de questões militares, resume em poucas pala-
vras a visão que predomina no Brasil a respeito do Plano Colômbia e da
implantação das ações do Pentágono na região: “É uma disputa por hege-
monia regional. O Brasil não quer ser mais um satélite desta constelação
bélica patrocinada pelos americanos”.13
A crescente aproximação entre Argentina e Brasil registrada na déca-
da de 1980, que culminou na criação do Mercosul em 1990, contribuiu
para mudar a tradicional hipótese de guerra das forças armadas, que des-
de a independência do Brasil esteve focalizada em um provável conflito
militar com a Argentina. Como veremos a seguir, essa hipótese manti-
nha as prioridades do período colonial, atualizadas pela ditadura militar
depois de 1964, mas as mudanças geopolíticas globais, sobretudo a queda
do socialismo real e a conformação de um mundo unipolar e a conver-

11
“Os militares, o governo neoliberal e o pé americano na Amazônia”, em revista Repor-
tagem, 18 de outubro de 2000. Disponível em: <http://www.oficinainforma.com.br/inclu-
des/imprimir_pv.php?id=493>.
(Consulta 30/04/2011.)
12
Humberto Trezzi, “EUA já têm 20 guarnições na América do Sul”, Zero Hora, Porto
Alegre, 25 de março de 2001. Disponivel em: <www.oocities.org/toamazon/toaguarnicao.
html>. (Consulta 02/01/2011.)
13
Raúl Zibechi, “El nuevo militarismo en América del Sur”, Programa de las Américas,
maio de 2005, Disponivel em: <http://alainet.org/active/8346•=es>.

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128 brasil potência

são da Argentina em aliado estratégico com a integração do Mercosul,


contribuíram para descartar essa antiga percepção acerca do “maior ini-
migo” do Brasil. É possível que o descobrimento de vastas reservas de
petróleo na “camada do pré-sal” no litoral, a chamada “Amazônia Azul”,
possa ter jogado um papel importante na redefinição das prioridades de
defesa nacional.
A hipótese que guia este trabalho é que com a chegada de Lula ao Pa-
lácio do Planalto, as forças armadas voltaram a ocupar um lugar de des-
taque no projeto que converteu o Brasil em uma potência global. Ou, se
preferirem, há uma confluência entre o projeto regional e global defendido
pelo governo do PT e as velhas aspirações nacionalistas das forças arma-
das, o que permitiu construir uma sólida aliança que vai muito mais além
da conjuntura política, para se transformar em projeto de longo prazo. A
formulação da Estratégia de Defesa Nacional, em 2008, foi um momento
decisivo que mostra como existia uma convergência de influências entre a
nova administração e uma parte dos militares nacionalistas.

A Estratégia Nacional de Defesa

Em 6 de setembro de 2007, o presidente Lula emitiu um decreto criando um


comitê interministerial para elaborar uma Estrategia Nacional de Defesa
(END), presidida pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, coordenada pelo
ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, e integra-
da pelos ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão, da Fazenda e
da Ciência e Tecnologia, contando ainda com o apoio de comandantes das
forças armadas. Durante um ano, o comitê consultou especialistas em de-
fesa, tanto civis como militares. Em 17 de dezembro de 2008, os ministros
Jobim e Unger apresentaram um documento de 58 páginas ao presidente,
na certeza que, pela primeira vez, o Brasil estava diante de uma estratégia
de defesa de longo prazo.
Três prioridades estruturavam o documento: a reorganização das for-
ças armadas, a redefinição do papel do ministério da Defesa e a reestrutu-
ração da indústria militar, sobretudo para que as forças armadas pudessem
se apoiar em tecnologias de domínio nacional, abrindo uma nova relação
com a sociedade, essencialmente para se converter num novo espaço repu-
blicano que refletisse sua integração com o país.

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Da estratégia de resistência à estratégia de defesa nacional 129

Em suas primeiras páginas, a END repetiu alguns dos principais temas


que nortearam os grandes estrategistas brasileiros: “O Brasil irá ascender
ao primeiro plano no mundo sem exercer hegemonia ou dominação”, e
defende a tese de que o “Brasil se engrandecerá sem imperar”.14 Logo em
seguida vincula a defesa ao desenvolvimento, de modo a criar uma relação
de imanência: é o desenvolvimento do Brasil que necessita ser defendido, e
são as forças armadas as que oferecem uma proteção ao desenvolvimento.
A defesa é, conforme a END, a capacidade de dizer “não”, se necessário.
Considera que a estratégia de defesa é inseparável da estratégia de desen-
volvimento nacional.
O tema da independência do país também ganhou destaque na END, e
se assenta em três pilares: a mobilização dos recursos físicos, econômicos
e humanos, a capacitação tecnológica e a democratização das oportunida-
des educativas e econômicas, porque o “O Brasil não será independente en-
quanto faltar para parcela de seu povo condições para aprender, trabalhar e
produzir”.15 A END estabelece 23 diretrizes que sintetizam os princípios
e objetivos para tornar efetiva a estratégia de defesa. O ponto de partida
da END segue a lógica da difusão da capacidade de combate, mas enfatiza
que a tecnologia, mesmo que avançada, não é alternativa ao combate sem
um instrumento de combate. Sendo o Brasil um país de extensas fronteiras
terrestres e marítimas, a “mobilidade estratégica” é atributo fundamental,
o que pressupõe uma capacidade de monitorar e controlar fronteiras.
Faz-se necessário unificar as operações das três forças para assumir
esta tarefa, haja vista que nenhuma força em separado poderia garantir a
proteção de um país tão extenso. Essa articulação se define em três setores
estratégicos: o espacial, o cibernético e o nuclear. Sobre este último, que
por sua importância trataremos em separado, estabelece-se a necessida-
de de dominar toda a produção nuclear, com independência tecnológica e
garantir as condições de construção de submarinos à propulsão nuclear.16
Uma das diretrizes mais importantes, já implementada, é a necessidade
de reposicionar os efetivos das três forças, o que mostra as escolhas estra-
tégicas do Brasil:

14
Ministério de Defesa, “Estratégia Nacional de Defesa”, Brasilia, 2008, p. 1.
15
Ibid., p. 2.
16
Ibid., p. 5.

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130 brasil potência

As principias unidades do Exército estacionam no Sudeste e no Sul do Bra-


sil. A esquadra da Marinha concentra-se na cidade do Rio de Janeiro. As
instalações tecnológicas da Força Aérea estão quase todas localizadas em
São José dos Campos, em São Paulo. As preocupações mais agudas de de-
fesa estão, porém, no Nort, no Oeste e no Atlântico Sul.17

Essa realidade se mantém intocada desde os tempos da Colônia, quan-


do os conflitos entre portugueses e espanhóis tinham por efeito uma pro-
funda desconfiança entre as elites e os povos do Brasil e da Argentina. Esse
processo forçou os Estados Unidos a uma aproximação maior com os ar-
gentinos, pois entendiam que a cooperação entre os países sul-america-
nos poderia criar um centro de poder na América do Sul, afetando sua
influência política, econômica e militar.18 Daí as razões, por exemplo, das
mudanças construídas na década de 1990, com o Mercosul. Porém, a END
leva em prática a ideia de que a Amazônia deve ser defendida de potências
extracontinentais, assim como o petróleo na plataforma continental.
Como parte do processo de redistribuição de forças, a Marinha deverá
se implantar nas bacias dos rios Amazonas e do Paraguai-Paraná, o Exér-
cito posicionará seu efetivo estratégico no centro do país, possibilitando
maior mobilidade por todo o território nacional, e nas fronteiras deverá
ser aumentada a presença e a densidade das três forças. Uma seção do do-
cumento está exclusivamente dedicada à região amazônica, definida como
região prioritária do país, haja vista a pressão das potências do Norte para
exercer tutela internacional sobre as riquezas. O lema, essencialmente co-
nhecido, enfatiza: “Quem cuida da Amazônia brasileira, a serviço da hu-
manidade e de si mesmos, é o Brasil”.19
Com relação à defesa da Amazônia, não se menciona explicitamente
a Estratégia de Resistência, porém a descrição que se realiza a desenvol-
ve e a aprofunda. Aprofunda-se, nesta descrição, três objetivos quanto ao
modo de operar o efetivo militar. O primeiro é a capacidade e as técnicas
de organização e trabalho em rede, não somente com combatentes de sua
própria força, mas também com integrantes de outras. Em segundo lugar,
se propõe desenvolver a capacidade dos combatentes de “radicalizar” sua

17
Ibid., p. 6.
18
Samuel Pinheiro Guimarães, Desafios brasileiros na era dos gigantes, op. cit., p. 353.
19
Ministério de Defesa, “Estratégia Nacional de Defesa”, op. cit., p. 7.

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Da estratégia de resistência à estratégia de defesa nacional 131

mobilidade em qualquer operação. Em terceiro, cada combatente deve es-


tar treinado para “atenuar as formas rígidas e tradicionais de comando e
controle, em prol da flexibilidade, da audácia e da surpresa no campo de
batalha”.20
Além disso, o soldado poderá assumir os objetivos da missão na ausên-
cia de ordens específicas, orientar-se em meio às incertezas do combate e
tomar iniciativa em situações de mudança. Desse modo se poderá “dimi-
nuir o contraste entre as forças convencionais e não convencionais, não
em relação aos armamentos que cada um pode carregar, mas sim em rela-
ção ao radicalismo com que ambas praticam o conceito de flexibilidade”.21
Para que essas qualidades do militar brasileiro pudessem ser exercidas foi
necessário identificar as peculiaridades geográficas do país, inclusive as
mais extremas. De fato, a estratégia para defender a Amazônia, segundo a
END, é o aprofundamento da Estratégia de Resistência em torno das novas
realidades, tomando como ponto de partida a nova estratégia de defesa do
país e de suas riquezas.
A integração da América do Sul ocupa um lugar destacado na Estra-
tégia de Defesa Nacional. Antecipa-se, inclusive, a proposta de criação de
um Conselho de Defesa Sul-americano, e se define que ante uma eventu-
al degeneração da situação internacional o Brasil deve proteger tanto seu
território como suas rotas de comércio marítimo e plataformas petrolí-
feras. Aparecem nessa questão duas situações novas. Uma delas deriva
do descobrimento de amplas reservas de petróleo no litoral atlântico que
asseguram a independência energética do país, porém as forças armadas
brasileiras ainda não dispõem de uma frota de submarinos para efetuar
esse monitoramento. A segunda, é que as rotas de comércio exterior se es-
tendem para além das fronteiras, chegando aos portos no oceano Pacífico.
Isso quer dizer que os corredores logísticos que compõem a Iirsa também
deverão ser protegidos pelas forças armadas, nessa integração regional de
caráter estratégico. Ainda nessa questão, é preciso incluir também as fon-
tes de energia regionais, em particular as grandes usinas hidrelétricas.
Um capítulo especial foi dedicado à indústria militar, já que a END de-
fine como objetivo a conquista da autonomia na produção de tecnologias

20
Ibid., p. 8.
21
Ibid.

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132 brasil potência

essenciais para a defesa. A indústria deve contar com incentivos tributá-


rios e medidas de proteção de modo que o Estado reserve sua capacidade
de regular um setor que considera estratégico. Busca-se, assim assegurar
que a indústria militar alcance o maior nível tecnológico possível e ao mes-
mo tempo não fique essa política submetida à lógica do mercado, como
ocorreu no passado.
Por um lado, busca-se eliminar progressivamente a compra de produ-
tos importados, e, por outro, é necessário desenvolver um complexo mili-
tar-universitário-industrial que tenha produção em escala e seja capaz de
abastecer a região.
A cada arma se propôs objetivos precisos. A Marinha deve negar o uso
dos mares a qualquer potência hostil, defender as plataformas petrolíferas
e fortalecer a construção de uma força naval com envergadura submarina,
que inclui submarinos convencionais e nucleares. O ponto é que, para o
Brasil ser capaz de construí-los, é necessário criar uma base de submarinos
e, ao mesmo tempo, estabelecer uma segunda base naval de usos múltiplos,
como aquela existente no Rio de Janeiro com 30 navios, o mais próximo
possível da foz do rio Amazonas.
O Exército deve trabalhar o fator surpresa, assim como sua capacida-
de de concentração e desconcentração (táticas de natureza guerrilheira), e
deve proceder a uma completa reconstrução com base em módulos de bri-
gada, que serão a unidade básica de combate terrestre, além de estabelecer
Forças de Ação Rápida Estratégica. Cada brigada é um módulo de comba-
te independente com aproximadamente três mil combatentes. Toda força
deve ter um caráter de vanguarda: “A transformação de todo o Exército
em vanguarda, com base no módulo de brigada, terá prioridade sobre as
estratégias de presença”.22 A proposta é que essa força seja capaz de cons-
truir uma potente defesa antiaérea, que domine a fabricação de veículos
lançadores de satélites, além se assegurar os segredos da guerra cibernética.
No entanto, a defesa não aparece como um objetivo em si mesmo: não se
compreende a defesa da região amazônica somente como uma questão das
forças armadas, mas sim pela inter-relação com o desenvolvimento susten-
tável. Defender a Amazônia, conforme a END, passa por resolver o proble-
ma da terra, tanto os conflitos pela terra, como a insegurança jurídica dos

22
Ibid., p. 16.

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Da estratégia de resistência à estratégia de defesa nacional 133

regimes de posse. O Exército deve assumir os imperativos da guerra assi-


métrica,23 porque pode ter que enfrentar inimigos mais poderosos. Para
isso é necessário conjugar ação convencional com não convencional, o que
converteria a guerra assimétrica em “guerra de resistência nacional”.24
A Força Aérea, em particular, tem um desafio a curto prazo que consis-
te em substituir, no período 2015-2025, a atual frota de aviões de combate,
evitando qualquer possibilidade de enfraquecimento da defesa. É consi-
derada, entre as três forças, a mais afetada pelo atraso tecnológico. Além
disso, deve contar com meios para transportar, em poucas horas, uma bri-
gada de reserva estratégica do centro do país a qualquer parte do território
nacional. A previsão é que as unidades de transporte possam ser fixadas
no centro do país, próximo das reservas militares estratégicas e das forças
terrestres. Nesse setor se deve também conquistar independência, para po-
der potencializar o complexo tecnológico e científico de São José dos Cam-
pos (Estado de São Paulo). Assume-se que a concentração nessa cidade
oferece vulnerabilidade estratégica ao principal polo de desenvolvimento
da indústria aeronáutica, ao que se torna imperativa “a progressiva descon-
centração geográfica de algumas de suas partes mais sensíveis”.25
A atual vulnerabilidade da Força Aérea requer decisões rápidas e de
longo prazo. Para encaminhá-las propõem-se dois caminhos possíveis. O
primeiro seria uma parceira para projetar e fabricar no Brasil um caça de
quinta geração, que já existe no mercado internacional. A segunda possi-
bilidade seria comprar caças de quinta geração em uma negociação que
contemple a transferência integral e completa de tecnologia, incluindo o
código fonte. A compra seria um primeiro passo para a fabricação dos ca-
ças no país a partir de empresas brasileiras orientadas pelo Estado, que
assumiria em pouco tempo todo o processo de fabricação. Esta segunda
solução propunha de imediato um acordo entre Brasil e França para a
compra e fabricação de submarinos e helicópteros de transporte militar, e
a aquisição de 36 caças Rafale que seriam construídos no Brasil a partir da
sexta unidade. No entanto, havia outras possibilidades, que chegaram a se
postergar na última parte do acordo.

23
È quando há uma grande desproporção das forças militares envolvidas no conflito ar-
mado, obrigando-as a utilizar meios de combate pensados fora da tradição militar.
24
Ibid., p. 18.
25
Ibid., p. 22.

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134 brasil potência

Muitas das propostas já haviam sido postas em marcha com grande ên-
fase logo que aprovada a END, o que mostra a vontade de mudança estra-
tégica e que os projetos não se tornem meras declarações. Destacarei três
situações para ilustrá-lo. Em abril de 2010, o diário Zero Hora afirmava
que os quartéis brasileiros estavam em ebulição, já que “está em marcha a
maior modificação no tabuleiro de tropas realizadas no país desde que os
militares assumiram o poder no Brasil em 1964”.26 Porém, aponta o jornal,
não se trata de ideologia, mas sim de geopolítica: brigadas de infantaria se
movimentam do Litoral até o Planalto Central e Amazônia.
Desde então, criaram-se 28 novos postos de fronteira na Amazônia
frente aos 21 existentes, somado ao movimento de blindados do Rio Gran-
de do Sul e Paraná para a região. Para esse objetivo, só o Exército prevê
investir quase 90 milhões de dólares até 2030. Quando da finalização do
processo de relocalização e reestruturação, o Exército acrescentaria 59 mil
novos combatentes aos 210 mil existentes em 2010, e o aparelho de guerra
seria mais ágil com a incorporação de blindados de última geração. Esse
processo é parte da Estratégia Braço Forte, que inclui os programas Ama-
zônia Protegida e Sentinela da Pátria. Para se ter uma ideia da preferência
pela defesa da Amazônia, do total de novos efetivos, 40% seriam instalados
na região, quase duplicando o efetivo para 49 mil militares.
A segunda situação se refere aos submarinos. Logo após as negociações
com a França em 2009, a Marinha criou o Programa de Desenvolvimento
de Submarinos (Prosub), cujo marco se inicia em 2010, com a construção
de um enorme estaleiro em Itaguaí, Estado do Rio de Janeiro, onde serão
construídos quatro submarinos convencionais e o primeiro submarino
nuclear. Trata-se de um dos projetos mais ambiciosos, sendo a Marinha a
principal responsável em vigiar e defender as reservas petrolíferas da ca-
mada do pré-sal, para a qual os submarinos terão um papel decisivo. O
estaleiro pertencerá à Marinha, mas nos próximos vinte anos será cedido
em concessão à Odebrecht, que tem 49% da francesa DCNS que conta com
50%. O 1% restante pertence à Marinha, que terá a capacidade de vetar
decisões estratégicas da sociedade entre ambas empresas, bem como em
outras empresas estratégicas no Brasil: a Embraer, terceira maior empresa

26
“Nova cartada do Exército brasileiro”, Zero Hora, Porto Alegre, 18 de abril de 2010, Dis-
ponível em: <http://planobrasil.com/2010/04/18/nova-cartada-do-exercito-brasileiro>.
(Consulta: 02/01/2011.)

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Da estratégia de resistência à estratégia de defesa nacional 135

aeronáutica mundial, e a Avibras, fabricante de sistemas de defesa aérea e


mísseis.
O estaleiro de Itaguaí, em fase de construção, será responsável pela fa-
bricação do primeiro dos quatro submarinos convencionais, até 2015, cuja
primeira parte já foi construída na França. Desta forma, o estaleiro lançará
um submarinho a cada dois anos, e em 2023 terá concluído o submarino
nuclear graças à transferência de tecnologia prevista no acordo. A empresa
Nuclep, braço industrial do complexo nuclear brasileiro, é a encarregada
de fabricar os cascos dos navios. O estaleiro se somará a uma base de sub-
marinos, ambos construídos pela Odebrecht, em um complexo na baía de
Sepetiba que terá pelo menos 27 edifícios. A longo prazo, até 2047, o esta-
leiro construirá pelo menos vinte submarinos convencionais, os cinco atu-
ais serão modernizados e mais quinze novos serão construídos, inclusive
nucleares, formando a maior frota do Atlântico Sul.27
A terceira situação diz respeito à fabricação de helicópteros. O acordo
firmado com a França estabelece a compra de 51 helicópteros de transpor-
te militar EC-725, que serão fabricados pela Helibras, filial da Eurocopter,
a principal fábrica de helicópteros do mundo, com 53% do mercado civil. A
Helibras se instalou em Itajubá (Minas Gerais) em 1978 com participação
majoritária da Eurocopter e minoritária do Estado brasileiro. Em 33 anos,
fabricou uns 500 helicópteros, sobretudo de transporte civil, mas o acordo
para a construção dos EC-725 prevê um salto qualitativo para uma empre-
sa que se coloca entre as quatro maiores do mundo junto a Sikorsky e Bell
dos, Estados Unidos, e Agusta, da Itália.28
Os três primeiros EC-725 foram entregues em dezembro de 2010 para
equipar as forças armadas.29 A partir do décimo quinto, previsto para 2013,
a Helibras estará em condições de controlar toda a produção no Brasil.30

27
“Brasil planeja frota nuclear”, O Estado de São Paulo, 21 de novembro de 2010, Dis-
ponível em: <http:// www.estadao.com.br/noticias/impresso,brasil-planeja-frota-nucle-
ar,643152,0.htm>. (Consulta 02/01/2011.)
28
“Produção de helicópteros coloca Brasil entre gigantes mundiais”, em Defesanet, 13 de
abril de 2011, Disponível em: <http://www.defesanet.com.br/aviacao/noticia/596/Produ-
cao-de-helicopteros-coloca-Brasil-entre-gigantes-mundiais>. (Consulta 19/04/2011.)
29
Trata-se de um helicóptero de grande autonomia, rápido e potente, capaz de transportar
29 soldados, equipamentos e dois pilotos.
30
“Brasil ganha espaço nos planos da Eurocopter”, Valor, 12 de abril de 2011, Disponí-
vel em: <http://www. investe.sp.gov.br/noticias/lenoticia.php?id=14881>. (Consulta
02/01/2011.)

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136 brasil potência

Dos dois projetos firmados com a França, é o que está mais avançado. A
transferência de tecnologia pela Eurocopter irá também permitir a fabri-
cação de aeronaves para controlar e proteger as reservas petrolíferas ma-
rítimas. O projeto prevê que os EC-725 atinjam 50% de conteúdo nacional
em 2020, quando a empresa terá capacidade de projetar, desenvolver e pro-
duzir helicópteros no Brasil. Todo esse processo prevê a participação de
empresas locais junto da Eurocopter, definindo aquilo que o presidente da
empresa, Lutz Bertling, chamou de “processo de nacionalização dos heli-
cópteros”, que não se restringirá ao modelo EC-725.31
Esses três exemplos são apenas o começo das transformações que estão
sendo introduzidas pela Estratégia de Defesa Nacional. Em agosto de 2010, o
Senado aprovou a reestruturação das Forças Armadas, unificando as três ar-
mas por intermédio de um Estado-Maior Conjunto, em estreita relação com
o ministro da Defesa.32 Com essa decisão, fortalece-se a direção unificada do
Comando Maior e intensifica a centralização e coordenação das forças.
A nova Estratégia de Defesa mostrou sua força em duas ocasiões bem
diferentes: a realização da Operação Atlântico II no litoral marítimo, em
julho de 2010, antes da Cúpula da Otan em Lisboa, em novembro do mesmo
ano. Um dos eixos de defesa passa pelo Atlântico, já que o Brasil é um país
com um extenso litoral. O conceito de “Amazônia Azul” pretende dar conta
dessa realidade. Os espaços marítimos brasileiros, até as 200 milhas náuticas,
correspondem a 3,5 milhões de quilômetros quadrados, chamados de Zona
Econômica Exclusiva. Porém, o Brasil está pleiteando, na Convenção de Li-
mites da Plataforma Continental da Convenção das Nações Unidas sobre o
Direito ao Mar, a extensão desses limites para 350 milhas náuticas, alegando
as peculiaridades de sua plataforma continental. Se assim for definido, os
espaços marítimos brasileiros chagarão a 4,5 milhões de quilômetros qua-
drados, uma superfície maior do que a “Amazônia Verde”.33
Defender essa enorme superfície de recursos, como o petróleo, que
assegura a autossuficiência energética, implica uma enorme mobilização

31
Ibid.
32
“Senado aprova reestruturação das Forças Armadas”, O Estado de São Paulo, 4 de agos-
to de 2010. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,senado-aprova
-reestruturacao-dasforcas-armadas,590449,0.html>. (Consulta 02/01/2011.)
33
Este é o argumento da Marinha do Brasil. Disponível em: <https://www.mar.mil.br/
menu_v/amazonia_ azul/amazonia_azul.htm>. (Consulta 28/02/2011.)

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Da estratégia de resistência à estratégia de defesa nacional 137

militar. Em julho de 2010 foi realizada a manobra Atlântico II, da qual


participaram as três armas e 10 mil militares. Entre 19 e 30 de julho as tro-
pas embarcaram nos Estados de Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo,
além dos arquipélagos de Fernando de Noronha, São Pedro e São Paulo, e
simularam a defesa da infraestrutura petroleira e portuária, assim como
as tropas terrestres na proteção das usinas nucleares. Somente a Marinha
usou 30 navios. Chamou a atenção uma operação que simulou a recupe-
ração da Plataforma P-43 da Petrobras, na bacia de Campos, por parte do
Grupo Especial da Marinha.34
Foi a primeira operação militar destinada a defender as jazidas pe-
trolíferas recém-descobertas. O contra-almirante Paulo Ricardo Médici,
subchefe do Comando de Operações Navais da Marinha, disse à agenda
Reuters que para defender as futuras plataformas serão necessários novas
estratégias, e quando o Brasil dispuser de seu submarino nuclear, “ne-
nhum país do mundo terá a coragem e condições de se aproximar da nossa
costa”.35 Com base nos argumentos dos militares sobre as necessidades
materiais para defender os 8.500 quilômetros de costa, no domínio da
Amazônia Azul, o portal especializado Defesabr.com fez um cálculo hipo-
tético das necessidades da Marinha: 140 navios de patrulha, 42 escoltas, 28
submarinhos convencionais e 14 nucleares.36 Parece exagerado, mas não
está muito distante dos planos reais do país.
A Cúpula de Lisboa da Otan, realizada entre 19 e 20 de novembro de
2010, supôs o reconhecimento que a aliança militar nascida em 1949 para
a defesa do espaço euro-atlântico havia se convertido em força de inter-
venção global. “Os cidadãos de nossos países confiam na Otan para defen-
der nações aliadas, mobilizar forças militares robustas, quando necessário
para a nossa segurança, para a promoção da segurança comum entre os
nossos aliados ao redor do globo”.37

34
Marinha em Revista, Marinha de Brasil, dezembro de 2010, p. 6-10.
35
“Militares expandem simulação de ataque ao pré-sal”, em O Globo, 13 de julho de 2010.
Disponível em: <http://oglobo.globo.com/pais/mat/2010/07/13/militares-expandem-si-
mulacao-de-ataque-aopre-sal-917139348.asp>. (Consulta 28/04/2011.)
36
Disponível em: <http://www.defesabr.com/blog/index.php/14/07/2010/militares-ex-
pandem-simulacao-deataque-ao-pre-sal>. (Consulta 28/04/2011.)
37
“Strategic Concept. For the Defence and Security of The Members of the North Atlan-
tic Treaty. Organisation”. Disponível em: <www.nato.int/lisbon2010/strategic-concept-
2010-eng.pdf>. (Consulta 28/04/2011.)

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138 brasil potência

A expansão das atribuições militares da Otan foi interpretada como am-


bição de perpetuar o arsenal nuclear e de se converter em polícia do mundo,
acoplando-se ao desenho militar do Pentágono, da Guerra Infinita à Guerra
de Espectro Total.38 O Brasil respondeu prontamente, ante uma nova reafir-
mação militarista dos Estados Unidos, que pode afetar novamente a região
como antes o fez a reativação da IV Frota, a implantação de bases militares
na Colômbia e no Panamá, mas também pela ocupação militar no Haiti sob
o pretexto do terremoto (12 de janeiro de 2010), e pelo golpe de Estado em
Honduras (28 de junho de 2009), entre as mais evidentes.
Em 10 de setembro, o ministro da Defesa participou da Conferência In-
ternacional “O futuro da comunidade transatlântica”, realizada em Lisboa
pelo Instituto de Defesa Nacional. Nelson Jobim mostrou sua preocupa-
ção pela possibilidade de a Otan retomar incursões militares no Atlântico
Sul, o que define como “área geoestratégica de interesse vital do Brasil”.39
O ministro foi claro ao afirmar a necessidade de separar as questões do
Atlântico Norte das do Sul, que merecem “respostas diferenciadas, cada
vez mais eficientes e legítimas, tanto ou mais eficientes e legítimas quanto
menos envolvam organizações ou Estados estranhos à região”.
Assegurou que as razões pelas quais se criou a Otan “deixaram de existir”,
já que desapareceu a ameaça da União Soviética. Ele acusou a Otan de se
tornar “instrumento para avanço dos interesses de seu membro principal, os
Estados Unidos” e criticou de modo frontal “a extrema dependência euro-
peia das capacidades militares norte-americanas no âmbito da Otan”, o que
o impede a Europa de se “constituir em um ator geopolítico à altura de seu
peso econômico”.40
Em 3 de novembro, na abertura da VII Conferência de Segurança In-
ternacional, no Forte de Copacabana (Rio de Janeiro), patrocinada pela
Fundação Konrad Adenuer da Alemanha, Jobim voltou ao mesmo assunto.
Enfatizou que o Brasil e a América do Sul não podem aceitar que os Esta-
dos Unidos e a Otan “se coloquem” no direito de intervir em qualquer par-

38
Pepe Escobar, “Bienvenidos a OTANstán”, em Rebelión, 21 de novembro de 2010. Dispo-
nível em: <http://www.rebelion.org/noticia.php?id=117083>. (Consulta 02/01/2011.)
39
“JOBIM – O Futuro da Comunidade Transatlântica”, em http://www.defesanet.com.
br/defesa/noticia/3381/JOBIM---O-Futuro-da-Comunidade-Transatlantica (Consulta
12/01/2013).
40
Ibid.

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Da estratégia de resistência à estratégia de defesa nacional 139

te mundo e, de modo particular, de “cortar a linha” que separa o Atlântico


Norte do Sul.41 Rebateu a ideia do Pentágono de “soberanias compartilha-
das” na região: Qual é a soberania que os Estados Unidos querem com-
partilhar, a deles ou a nossa? E ainda disse, “Não seremos parceiros dos
Estados Unidos para que eles mantenham seu papel em todo o mundo”,
afirmando que “a política internacional não pode ser definida a partir da
perspectiva que convenha aos Estados Unidos”.42 Rejeitou conversar sobre
o Atlântico Sul com um país que nem sequer aceita a soberania marítima
brasileira de 350 milhas, reconhecida pelas Nações Unidas. Jobim defen-
deu que o Brasil e os demais países sul-americanos “construam um apara-
to de dissuasório para enfrentar as ameaças extra-regionais”, que é um dos
eixos da Estratégia de Defesa Nacional, capaz de enfrentar qualquer tipo
de desafio, diplomático ou militar, convencional ou não.

Mapa 1. Amazônia Azul

Zona Econômica
Exclusiva (ZEE)

Plataforma continental
(além das 200 milhas)

Fonte: Poder Naval Online. <www.naval.com.br>

41
“Ministro da Defesa ataca estratégia militar de EUA e Otan para o Atlântico Sul”, Fo-
lha de São Paulo, 4 de novembro de 2010. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/
mundo/825261-ministro-dadefesa-ataca-estrategia-militar-de-eua-e-otan-para-o-atlan-
tico-sul.shtml>. (Consulta 28/04/2011.)
42
Ibid.

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140 brasil potência

Em 21 de novembro, um dia após a Conferência da Otan em Lisboa, o


Estado de São Paulo publicou a notícia de que a Marinha do Brasil tinha
um plano até 2047 (data similar do “conceito estratégico” da Otan) para
dotar-se de uma frota de seis submarinos nucleares e vinte convencionais.
Foi a primeira vez que essa notícia ganhou destaque, o que mostra que a
militarização passa por uma potente indústria nacional de defesa.43

Um novo complexo industrial-militar

A END define claramente a necessidade de o Brasil construir um “comple-


xo militar-universitário-empresarial” capaz de atuar na fronteira de tecno-
logias, que terá, quase sempre, com dupla finalidade, militar e civil.44 A esta
definição geral se somam outras que apontam para um desenvolvimento
tecnológico independente do país, com o objetivo de que a indústria de de-
fesa realize “pesquisa de vanguarda sirva à produção de vanguarda”, o que
passa pela instituição de um regime legal, regulatório e tributário espe-
cial.45 Para isso as empresas podem ser eximidas de concorrer em licitações,
e se buscará dar continuidade nas compras estatais, evitando um colapso,
como ocorreu no final da década de 1980, quando as transformações no
cenário internacional levaram o setor a ruínas, ao caírem bruscamente
suas exportações.46
A END estabelece também que em relação ao complexo industrial-mi-
litar o Estado terá “poderes especiais sobre as empresas privadas, além das
fronteiras da autoridade reguladora global”, como as ações especiais ou
“ações de ouro” (golden share), capazes de bloquear decisões que se con-
sideram estratégicas.47 Também sinaliza que o Brasil não se limitará a ser
cliente na compra de armas, mas sim um sócio ou aliado dos países que
lhe vendam, para fortalecer sua capacidade de fabricar armas com base na
transferência de tecnologia. A END decidiu criar uma Secretaria de Pro-
dutos de Defesa no Ministério da Defesa, que será de responsabilidade do

43
“Brasil planeja frota nuclear”, O Estado de São Paulo, op. cit.
44
Ministério de Defesa, “Estratégia Nacional de Defesa”, op. cit., p. 28.
45
Ibid., p.26.
46
Renato Dagnino, A indústria de defesa no governo Lula. São Paulo: Expressâo Popular, 2010.
47
Ministério de Defesa, “Estratégia Nacional de Defesa”, op. cit., p. 27.

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Da estratégia de resistência à estratégia de defesa nacional 141

setor de Ciência e Tecnologia, cujo secretário será nomeado diretamente


pelo presidente da República.
Sob o governo Lula, o gasto militar cresceu como não havia crescido
desde o período militar: cerca de 45%.48 Seguindo as orientações da END, o
país fortaleceu as três armas, voltou a construir tanques e blindados como
nas décadas de 1970 e 1980, quando a Engesa produziu e exportou os mo-
delos Cascavel e Urutu; a Força Aérea deve comprar os 36 caças de quinta
geração (uma operação que chega aos 10 bilhões de dólares), para começar
a recuperar o tempo perdido ainda nesta década. A Marinha deverá adqui-
rir pelo menos 62 navios de patrulha, 18 fragatas com armamento pesado,
um navio de logística, dois porta-aviões e os já mencionados submarinos.
No total estão previstos investimentos em armamentos em torno de 260
bilhões de dólares em vinte anos, quase 10% do PIB anual.
É interessante observar como as autoridades brasileiras compreendem
o papel estratégico dos investimentos militares no cenário mundial. O mi-
nistro da Defesa considera que a modernização das forças armadas está
estritamente ligada ao papel que jogará o país nas próximas décadas, pas-
sando de uma potência regional para uma grande potência global. “Pode-
ríamos ter uma articulação mais intensa, não somente em torno da Amé-
rica do Sul, mas também da África ocidental e naqueles pontos do globo
onde os interesses brasileiros estiverem em jogo”, disse Jobim ao defender
a aprovação do projeto de lei que garante a perpertuidade dos investimen-
tos militares, algo similar ao que acontece no Chile, onde uma parte das
exportações de cobre se integra ao erário militar, quando no Brasil poderia
existir o mesmo com relação ao petróleo da camada do pré-sal.49
A experiência histórica recente pesa como uma ameaça entre os mili-
tares e todos os setores vinculados ao complexo industrial-militar. A in-
dústria militar chegou a exportar 1,6 bilhão de dólares entre 1974 e 1983,
porém no período de 1994-2003 caiu para 287 milhões de dólares.50 Nos
chamados anos de ouro da indústria militar, as exportações estavam con-

48
“Lula amplia 45% gasto com defesa em 5 anos”, O Estado de São Paulo, 25 de abril de
2010, Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,lula-amplia-45-gas-
to-com-defesa-em-5-anos,542748,0.htm>. (Consulta 02/01/2011.)
49
“Brasil deve fazer investimento militar para ter voz”, Folha de São Paulo, 8 de abril de 2011.
50
Rodrigo Fracalossi de Moraes, “Ascensão e queda das exportações brasileiras de equipa-
mentos militares”, Boletim de Economia e Política Internacional, Brasília, Ipea, n. 3, julho
de 2010, p. 60.

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142 brasil potência

centradas no Iraque e na Líbia: aviões Tucano fabricados pela Embraer,


tanques Cascavel e Urutu fabricados pela Engesa e sistemas de defesa aérea
da Avibras.51 Quando do término da guerra do Iraque, instaurou-se um
colapso nas vendas por parte do Iraque, e, assim, a indústria entrou em
uma profunda crise, da qual jamais se recuperou.52
Entre as décadas de 1990 e 2000, houve anos onde não se registraram
exportações de armas. A contradição é muito grande: um país situado en-
tre as dez maiores potências industriais do mundo (sendo a sexta em 2011)
está classificado em 37° na lista de exportadores e em 26° lugar na de im-
portações.53
Essa enorme defasagem explica a necessidade de priorizar o crescimen-
to econômico, que em 2020 poderá colocar o Brasil entre os cinco maiores
PIBs do mundo, e consequentemente pôr em prática uma verdadeira in-
dústria de defesa. Para romper essa inércia é preciso muita vontade política.
O governo Lula começou a traçar esse caminho pouco depois de assumir a
presidência. Em 2003, cumprindo uma promessa de campanha, o governo
convocou um Ciclo de Debates sobre Assuntos de Defesa e Segurança, que
se estendeu até julho de 2004, com a participação de civis e militares. O re-
sultado foi uma publicação do Ministério da Defesa, em quatro volumes,54
que identificou sobretudo problemas na execução do orçamento: 82% do
orçamento se destina ao pagamento de salários, e somente 3,5% a inves-
timentos.55 No contraponto, os Estados Unidos destinam apenas 35% do
orçamento para os salários e mais de 20% em investimentos.
Desde a finalização do ciclo de debates até a aprovação da Estratégia de
Defesa Nacional se passaram quatro anos. Os acordos com a França, em
dezembro de 2009, proporcionaram um arranque da indústria de defesa
brasileira, tanto no montante de recursos receitas (8 bilhões de dólares)
como nas perspectivas que se abriram. Durante muitos anos os problemas
econômicos e políticos impediram o país de manter os investimentos a
longo prazo. O que aconteceu com as Forças Aéreas foi sintomático.

51
Ibid., p. 64.
52
Renato Dagnino, A Indústria de Defesa no Governo Lula, op. cit.
53
Ibid., p. 80-81.
54
Ibid., p.18.
55
Ibid., p.51-52.

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Da estratégia de resistência à estratégia de defesa nacional 143

Uma matéria da revista Veja56 aponta que as Forças Aéreas contam com
110 caças militares, sendo que 90% deles foram fabricados nas décadas de
1970 e 1980, e em boa medida com a vida útil já ultrapassada. Outros paí-
ses da região contam com frotas militares muito mais modernas: a Vene-
zuela adquiriu 24 Sukhoi 30, avião de combate russo considerado um dos
mais modernos do mundo, e o Chile conta com 28 caças F-16 estaduni-
denses, avião preferido dos israelenses. O programa de compra de caças
de última geração, denominado FX-2, se arrasta desde 1998. A situação é
grave, porque na década de 1970 os caças podiam detectar alvos no solo a
20 quilômetros de distância, enquanto que os atuais o fazem a 170 quilô-
metros do alvo. E a Força Aérea Brasileira é responsável pela proteção de
um território de dimensões continentais. Sob o governo Lula, chegou-se a
propor que os novos aviões fossem comprados da França, e não dos Esta-
dos Unidos, posto que os franceses se comprometeram a transferir o có-
digo fonte das aeronaves, o coração digital dos programas que controlam
os aviões e suas armas. Mas as negociações se limitaram por problemas
orçamentários (cada Rafale custa 80 milhões de dólares), já que a oferta
sueca do Gripen era mais barata, inclusive possibilitando um desenvol-
vimento conjunto, por ser um avião que ainda não se produz em série, e
provavelmente por diferenças de caráter geopolítico com a França, após a
aproximação do Brasil com o Irã (2010) e sua posição diante das revoltas
árabes (2011). O fato é que quando se conseguir desbloquear a compra dos
caças com transferência de tecnologia, o país dará um importante salto na
ampliação de seu complexo industrial-militar.
Com a aprovação da END o Brasil estará prestes a ser o décimo primei-
ro país a fabricar caças de quinta geração, ser um dos grandes fabricantes
de helicópteros e ingressará no seleto grupo de quinze países que produ-
zem submarinos nucleares. Tudo isso passa por uma nova e revitalizada
indústria militar.
O complexo militar-industrial está passando por mudanças profundas
em muito pouco tempo: novas empresas estrangeiras se instalam no Brasil;
as empresas brasileiras mais importantes abriram um setor de defesa vi-
sando a novos investimentos na modernização de seus armamentos; gru-

56
“O fim de uma batalha aérea”, Veja, 9 de setembro de 2009. Disponível em: <http://veja.
abril.com.br/090909/fim-batalha-aerea-p-100.shtml>. (Consulta 19/04/2011.)

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144 brasil potência

pos nacionais compram pequenas e médias empresas vinculadas ao pólo


tecnológico de São José dos Campos. Enfim, o setor de defesa está muito
mais aparelhado desde que se aprovou a END em dezembro de 2008 e
sobretudo desde o acordo firmado com a França um ano depois. Contu-
do, esses acordos, ainda que importantes, são apenas o começo. Veremos
adiante o que está ocorrendo a partir desses acontecimentos.
Ao nível das empresas, registram-se fortes movimentos da Odebrecht e
da Embraer no setor de armas, já que ambas decidiram investir no setor de
defesa. Como relatado no capítulo anterior, a Odebrecht chegou a firmar
um acordo estratégico com a europeia Eads, em maio de 2010, para a fa-
bricação de submarinos, além de ter o coronel aposentado Oswaldo Oliva
Neto na diretoria de Desenvolvimento de Negócios, um dos principais se-
tores da multinacional. Em 2011, anunciou a criação da Odebrecht Defesa
e Tecnologia, inaugurando sua participação na área de defesa. Um ano an-
tes, em 2010, criou a Copa Gestão em Defesa S.A, uma associação com as
empresas do setor Atech e Penta.57 A aliança é extremamente importante:
a Odebrecht é um dos três maiores grupos empresariais do Brasil, e a Eads
é a segunda maior corporação do mundo, no campo da defesa.
Um passo importante foi dado pela Odebrecht em março de 2011, ao ad-
quirir o controle da Mectron, fabricante de mísseis e produtos de alta tecno-
logia para o mercado aeroespacial. Desde 1991, a Mectron produz radares
que agora estão sendo utilizados na modernização de caças, de mísseis ar-ar
de curta distância, mísseis antitanque e mísseis de quarta geração. O negó-
cio foi acompanhado de perto pelo governo Lula, já que apoia a reestrutura-
ção do setor e incentiva a criação de grupos de empresas de defesa capazes de
fazerem investimentos de risco para o desenvolvimento de produtos de inte-
resse das forças armadas. Um dos diretores da Odebrecht, Roberto Simões,
disse que “nosso objetivo é fortalecer a empresa e transformá-la em base
de exportação de produtos e serviços impulsionando a indústria nacional,
conforme um dos princípios da Estratégia de Defesa Nacional”.58 Alguns es-
timam inclusive que a Odebrecht poderá coordenar a construção de navios

57
Portal IG, 17 de setembro de 2010, em: <http://economia.ig.com.br/empresas/industria/
odebrecht+ cria+empresa+de+gestao+na+area+de+defesa/n1237778550208.html>. (Con-
sulta 22/04/2011.)
58
“Odebrecht adquire controle da fabricante de mísseis Mectron”, Folha de São Paulo, 26
de março de 2011.

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Da estratégia de resistência à estratégia de defesa nacional 145

de patrulha para a proteção das reservas petrolíferas, desde o seu estaleiro e


porto em construção, e que seria um negócio tão importante como a cons-
trução de submarinos, já que incluem mais de 60 navios.59
Já a Embraer, terceira maior fabricante de aviões do mundo, criou no fi-
nal de 2010 a Embraer Defesa e Segurança para reforçar seu compromisso
“com o Estado brasileiro em assegurar a capacitação e a autonomia tecno-
lógica que o país necessita”, reforçando os objetivos da Estratégia de Defesa
Nacional.60 A empresa projeta não somente a reestruturação das forças ar-
madas brasileiras, mas também projetar-se no mundo, já sendo provedora
de mais de 30 forças aéreas.
Em março de 2011, a Embraer comprou a empresa Orbisat, o que repre-
senta um passo estratégico para aumentar sua participação no sistema de
defesa, já que a “Orbisat possui uma tecnologia que nem todos os países
do mundo dominam”, segundo o presidente do setor de defesa da Embraer,
Luiz Calos Aguiar.61 A Orbisat foi criada em 1998, conta com a participa-
ção acionária do BNDES, e tem desenvolvido tecnologia de última geração
para controle remoto e radares de vigilância aérea, marítima e terrestre.
Segundo comunicado da Embraer anunciando a compra do setor de rada-
res, a Orbisat desenvolveu em conjunto com o Exército o radar Saber M60,
que será a base do Sistema de Vigilância de Fronteiras (SisFron), podendo
realizar o monitoramento remoto do solo por debaixo da copa das árvores
“com a maior precisão do mundo”, utilizando-o para o mapeamento carto-
gráfico da região amazônica.
Pouco depois a Embraer comprou 50% da Atech, empresa que deu ori-
gem ao Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), e que oferece sistemas
para controle de tráfego aéreo.62 A Embraer está em plena disputa econô-
mica para centralizar boa parte do segmento de defesa nacional, o que
supõe uma forte competição com a Odebrecht. A aeronáutica está inves-
tindo em pesquisa e desenvolvimento de produtos, e é a única candidata

59
Portal IG, 17 de setembro de 2010, op. cit.
60
Embraer S.A., 9 de dezembro de 2010. Disponível em: <http://www.embraer.com/pt-BR/
ImprensaEventos/Press-releases/noticias/Paginas/EMBRAER-CRIA-UNIDADE-EM-
PRESARIAL-DEDICADA-AOMERCADO-DE.aspx>. (Consulta 22/04/2011.)
61
Embraer S.A., 15 de março de 2011. Disponível em: <http://www.embraer.com/pt-BR/Im-
prensaEventos/Press-releases/noticias/Paginas/ORBISAT.aspx>. (Consulta 22/04/2011.)
62
“Embraer compra 50% da Atech, empresa de tecnologia de defesa”, Folha de São Paulo,
12 de abril de 2011.

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146 brasil potência

a fabricar o caça brasileiro, seja o modelo francês Rafale, o sueco Gripen


ou qualquer outro de escolha das autoridades. Para isso, está bem avança-
do o projeto de construir um cargueiro militar de transporte batizado de
KC-390, que competirá com o mítico Hércules C-130, da estadunidense
Lockheed Martin, que ocupa o mercado desde a década de 1950.
O cargueiro da Embraer tem várias vantagens sobre o Hércules: maior
velocidade, menor preço, maior capacidade de carga e possibilidade de
abastecer aviões em vôo.63 O acordo firmado pela Força Aérea com a Em-
braer em abril de 2010 planeja construir 180 aviões a partir de 2015. So-
mente a Força Aérea encomendou 28 unidades, mas estima que serão ne-
cessários entre 60 e 80 aeronaves; conta com 60 intenções de compra de
oito países e a associação de duas empresas em sua construção aeronáutica,
a checa Aero Vodochody e a Fábrica Argentina de Aviões, estimando, com
isso, conquistar pelo menos 30% do mercado mundial do setor.64

Cargueiro militar KC-390 (Embraer).

63
“O cargueiro militar tático”, em: <http://www.defesabr.com/Fab/fab_embraer_kc-390.
htm>. (Consulta 23/04/2011.); revista Exame, 22 de abril de 2010. O KC-390 voa a 800
quilômetros por hora (o Hércules voa a 610), tem um custo de 50 milhões (frente aos 80
milhões) e transporta 23,6 toneladas, frente a 20 do Hércules.
64
“Volta às armas. Reaparelhamento das Forças Armadas”, revista Isto é, 21 de abril de
2011, e Defesanet, 14 de abril de 2011, em: <http://www.defesanet.com.br/laad2011/no-
ticia/611/EMBRAER-Defesa-e-Seguranca-e-FAdeA-Assinam-Contrato-de-Parceria-para
-o-Programa-KC-390>. (Consulta 23/04/2011.)

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da estratégia de resistência à estratégia de defesa nacional 147

Helicóptero EC-725, fabricado pela Helibras.

A italiana IVECO (do grupo FIAT, que fabrica caminhões no Brasil)


começou a produção de 2.044 blindados de transporte anfíbio para o Exér-
cito. Trata-se do modelo Guarani que será fabricado entre 2012 e 2030, na
fábrica da empresa em Sete Lagoas, Minas Gerais, desenhado conjunta-
mente pela empresa e pelo Departamento de Ciência e Tecnologia do Exér-
cito. O veículo foi projetado para substituir os velhos Urutu da Engesa;
pesa 18 toneladas, pode transportar 11 soldados e tem cerca de 60% de
tecnologia nacional.65
A Avibras Aeroespacial é outra empresa brasileira em plena expansão.
Fabrica desde antenas de telecomunicações, foguetes-sonda até mísseis
guiados por fibra ótica e foguetes de defesa antiaérea. A empresa passou
por momentos difíceis, e no inicio de 2011 estava em negociação com o go-
verno para analisar seu futuro. “Estamos estudando várias possibilidades,
inclusive o controle das vendas, em parceira com o governo, para assegu-
rar a identidade nacional da empresa”, disse o presidente da companhia

65
“Exército Brasileiro e Iveco assinam contrato de produção da viatura blindada de trans-
porte de pessoal”, Iveco. Disponível em: <http://web.iveco.com/brasil/sala-de-imprensa/
Release/Pages/01_Exercito-BrasileiroeIveco.aspx.>. (Consulta 23/04/2011.)

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148 brasil potência

Sami Hassuani.66 A expectativa é que o governo participe da reestrutura-


ção da dívida, com o controle de 15 a 20% das ações. O Programa Astros
2020 prevê, inclusive, que a Avibras desenvolva lançadores de foguetes de
artilharia para o Exército, uma opção apoiada com entusiasmo pelo Sindi-
cato Metalúrgico de São José dos Campos para evitar que a empresa envie
trabalhadores ao seguro desemprego.67
Na expansão das empresas brasileiras e internacionais está previsto a
instalação de novas empresas no país, como a alemã KMW (Krauss-Maffei
Wegman), fabricante de blindados, que se instalará em Santa Maria, Rio
Grande do Sul. A primeira fase da KMW será dedicada à manutenção de
250 blindados Leopard comprados na Alemanha, porém a empresa nego-
cia com o Exército a possibilidade de desenvolvimento de novo blindado
que também poderia ser exportado para toda a região. O comandante da
3ª Divisão do Exército, Sergio Westphalen Etchegoyen, explicou que desde
que foi aprovada a END já não se compra armas sem a aquisição de pacote
tecnológico, como ocorrera com os Leopard: “O que se comprou foi um
carro de combate junto da tecnologia que nos permite continuar desenvol-
vendo ao lado da KMW. Assim foi a compra dos helicópteros franceses”.68
Segundo Nelson Düring, editor do portal Defesanet, a instalação da KMW
no Brasil terá um grande impacto tecnológico, e será capaz de desenvolver
uma nova geração de carros de combate em uma década, podendo se tor-
nar uma “Embraer terrestre”.69
Nos próximos anos haverá muitas outras mudanças. A Marinha está
negociando com a Alemanha, Coreia do Sul, Espanha, França, Itália e
Inglaterra a fabricação de onze navios no Brasil. A inglesa BAE System
firmou um contrato em abril de 2011 visando modernizar uma parte dos
574 blindados M-113 do Exército.70 A Federação das Indústrias do Estado
de São Paulo (Fiesp) afirmou que em 2014 terá início o verdadeiro enlace

66
“Em recuperação, Avibras poderá ser vendida ou ter a União como sócia”, Valor, 19
de abril de 2011, Disponível em: <http://www.defesanet.com.br/defesa/noticia/657/
Em-recuperacao--Avibras-poderaser-vendida-ou-ter-a-Uniao-como-socia>. (Consulta
02/01/2011.)
67
Ibid.
68
“A promissora KMW”, Defesanet, 18 de abril de 2011. Disponível em: <http://www.defe-
sanet.com.br/laad2011/ noticia/631/A-Promisora-KMW>. (Consulta 24/04/2011.)
69
Ibid.
70
Valor, 18 de abril de 2011.

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Da estratégia de resistência à estratégia de defesa nacional 149

da indústria com os programas previstos na END. “Até aqui as empresas


estavam melhorando e discutindo os processos de transferência de tecno-
logias e pleiteando a remoção dos obstáculos que sempre dificultaram o
crescimento da produção nacional”.71
Todo esse processo deve somar-se ao Programa Espacial da END, que
inclui o desenvolvimento e lançamento de um satélite geoestacionário para
meteorologia e comunicação e satélite para monitoramento ambiental.
Também se propõe o desenvolvimento de veículos lançadores de satélite e
sistemas para garantir o acesso ao espaço, além do fomento à capacidade
da indústria para o cumprimento destes objetivos.72

Por detrás da arma nuclear

A END estabelece que o Brasil deve continuar dominando todo o ciclo


nuclear, completar o mapeamento, prospecção e exploração das reservas
de urânio em todo o país, e não aderir ao Protocolo Adicional do Tratado
de Não Proliferação de Armas Nucleares, que obriga os países a abrirem
suas instalações à inspeção da AIEA (Organização Internacional de Ener-
gia Atômica). Em 2004, a AIEA solicitou investigação na base nuclear de
Resende, por suspeita de enriquecimento de urânio acima do necessário.
As autoridades brasileiras nunca permitiram o acesso dos inspetores, nem
em Resende, nem nas instalações onde se fabrica o submarino nuclear. Em
setembro de 2009, circulou a versão de que o Brasil domina os conheci-
mentos e a tecnologia necessários para produzir uma arma atômica.73 Ne-
nhuma fonte oficial desmentiu o fato.
Não é a primeira vez que se difundem hipóteses sobre o suposto envol-
vimento do Brasil na produção de armas nucleares. O país tem uma larga
história nuclear, que remonta à década de 1930, quando a Universidade de
São Paulo realizou as primeiras investigações nucleares e se localizaram

71
“Indústria de Defesa: Novos tempos”, em Revista da Indústria, n. 163, Defesanet, 2 de
setembro de 2010. Disponível em: <http://www.defesanet.com.br/com_def/RI_163.htm>.
(Consulta 24/04/2011.)
72
Ministério de Defesa, “Estratégia Nacional de Defesa”, op. cit., p. 49.
73
“Avanza el proyecto nuclear de Brasil”, La Nación, Buenos Aires, 9 de setembro de 2009.
Disponível em: <http://www.lanacion.com.ar/1172321-avanza-el-proyecto-nuclear-de
-brasil>. (Consulta 24/04/2011.)

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150 brasil potência

as primeiras reserva de urânio.74 Em 1945, um acordo com os Estados


Unidos conferiu exclusividade nas exportações de minerais radioativos, e,
em 1946, o Plano Baruch pretendia internacionalizar as reservas de mine-
rais radioativos para “corrigir as injustiças da natureza”.75 Os sucessivos
conflitos entre Estados Unidos e Brasil na década de 1950 decorrem das
posições tomadas pelo governo de Getúlio Vargas, que impulsionou um
desenvolvimento autônomo na área nuclear, sem ingerências externas. Em
1951, o governo de Vargas soube por informação de diplomatas estaduni-
denses que o Brasil teria “grandes quantidades” de minerais estratégicos
como o urânio.76
Vargas havia optado por vender os minerais aos Estados Unidos em tro-
ca de Washington comprar produtos manufaturados no Brasil. Em 1952,
habilitou-se a exportação de monazita e óxido de tório, porém se exigiu em
troca assistência técnica e materiais necessários para que o Brasil pudesse
implantar reatores de produção de energia nuclear. Logo o Brasil chegou
à conclusão que os Estados Unidos jamais facilitariam esse passo, e assim
optou por procurar a Alemanha. A Marinha conseguiu começar, então, em
janeiro de 1953, a instalação de três ultracentrífugas para uma usina de en-
riquecimento de urânio no Brasil. Juscelino Kubitschek, governador de Mi-
nas Gerais e logo depois presidente do país, foi um dos encarregados de ini-
ciar o projeto em sigilo absoluto junto a um pequeno grupo de almirantes.77
O governo dos Estados Unidos acabou descobrindo que o Brasil estava
enriquecendo urânio, e a pressão sobre o governo Vargas se fez tão forte a
ponto de forçá-lo a desistir novamente e aceitar a exportação de minerais
estratégicos. Mais grave ainda foi a manipulação dos preços do café, prin-
cipal produto de exportação do Brasil, do qual os Estados Unidos era seu
principal comprador. Sabendo que o Brasil dependia do café, reduzir as
importações colocava o país diante de um eminente déficit comercial. E
assim foi feito. Em agosto de 1954, o Brasil exportou aos Estados Unidos
apenas 145 mil sacas de café, um drástico contraste às 860 mil que ha-

74
Pedro Silva Barros e Antonio Philipe de Moura Pereira, “O Programa Nuclear Brasilei-
ro”, Boletim de Economia e Política Internacional, n. 3, Brasília, Ipea, julho de 2010, p. 71.
75
Odair Dias Gonçalves, “O Programa Nuclear Brasileiro: Passado, Presente e Futuro”,
em Anais VII Encontro Nacional de Estudos Estratégicos, Brasília, Gabinete de Segurança
Institucional, v. 3, 2008, p. 85.
76
Luiz Alberto Moniz Bandeira, Presencia de Estados Unidos en Brasil, op. cit., p. 386.
77
Ibid., p. 408-409.

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Da estratégia de resistência à estratégia de defesa nacional 151

via exportado no ano anterior.78 O cerco foi fechando sobre Vargas e seu
incipiente programa nuclear. Na Europa, os negociadores brasileiros com
a Alemanha eram seguidos pelos serviços secretos britânicos e estaduni-
denses em julho de 1954. Em agosto, Vargas suicidou-se, o que leva alguns
especialistas a afirmar que sua morte esteve diretamente ligada à pressão
política acumulada em torno da questão nuclear.
Em 1956, o presidente Kubitschek cancelou o acordo de exportação de
minerais radioativos com os Estados Unidos, criou a Comissão Nacional
de Energia Nuclear e as centrífugas chegaram ao Brasil, mesmo com a ten-
tativa de embargo feita por Washington.79 O Estado-Maior das forças ar-
madas se pronunciou contra os acordos de exportação alegando que não
havia sido consultado pelo governo João Café Filho, que sucedeu Vargas.
Entretanto, as exportações de minerais radioativos continuaram. A des-
crição de Moniz Bandeira, com base em revistas da época, retrata um pa-
norama sombrio: “Misteriosos navios, dos quais desembarcavam homens
loiros, tocaram em portos no litoral próximo do sul da Bahia e norte do
Espírito Santo, contrabandeando o mineral”.80
Durante o regime militar as desavenças com Washington se mantive-
ram e até se aprofundaram. Em 1967, o general Costa e Silva anunciou uma
política nuclear independente, e em 1968 as potencias nucleares assinaram
o Tratado de Não Proliferação (TNP), determinando que todo urânio e
qualquer material nuclear estariam sob controle. Porém, o Brasil decidiu
não aderir ao TNP. Em 1975, sob forte ideologia nacionalista, o regime
militar firmou um Acordo de Cooperação com a Alemanha que previa
a construção de oito reatores nucleares para energia elétrica. Segundo o
físico brasileiro José Goldemberg, o acordo cobria todas as etapas da tec-
nologia nuclear e, com base nas atas do Conselho de Segurança Nacional
de 1975, garantia fins pacíficos ao projeto, “porém se mantinha em aberto a
opção militar”.81 Os Estados Unidos vetaram o acordo, e das oito centrais
nucleares somente uma pode ser construída. A crise da dívida na década

78
Ibid., p. 412.
79
Odair Dias Gonçalves, “O Programa Nuclear Brasileiro”, op. cit., p. 87.
80
Luiz Alberto Moniz Bandeíra, As relaçôes perigosas, op. cit., p. 431
81
“O Brasil quer a bomba atômica”, entrevista com José Goldemberg, em revista Época,
25 de junho de 2010. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,E-
MI150601-15518,00.html>. (Consulta 26/04/2011.)

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de 1980 impossibilitou arrecadar fundos suficientes ao desenvolvimento


do programa nuclear.
Contudo, o acordo com a Alemanha permitiu que os técnicos brasilei-
ros treinados no Centro de Investigação Nuclear de Karlsruhe e nas plan-
tas da Siemens transferissem tecnologia de centrifugação ao Brasil, por não
estar sob as salvaguardas da AIEA.82 Em 1979, o Brasil iniciou o Programa
Autônomo de Desenvolvimento de Tecnologias Nucleares, impulsionado
pelas forças armadas, que gerou a tecnologia necessária para a construção
de centrífugas desenvolvidas pela Marinha, e em 1958 foi construído a pri-
meira central nuclear, Angra I.83 Em 1987, o presidente José Sarney anun-
ciou oficialmente que o Brasil estava conseguindo o domínio completo da
tecnologia de enriquecimento de urânio por meio das centrífugas.84
Em represália, o Brasil foi colocado na “lista negra”, que o impedia de
importar materiais que pudessem ser usados na área nuclear, como os su-
percomputadores, cuja importação fracassou. Em junho de 1991, o Brasil
encontrou a solução para contornar o TNP, fazendo um acordo com a Ar-
gentina para o uso pacífico da energia nuclear, criando a Agência Brasilei-
ro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (Abacc).
O acordo foi exitoso e contou com o apoio da AIEA, que assinou, mais
tarde, um Acordo Quadripartite com a Argentina, o Brasil e a Abacc.85
Porém, em 1997, o presidente Fernando Henrique Cardoso assinou o
TNP. Os analistas brasileiros ainda não explicaram as razões dessa par-
ceria, pois deixou de lado uma política que havia se mantido inalterada
durante 29 anos, além de ter destravado a pressão internacional por in-
termédio do acordo com a Argentina. O argumento de Cardoso era que a
falta de acordo com o TNP estava se convertendo em um obstáculo para o
desenvolvimento tecnológico do Brasil, haja vista que aceitar a hegemonia
estadunidense poderia permitir ao país “ganhar em projeção internacional
e participação em mecanismos de decisão”, sobretudo pela possibilidade
de se integrar ao Conselho de Segurança das Nações Unidas”.86

82
Luiz Alberto Moniz Bandeira, As relações perigosas, op. cit., p. 144.
83
Odair Dias Gonçalves, “O Programa Nuclear Brasileiro”, op. cit., p. 88.
84
Luiz Alberto Moniz Bandeira, As relaçôes perigosas, op. cit., p. 144.
85
Odair Dias Gonçalves, “O Programa Nuclear Brasileiro”, op. cit., p. 89.
86
Discurso de Fernando Henrique Cardoso ao celebrar acordo com o TNP, 20 de junho de
1997, citado por Moniz Bandeira, As relações perigosas, op. cit., p. 148.

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Da estratégia de resistência à estratégia de defesa nacional 153

Em 2003, após a chegada de Lula à presidência, o Ministério de Ciência e


Tecnologia adotou a área nuclear “como prioritária e estratégica”, e a faz “de
uma maneira coerente e consequente”, na opinião de Odair Dias Gonçalves,
presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnem).87 Em 2004,
logo depois de uma visita à China, Lula pediu que a comissão formulasse
uma proposta nuclear. Em 2007, o Ministério de Minas e Energia recomen-
dou a construção de quatro a oito usinas nucleares até 2030, e a CNEM
autorizou a construção de Angra III (Angra II havia começado a funcionar
em 2002) e iniciou os estudos para construir uma quarta usina.88
O Brasil rechaça a possibilidade de adesão ao Protocolo Adicional
da TNP, o que permitiria aos inspetores da AIEA inspecionar sem avi-
so prévio aquelas instalações que consideram importantes. Os estados
nucleares (Estados Unidos, Rússia, China, França e Inglaterra) não têm
avançado no que preconiza o artigo VI da TNP, que trata do desarme e
da eliminação dos arsenais nucleares. O Brasil, nessa questão, não tem
nenhuma necessidade de fazer concessões, e não tem nem mesmo von-
tade política de fazê-las. E o presidente da CNEM menos vontade ainda.
Crê que o Brasil possui a segunda ou até a primeira reserva mineral de
urânio do mundo, e que é um dos três países que dominam todo o ciclo
do combustível, sendo capaz de enriquecer urânio a 20% para fabricar o
reator do submarino nuclear. É, portanto, “um dos três países que têm a
tecnologia e o urânio”. 89
O Brasil está disposto a elevar a participação da energia nuclear na ma-
triz energética nacional em até 5,7%, o que praticamente supõe duplicar
o percentual e multiplicar por quatro em valores absolutos. Busca tam-
bém a autossuficiência nuclear no ano de 2014, quando passará a realizar
o processo de enriquecimento no país, já que atualmente uma parte é feita
no exterior. Duas das etapas de todo o ciclo ainda são feitas no Canadá e
na Europa: o urânio é extraído na mina de Catieté, no Estado da Bahia,
sendo purificado e separado até ser concentrado sob a forma de um sal de
cor amarela conhecido como yellowcake. Logo após esta primeira etapa, o
material é enviado ao Canadá, onde se torna hexafluoreto de urânio, que
é gasoso. A terceira etapa se realiza na Europa, onde o urânio enriquecido

87
Odair Dias Gonçalves, “O Programa Nuclear Brasileiro”, op. cit., p. 89.
88
Ibid, p.90.
89
Ibid, p. 93.

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é convertido em pequenas pastilhas sólidas para serem usadas como com-


bustíveis nas usinas de Angra.90
À mina de Catieté, que pode extrair até 1.200 toneladas de urânio ao
ano (embora até 2009 produzisse apenas 400), se somará a mina de Santa
Quitéria, no Ceará, com capacidade de produzir 1.100 toneladas anuais, a
partir de 2012, quando entrará em funcionamento. Deste modo, a produ-
ção será multiplicada por cinco ou seis vezes, já que a partir de 2015, com
o funcionamento da usina Angra III, o Brasil terá como meta inaugurar
uma usina nuclear a cada quatro anos.91
Para poder construir o submarino nuclear o Brasil ainda precisa reali-
zar todo o processo de enriquecimento de urânio no país. A Fábrica Na-
cional de Combustíveis Nucleares, em Resende, Estado do Rio de Janeiro,
tem dois conjuntos de centrífugas conhecidas como cascatas para enri-
quecer urânio, e uma terceira teria entrado em funcionamento em janeiro
de 2010.92 Todas foram construídas pela Marinha, a única que domina
o ciclo completo, apesar de a Comissão Nacional de Energia Nuclear ter
estreitado relações com o Ministério de Ciência e Tecnologia, comanda-
do no governo Dilma Rousseff por Aloízio Mercadante, irmão do coronel
Oliva Neto. Obviamente, tudo que é relacionado com o enriquecimento de
urânio é assunto secreto.
No complexo militar de Aramar, em São Paulo, o Laboratório de Gera-
ção Nucleoelétrica está construindo o primeiro reator nuclear totalmente
nacional, já que os de Angra I e II foram feitos nos Estados Unidos e na
Alemanha. O reator estará concluído em 2014, e está destinado a equipar
o primeiro submarino nuclear do país, que entrará em operação em 2020.93
Porém, o Brasil estabeleceu uma aliança estratégica com a China e a França.
O país acordou em exportar urânio enriquecido para abastecer 30 novas
usinas nucleares chinesas em construção e também para a multinacional

90
“Brasil quer auto suficiência na produção de urânio até 2014”, 26 de novembro de 2009,
em Defensanet, Disponível em: <http://pbrasil.wordpress.com/2009/11/26/brasil-quer
-autosuficiencia-na-producao-de-uranio-ate-2014/>. (Consulta 27/04/2011.)
91
Ibid.
92
Ibid.
93
“Reator de submarino nuclear fica pronto em 2014 e será modelo para usinas”, Agencia
Brasil, 23 de maio de 2010, Portalnaval. Disponível em: <http://www.portalnaval.com.br/
noticia/30289/reator-desubmarino-nuclear-fica-pronto-em-2014-e-sera-modelo-para-u-
sinas>. (Consulta 27/04/2011.)

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Da estratégia de resistência à estratégia de defesa nacional 155

francesa Areva, que é a maior produtora de urânio enriquecido do mundo,


além de ser sócia na construção de Angra III. A aliança com esses dois
países foi embasada nos estudos realizados pelo IPEA, publicados no final
do governo Lula, que permitiram unir as grandes reservas de urânio do
Brasil com o domínio chinês e francês da tecnologia de enriquecimento.94
A partir dessa conjuntura, pode-se formular a seguinte questão: o Bra-
sil está construindo uma bomba atômica? O vice-presidente José Alencar
foi muito claro durante uma conversa descontraída com jornalistas em
seu gabinete em Brasília, em setembro de 2009. “A arma nuclear utilizada
como instrumento de dissuasão é de grande importância para um país que
tem 15 mil quilômetros de fronteira no oeste e um mar territorial, e agora
o mar do pré sal de quatro milhões de quilômetros quadrados”. Ele citou o
caso do Paquistão, que apesar de ser um país pequeno é respeitado e inte-
gra diversas organizações internacionais: “Eles sentam à mesa porque têm
armas nucleares”. E concluiu pedindo um aumento no orçamento militar
de 3 a 5% do PIB.95
Não se sabe ao certo se o Brasil está construindo armas atômicas.
Porém, se sabe, com certeza, que tem a capacidade para fazê-las. Hans
Rühle, ex-diretor de planejamento do Ministério da Defesa alemão entre
1982 e 1988, publicou um artigo no diário Der Spiegel em que afirma
que a construção do submarino nuclear “poderia ser uma fachada para
um programa de armas nucleares”, e que “em 1990 os militares brasilei-
ros estavam prontos para construir uma bomba”.96 Assegura que após
o regime militar os governos democráticos abandonaram os programas
nucleares secretos, porém “poucos meses depois de assumir como pre-
sidente, em 2003, Lula retomou oficialmente o desenvolvimento de um
submarino nuclear”.97

94
“Brasil negocia venda de urânio enriquecido”, O Estado de São Paulo, 7 de fevereiro de
2011. Disponível em: <http://economia.estadao.com.br/noticias/economia%20brasil,bra-
sil-negocia-venda-de-ranioenriquecido,53914,0.htm>. (Consulta 02/01/2011.)
95
“José Alencar defende que Brasil tenha bomba atômica”, O Estado de São Paulo, 24 de se-
tembro de 2009. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,jose-alen-
car-defende-quebrasil-tenha-bomba-atomica,440556,0.htm>. (Consulta 26/04/2011.)
96
“Is Brazil Developing the Bomb?”, Hans Rühle, Der Spiegel, 5 julho 2010. Disponível
em: <http://www. spiegel.de/international/world/0,1518,693336,00.html>. (Consulta
26/04/2011.)
97
Ibid.

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Rühle não está dizendo que o Brasil vai construir uma arma atômica,
mas deixa a entender que pode fazê-la quando quiser, e afirma que o pro-
grama brasileiro está mais adiantado que o do próprio Irã. Entrevistado
por Deutsche Welle, recordou que os laboratórios de Los Alamos e Liver-
more, ambos nos Estados Unidos, asseguraram que “o Brasil, se desejar,
pode construir armas nucleares em três anos”.98
Essa parece ser a questão. O Brasil pode, a qualquer momento, ter ar-
mas nucleares. Se já as tem, ou não, é uma decisão puramente política, li-
gada aos custos e benefícios de torná-la pública.

98
“Brasil pode estar construindo bomba atômica, conjectura pesquisador alemão”, entre-
vista a Hans Rühle, Deutsche Welle, Brasilia, 11 de maio de 2011. Disponível em: <http://
www.dw-world.de/dw/ article/0,,5564374,00.html>. (Consulta 27/04/2011.)

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CAPÍTULO 5

A reorganização do capitalismo brasileiro

O Estado é como a central de inteligência de todo este processo,


na medida em que orienta o movimento de expansão da
ordem burguesa e de concentração e verticalização do capital,
de racionalização do sistema produtivo e se empenha em
maximizar todas as possibilidades de expansão interna e
externa.
Luiz Werneck Vianna

As impressionantes alavancas que representam o BNDES e os fundos de


pensão estão sendo utilizadas para reorientar o capitalismo brasileiro em
função dos interesses estratégicos da elite no poder. Na primeira década
do século os investimentos do BNDES cresceram fabulosos 470%; este
disparo em plena crise mundial evidencia bem porque o Brasil tenha se
fortalecido em plena crise. Em 2010, alcançaram 100 bilhões de dólares,
ao redor de 7% do PIB.1 A indústria e a infraestrutura são os setores que
apresentaram os maiores investimentos.
Durante a presente crise sistêmica que, tudo indica, está redesenhan-
do por um longo tempo a correlação de forças no globo, o BNDES se
converteu no maior banco de fomento do mundo. Para que se tenha uma
ideia: no ano fiscal 2009-2010 o Banco Interamericano de Desenvolvi-
mento (BID) aprovou empréstimos em 48 países, num total de 15,5 bi-
lhões de dólares; o Banco Mundial desembolsou no mesmo biênio 40,3
bilhões de dólares, menos da metade que o BNDES.2 Os ativos do banco

1
“Empréstimos do BNDES crescem 23% em 2010 e chegam a R$ 168 bi”, Folha de São
Paulo, 24 de janeiro de 2011.
2
Ibid.

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brasileiro só podem ser comparados com seus pares chineses, e estão


bastante acima do banco de desenvolvimento alemão, um dos mais po-
derosos do mundo. Somente o BNDES é responsável por 70% dos finan-
ciamentos de longo prazo no Brasil, e é possível sentir sua influência em
todos os setores do país.
As decisões tomadas pelo banco transcendem as empresas e têm a
capacidade de modificar todo um setor produtivo, ao promover fusões
e a criação de gigantescas empresas monopólicas ou oligopólicas. Du-
rante a segunda presidência de Getúlio Vargas (1951-1954), o BNDES foi
fundamental para a industrialização, e, na década de 1970, para a cons-
trução de infraestrutura, sob o comando da ditadura militar, apoiando
o processo de “substituição de importações”. Sob o governo neoliberal
de Cardoso, na década de 1990, financiou as privatizações e a desregula-
mentação, ou seja, colaborou para que 30% do PIB fosse mobilizado para
o surgimento de uma nova burguesia.3 Sob o governo Lula, o BNDES
mudou sua orientação.
Trata-se de intervenções que permitem, por meio de somas milionárias,
gerar uma autêntica reorganização do capitalismo brasileiro, evitar que-
bras e impedir que grandes empresas sejam compradas por multinacionais
estrangeiras. Não obstante, os passos do BNDES são parte do plano do
Estado brasileiro elaborado durante o governo Lula. O economista Marcio
Pochmann, membro do PT, foi diretor do Instituto de Investigações Eco-
nômicas Aplicadas (Ipea), e sustenta que desde a crise da dívida externa
da década de 1980, o Brasil atravessa a terceira tentativa de reestruturação
capitalista, que agora consiste em criar grandes grupos econômicos com
presença do capital privado, do Estado e dos fundos de pensão de empresas
estatais. Descreve o mundo e a opção feita pelo Brasil de Lula com uma
franqueza que merece atenção:

O que estamos observando nessas duas últimas décadas de predomínio


da globalização, sobretudo financeira, e de desregulamentação do próprio
Estado, é a constituição de grandes corporações transnacionais. Falava-se,
antes da crise de 2008, da emergência de pelo menos 500 grandes corpora-

3
Francisco de Oliveira, em “A reorganização do capitalismo brasileiro”, IHU Online, 11
de novembro de 2009, em: <http://www.ihu.unisinos.br/noticias/27407-conjuntura-da-
semana-especial-a-reorganizacao-do-capitalismo-brasileiro>. (Consulta 12/02/2011.)

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A reorganização do capitalismo brasileiro 159

ções transnacionais, que dominariam todos os setores da atividade econô-


mica. Nesse circuito de hipermonopolização do capital, os países que não
tiverem grandes grupos econômicos e não forem capazes de fazer parte
desses 500 grupos, de certa maneira, estarão de fora, alijados da compe-
tição de tal forma que passariam a ter um papel passivo e subordinado
ao circuito de decisões desses 500 grupos. Então, a opção brasileira é se
aproximar da concentração desses gigantes para, de certa maneira, fazer
parte desse circuito de poucas, mas grandes empresas (…) Nós estamos
avançando numa fase em que não são mais os países que têm empresas,
mas empresas que têm países diante da dimensão das corporações com
um faturamento, em grande parte das vezes, superior ao PIB dos países
nacionais. Então, não há outra alternativa, no meu modo de ver, que não
seja a construção desses grupos.4

Os estrategistas brasileiros não ocultam que se inspiram na experiên-


cia chinesa. Assim disse Pochmann ao assinalar que os chineses haviam
decidido ter 150 dos 500 grupos mundiais, com capacidade de intervir em
quase todo o mundo. Assinala que o Brasil deve ter um plano nesse sentido
e que “o papel do Estado é reorganizar estes grupos econômicos para que
possam competir com essa nova ordem econômica mundial”.5
Os dois governos de Lula, em particular o segundo (2007-2010), de-
monstraram uma dupla função do Estado: como financiador de grandes
empresas para fortalecer grupos econômicos e como investidor para gran-
des obras de infraestrutura, com o que se denomina Programa de Acelera-
ção do Crescimento (PAC). Na opinião de alguns intelectuais de esquerda,
o caminho escolhido pelo governo Lula promove a concentração e centra-
lização do capital, que favorece as grandes empresas e debilita o mundo do
trabalho. Veremos primeiro como opera o Estado com as grandes empre-
sas por meio de alguns exemplos notáveis, para logo nos determos ao papel
que está desempenhando na construção de infraestrutura.

4
Marcio Pochman, “Estado brasileiro é ativo e criativo”, entrevista de Patricia Fachin,
Revista IHU, n. 322, São Leopoldo, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 22 de março
de 2010, p. 16.
5
Ibid.

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160 brasil potência

A reorganização em marcha

Uma das principais características do capitalismo brasileiro nos últimos


anos consiste na escolha por parte do Estado de “campeões nacionais”, ou
seja, grandes grupos privados para fazê-los competitivos no mundo. Não
se trata do apoio a gestão empresarial, mas de um Estado convertido em
ator de fusões e megaoperações e, portanto, em sócio ativo da maioria das
empresas do país. Veremos alguns exemplos.

- A fusão da Sadia e da Perdigão em maio de 2009 permitiu a criação da


Brasil Foods, a maior exportadora de carnes do mundo. Ambas já eram
grandes empresas com negócios em vários países. Sadia era um grande
conglomerado de 19 empresas, sendo a maior processadora no Brasil de
aves, carnes industrializadas, suínos e bovinos, com 55 mil empregados.
Mas a crise de 2008 e a especulação com derivativos financeiros mediante
uma aposta na baixa do dólar provocaram as primeiras perdas em 64 anos
de história, chegando à beira da quebra.
A Perdigão possuía 42 unidades industriais e era menor que a Sadia,
mas não se arriscou no mercado financeiro. A fusão criou a décima em-
presa de alimentos das Américas, a segunda empresa alimentícia do Brasil,
atrás de JBS Friboi, e a terceira maior exportadora, atrás da Petrobras e
Vale. Controla quase 25% do mercado mundial de aves, superando inclu-
sive empresas dos Estados Unidos, com fábricas em países europeus e 57%
do mercado brasileiro de carnes processadas.6 A empresa resultante da fu-
são é uma das maiores empregadoras do país, com 120 mil trabalhadores, e
suas vendas somam 15 bilhões de dólares anuais. O maior acionista indivi-
dual do Brasil Foods é o fundo de pensão PREVI (do Banco do Brasil), com
uma participação de 13,6% na empresa, consolidando seus investimentos
prévios que já tinham na Perdigão e na Sadia.7 O BNDES desembolsou 235
milhões de dólares, ficando com 3% das ações.8
Na fusão atuou com um papel relevante Luiz Fernando Furlan, ex-presi-
dente da Sadia, atual co-presidente do Brasil Foods e ex-ministro da Indús-

6
Revista Exame, 12 de maio de 2009.
7
“Relatório Anual 2009”, Previ, p. 16, em: <www.previ.com.br>. (Consulta 19/12/2010.)
8
“En 18 meses BNDES gasta R$ 5 bi para criar gigantes”, Folha de Sao Paulo, 4 de outubro
de 2009.

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A reorganização do capitalismo brasileiro 161

tria e Comércio do primeiro governo Lula. O governo não só apoiou a fusão


como firmou um acordo com a China para abrir pela primeira vez este
enorme mercado às exportações das empresas brasileiras de alimentação.

- A fusão dos frigoríficos JBS Friboi e Bertin em setembro de 2009.


O BNDES gastou cerca de 4,7 bilhões de dólares em ambos frigoríficos.
JBS é a primeira empresa de carnes do mundo, e vem experimentando um
vigoroso crescimento nos últimos anos, duplicando a capacidade de pro-
dução desde 2006, quando se implantou na Argentina. Em 2007, comprou
a estadunidense Swift Foods graças a uma capitalização do BNDES, com
o qual adquiriu 14% do JBS para poder ter acesso ao mercado norte-ame-
ricano. Em 2008, o BNDES também apoiou a Bertin (com 35 mil empre-
gados, 38 unidades produtivas, exportadora de carnes, laticínios e couros),
adquirindo 27% da empresa. Com este investimento na empresa fusionada
o BNDES tem uma participação de 22,4%.9
Hoje, o Grupo JBS está presente em 110 países, tem 125 mil empregados
e 21 filiais, e capacidade de abater 51 mil bovinos diariamente. Uma vez
comprada a Bertin, adquiriu os 64% de Pilgrim’s Pride, a segunda pro-
cessadora de carne de ave dos Estados Unidos.10 “Vamos localizar grupos
que podem ser fortalecidos para competir internacionalmente”, disse o
ministro de desenvolvimento Miguel Jorge, quando o governo apoiou por
intermédio do BNDES a compra de Swift por JBS.11

- A fusão da Aracruz e da Votorantim Celulose e Papel (VCP), em setembro


de 2009, que criou Fibria, a maior empresa mundial de fibra curta e a quar-
ta de celulose. As duas empresas tiveram perdas com derivativos, tal como
a Sadia, e estavam em 2008 em difícil posição. Durante a crise apareceu a
sueco-finlandesa Stora Enso com a intenção de comprar algumas delas, ou
as duas. No total o BNDES investiu um bilhão e quatrocentos milhões de
dólares, o que lhe permite ficar com 26% da nova empresa.12

9
“JBS e Bertín anuncian formação de gigante de carne bovina”, Valor, 16 de setembro de
2009.
10
Ver página da empresa: <www.jbs.com.br>.
11
“Política industrial quer incentivar formação de multinacionais brasileiras”, Folha de
São Paulo, 26 de junho de 2007.
12
“Grupo Votorantim compra a Aracruz com ajuda do BNDES”, Folha de São Paulo, 21
de janeiro de 2009.

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162 brasil potência

O acordo estipula que até 2014 o banco terá direito a veto em decisões
importantes. “A fusão realiza um sonho de muito tempo, que era que o
Brasil tenha um global player forte, de capital nacional, nessa área onde a
competitividade é imbatível”, comentou um dos negociadores da fusão.13

- A compra da Brasil Telecom por Oi, criando uma grande telefônica “nacio-
nal”. Em abril de 2008, o BNDES liberou grandes quantias para que a Oi
pudesse comprar a Brasil Telecom. As privatizações do governo neoliberal
de Cardoso tiveram na telefonia um capítulo especial. Em 1998, decidiu-
se dividir a estatal e monopólica Telebras em doze companhias, sendo a
maior delas a Telemar, que operava em dezesseis estados com diferentes
nomes. Em 2001, as empresas que a integravam se unificaram, criando
uma empresa única, e em 2002 a nova companhia cria a Oi, seu braço de
telefonia móvel. Em 2007, toda a empresa é batizada com o nome de Oi, na
qual o BNDES chegou a ter 25% do capital.
A Brasil Telecom foi outra das grandes empresas surgidas da priva-
tização da Telebras que foi comprada pelo banco brasileiro de investi-
mentos Opportunity e pela Telecom Italia. A nova empresa, produto da
compra da Brasil Telecom pela Oi, é líder na América Latina em telefonia
fixa, com 22 milhões de conexões, e encerrou 2011 com 45 milhões de
clientes em telefonia móvel, sendo a quarta do Brasil, com 19% de um
mercado que cresce quase 20% anualmente.14 Ainda – e isto tem sido
decisivo na hora do envolvimento do BNDES e dos fundos de pensão em
uma operação milionária – se criou uma empresa totalmente brasileira,
presente em todo o país e com capacidade de expandir-se dentro e fora
de fronteiras. De algum modo, esse processo reverte a internacionaliza-
ção produzida nas privatizações e permite ao Estado voltar a influir em
um setor estratégico. No total o BNDES investiu 2,5 bilhões de dólares
para a compra da Brasil Telecom, que tem um valor de mercado de 7,65
bilhões de dólares.15
As ações da Oi ficaram distribuídas da seguinte maneira: Andrade Gu-
tierrez e La Fonte com 20% cada uma, enquanto o fundo de pensões da

13
Ibid.
14
Agência Nacional de Telecomunicações, 16 de janeiro de 2012, em: <http://www.anatel.
gov.br/Portal/exibirPortalInternet.do>. (Consulta, 02/02/2012.)
15
“Supertele ganha corpo com financiamento do BNDES”, Valor, 8 de fevereiro de 2008.

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A reorganização do capitalismo brasileiro 163

Oi conservou 10%. O setor público ficou com aproximadamente 50% do


restante: BNDES com 16,8%, Previ com 12, 9% e os fundos Petros y Funcef
com 10% cada um.16
Em todo caso, os acordos firmados estipulam que para certas decisões
a nova empresa deve contar com votos especiais que vão de 66 a 84% do
capital votante, o que assegura ao Estado um papel decisivo no futuro da
empresa.

- O apoio do Estado à Braskem para convertê-la em uma das dez maiores


petroquímicas do mundo. Neste caso o Estado atuou por meio da Pe-
trobras, facilitando o crescimento da Braskem, do grupo Odebrecht. A
empresa nasceu em 2001, quando a construtora Odebrecht se uniu ao
grupo Mariano para comprar a Copene (Companhia Petroquímica do
Nordeste). Em novembro de 2007, a Braskem fez um acordo com a Pe-
trobras para integrar os ativos de várias empresas nas quais a petrolei-
ra tinha forte participação, como a Companhia Petroquímica do Sul, a
Ipiranga Química, a Ipiranga Petroquímica, a Petroquímica Paulínia e
a Petroquímica Triunfo. Na mudança a Petrobras passou a ter 25% do
capital da Braskem.17
A essa altura a Braskem já era a terceira petroquímica das Américas,
atrás somente da Exxon e Dow Chemical, e se situava entre as onze maio-
res do mundo. Em 2010, a Braskem compra a Quattor, controlada pela Pe-
trobras e pela Unipar, com o objetivo de ingressar ao mercado internacio-
nal e, mais concretamente, nos Estados Unidos.
Desse modo se formou uma “superpetroquímica”, que se converteu na
primeira do continente americano e na oitava do mundo. O setor passou
a ser dominado por apenas duas empresas: Petrobras e Braskem, ambas
com forte presença estatal. Pouco depois Braskem seguiu crescendo, com a
compra da estadunidense Sunoco e um centro de tecnologia em Pittsbur-
gh, Pensilvânia.
As ações da Braskem, no final de 2011, continuavam sendo controladas
pela Odebrecht, com 38% do capital, mas a Petrobras já detinha 31%, ao

16
“Nova tele terá forte presenta do governo”, Folha de São Paulo, 20 de julho de 2008 e
“Relatório 2008”, Previ, em: <www.previ.com.br>.
17
Braskem, <www.braskem.com.br>, e “A reorganização do capitalismo brasileiro”, Revista
IHU, n. 322, São Leopoldo, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 22 de março de 2010.

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que se deve somar a presença minoritária dos fundos de pensão Previ e


Petros.18 Consultado, o presidente da Sindipolo (Sindicato dos trabalha-
dores das Indústrias Petroquímicas de Triunfo), destaca que o governo foi
“limpando o terreno” para que a Braskem fosse ficando com 80% do setor
petroquímico. “A posição oficial do governo é que estão reestruturando o
setor para garantir maior competitividade. Para nós, há alguma relação
obscura com o grupo Odebrecht”, já que “as decisões não saem da Petro-
bras, mas sim do governo Federal”.19 Mais uma vez, a influência ou aliança
entre governo-Estado e empresas privadas de caráter multinacional é um
fato incontestável. Em paralelo, consegue-se um altíssimo nível de concen-
tração: Odebrecht e Petrobras conseguem controlar 100% da petroquímica
no Brasil.

Petrobras, a joia da coroa

A capitalização da petroleira realizada em setembro de 2010 foi uma das


operações mais exitosas do governo Lula. Neste capítulo pretendo refletir
como o governo trabalhou para recuperar uma boa parte do controle
sobre a Petrobras, que havia sido parcialmente transferido durante os
governos neoliberais da década de 1990. A empresa foi criada em 1953
por Getúlio Vargas como monopólio estatal para exportação de petróleo,
e sob a ditadura militar também voltou-se para o comércio internacional
de óleo cru.20
Até final da década de 1970, a produção brasileira era somente de 200
mil barris de petróleo diários, mas o consumo superava um milhão de
barris. A Petrobras trabalhou buscando petróleo em águas oceânicas pro-

18
Ibid.; Braskem, em: <http://www.braskem-ri.com.br/show.aspx?idCanal=OxIsNDdQ/
sz37EhqiG8SFA>. (Consulta 02/0272012.)
19
“As relações obscuras entre o polo petroquímico gaúcho, a Braskem e o governo fede-
ral. Entrevista especial com Carlos Eitor Rodrigues Machado”, IHU Online, 11 de maio
de 2009, em: <http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/22099-as-relacoes-obscuras-entre
-o-polo-petroquimicogaucho-a-braskem-e-o-governo-federal-entrevista-especial-com-
carlos-eitor-rodrigues-machado>. (Consulta 15/05/2011.)
20
Efraín León Hernández, “Energía Amazónica. La frontera energética amazónica en el
tablero geopolítico latinomamericano”, Tese de Doctorado, Posgrado de Estudios Latino-
americanos, Universidad Nacional Autónoma de México, 2007, p. 123.

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A reorganização do capitalismo brasileiro 165

fundas (offshore), porque o país não tem grandes jazidas em seu território
continental. Recentemente, em 2006, com a inauguração da plataforma
P-50, a maior do país, o Brasil consegue a plena autossuficiência petrolei-
ra, com 70% da produção em águas profundas e ultraprofundas, em cuja
prospecção e exportação a Petrobras se especializou, convertendo-se na
vanguarda mundial pelas inovações tecnológicas realizadas.21 Em 2007,
pôde refinar 1 milhão e 900 mil barris diários de petróleo, o que fez com
que o país deixasse de importar nafta e outros derivados refinados, e no
final de 2010 já era capaz de extrair uma média de 2,6 milhões de barris
diários, incluindo os campos no exterior.22
No litoral dos Estados de Santa Catarina e Espírito Santo, em 2006
e 2007, a Petrobras anunciou o descobrimento de enormes reservas de
petróleo de qualidade média e alta debaixo de dois mil metros de água
e até profundidades de oito mil metros debaixo de uma densa camada
de sal de dois a quatro quilômetros de espessura (a qual se denomina
pré-sal). Os campos de Tupi, Iara e Parque das Baleias elevaram as re-
servas do Brasil de 14 a 33 bilhões de barris, mas outras fontes estimam
que suas reservas possam elevar-se até 70 bilhões de barris.23 Somente
os campos de Tupi e Iracema, batizados como Lula e Cernambi, alojam
8 bilhões de barris, sendo a maior reserva encontrada no mundo desde
2000.24 As reservas do pré-sal se encontram em uma larga faixa marí-
tima de quase mil quilômetros, entre as bacias de Santos e de Campos,
mais ou menos desde a cidade de Florianópolis (Santa Catariana) até
Vitória (Espírito Santo).

21
Ibid., p. 124.
22
“Petrobras batiza Tupi de Lula”, Folha de São Paulo, 29 de dezembro de 2010.
23
“Entenda o que é a camada pré-sal”, Folha de São Paulo, 31 de agosto de 2008; “A ex-
ploração do pré-sal e o futuro brasileiro”, Jornal da Universidade, Porto Alegre, n. 113,
Universidade Federal de Rio Grande do Sul, novembro de 2008.
24
Ibid.; “Petrobras batiza Tupi de Lula”, Folha de São Paulo, 29 de dezembro de 2010.

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Mapa 2. Bacias petrolíferas de Santos e Campos

Os analistas do Ipea estimam que a “província pré-sal”, que coloca o


Brasil entre os dez países de maior reserva mundial de petróleo, “fortale-
cerá a inserção internacional autônoma” do país e representa uma nova re-
alidade estratégica para o desenvolvimento do país.25 O país produzirá em
2020 cerca de 5 milhões de barris diários, e, ainda considerando o aumen-
to da demanda interna, terá um excedente de 2 milhões de barris diários.
O Brasil passou em poucos anos de importador a exportador de petróleo, o
que modifica seu lugar no mundo. É a única potência emergente que conta
com um potente parque industrial e com excedentes energéticos.

25
Pedro Silva Barroso e Luiz Fernando Sanná Pinto, “O Brasil do pré-sal e a Organização
dos Países Exportadores de Petróleo (Opep)”, Boletim de Economia e Política Internacio-
nal, n. 4, Brasília, Ipea, out.-dez. de 2010, p. 11.

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A reorganização do capitalismo brasileiro 167

Mapa 3. Campo de Tupi

Os descobrimentos na camada pré-sal, especialmente o campo de Tupi/


Lula, marcam um antes e um depois na história da companhia, já que o va-
lor da empresa se triplicou.26 Com a exploração destas fabulosas reservas, o
Brasil se converterá em um dos principais produtores de petróleo do mun-
do. Como se pode imaginar, tem sido produzido um forte debate sobre os
caminhos mais adequados de explorar essas riquezas. Interessante desta-
car como se posicionou o governo. O ponto de partida é que a privatização
parcial da Petrobras debilita o papel do Estado na exploração petroleira.
No ano 2000 o governo brasileiro controlava 60,9% das ações; outubro de
2005 o Estado brasileiro detinha somente 39,9% das ações e, pela primei-
ra vez, os acionistas estrangeiros, com 40,1%, detinham mais ações que
os acionistas privados nacionais (20,0%).27 Para reverter esta situação, e

26
“Petrobras já planeja novo gasoduto e dez plataformas no pré-sal”, Valor, 27 de dezem-
bro de 2010, em: <http://www.valor.com.br/arquivo/695277/petrobras-ja-planeja-novo-
gasoduto-e-dezplataformas-no-pre-sal>.(Consulta 11/02/2011.)
27
Carlos Walter Porto-Gonçalves e Luis Enrique Ribeiro, “A luta pela reapropriação social
dos recursos naturais na América Latina: o caso da Petrobras no Ecuador”, Rede Brasilei-
ra de Justiça Ambiental, 2006, em: <http://www.justicaambiental.org.br/_justicaambien-
tal/pagina.php?id=1773>. (Consulta 10/02/2011.)

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168 brasil potência

conseguir fundos para a expansão da Petrobras, que necessita de grandes


quantias de investimentos para extrair o petróleo do pré-sal, o governo
Lula decidiu promover a capitalização.
A necessidade de conseguir novos fundos e ampliar a participação do
Estado na Petrobras deriva da magnitude dos objetivos traçados. O plano
de investimentos para o período 2010-2014 é de 224 bilhões de dólares (a
metade do PIB da Argentina), algo que nenhuma empresa petroleira do
mundo é capaz de fazer.28 É previsto que entre 60 e 80% dos investimentos
devam ter um conteúdo nacional, ou seja, devem ser providos pela indús-
tria brasileira. Com esse volume de investimentos e a reserva do fundo
marinho, o Brasil pode chegar em 2020 entre os cinco primeiros produ-
tores de petróleo do mundo. Já antes da capitalização, no final de 2009, a
Petrobras era a quarta petroleira do mundo, atrás somente de Petro China,
Exxon e BHP.29 Essa permanente ascensão da empresa petroleira explica o
notável êxito da capitalização.
A cessão do petróleo do campo Tupi à Petrobras foi parte da capi-
talização que não se concretizou em aporte de dinheiro, mas sim em
um aumento das ações em poder do Estado. Ou seja, o governo incre-
mentou sua participação na Petrobras cedendo os 6 bilhões de barris de
Tupi à empresa. Mas os investidores privados não quiseram ver liquidada
sua participação na empresa, e os que acreditam que investir nela é um
bom negócio responderam ao chamado. A operação de capitalização foi
um êxito, com uma arrecadação de 72 bilhões de dólares, sendo a maior
oferta de ações da história. A segunda, e muito longe, foi a que realizou
a Nippon Telegraph and Telephone em 1987, que foi de 36,8 bilhões de
dólares.30
Com esses aportes, o valor de mercado da Petrobras subiu a 283 bilhões
de dólares, colocando-se como a segunda do mundo, apenas atrás da esta-

28
“La estrategia de Petrobras para convertirse en la mayor empresa de A. Latina”, 25 de
julho de 2010, em: <http://www.americaeconomia.com/negocios-industrias/la-estrate-
gia-de-petrobraspara-convertirse-en-la-mayor-empresa-de-america-latin>. (Consulta
18/02/2011.)
29
“Petrobras é a quarta maior empresa de energia do mundo”, Folha de São Paulo, 27 de
janeiro de 2009.
30
“Oferta da Petrobras soma R$ 120,360 bilhões, a maior da história”, O Globo, 23 de
setembro de 2010, em: <http://oglobo.globo.com/economia/oferta-da-petrobras-soma-
120360-bilhoesmaior-da-historia-2947969>. (Consulta 18/02/2011.)

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A reorganização do capitalismo brasileiro 169

dunidense Exxon.31 Contudo, o mais importante é que o Estado brasileiro


aumentou sua participação na empresa, superando os 50%. Antes da capi-
talização, o Estado detinha 40% das ações. Com a capitalização, o Estado
passou aos 48% (Estado mais BNDESPar), ao qual devem somar-se os 3,2%
do Previ, o que o permite controlar de forma direta ou indireta mais de 50%
do capital total.32
O exemplo mostra como atuando de forma inteligente e planificada,
com objetivos de largo prazo, pode se superar uma situação inicial de des-
vantagem. Como resultado, o Estado do Brasil está revertendo a perda de
controle da empresa estatal de petróleo, uma vez que considera uma peça
estratégica para os objetivos traçados para o país.
Os investimentos que a Petrobras está planificando parecem de ficção
científica. Por um lado, está o desafio tecnológico que supõe extrair petró-
leo no meio do mar a tanta profundidade e debaixo de leitos rochosos e de
sal. Já foi instalada uma plataforma na área, mas estima-se serem constru-
ídas mais dez até 2016, além de um gasoduto de quase 400 quilômetros até
a costa do Estado do Rio de Janeiro, que inclui a capacidade de armazenar
em alto mar grandes quantidades de petróleo. A exploração do campo ma-
rítimo estará apoiada em quatro bases aéreas nos Estados de São Paulo e
Rio de Janeiro. O mais notável, todavia, é que se está analisando a criação
de “plataformas hub”, algo que os engenheiros da Petrobras definem como
“terminal no mar”, a partir das quais serão conectadas dezenas de plata-
formas.33 No total se estima que haverá 50 plataformas na camada pré-sal,
com dois mil poços perfurados.
Para aliviar os custos, a Petrobras está estudando a criação de “cidades
submersas” a dois mil metros de profundidade sobre os leitos marinhos,
onde se possam instalar os principais equipamentos que hoje funcionam
nas plataformas, com alto grau de automatização e robotização. “Nosso ob-
jeto daqui a dez anos é não necessitar de plataformas”, disse Carlos Tadeo
Fraga, gerente executivo do Centro de Investigações da Petrobras.34 Trata-se

31
O Globo, 24 de setembro de 2009, em: <http://oglobo.globo.com/economia/com-ca-
pitalizacaopetrobras-vira-segunda-maior-petrolifera-do-mundo-2947426>. (Consulta,
02/02/2012.)
32
“Entenda a capitalização da Petrobras”, Folha de São Paulo, 1 de setembro de 2010; “Go-
verno eleva a fatia na Petrobras para 48%”, Reuters, São Paulo, 24 de setembro de 2010.
33
Valor, 27 de dezembro de 2010, op. cit.
34
“Petrobras terá operação submersa no pré-sal”, Valor, 28 de dezembro de 2010, em:

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170 brasil potência

de instalar no fundo do mar as plantas de processamento, sistemas de com-


pressão, de separação de petróleo, água, gás e areia e os módulos para gerar
energia para fazer funcionar os complexos. Hoje tudo isto está instalado na
superfície nas plataformas flutuantes. A ideia é que sejam controladas de
uma base terrestre de onde se possa observar toda a operação em telas.
No primeiro trimestre de 2011 começou a funcionar um separador sub-
marino de água e petróleo no campo Marlim, na bacia de Campos, pri-
meiro passo para instalação de uma base processadora no fundo do mar.
A exploração de jazidas longínquas em um ambiente mais hostil requer a
redução de custos de operação e permite à Petrobras dar um salto tecnoló-
gico. Na medida em que haverão mil poços, no que já se denomina “polo”
Tupi/Lula, uma verdadeira “província petrolífera”, não se poderá seguir
operando como até agora, já que se requer grande quantidade de embar-
cações para transportar pessoas, comida, combustíveis e equipamentos. Se
conseguirem instalar equipamentos submarinos completos monitorados a
distância, a quantidade de pessoal nas plataformas poderá ser diminuída
drasticamente, que, agora, oscila entre 120 e 200 pessoas em cada uma. Se
forem instaladas 50 plataformas, se trataria de abastecer 10 mil trabalha-
dores, além de todo o equipamento que teriam que transportar.
O outro objetivo é produzir com menos poços. Atualmente um úni-
co poço pode produzir 40 mil barris diários, o que antes produzia toda
uma plataforma.35 Saindo vitoriosa nesse conjunto de desafios, a empresa
brasileira terá dado um salto gigante, e se colocará no primeiro lugar no
competitivo mundo da produção do petróleo. Sem embargo, a Petrobras
está jogando um papel importante também na produção de etanol, no qual
o governo busca reverter o rápido processo de estrangeirização registrado
nos últimos anos.

A Petrobras diante da estrangeirização do etanol

O etanol foi introduzido na matriz energética brasileira em 1975, com a


criação do Programa Nacional de Álcool, para substituir o petróleo pelo

<http://valor-online.jusbrasil.com.br/politica>.
35
Ibid.

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A reorganização do capitalismo brasileiro 171

etanol no parque de veículos frente à crise do petróleo de 1973, logo agra-


vada em 1979, com fortes aumentos no preço dos hidrocarbonetos. O pro-
grama buscava diminuir a dependência, já que nesse momento o país im-
portava a maior parte do petróleo que consumia, justo quando se disparou
a crise da dívida na década de 1980. Em um primeiro momento, entre 1976
e 1986, a produção de etanol foi triplicada, mas na década neoliberal se
produziu um abandono dos programas, em parte devido à baixa do preço
internacional do petróleo, a tal ponto que durante o governo de Fernando
Collor o programa quase desapareceu.36
Na década de 1990, houve um desabastecimento, e os usuários deixa-
ram de comprar automóveis que funcionavam com etanol, e se instalou
uma grande desconfiança sobre os biocombustíveis. No ano 2000, as coi-
sas mudaram, já que começou a aumentar o preço do petróleo, o que le-
vou os consumidores das periferias, em particular em São Paulo, a mesclar
álcool hidratado com gasolina no próprio tanque do automóvel. “Diante a
difusão desta prática, as fábricas de automóveis se inspiraram e desenvol-
veram o motor flexfuel, lançado pelo presidente Lula em março de 2003.
Na prática isto foi fundamental para reestabelecer a confiança no álcool
como combustível”.37
A produção de cana cresceu de 120 milhões de toneladas em 1975 a 320
milhões de toneladas em 2009.38 A produção de etanol foi duplicada ao
longo da década de 2000.39 Em 2008, o Brasil foi o primeiro país do mun-
do a usar mais etanol do que gasolina para alimentar a frota de automó-
veis.40 A produção mundial de etanol se multiplicou por quatro entre 2000
e 2008, segundo a FAO, em grande medida por ser uma energia renovável
e contribuir para redução do aquecimento global. Nos próximos dez anos
a produção mundial de etanol voltará a duplicar-se.
No Brasil há quase sete milhões de hectares cultivados com cana de
açúcar, a metade dedicada à produção de açúcar e a outra metade ao eta-
nol, representando um quarto da produção agrícola do país. Os avanços

36
Giorgio Romano Schutte e Pedro Silva Barros, “A geopolítica do etanol”, Boletim de
Economia e Política Internacional, n. 1, Brasília, Ipea, janeiro 2010, p. 34.
37
Ibid., p. 35.
38
União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), em: <http://www.unica.com.br/dados-
Cotacao/estatística>.
39
Giorgio Romano Schutte e Pedro Silva Barros, “A geopolítica do etanol”, op. cit., p. 35.
40
Ibid., p. 35.

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172 brasil potência

realizados no melhoramento genético da cana, na criação de centenas de


variedades, na melhora dos cultivos e da cadeia industrial permitiram um
assombroso crescimento de produtividade: entre 1975 e 2000 a produção
passou de 2.024 litros de etanol por hectare para 5.500 litros.41 No final
da década a produtividade seguiu crescendo, até situar-se a cerca de 7 mil
litros por hectare frente a somente 3.800 do milho nos Estados Unidos, seu
principal concorrente.42
O preço do etanol da cana é muito mais baixo que o do milho (30% me-
nos), tem maior eficiência energética (a relação entre a energia gasta para
produzir e a energia obtida é de 8 a 10 vezes para a cana e 1,4 para o milho)
e reduz mais que o dobro dos gases de efeito estufa.43
O Brasil é o primeiro produtor mundial de etanol, impulsionado por
seu potente mercado interno, e junto com os Estados Unidos controla dois
terços da produção mundial. As exportações se multiplicaram por vinte.44
Construíram-se 77 usinas de etanol em 2012, com um investimento de
2,5 bilhões de dólares. Boa parte desses capitais vem dos Estados Unidos.
“Até o ano passado, 3,4% do setor estava desnacionalizado. Em dez anos
a metade já não será mais brasileira”, assinala Maurilio Biagi, que ven-
deu uma das maiores usinas de etanol, Cevasa, para a multinacional do
agrobusiness Cargill em 2006.45 Uma parte desses investimentos provi-
nha das grandes multinacionais, já que todas as empresas que produzem
transgênicos – Syngenta, Monsanto, Dupont, Dow, Bayeer, Basf – têm in-
vestimentos na produção de biocombustíveis como o etanol e o biodiesel.46
Algumas dessas empresas estão se posicionando no Brasil, para aumentar a
produtividade dos cultivos com sementes geneticamente modificadas para
a produção de etanol.
A importância que o Brasil concede aos biocombustíveis é refletida nos
estudos realizados pelo Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE). O cader-
no dedicado aos biocombustíveis foi o segundo a ser publicado e o pri-

41
“Biocombustíveis”, Cadernos NAE, n. 2, Brasília, Núcleo de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República, outubro de 2004, p. 131.
42
Revista Época, 13 de junho de 2008, em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epo-
ca/0,EMI5865-15273.html>. (Consulta 15/02/2011.)
43
Ibid.
44
<http://www.unica.com.br/dadosCotacao/estatistica>. (Consulta 15/01/2011.)
45
O Estado de São Paulo, suplemento agrícola, fevereiro de 2007.
46
Silvia Ribeiro, “Biocombustibles y transgênicos”, La Jornada, 26 de novembro de 2006.

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A reorganização do capitalismo brasileiro 173

meiro de caráter setorial, em que participaram 20 especialistas.47 Pouco


depois os investigadores do Ipea, que assessora a Secretaria de Assuntos
Estratégicos, mostraram a apreensão oficial com a crescente estrangeiriza-
ção do setor e advertiram que o crescimento vertiginoso do investimento
estrangeiro direto na indústria do etanol estava produzindo “um significa-
tivo processo de concentração e desnacionalização (...) sem contrapartida
da expansão das empresas nacionais no exterior”.48 Ainda que considerem
que o processo tem aspectos interessantes porque pode contribuir para
converter o etanol em mercadoria mundial, acreditam que a penetração
do capital estrangeiro deve ser controlada, porque pode afetar a “soberania
nacional na exploração do recurso”.49
Na década de 2000, a estrutura dos investimentos estrangeiros no Bra-
sil se modificou, e o investimento estrangeiro se fixou sobretudo na agri-
cultura e na indústria.50 Tanto os investimentos que se voltam ao agro
como à indústria buscam sustentar-se na produção de commodities, com
especial destaque a petróleo, gás natural, biocombustíveis e minério de
ferro. O Ipea conclui que na indústria sucroalcooleira “o aumento da pre-
sença estrangeira tem provocado transformações relevantes na estrutura
produtiva, com implicações tanto para o mercado doméstico como para
estratégias políticas mais amplas na indústria do etanol”.51
A tentação do capitalismo internacional pelo etanol se explica tanto pelo
crescimento do mercado interno como internacional. No primeiro o Brasil
já conta com 25% de sua frota flex fuel, mas se estima que em 2015 esta cifra
suba até 65%, – e o Brasil é hoje o quarto produtor e vendedor de veículos
no mundo. E quanto ao mercado internacional, o interesse se explica não só
pelo crescimento da demanda, mas, sobretudo, pela enorme ganância pro-
vocada pela maior produtividade do etanol produzido de cana. Aí reside a
preocupação oficial de que a desnacionalização caminha junto com a con-
centração do setor em detrimento do empresariado brasileiro:

47
“Biocombustíveis”, Cadernos NAE, n. 2, Brasília, Núcleo de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República, outubro de 2004.
48
Keiti da Roicha Gomes, “Presença estrangeira na produção de commodities: o caso da
indústria de etanol no Brasil”, Boletim de Economía e Política Internacional, n. 4, Brasilia,
Ipea, out.-dez. de 2010, p. 27.
49
Ibid.
50
Ibid., p. 19.
51
Ibid., p. 20.

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174 brasil potência

A entrada de companhias internacionais não é acompanhada por igual


capacidade das empresas nacionais em avançar no exterior. Ao contrá-
rio, este movimento levanta barreiras à estratégia do governo brasileiro de
levar para o exterior as tecnologias e os equipamentos desenvolvidos no
mercado doméstico, de modo a estimular tanto a inserção internacional
das empresas brasileiras como a produção de etanol pelo setor privado em
outros países.52

Tratava-se de uma indústria muito dispersa na mão de centenas de fa-


mílias. A concentração tem sido muito rápida: entre 2000 e 2009 se produ-
ziram 99 fusões e aquisições nessa indústria, ao ponto que a participação
dos cinco maiores grupos no setor cresceu de 12% a 21,5%.53 Nesse proces-
so começaram a medir forças grupos como Bunge, Cargill e Adecoagro,
de George Soros, além da gigante Cosan, que controla quase 10% do setor.
A indústria de açúcar e álcool conta com cerca de 400 usinas comandadas
por 200 grupos. Em 2008, por exemplo, das 14 fusões e compras no setor,
oito envolviam capital estrangeiro, e em 2009 se sucedeu algo similar, a tal
ponto que das cinco maiores usinas de etanol duas estão vinculadas ao ca-
pital internacional, das quais resulta a formação de complexas alianças, o
ingresso de fundos de investimento e acordos estratégicos que dão ao setor
um perfil emaranhado e pouco transparente.54
Para conter a “invasão estrangeira”, o governo Lula legou à Petrobras um
papel dinâmico, com o objetivo de criar uma grande empresa nacional, com
uma lógica operativa similar a que se realiza em outros setores. Alguns esti-
mam que a luz vermelha acendeu-se quando no início de 2010 a Shell e Cosan
chegaram a um acordo de 12 bilhões de dólares, que, na prática, as converteu
na empresa líder mundial no setor de etanol, enquanto British Petroleum se
uniu aos grupos brasileiros Moema e Santelisa Vale para formar a Tropical

52
Ibid, p. 21.
53
“Grandes grupos ocupam o espaço de famílias tradicionais nas usinas”, O Estado de
São Paulo, 1 de novembro de 2009, em: <http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,-
grandes-gruposocupam-o-espaco-de-familias-tradicionais-nas-usinas,459503,0.htm>.
(Consulta 19/02/2011.)
54
Keiti da Roicha Gomes, “Presença estrangeira na produção de commodities: o caso da
indústria de etanol no Brasil”, op. cit., p. 24-25.

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A reorganização do capitalismo brasileiro 175

Bioenergia. Desse modo, duas grandes multinacionais petrolíferas ingressa-


ram na área do etanol, “um setor tradicionalmente verde e amarelo”.55
A Petrobras fez uma oferta à ETH, a segunda empresa do setor, para ad-
quirir 40% por dois milhões de dólares até 2012, quando o grupo deve mo-
vimentar nove novas usinas, e comprou 46% da Açúcar Guarani, a quarta
maior processadora de cana de açúcar do país.56 Não são poucos os que
pensam que a Petrobras está chegando tarde para competir no setor e ne-
cessita fazer fortes investimentos, se pretende reverter o crescente domínio
de capitais estrangeiros.

O investimento em infraestrutura e energia

Em 28 de janeiro de 2007, quatro semanas depois de iniciar seu segundo


mandato, Lula lançou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC),
um programa de investimentos para quatro anos num total de 295 bilhões
de dólares, nesse momento 23% do PIB. Os principais investimentos se
planificaram na área de infraestrutura, com a expectativa de que cada real
investido pelo setor público induza o investimento de um real e meio do
setor privado.57
O maior investimento correspondeu a geração e transmissão de energia
elétrica e a projetos de habitação. O resto foi dedicado a biocombustíveis,
saneamento básico, ao projeto Luz para Todos, à construção de rodovias,
ferrovias, portos, aeroportos e hidrovias. Para se ter uma ideia da mag-
nitude dos investimentos, são previstos em quatro anos a construção ou
recuperação de 45 mil quilômetros de rodovias, 2,5 mil quilômetros de
ferrovias, ampliação de 12 aeroportos e 20 portos, nova geração de 12 mil
MW de energia elétrica e 14 mil quilômetros de linhas de transmissão,
quatro novas refinarias petroquímicas, 4,5 mil quilômetros de gasodutos,
46 usinas de biodiesel e 77 de etanol, 4 milhões de habitações e saneamento
para 22 milhões de famílias.58

55
“Petrobras planeja conter ´estrangeiros´no álcool”, Folha de São Paulo, 11 de dezembro
de 2010.
56
Ibid.
57
Para mais detalhes, ver página oficial do PAC: <http://www.brasil.gov.br/pac/>.
58
<http://www.brasil.gov.br/pac/>.

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Em 2010, foi lançado o PAC 2, com critérios muito similares, mas com
três vezes mais recursos: 933 bilhões de dólares, 43% do PIB para quatro
anos. Ampliam-se as obras de infraestrutura urbana para os setores popu-
lares, com o objetivo de universalizar o acesso à eletricidade e à água potá-
vel e a construção de dois milhões de habitações, a maior parte destinada
às famílias de baixa renda. Ainda que a maior parte dos programas tenha
uma forte vocação social, dois terços dos investimentos estão direcionados
à geração de energia.

Quadro 3. Investimentos do PAC 2 em milhões de dólares

Eixos 2011-2014 Após 2014 Total


Cidade Melhor 33,5 - 33,5
Comunidade Cidadania 13,5 - 13,5
Minha Casa, Minha Vida 162,6 - 162,6
Água e luz para todos 18,0 - 18,0
Transportes 61,4 2,7 64,1
Energia 271,5 368,7 640,2
Total 561,6 371,3 939,9

Fonte: PAC 2, p. 32.

Os investimentos destinados à energia têm sua parte mais importante


em petróleo e gás natural, que são basicamente os investimentos da Petro-
bras. O segundo lugar destacado em importância é, mais uma vez, a gera-
ção de energia elétrica. O Brasil tinha uma potência instalada de geração
elétrica de 106 mil MW em 2009, que inclui a geração hidráulica, térmica,
eólica e nuclear. A geração hidráulica era, neste ano, de 75 mil MW, mas o
potencial de seus rios para produzir eletricidade é de 260 mil MW, o maior
do mundo.59
A matriz energética brasileira é uma das mais “limpas” do planeta.
São renováveis 47,3% da oferta de energia, frente aos 12% da média mun-

59
Agência Nacional de Energia Eléctrica (Aneel), Atlas de energia elétrica do Brasil, Bra-
sília, 2008, p. 57.

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A reorganização do capitalismo brasileiro 177

dial. A maior diferença com a matriz dos demais grandes consumidores


é o crescente papel da cana de açúcar, do etanol e dos biocombustíveis,
que envolvem 20% da oferta total, e o forte peso da hidroeletricidade, que
oscila em torno de 15%, frente aos 2% no mundo. 60 Já vimos a importân-
cia crescente que tem o álcool de cana como combustível nos transportes.
A energia que se produz a partir dos derivados de cana vem crescendo, e
deslocou a hidroeletricidade para se converter na segunda fonte de ener-
gia do país. 61

Quadro 4. Matriz energética no mundo e no Brasil (% da oferta de energia por fontes)

Fonte Mundo Brasil


Petróleo 34 37,9
Carvão mineral 26,5 8,7
Gás Natural 20,9 4,7
Nuclear 5,9 1,4
Hidrelétrica 2,2 15,2
Cana, lenha e outros renováveis 9,8 28,2
Outros 0,7 3,9
Total 100 100

*2007
**2009
Fonte: Balanço energético nacional.

O PAC 2 prevê a construção de 54 usinas hidroelétricas.62 A capacidade


instalada pode crescer sobretudo na bacia amazônica, já que outras bacias,
como as dos rios Paraná e São Francisco, estão próximas de seu limite. Isso
supõe que a maior parte das futuras represas serão construídas na região
mais sensível do ponto de vista ambiental e social.

60
Empresa de Pesquisa Energética, Balanço Energético Nacional 2010, Rio de Janeiro, 2010,
p.17 e 169.
61
Ibid., p. 17.
62
PAC 2, Relatório, p. 76, em: <http://www.brasil.gov.br/pac/pac-2>. (Consulta 19/01/2011.)

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A represa de Belo Monte, no rio Xingu, que forma parte do PAC, será a
terceira maior do mundo depois da chinesa Três Gargantas e da brasileiro
-paraguaia Itaipu. Belo Monte se converteu em um símbolo das consequên­
cias que podem vir atreladas à elevação do Brasil à categoria de potência
global, por suas consequências sociais e ambientais, o que gerou o surgi-
mento de um movimento social contra a represa. O projeto tem mais de 30
anos, foi emblema da ditadura militar, arquivado pelo protesto social e ago-
ra recuperado sob o governo Lula, porque o Brasil necessita de energia para
crescer. E a hidroeletricidade é, segundo seus defensores, energia limpa,
renovável, da qual necessita o mundo para combater o aquecimento global.
O certo é que Belo Monte é um dos projetos mais controversos das últi-
mas décadas. Está situado na Volta Grande sobre o rio Xingu, afluente do
Amazonas, e propõe desviar o curso do rio, além de abri-lo à navegação
fluvial para agilizar o trânsito das mercadorias do agronegócio em Mato
Grosso e Pará. A potência da usina será de 11.200 MW, vai intervir num
trecho de 100 quilômetros do rio e formará um lago de 516 quilômetros
quadrados. Poderá abastecer uma população de 26 milhões de habitantes e
terá um custo de 11 bilhões de dólares, ainda que os críticos estimem que o
custo final possa se duplicar.63 Como se pode observar no mapa, um muro
corta o rio, de onde saem canais que desviam o curso, formando um lago
onde estarão as turbinas. Uma seção do rio de uns cem quilômetros terá
seu leito muito reduzido, sendo regulado a partir da represa.
A história da resistência à represa tem mais de três décadas, e tem sido
liderada pelo bispo do Xingu, Erwin Kräutler, que vive há 40 anos na re-
gião situada no Estado do Pará. Em 1975, a estatal Eletronorte contratou
o Consórcio Nacional de Engenheiros Consultores pra realizar um estudo
da viabilidade da usina, concluído em 1979 e batizado de Kararaô, nome
de guerra do povo kayapó, ainda que os povos da região nunca tenham
sido consultados. Em fevereiro de 1989, foi realizado em Altamira o I En-
contro das Nações Indígenas do Xingu.64 O evento congregou 600 índios

63
“Entenda a polêmica envolvendo a usina de Belo Monte”, O Globo, 19 de abril de 2010,
em: <http://oglobo.globo.com/politica/entenda-polemica-envolvendo-usina-de-belo-
monte-3020673>. (Consulta 25/03/2011.)
64
Altamira é um município de 160 mil quilômetros quadrados, a superfície aproximada
do Uruguai, tem 110 mil habitantes e está localizado a 800 quilômetros de Belém, capital
do Pará.

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pintados para guerra e teve grande repercussão, porque a foto da índia Tuí-
ra, que colocou um facão no rosto de José Antonio Munis Lopes, presiden-
te da Eletronorte, deu a volta ao mundo, convertendo-se em um símbolo
de resistência à represa. Pouco depois o projeto foi arquivado.65

Mapa 4. Projeto Belo Monte

Ao final dos anos 1990, o projeto ressurge, mas modifica seu nome ori-
ginal para Belo Monte, provavelmente para apagar a história da resistência
indígena. Na campanha eleitoral de 2002, Lula manifestou-se claramente
contra Belo Monte, mas pouco depois começou a defender a obra, até in-
cluí-la como uma das prioridades do PAC.66 A “monstruosidade” que de-
nuncia o bispo tem um lado social: a expulsão de cerca de 50 mil pessoas

65
“Belo Monte: uma monstruosidade apocalíptica”, entrevista de Erwin Kräutler, em Re-
vista IHU, n. 337, São Leopoldo, 2 de agosto de 2010. Todos os dados sobre a resistência a
Belo Monte provém desta fonte.
66
Ibid.

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entre índios e camponeses, a inundação permanente de parte da cidade


de Altamira e 19 aldeias, afetando nove povos indígenas, e a modificação
radical da vida da região pela diminuição do leito em 80% ao longo de
100 quilômetros. Dezenas de organizações sociais, eclesiais e ONGs têm
se pronunciado contra Belo Monte, e entregaram mais de 600 mil assina-
turas contra a represa.67 A Ordem dos Advogados do Brasil pediu em 1 de
fevereiro de 2010 a paralização das obras, já que contam apenas com uma
licença parcial emitida pelo Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente
e Recursos Naturais Renováveis), sendo que a obra foi também duramente
criticada por um “Grupo de Especialistas”.68
Por outro lado, a represa apresenta alguns problemas técnicos e eco-
nômicos. O curso do rio Xingu é muito irregular, aumenta no inverno até
transbordar e diminui muito no verão até quase desaparecer, por tal ra-
zão a oferta média de energia será apenas de 40% da capacidade instalada,
sendo “uma das piores relações potencia/energia, seguramente, do sistema
elétrico brasileiro”.69 Isto afetaria a rentabilidade dos investimentos, o que
dificultou a formação de consórcios para realizar o leilão público.
O leilão finalmente se realizou em 20 de abril de 2010, e apresentou vá-
rias idas e vindas. Das três empresas que realizaram os estudos de impacto
ambiental, ou seja, as que mais conhecem o projeto, duas se retiraram (as
construtoras Odebrecht e Camargo Corrêa). A terceira, Andrade Gutier-
rez, apresentou uma proposta destinada ao fracasso. Os retornos dos negó-
cios seriam muito baixos e os riscos demasiado elevados, motivo que levou
o governo a pressionar um grupo de empresas a se apresentar formando
o consórcio Norte Energia. Trata-se de nove empresas, das quais oito tem
uma participação individual pequena, enquanto a estatal Companhia Hi-
droelétrica do São Francisco, que pertence ao grupo Eletrobras, tem uma
participação decisiva com 49,98%.70

67
IHU Online, 11 de fevereiro de 2011, em: <http://www.ihu.unisinos.br/index.php>.
(Consulta 12/02/2011.)
68
Jornal do Brasil, 7 de fevereiro de 2011; “Nota pública do painel de especialistas sobre
a UHE Belo Monte”, Amazônia, 4 de fevereiro de 2011, em Rio Vivos, em: <http://www.
riosvivos.org.br/canal.php?c=526&mat=17044>. (Consulta 11/02/2011.)
69
“Usina hidrelétrica de Belo Monte testa projeto energético de Lula”, em Folha de São
Paulo, 18 de abril de 2010.
70
“Belo Monte o leilão que não Houve”, Folha de São Paulo, 23 de abril de 2010; “Um
parecer oficial contra Belo Monte”, O Globo, 23 de abril de 2010; “Aneel confirma dois
consórcios na disputa por Belo Monte”, Valor, 16 de abril de 2010.

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A reorganização do capitalismo brasileiro 181

Nos meses seguintes, informou-se para fins de leilão público que os


fundos de pensão das estatais (Previ, Petros e Funcef) ingressariam no
consórcio ganhador com aproximadamente 10% do capital cada um,
com o que a participação do Estado seguiu crescendo.71 Na construção
da megaobra estarão as três principais construtoras do país, Odebrecht,
Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, mas nenhuma delas assumirá os
riscos de um empreendimento faraônico que consideram “economica-
mente inviável”.72 Ainda que finalmente se construa Belo Monte e co-
mece a funcionar em 2015, como está previsto, a polêmica continuará
por um longo tempo. As megarepresas sobre o rio Madeira, próximas
da fronteira com a Bolívia, as que serão construídas em Inambari, Peru,
ou o Complexo de Tapajós, cinco represas no Pará que produzirão qua-
se tanto como Belo Monte, uns 10.600 MW, são a ponta do iceberg que
modificará para sempre a região amazônica. Não apenas serão afetados
os povos indígenas dessa região, como também camponeses de todo o
Brasil, e ainda índios e camponeses de países vizinhos, em particular
Bolívia e Peru.
O presidente da Eletrobras, José da Costa Carvalho Neto, anunciou o
investimento de 123 bilhões de dólares junto ao setor privado nesta década
para intervir em hidroelétricas, com o objetivo de internacionalizar a esta-
tal, que se converterá na “Petrobras do setor elétrico”, com investimentos
em Argentina, Colômbia, Peru e Venezuela.73 As cifras que opera a Eletro-
bras em seus investimentos superam o PIB conjunto de Uruguai, Bolívia e
Paraguai. Somente no Peru estima-se serem construídas 20 hidroelétricas,
que somariam 20 mil MW, duas vezes Belo Monte.

71
“Fundos de pensão estatais terão 10% da usina de Belo Monte”, O Estado de São Paulo,
15 de maio de 2010, em: <http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,fundos-de-pen-
sao-estataisterao-10-da-usina-de-belo-nte,552018,0.htm>. (Consulta 02/03/2011.)
72
“Odebrecht, Camargo e Andrade vão construir usina de Belo Monte”, O Estado de Sâo
Paulo, 15 de agosto de 2010, em: <http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,odebre-
cht-camargo-eandrade-vao-construir-usina-de-belo-monte,595196,0.htm>. (Consulta
15/02/2011.)
73
“Amazônia é prioridade de expansão de fontes energéticas, diz Eletrobras”, Folha de São
Paulo, 10 de fevereiro de 2011.

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Estado e capital

Em 5 de agosto de 2010, em plena campanha eleitoral para eleição do suces-


sor de Lula, os cinco principais jornais do país publicaram um manifesto
em defesa do BNDES diante da enxurrada de críticas que vinha recebendo.
“Em defesa de investimentos”, assim se intitula o texto, assinado por doze
associações empresariais da grande indústria que em conjunto faturavam
21% do PIB, e empregavam 2,5 milhões de trabalhadores.74
Este ano as críticas ao BNDES chegaram das mais diferentes frentes:
desde o setor financeiro até os movimentos sociais, desde a direita até a
esquerda. Para os bancos, é terrível que o Estado tenha capitalizado o BN-
DES e que o banco use este dinheiro para emprestar a uma taxa mais baixa
do que se paga. Ou seja, o Tesouro Nacional capta dinheiro a uma taxa de
10,75% (taxa Selic), e o BNDES empresta às empresas a uma taxa de 6%.75
Daí os industriais dizerem que se tratava de uma campanha de desprestí-
gio do BNDES apoiada por bancos privados.
Para outros, os empréstimos do BNDES têm um efeito concentrador
da riqueza e facilitador da criação de monopólios, já que 57% favoreceram
somente doze empresas, duas delas estatais (Petrobras e Eletrobras) e o
resto privadas, onde se destacam três construtoras “amigas” do governo:
Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez. Na lista aparecem tam-
bém outras multinacionais verde-amarelas, como a Vale, a Votorantim e
JBS.76 Na mesma direção tem se afirmado que um banco estatal como o
BNDES deveria financiar a inovação e as pequenas e médias empresas, já
que financiar grandes grupos “é transferir dinheiro do trabalhador para
alguns poucos acionistas, sendo concentrador de renda em um país muito
desigual”.77
Chama atenção o fato de que empresas que eram familiares tenham
se tornado grandes empresas por setores e tenham se convertido em con-

74
“Manifesto de empresários defende BNDES, mas especialistas criticam política de fo-
mento”, O Globo, 6 de agosto de 2010, em: <http://oglobo.globo.com/economia/mani-
festo-de-em158presarios-defende-bndes-mas-especialistas-criticam-politica-de-fomen-
to-2969438>. (Consulta 15/02/2011.)
75
Ibid.
76
“Doze grupos ficam com 57% de repasses do BNDES”, Folha de São Paulo, 8 de agosto
de 2010.
77
Joaquín Eloi Cirne de Toledo, em O Globo, 6 de agosto de 2010.

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A reorganização do capitalismo brasileiro 183

glomerados diversificados com a mão de apoio estatal, seguindo o mes-


mo processo do capital mundial no começo do século XX. O jornalista
Vinicius Torres Freire acerta ao sintetizar: “Fernando Henrique Cardoso
privatiza, Lula conglomera”.78 Os dados são sobremaneira eloquentes. Em
1996, o BNDES tinha participação em 30 grandes empresas brasileiras. Em
2003, o primeiro ano do Lula, já era acionista de 53 empresas, e em 2009
chegou a 90. Se a isto se soma a presença dos fundos Petros, Previ e Funcef,
o Estado está presente em 119 empresas em 2009.79 Os fundos de pensão
das grandes empresas estatais foram o grupo que mais ganharam poder
entre 1996 e 2009. Previ controla 78 empresas, entre elas algumas gigantes,
como a Vale; a Petros controla 31, a Funcef tem um papel decisivo em 18 e
a Funcesp em 14.80
O entrelaçamento de empresas privadas e atores estatais não começou
com o governo Lula. Como se sucedeu em tantos outros aspectos, seus
oito anos de governo aprofundaram um processo que, segundo o estu-
do de Sérgio Lazzarini, começou durante as privatizações sob a gestão de
Cardoso. Entre 1990 e 2002 foram privatizadas 165 empresas estatais, mas
a partir de 2004 se inaugura um processo “inverso”, pelo qual o governo
recupera o controle de muitas delas e nesse processo se produzem asso-
ciações com o BNDES e os fundos de pensão estatais, que permitem ao
Estado se posicionar como sócio decisivo em muitas empresas privadas.81
Durante o leilão de privatização foram criados consórcios mistos com
participação de estatais, impulsionadas inclusive pelo governo de Cardoso,
como forma de atenuar as críticas e “viabilizar politicamente o processo”
das privatizações.82 Podemos voltar ao exemplo da Vale, ex-Vale do Rio
Doce, empresa estatal cuja privatização foi contestada pela esquerda e por
movimentos sociais. Foi a maior privatização já realizada no Brasil, e foi
possível graças ao aval do BNDES e a formação da Valepar S.A., que con-
trola o Conselho de Administração com 53% do capital com direito de
voto. A Valepar está dominada, por sua vez, por quatro fundos de pensão,
liderados por Previ (com 49% das ações), seguido do Grupo Bradesco, com

78
Folha de São Paulo, 2 de fevereiro de 2010.
79
Sérgio Lazzarini. Capitalismo de laços. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
80
O Globo, 5 de dezembro de 2010.
81
Sérgio Lazzarini, Capitalismo de laços, op. cit., p. 10.
82
Ibid., p. 11.

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17%, a multinacional japonesa Mitsui, com 15%, e o BNDES, com 9,5% das
ações. Desse modo, mediante os fundos de pensões e do BNDES, a Vale
“privatizada” está controlada pelo Estado, ou, mais precisamente, por essa
nova camada de gestores de fundos de pensão entrelaçados com grandes
empresas brasileiras e o BNDES. Isto marca uma primeira e decisiva dife-
rença com outros processos de privatizações.
A segunda é a modalidade dos leilões. Enquanto em outros países do
Norte a tendência foi a pulverização das ações em múltiplos pequenos in-
vestidores, no Brasil a venda do controle das empresas foi feita em bloco.
“O consórcio vencedor, suportado por um acordo de acionistas definindo
os direitos e responsabilidades das partes, assumia o controle da nova em-
presa privatizada”, modalidade que permitiu a estes “blocos de controle” se
estabelecerem com 83% do valor total das privatizações.83 O interessante é
que este duplo processo se deu sob o governo neoliberal de Cardoso, com-
pelido sem dúvida por razões políticas e sociais.
Desse modo, confirmou-se uma “coligação de apoio” integrada por
grupos econômicos locais, novos investidores como os fundos de pensão
de empresas estatais e os recursos públicos, o que veio a recompensar o
escasso apoio que recebeu o processo de privatização das elites e da clas-
se política.84 Mas surge um terceiro aspecto que recém se evidencia sob
o governo Lula e se trata do crescimento exponencial do papel conjunto
do BNDES-fundos de pensão: enquanto as empresas privadas, nacionais
e estrangeiras, mantiveram um papel similar ao que vinham jogando an-
tes, a combinação citada se converte no nó-chave da economia brasileira
junto a um punhado de empresas privadas, entre as quais se destacam as
construtoras Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, os grupos
financeiros Itaú e Unibanco e o grupo Votorantim:

Estando disseminados em diversas empresas e, ao mesmo tempo, ativos


nas estruturas de controle, os fundos tornaram-se em pivôs nas mais di-
versas aglomerações locais corporativas. Associando-se aos fundos em
determinado contexto societário, tornou-se possível confrontar outros
acionistas, cooptar aliados ou aumentar a voz nas decisões da empresa.

83
Ibid., p. 32.
84
Ibid., p. 33.

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A reorganização do capitalismo brasileiro 185

Mesmo não sendo acionistas majoritários em cada empresa individual, a


centralidade dos fundos simplesmente criou oportunidades múltiplas de
coligação e negociação entre sócios das varias empresas onde estavam pre-
sentes.85

Naturalmente, os investimentos que realizaram os fundos e o BNDES


impulsionam a concentração de capitais, porque estão focados em grupos
econômicos grandes que lideram seus setores com o objetivo de conseguir
certo controle, parcial ou às vezes quase completo, da cadeia de produção
global de alguns produtos. Com base no trabalho do sociólogo Gary Gere-
ffi, o economista brasileiro Mansueto Almeida explica que uma empresa e
um país se beneficiam do comércio internacional dependendo do seu grau
de inserção na cadeia global de produção. Em sua opinião, a criação de
empresas gigantes só beneficia essas empresas, mas não necessariamente o
país ou quem coloca suas economias em fundos de pensão.86
Nesse sentido, são discutíveis as opções de fundos de pensão. Em 2010,
Petros decidiu ingressar no bloco de controle do Itaú-Unibanco, o maior
do Brasil e um dos dez mais importantes do mundo. Petros investiu um
bilhão e meio de dólares na construtora Camargo Corrêa e obteve 11% do
capital com direito a voto e um assento no Conselho de Administração
do megabanco.87 Semelhante poder tem levantado uma série de críticas
proveniente dos mais diversos setores.
Em julho de 2007, foi criada a “Plataforma BNDES”, integrada por mais
de trinta organizações sociais e ONGs.88 Seu objetivo é democratizar o
principal instrumento público para o desenvolvimento do país, repolitizar
a economia e submeter ao controle público os investimentos do BNDES.
Em 9 de julho de 2007, entregaram um documento ao presidente do banco,

85
Ibid., p. 38.
86
Mansueto Almeida, “A concentração do investimento e da produção em poucos setores”,
entrevista, Revista IHU, n. 338, São Leopoldo, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 9
de agosto de 2010, p. 5-8.
87
“Fundo de pensão da Petrobras vira sócio da controladora do Itaú”, Folha de São Paulo,
26 de novembro de 2010.
88
Entre os coletivos mais conhecidos que integram a “Plataforma BNDES” estão: Attac
Brasil, Central Única dos Trabalhadores, Comissão Pastoral da Terra, Conselho Indige-
nista Misionero, Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), Movimento de Traba-
lhadores Rurais Sem Terra e Movimento Nacional de Direitos Humanos.

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186 brasil potência

Luciano Coutinho, no qual defendem a transparência e que os investimen-


tos objetivem superar as desigualdades e se comprometam com o meio
ambiente. Num diálogo com as autoridades do banco estabeleceram cinco
áreas prioritárias de trabalho: etanol, hidroelétrica, papel e celulose, infra-
estrutura social (saneamento) e integração regional.89
Em novembro de 2009, foi realizado o I Encontro Sul Americano de
Populações Impactadas por Projetos Financiados pelo BNDES, no Rio de
Janeiro, com a participação de delegados do Brasil, Bolívia e Equador. A
“Carta dos Atingidos pelo BNDES” aponta suas críticas aos monocultivos
de cana de açúcar e eucaliptos, a produção insustentável de carne, a explo-
ração de minerais, as fábricas de celulose, as usinas de produção de agroe-
nergia e hidroeletricidade, assim como as grandes obras de infraestrutura
como portos, gasodutos, minerodutos, ferrovias e estradas.90 A “Platafor-
ma BNDES” recorda que os fundos da instituição provêm do tesouro Na-
cional e do Fundo de Amparo ao Trabalhador, mas servem para aumentar
os ganhos de um reduzido grupo de grandes empresas, e que a integração
regional que o banco promove se baseia em uma forte concentração de ca-
pital e no controle do uso de territórios habitados por povos para produzir
mercadorias para exportação.
Membros da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais
vêm também ampliando suas críticas ao BNDES, enfatizando o papel que
tinha em tempos anteriores no momento de consolidar o modelo de subs-
tituição de importações e, logo, o processo de privatizações. A partir de
2003, quando Lula ascende ao governo, o banco trabalha para produzir
um “reposicionamento vantajoso na divisão internacional do trabalho”, o
qual se alcançaria por meio da concentração e centralização dos capitais
no Brasil capazes de impulsionar as “habilidades e especializações” neces-
sárias para conseguir esse objetivo.91

89
Ver <http://www.plataformabndes.org.br/index.php/quem-somos>. (Consulta
19/02/2010.)
90
Documento completo em: <http://www.plataformabndes.org.br/index.php/pt/anali-
ses-dodesenvolvimento/45-principal/499-carta-dos-atingidos-pelo-bndes>. (Consulta
19/02/2010.)
91
Luis Fernando Novoa, “O Brasil e seu “desbordamento”: o papel central do BNDES na
expansão das empresas transnacionais brasileiras na América do Sul”, em Instituto Rosa
Luxemburg Stiftung, Empresas transnacionais brasileiras na América Latina, São Paulo,
Expressão Popular, 2009, p. 190.

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A reorganização do capitalismo brasileiro 187

Critica-se o BNDES não só por financiar empresas brasileiras, mas


também as de capital estrangeiro. Muitas das empresas que se consideram
como “brasileiras”, diz esta crítica, são na realidade empresas incubadas
pelo capital estrangeiro internacional que “se valem da estrutura institu-
cional oferecida pelo país para expandir e monopolizar faixas determina-
das de cadeias produtivas transnacionais”.92 De fato, os critérios do banco
na hora de selecionar empresas para associar-se levam a priorização da-
quelas que já tem um lugar hegemônico em certos segmentos, que já con-
seguiram o investment grade, desconsiderando as normativas ambientais
e sociais.
As grandes obras da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos estenderam
e aprofundaram a participação estatal, ou seja, do pequeno núcleo de ges-
tores dos fundos de pensão e do BNDES, onde se deixa sentir a influência
do movimento sindical. Mais além das críticas à reestruturação do capi-
talismo que tem promovido o governo Lula, será necessária uma reflexão
mais profunda acerca de qual tipo de capitalismo é o que está promoven-
do a ascensão do Brasil ao exclusivo clube das cinco principais potências
mundiais, atrás somente da China, Estados Unidos, Índia e Japão. Ainda
falta um levantamento que nos leve a aprofundar algumas estratégias se-
toriais, como a de defesa, o caráter das multinacionais brasileiras e o tipo
de integração regional que se está promovendo, para compreender se es-
tamos diante de um caso típico de “imperialismo” ou diante da ascensão
de uma grande potência diferente das que protagonizaram as metrópoles
ocidentais.

92
Ibid., p. 191.

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CAPÍTULO 6

As multinacionais brasileiras
na América Latina

O Brasil vive uma profunda mudança de sua inserção na


economia e na política globais. Nunca antes na história deste
país se produziu, exportou e investiu tanto, em especial fora
das fronteiras – desenvolvendo as empresas transnacionais
de origem brasileira. Nunca antes a política externa brasileira
foi tão independente – com base na exploração dos recursos
econômicos da América Latina e na disputa de mercados e
de espaços de investimento em África. Nunca antes o Brasil
foi tão engajado – ao ponto de grandes capitalistas apoiarem
políticas compensatórias “de esquerda”. Na verdade – e é o que
queremos investigar com esta série de artigos – nunca antes o
Brasil foi tão imperialista.
João Bernardo

“As coisas acontecem, não existe programação na vida, não há um roteiro”,


diz um homem de mais de 70 anos enquanto passeia pela célebre Feira
Anuga, na Alemanha. Ele começou a trabalhar aos 15 anos e só pode es-
tudar até a quarta série; quando terminou o serviço militar se dedicou ao
trabalho com gado para ganhar a vida, vendendo a açougues da pequena
cidade de Anápolis, com cerca de 50 mil habitantes, no Estado de Goi-
ás. Quando o presidente Juscelino Kubitschek chamou os brasileiros para
construir Brasília, entusiasmou-se porque “o governo deu quatro anos li-
vres de isenção de impostos para quem quisesse trabalhar ali”, e decidiu
instalar um matadouro na futura capital que matava 25 vacas por dia e
vendia para trabalhadores da construção civil. O negócio começou a cres-
cer ao mesmo ritmo da cidade. Meio século depois, em 2007, quando ele
comprou o frigorífico estadunidense Swift por 1,4 milhão de dólares, o ne-

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190 brasil potência

gócio da família tornou-se a multinacional do Zé Mineiro, usando a sigla


JBS, referindo-se ao nome verdadeiro de seu dono: José Batista Sobrinho.1
Em sua viagem à Alemanha concedeu a primeira entrevista de sua vida.
O fundador do frigorífico Friboi, controlado pela JBS, relembrou sua traje-
tória: em 1953 ele abriu um açougue em Anápolis, em 1957 se instalou em
Brasília, em 1962 alugou um matadouro em Luziânia e em 1969 comprou
o Matadouro Industrial de Formosa, ano em que surge o nome da empre-
sa, Friboi. Trata-se de uma empresa familiar em que trabalham seus seis
filhos (três homens e três mulheres), que abandonaram os estudos para se
dedicar todo o seu tempo aos negócios da família. “Nosso conhecimento
não é acadêmico, aprendemos com a vida”, disse Wesley à revista Forbes,
interessada em conhecer os segredos da maior empresa de carne bovina do
mundo e o segundo em carne de frango.2
Na década de 1990 a família queria expandir-se dentro do Brasil, e pou-
co depois apostaram na região sul-americana. A primeira grande aquisi-
ção foi a Anglo, em 1995, logo depois a área de bovinos da Sadia, nos anos
seguintes compraram os frigoríficos Mouran, Araputanga, Frigovira e fez
uma aliança com a Bertin, outro gigante brasileiro da carne, que culminou
com a fusão. Em 2005, compraram a Swift Armour S.A., a maior produto-
ra e exportadora de carne bovina da Argentina. Em 2007, chegou ao ponto
de ficar com a Swift dos Estados Unidos, que passava por dificuldades eco-
nômicas, como quase todas as outras empresas que compraram. Para isso,
aliaram-se com o BNDES, que em 2007 fez seu primeiro investimento na
JBS e passou a controlar os 20,6% da empresa.3
Em 2011, JBS possuía 18 abatedouros no Brasil, seis na Argentina, oito
nos Estados Unidos e quatro na Austrália. Nos Estados Unidos, o maior
mercado de carne bovina do mundo, a JBS é responsável por 22% da oferta.
Em 2010, faturou 35 bilhões de dólares. Apesar destes dados espetaculares,
os filhos do Zé Mineiro seguiram o mesmo comportamento do pai: José, o

1
“Zé Mineiro, o patriarca da JBS, mantém os pés no chão”, Aída do Amaral Rocha, em
Valor, 8 de novembro de 2007, em: <http://www.sysrastro.com.br/sysrastro/det_noticia.
php?not_codigo=6329&PHPSESSID=7c4e84b678c10368f2607b9d94e3ce31>. (Consulta
2/01/2012.)
2
“JBS: The Story Behind The World’s Biggest Meat Producer”, Karen Blanfeld, em Forbes,
21 de abril de 2011, em: <http://blogs.forbes.com/kerenblankfeld/2011/04/21/jbs-the-sto-
ry-behind-the-worlds-biggest-meat-producer>. (Consulta 15/05/ 2011.)
3
Ibid

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As multinacionais brasileiras na América Latina 191

mais velho, começou a trabalhar aos 14 anos no abatedouro de Anápolis.


Ele trabalhava de dia e estudava à noite, e não terminou o segundo grau do
ensino médio porque foi para o Distrito Federal vender carne.4 Joesley, o
mais jovem, aos 17 anos começou a administrar o frigorífico da família em
Luziânia, interior de Goiás. Ele deixou o ensino médio escolar, pois conse-
guiu aumentar o abatimento de 80 para 300 cabeças, o que lhe converteu
em um dos mais populares da família.5
O caso da JBS Friboi não é exceção entre as multinacionais brasileiras.
Pode-se dizer que há duas genealogias: as grandes empresas estatais que
foram privatizadas, no todo ou em parte, durante o governo de Fernando
Henrique Cardoso, como a Petrobras, a Vale do Rio Doce, a Embraer – a
quarta petroleira, a segunda mineradora e a terceira empresa aeronáutica
do mundo, respectivamente –, nas quais o Estado mantém uma forte pre-
sença por meio do BNDES e dos fundos de pensão. A segunda genealogia
está relacionada às empresas familiares do tipo da que fundou Zé Minei-
ro: Norberto Odebrecht, Camargo Corrêa, Gerdau, Andrade Gutierrez,
Votorantim, e muitos outros. Mas estas empresas de origem familiar tam-
bém vão compartilhando o controle de suas companhias com o Estado.
Depois de crescer vertiginosamente, e endividar-se graças ao apoio do
BNDES, a multinacional JBS Friboi deixou de ter a família Batista como
principal acionista. Em 2011, esse lugar passou a ser ocupado pelo BNDES,
com 35% do capital total, enquanto a família que fundou a empresa ficou
com 24,2%.6
Ambas as genealogias empresariais têm várias questões em comum.
São empresas de caráter familiar e local-regional em seus inícios que se
expandem de modo exponencial durante o governo Kubitschek, seja pelos
grandes investimentos estatais em obras de infraestrutura ou pela amplia-
ção do mercado interno. Nas décadas seguintes se convertem em impor-
tantes empresas nacionais e durante a globalização começam sua marcha
internacional. Em geral se expandem primeiro na América do Sul, que é a

4
Valor, 25 de novembro de 2005.
5
Revista Época, 5 de dezembro de 2009, em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epo-
ca/1,,EMI108857-15228,00.html>.
6
“BNDES terá 35% da JBS após trocar debêntures”, Valor, 19 de maio de 2011, em: <http://
www.fazenda.gov.br/resenhaeletronica/MostraMateria.asp?cod=722581>. (Consulta
2/01/2012.)

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192 brasil potência

base de apoio mais importante, em seguida, para o resto do mundo, com


um papel em destaque para a África.

A internacionalização das empresas brasileiras

As grandes empresas seguiram um itinerário comum, com pequenas dife-


renças. As que estão vinculadas à exploração de recursos naturais, a Petro-
bras e a Vale, saíram para o exterior buscando novas jazidas. As grandes
construtoras aproveitaram a experiência adquirida no país para estender
suas redes de negócios na região e no mundo. As indústrias manufaturei-
ras, por sua vez, foram ultrapassando as fronteiras do Brasil recentemente,
na década 1990. A história dessas multinacionais remonta ao período pos-
terior à revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas.
Até então o Brasil era um país agrícola exportador de café. As primeiras
indústrias foram criadas, como em outros países da região, no início do
século XX por imigrantes europeus e alguns proprietários de terras. Com
o enfraquecimento das oligarquias agropecuárias, o Estado potencializou
o nascimento de grandes empresas ligadas à exploração dos recursos na-
turais: a Companhia Siderúrgica Nacional (fundada em 1941), a Vale do
Rio Doce (1942) e a Petrobras (1953). Todas três são filhas do Estado Novo,
embora a Petrobrás só tenha sido fundada após seu término.
Depois da crise mundial de 1929, desenvolveu-se o processo de substi-
tuição de importações, que resultou no crescimento da indústria. Na década
de 1970, começaram as exportações de têxteis e calçados. Em paralelo, o
Brasil se converteu em um forte receptor de investimentos estrangeiros dos
Estados Unidos e Europa, que dedicaram às indústrias de bens de consumo
duráveis (automóveis e eletrodomésticos), nas mãos de empresas como Ford,
GM, Volkswagen, Whirlpool, Scania, Volvo e Mercedes Benz, dentre as mais
proeminentes. Com o regime militar, cresceram as empresas de construção
nacionais (Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez), foi criada em
1969 a empresa aeronáutica Embraer e a indústria petroquímica, baseada
numa aliança entre o Estado e os capitais privados e estrangeiros.7

7
Afonso Fleury, Maria Tereza Leme Fleury e Germano Glufke, “El camino se hace al
andar: La trayectoria de las multinacionales brasileñas”, em Universia Business Review,
primeiro trimestre de 2010.

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As multinacionais brasileiras na América Latina 193

O caso mais notável de internacionalização está relacionado às empre-


sas de construção, que geralmente ocupam lugares de destaque no ranking.
Todas as três nasceram em 1940 como empresas locais ou regionais sempre
ligados a uma família. Camargo Corrêa foi fundada em 1939 por Sebas-
tião Camargo, em uma pequena cidade no interior de São Paulo. Filho
de fazendeiros, percorreu um caminho semelhante ao de Zé Mineiro: só
estudou até a terceira série e aos 17 anos começou a trabalhar na constru-
ção; seu pequeno negócio se expandiu durante o crescimento do país e a
construção de Brasília, até participar nas obras de Itaipu, de várias hidro-
elétricas e da ponte Rio-Niterói.

Quadro 5. Internacionalização das multinacionais brasileiras (20 primeiras empre-


sas em 2011)

Empresa Setor Empregos no exterior (%) Receitas no exterior (%)


Jbs-Friboi Alimentos 61,7 77,4
Gerdau Metalurgia 45,3 52,0
Odebrecht Construção 45,0 59,8
Metalfrio Eletrônica 47,4 40,0
Ibope Serviços 55,2 29,7
Andrade Gutierrez Construção 44,7 33,3
Coteminas Mineração 21,9 88,5
Vale Mineração 20,8 56,6
Marfrig Alimentos 37,2 39,0
Ambev Alimentos 28,5 32,0
Stefanini Informação 37,0 35,7
SABÓ Veículos 35,7 43,2
Marcopolo Veículos 26,0 29,8
Weg Mecânica 16,0 39,2
Embraer Veículos 5,0 34,9
Magnesita Alimentos 17,0 29,2
Artecola Química 20,6 17,7
Camargo Corrêa Grupo ec. 17,0 17,3
Votorantim Grupo ec. 11,6 21,1
Remi Mecânica 13,1 6,5

Fonte: Valor, “Multinacionais brasileiras”, Setembro 2011, p.30.

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194 brasil potência

Hoje a família Camargo possui uma das maiores fortunas do país, e a


empresa se diversificou em construção, cimento, calçados, têxteis, siderur-
gia e energia, formando um grupo econômico que opera em mais de 20
países.8
Norberto Odebrecht foi criada em Salvador em 1944 por uma família
de descendentes de alemães que vieram para Santa Catarina em meados do
século XIX. Tornou-se a maior empresa de construção do país, e controla
a Braskem, maior empresa petroquímica da América Latina, que exporta
para 20 países. Andrade Gutierrez foi criada em 1948 por duas famílias,
e se tornou uma dos maiores conglomerados de infraestrutura do país,
atuando em vários setores, desde a construção até as telecomunicações,
e está presente em 30 países.9 As outras grandes empresas de construção
nasceram no mesmo período no Nordeste: Queiroz Galvão em 1953, em
Pernambuco, fundada por três irmãos, e OAS em 1976, em Salvador.10
Até 1960, sob o mandato de Kubitschek, haviam sido construídos 20
mil quilômetros de rodovias e quase mil de ferrovias, mas as obras que
mais deixaram ganhos para as construtoras foram as represas hidrelétricas
e as obras encomendadas pela Petrobras, em particular refinarias e pla-
taformas .11 A criação do Banco Nacional de Habitação (BNH) durante o
regime militar foi importante para o crescimento das construtoras, que se
beneficiaram ainda com todo um conjunto de obras como a rodovia Tran-
samazônica, as grandes barragens, como Itaipu, Tucuruí I e II, e milhares
de quilômetros de estradas. O “Milagre Econômico” da ditadura teve um
efeito colateral sobre a ampliação de um punhado de empresas familiares
que foram responsáveis pelas grandes obras. A construção foi nesses anos
um dos três setores com maior crescimento, junto dos bens de produção e
o setor financeiro.
No final da década de 1970, as grandes construtoras começaram sua
concentração monopolista e a expansão fora das fronteiras. Entre 1969 e
1973, Mendes Júnior construiu uma hidrelétrica na Bolívia e uma rodovia

8
Ver site oficial da empresa: <www.camargocorrea.com.br>.
9
<www.andradegutierrez.com.br>.
10
Pedro Henrique Pedreira Campos, “As origens da internacionalização das empresas de
engenharia brasileiras”, em Empresas transnacionais brasileiras na América Latina: um
debate necessário. São Paulo: Expressão Popular, 2009. p. 105.
11
Ibid.

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As multinacionais brasileiras na América Latina 195

na Mauritânia entre 1975 e 1979, quando ainda não havia multinacionais


brasileiras.12 Em 1979, a Odebrecht realizou obras no Chile e no Peru, e a
Camargo Corrêa constrói a usina hidrelétrica de Guri, na Venezuela. Em
1983, Andrade Gutierrez faz seu primeiro trabalho no exterior ao construir
uma estrada no Congo, e a Queiroz Galvão começa sua marcha internacio-
nal com uma represa no Uruguai.
As grandes construtoras brasileiras começaram sua movimentação in-
ternacional na América do Sul por conta da proximidade geográfica e as
afinidades culturais, e, em segundo lugar, para África e Portugal. Mui-
tas outras seguiram o mesmo caminho. Atualmente existem 885 empre-
sas brasileiras que investem em 52 países, o que está indicando que não o
fazem apenas as grandes, mas também médias.13 Segundo algumas pes-
quisas, a preferência das multinacionais brasileiras por América do Sul
e África também estaria vinculada ao fato de que estas regiões “não têm
empresas poderosas o suficiente para fazer frente às grandes brasileiras”.14
Na fase final da ditadura militar, com o qual as construtoras tinham
excelentes relações, houve uma redução significativa das grandes obras, o
que coincidiu com um período de aguda crise econômica. A saída ao ex-
terior e a diversificação foram as formas que encontraram as construtoras
para enfrentar o novo cenário. As empresas perderam o seu caráter ori-
ginal de construtoras, convertendo-se em “conglomerados monopolistas
com uma variada carteira de investimentos, dentre os quais o de constru-
ção de obras de infraestrutura se tornou minoritária”.15 A Odebrecht, por
exemplo, comprou uma empresa muito maior, a petroquímica Braskem.
Em 2006, quase 70% do faturamento da Odebrecht proveio da petroquími-
ca, frente a apenas 30% das áreas de construção e engenharia.
Algo similar ocorre com as outras construtoras. Andrade Gutierrez tem
investido nas empresas de telecomunicação Oi e Brasil Telecom, um setor
que responde por 60% das vendas da empresa. Camargo Corrêa, a mais
diversificada de todas, comprou as marcas de calçados Topper e Havaia-

12
Ibid., p. 108.
13
“Multinacionais brasileiras. A rota dos investimentos brasileiros no exterior”, KPMG,
2008, em: <www.kpmg.com.br>.
14
Pedro Henrique Pedreira Campos, “As origens da internacionalização das empresas de
engenharia brasileiras”, op. cit., p. 109.
15
Ibid., p. 111-112

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196 brasil potência

nas, além da Levi’s, da Lee e da Santista Têxtil, ingressou na agropecuária,


nos negócios imobiliários, construção naval, cimento, e comprou a Loma
Negra e Alpargatas na Argentina, investiu na siderúrgica Usiminas e no
Banco Itaú. Em 2003, a área de construção foi de pouco mais de 20% de
toda a empresa.16

Quadro 6. Localização das subsidiárias das multinacionais brasileiras (20 primeiras


em 2009)

Empresa Total países A. Latina A. Norte Europa África Ásia Oceania


Vale 33 15% 6% 15% 21% 36% 6%
Petrobras 26 38% 8% 12% 19% 19% 4%
Banco do Brasil 23 43% 4% 30% 4% 17% 0
Votorantin 21 19% 10% 29% 24% 14% 5%
WEG 20 25% 0 45% 0 25% 0
Brasil Foods 20 25% 0 40% 0 30% 0
Odebrecht 17 47% 6% 12% 24% 12% 0
Stefanini 16 50% 13% 25% 6% 6% 0
Camargo Corrêa 14 71% 7% 7% 14% 0 0
Gerdau 14 71% 14% 7% 0 7% 0
Ibope 14 93% 7% 0 0 0 0
Marfrig 12 33% 8% 42% 8% 8% 0
Randon 10 30% 10% 10% 30% 20% 0
TOTVS 10 80% 0 10% 10% 0 0
Eletrobras 10 100% 0 0 0 0 0
Tigre 9 89% 11% 0 0 0 0
Localiza 9 100% 0 0 0 0 0
Natura 9 78% 11% 11% 0 0 0
JBS 7 43% 14% 14% 0 14% 14%
Indice de
52,95% 9,18% 16,89% 5,43% 14,66% 0,89%
Regionalização

*Sobre 38 empresas
Fonte: Ranking das Transnacionais Brasileiras, FDC, op. cit., p. 10.

16
Ibid., p. 112-113.

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As multinacionais brasileiras na América Latina 197

A tendência de investir primeiro em países vizinhos parece ser o ca-


minho natural de todos os processos de internacionalização. A presença
média das principais multinacionais brasileiras de 53% na América La-
tina é avaliado por um estudo da Fundação Dom Cabral como típica dos
estágios iniciais de internacionalização, porque a proximidade geográfica
influencia na “redução dos custos do processo de expansão”, o que seria
confirmado pelo fato de as empresas que estão nos estágios iniciais de in-
ternacionalização “aumentam sua concentração na América Latina”.17 Du-
rante a crise, esta tendência foi reforçada ainda mais: entre 2008 e 2009 as
empresas brasileiras retiraram seus investimentos dos países desenvolvi-
dos, 47% na América do Norte e 18% na Europa, mas aumentaram 36% na
Ásia, 126% na África e 15% na América Latina.18
O processo de internacionalização tem sido gradual. As empresas ge-
ralmente começam atendendo o mercado interno e apenas em determina-
do estágio tornam-se exportadoras. Mais adiante, uma vez que abriram
mercados e os consolidaram, passam a ter um agente no país para onde
exportam, num processo que pode levar a instalação de uma fábrica de
produção. As pesquisas mostram que as empresas brasileiras que investem
no exterior têm uma longa tradição como exportadoras, mas também um
alto coeficiente das vendas externas nas vendas totais.19 Em uma primeira
fase os investimentos se realizam como apoio à comercialização por meio
de escritórios de representação, centros de distribuição e assistência técni-
ca. Finalmente, a conquista do mercado externo obriga muitas empresas a
passar dos investimentos comerciais para os produtivos.
A desregulamentação econômica que promoveu o Consenso de Wa-
shington, que resultou em uma entrada maciça de capital estrangeiro na
região e no Brasil, foi uma das forças motrizes para a internacionalização
de grandes empresas brasileiras em busca de melhorar a sua competitivi-
dade. O perfil das 500 maiores empresas da América Latina mudou entre
1991 e 2001: a representação das multinacionais estrangeiras passou de

17
Fundação Dom Cabral, “Ranking das Transnacionais Brasileiras 2010”, em: <www.fdc.
org.br/pt/Documents/ranking_transnacionais_2010.pdf>. (Consulta 20/05/2011.)
18
Ibid., p. 12.
19
Roberto Iglesias, “Os interesses empresariais brasileiros na América do Sul: investimen-
tos diretos no exterior”, Brasília, CNI, 2007, p. 35.

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198 brasil potência

27% para 39%.20 De acordo com o estudo da Cepal, “a crescente compe-


tição pôs pressão sobre os grupos nacionais, que tradicionalmente forne-
ciam produtos e serviços para seus mercados locais”, e os impulsionou a
buscar mercados externos.21
A criação do Mercosul foi, nesse sentido, uma forma de abrir o mercado
regional para as empresas poderem enfrentar a concorrência em melhores
condições e, por sua vez, de protegê-las frente à pressão cada vez maior
das grandes multinacionais. No entanto, o fato de ser competitiva também
internacionalmente foi a chave para manter uma forte presença no mer-
cado interno, já que a crescente interdependência dos mercados mundiais
terminarou afetando a todos os atores de todos os países.22
Entre 1995 e 2004 as empresas brasileiras realizaram fora das fronteiras
90 fusões e aquisições, com a seguinte distribuição geográfica: 29 em países
desenvolvidos e 61 países em desenvolvimento, das quais 32 estavam na Ar-
gentina, quatro na Colômbia, Peru e Venezuela e três na Bolívia.23 Entre 2002
e 2004, dos vinte projetos mais importantes de empresas brasileiras para a
instalação de novas fábricas no exterior, quatorze se localizavam na Amé-
rica do Sul, uma na América Central, três em Portugal, uma no Irã e outra
na Noruega.24 Este conjunto de dados confirma a opção das multinacionais
brasileiras pela região, onde estão construindo o grosso das obras da Iirsa
(Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul Americana).
A expansão para a região tem sido marcada por conflitos entre empresas
e governos, muitas vezes por não cumprimento que tem causado situações
ríspidas e conflitos diplomáticos. No entanto, algumas multinacionais vêm
tentando se colocar como representantes do Brasil no exterior em sintonia
com a política oficial do governo, o que faz com que os interesses empre-
sariais se confundam com os interesses nacionais. Odebrecht desenvolveu
uma ampla publicidade para o encontro latino-americano realizado na

20
Javier Santiso, “La emergencia de las multilatinas”, em Revista da Cepal, Santiago, n. 95,
agosto de 2008.
21
Ibid., p. 20.
22
Ana Claudia Alem e Carlos Eduardo Cavalcanti, “O BNDES e o apoio à internacionali-
zação das empresas brasileiras: algumas reflexões”, em Revista do BNDES, Brasília, n. 24,
dezembro de 2005.
23
Márcia Tavares, “Investimento brasileiro no exterior: panorama e considerações sobre
políticas públicas”, Santiago, Nações Unidas/Cepal, novembro de 2006, p. 16.
24
Ibid., p. 17.

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As multinacionais brasileiras na América Latina 199

Bahia, em dezembro de 2008, onde se apresentava como “a construtora


da integração regional”.25 Na verdade, a construtora acabara de entrar em
conflito com o governo equatoriano, em virtude da construção de uma
barragem, e apelou tanto ao governo Lula quanto à aliança com os gover-
nos progressistas da região para obter respaldo.

Os investimentos estrangeiros no Brasil

Existe um consenso de que os investimentos brasileiros no exterior são ain-


da muito pequenos em relação ao PIB e podem crescer significativamente
nos próximos anos. O Brasil foi e ainda é um dos grandes destinatários de
IED (Investimento Estrangeiro Direto), mas na década de 1990 tornou-se
um exportador de capitais (investimento brasileiro direto, ou IBD). Em
alguns anos, o investimento brasileiro superou o investimento estrangeiro
no Brasil, no marco de uma profunda reacomodação mundial dos fluxos
de capital, como consequência das crises das economias centrais e da cres-
cente desarticulação geopolítica. Uma breve visão retrospectiva permite
observar as tendências subjacentes. Para fazer isso veremos três séries his-
tóricas vinculadas à evolução do investimento estrangeiro.
A primeira reflete a evolução do IDE global. Até o triênio 1978-1980, 97%
dos investimentos estrangeiros diretos eram realizados pelas economias
desenvolvidas e apenas 3% pelas economias em desenvolvimento. Isto quer
dizer que o grosso dos capitais investidos no mundo vem dos países mais
desenvolvidos. Mas, na primeira década do século XXI, as economias em
desenvolvimento e emergentes mostraram capacidade de atrair mais e mais
capitais. Em 2005, essas economias já atraíam 12% dos fluxos globais de ca-
pital, e em 2009 passaram a 21%. Um giro maior ocorreu em 2010, quando
as economias emergentes e em desenvolvimento atraíram mais capitais que
os desenvolvidos: 53,1% frente a 46,9%. “Pela primeira vez desde o início da
série histórica da UNCTAD, em 1970, os países desenvolvidos receberam
menos da metade dos fluxos globais da IED”.26 A série histórica mostra a

25
“Pivô de crise, Odebrecht saúda cúpula e pede integração”, Folha de São Paulo, 15 de
dezembro de 2008.
26
“Boletim SOBEET”, Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da
Globalização Econômica, São Paulo, n. 77, 26 de janeiro de 2011.

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200 brasil potência

profunda reorganização espacial do sistema capitalista, que vinha se insinu-


ando mas tornou-se ainda mais pronunciada após a crise financeira de 2008.
A segunda série se refere à evolução do IDE recebido pelo Brasil e pela
região. A série histórica disponível desde 1950 indica que o Brasil foi o país
que mais captou investimentos no decênio de 1970-1980, aproximadamen-
te a metade de todas as entradas totais da America Latina.27 Em seguida, os
investimentos no Brasil diminuíram, tendo sido deslocados para a Argen-
tina e para o México como destino principal do capital transnacional em
busca de investimento. No quinquênio 1990-1994, o Brasil atraiu apenas
19% dos investimentos da região sul-americana, enquanto Argentina, que
já vivia o período mais intenso de privatização das empresas estatais, e o
México receberam três vezes mais investimentos que o Brasil.28

Quadro 7. O investimento estrangeiro direto na América do Sul e México (2000-


2010 em milhares de milhões de dólares)

1990 a 1995 a 2001 a


País 2006 2007 2008 2009 2010 2011
1994 2000 2005
América do Sul 8.941 47.195 37.969 43.410 71.227 91.329 54.550 85.143 121.318
Brasil 1.703 21.755 19.197 18.822 34.585 45.058 25.949 48.462 66.700
Argentina 2.971 10.742 4.296 5.537 6.473 9.726 4.017 6.193 6.300
Chile 1.219 5.058 5.012 7.298 12.534 15.150 12.874 15.095 17.600
Colômbia 818 2.505 3.683 6.656 9.049 10.596 7.137 6.760 14.400
Perú 785 2.022 1.604 3.467 5.491 6.924 5.576 7.328 7.900
Venezuela 836 3.416 2.546 -508 1.008 349 -3.105 -1.404 s/d
México 5.430 11.265 22.722 19.779 29.714 25.864 15.206 17.726 17.900

* Médias anuais **Preliminar.


Fontes: Ziga Vodusek, “Inversión extranjera directa en América Latina”, op. cit., p. 21; Cepal, “La
inversión extranjera directa en América latina y el Caribe”, 2010, op. cit., p. 45; UNCTAD, “Invest-
ment Trend Monitor”, n. 8, Nações Unidas, Nova York , 24 de janeiro de 2012.

27
Gustavo Bittencourt e Rosario Domingo, “Inversión extranjera directa en América La-
tina: tendencias y determinantes”, Montevideo, Facultad de Ciencias Sociales, Cuaderno
de Trabajo, n. 6, 1996, p. 60.
28
Ziga Vodusek, Inversión extranjera directa en América Latina. El papel de los inversores
europeos, Washington, Banco Interamericano de Desarrollo, 2002, p. 21.

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As multinacionais brasileiras na América Latina 201

As tendências mudaram em meados da década de 1990. O Brasil passou


a captar a metade do investimento estrangeiro direto na América do Sul,
muito acima dos demais países.29
As estimativas para 2011 antecipam uma nova onda de investimentos
estrangeiros no Brasil, com um crescimento de 35% em relação ao ano an-
terior.30O Brasil se converteu no quinto destino do investimento mundial,
muito perto da China. Mas a tabela também mostra a evolução dos outros
países na cartografia do capital. Como o Brasil cresce exponencialmente, a
Argentina passa a um lugar secundário atrás do Chile, mas também atrás
do Peru, enquanto a Colômbia se converte na estrela dos investimentos,
dobrando o total recebido pela Argentina em 2011.31 México tende a re-
troceder, em grande parte, por sua dependência do mercado dos Estados
Unidos, o epicentro da crise de 2008. A Venezuela é o país de que o capital
tende a fugir.
A terceira série de dados se concentra sobre os Investimentos Brasi-
leiros Diretos (BID), que estão experimentando um avanço importante
como reflexo da maturidade das grandes empresas multinacionais e do
apoio que recebem do Estado por intermédio do BNDES. Embora as em-
presas tenham cerca de 150 bilhões de dólares investidos no exterior, o
Brasil tem um dos índices mais baixos de investimento direto exterior do
mundo, abaixo inclusive dos países em desenvolvimento e de outros da
região sul-americana. Os países desenvolvidos investem no exterior cerca
de 2% do PIB. Na América Latina, nos últimos anos, o investimento direto
no exterior do Chile foi de 5% do PIB, Colômbia de 1,3% e México de 0,9%,
enquanto o do Brasil está abaixo de 0,5%.32
Ao explicar o baixo volume de investimentos geralmente se argumenta
a falta de uma política de crédito para financiar as operações no exterior,
o alto custo de capital, redução da capacidade para investir por conta de
uma longa história de protecionismo e a falta de preparo dos empresários

29
Cepal, “La inversión extranjera directa en América Latina y el Caribe”, Nova York, Na-
ções Unidas, 2010, p. 45.
30
“Boletim SOBEET”, N. 79, São Paulo, 26 de abril de 2011 e UNCTAD, “Investment
Trend Monitor”, N. 8, Nações Unidas, Nova York , 24 de janeiro de 2012.
31
UNCTAD, “Investment Trend Monitor”, op. cit., p. 6.
32
Márcia Tavares, “Investimento brasileiro no exterior”, op. cit., p. 12; Cepal, La inversión
extranjera directa en América Latina y el Caribe. Nova York, Nações Unidas, 2009, p. 69.

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202 brasil potência

por sua mentalidade de curto prazo.33 A década de 1990 não teria sido fa-
vorável para a expansão das multinacionais brasileiras, em grande parte
por dificuldades internas. Em 2003, havia apenas três empresas brasileiras
entre as 50 maiores transnacionais não financeiras de países em desenvol-
vimento (Petrobras, Vale e Gerdau).34 No entanto, nos últimos anos esta
situação tende a mudar.
Na verdade, os investimentos brasileiros no exterior deram um impor-
tante salto adiante na primeira década do século XXI, a tal ponto que em
2006 superou os investimentos estrangeiros no Brasil.35 Nesse ano o país
foi o décimo segundo investidor do mundo, à frente da Rússia e da China,
e de vários países desenvolvidos, sendo o segundo maior investidor entre
os países em desenvolvimento. O quadro 8 resume os acontecimentos da
última década na região, na qual despontam os países andinos como po-
tenciais exportadores de capital.

Quadro 8. Investimento direto no exterior de países da América Latina (2001-2010


em milhões de dólares)

País 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Argentina 161 -627 774 676 1.311 2.439 1.504 1.391 710 946
Brasil 2.258 2.482 249 9.807 2.517 28.202 7.067 20.457 -10.084 11.500
Chile 1.610 343 1.606 1.563 2.183 2.171 2.573 8.040 8.061 8.744
Colômbia 16 857 938 142 4.662 1.098 913 2.254 3.088 6.504
México 4.404 891 1.253 4.432 6.474 5.758 8.256 1.157 7.019 12.694

Fonte: Cepal, “La inversión extranjera directa en América Latina y el Caribe”, 2009, p. 85; 2010, p. 75.

A série indica que o Brasil e o Chile são os países que acompanharam


de modo consistente a expansão do investimento direto no mundo. Em
ambos se concentram dois terços da IED sul-americana. O Brasil tem uma
enorme quantidade de capital no exterior, que se aproxima a 10% do PIB
e não deixa de crescer, apesar da crise mundial. A pesquisa Capitais Bra-

33
Ibid., p. 13.
34
Ibid., p. 19.
35
KPMG, “Multiancionais brasileiras”, op. cit.

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As multinacionais brasileiras na América Latina 203

sileiros no Exterior (CBE) se realiza desde 2001, e permite visualizar as


mudanças na última década: o investimento estrangeiro se multiplicou por
quatro em menos de uma década, acumulando 165 bilhões dólares.36 O
mais significativo é que cresceu durante as crises, quando os capitais do
mundo se retraíram buscando refúgios especulativos.
Brasil está adotando uma política de Estado para fomentar os investi-
mentos no estrangeiro, embora o processo ainda tenha uma escassa consis-
tência. Um estudo sobre os investimentos externos do Brasil detecta preci-
samente esta lacuna: “Não é possível identificar-se com clareza uma visão
estratégica do setor público brasileiro com relação a esses investimentos e
ao papel que podem desempenhar no desenvolvimento econômico do país,
e também não há um conjunto bem definido de políticas voltadas para o
apoio e a promoção dos investimentos”.37
Uma visão mais detida observa que desde 2003 o BNDES, um dos prin-
cipais instrumentos de política econômica, resgata o conceito de “inserção
competitiva”, que busca um reposicionamento vantajoso do Brasil na di-
visão internacional do trabalho, que se traduz em concentração e centra-
lização de capitais para competir fora das fronteiras.38 Durante o governo
Lula, o BNDES decidiu impulsionar grandes empresas sediadas no Brasil,
ainda que sejam filiais de multinacionais de outros países, e apoiar as suas
principais iniciativas. Para o então presidente do BNDES, Luciano Couti-
nho, o “critério objetivo” para receber apoio do banco são “os resultados e
os números das empresas”.39
Estudos do BNDES confirmam que os encarregados de apoiar as em-
presas brasileiras entenderam que “sem empresas competitivas internacio-
nalmente, um país não pode melhorar sua performance”.40 O banco de fo-
mento analisa que, já em 1990, as 420 maiores empresas do mundo foram

36
“Capitais Brasileiros no Exterior. 2011”, em http://www4.bcb.gov.br/rex/cbe/port/cbe.
asp (Consulta 14/01/2012).
37
Fernando Ribeiro e Raquel Casado Lima, “Investimentos brasileiros na América do Sul:
desempenho, estratégias e políticas”, Rio de Janeiro, Funcex, julho de 2008, p. 36.
38
Luis Fernando Novoa, “O Brasil e seu desdobramentó: o papel do BNDES na expansão
das empresas transnacionais brasileiras na América do Sul”, em Instituto Rosa Luxem-
burg Stiftung, Empresas transnacionais brasileiras na América do Sul, op. cit., p. 189.
39
Luciano Coutinho entrevista a Agência Brasil, 29 de abril de 2008, citado por Luis Fer-
nando Novoa, op. cit., p. 193.
40
Ana Claudia Alem e Carlos Eduardo Cavalcanti, Revista do BNDES, op. cit., p. 56.

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204 brasil potência

responsáveis pela metade do comércio internacional, e que as multinacio-


nais foram a principal fonte privada de investigação e desenvolvimento
dominando as transações em tecnologia. Por isso, consideram que a inter-
nacionalização tem vários efeitos positivos: acesso a recursos e mercados,
facilita a reestruturação das empresas e as exportações geram divisas em
moeda forte que permitem importar para sustentar o crescimento.41
Em 2002, mesmo antes da vitória de Lula, foi criado no BNDES um
Grupo de Trabalho para estudar linhas de crédito para investimentos no
exterior. A evolução dos investimentos desde 2000 na América do Sul
mostra que o Brasil se tornou o nexo intermediário da região com o mer-
cado mundial, pelas vantagens comparativas que apresentava seu grande
mercado e a abundância de recursos naturais.
Enquanto as economias de seus vizinhos seguiam restritas à produção
agrícola e mineral, ou submetidos a processos de desindustrialização, o
Brasil conseguiu atualizar seu parque industrial mediante operações intra-
empresas que o mantiveram em condições de produzir e exportar manufa-
turas com valor agregado e custos competitivos. Logo, ao sobreviver à crise
econômica mundial, a contração dos mercados dos países desenvolvidos e
a adoção de novas barreiras protecionistas, a absorção dos mercados resi-
duais em países da América Latina tornaram-se cruciais para os capitais
estabelecidos no Brasil.42
O BNDES publicou seus cinco objetivos estratégicos para o desenvol-
vimento produtivo e das empresas. O primeiro é fazer do Brasil um líder
mundial, para o que é necessário “posicionar sistemas produtivos ou em-
presas brasileiras entre os cinco principais players mundiais em sua ativi-
dade” em áreas como mineração, siderurgia, aeronáutica e o complexo do
etanol.43 O segundo objetivo é a conquista de mercados, que consiste em
posicionar certas empresas como as principais exportadores mundiais em
seu campo, “combinando uma participação significativa nos fluxos de co-
mércio internacional com a preservação da posição relevante no mercado

41
Ibid., p. 54.
42
Luis Fernando Novoa, “O Brasil es seu ´desdobramento´: o papel do BNDES na expan-
sâo das empresas transnacioanis brasilerias na América do Sul”, op cit. p. 197.
43
BNDES, “Política de desenvolvimento produtivo. Inovar e investir para sustentar o cres-
cimento”, BNDES, maio de 2008.

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As multinacionais brasileiras na América Latina 205

doméstico”.44 Os bens de consumo duráveis e o bens de capital são a espi-


nha dorsal dessa estratégia.
A especialização consiste na construção de competitividade em áreas
de densidade tecnológica, é a terceira estratégia do BNDES, apoiada em
segmentos como tecnologia da informação, o complexo industrial de saú-
de e indústria de bens de capital. A quarta estratégia consiste na diferencia-
ção, ou seja, na valorização de marcas brasileiras para serem posicionadas
entre as cinco principais de cada setor, estabelecidas na produção de bens
semiduráveis ou não duráveis. Finalmente, a quinta estratégia consiste na
ampliação do acesso ao consumo de massa, como os serviços de banda
larga, bens de consumo e habitação.45
Paralelamente, definem-se quatro “metas macro” de longo prazo. Num
lugar destacado aparece a Internacionalização do Brasil, com base no cres-
cimento das exportações e do investimento direto no exterior para insta-
lação de representações comerciais ou plantas produtivas. O que distingue
o Brasil do resto dos países sul-americanos é que o Estado tem se proposto
a apoiar com intensidade as grandes empresas para que se voltem para o
exterior. Desse modo dispõe de uma linha de apoio à indústria que liberou
210 bilhões de reais entre 2008 e 2010 para atingir o objetivo de construir
uma taxa de formação bruta de capital de 21% do PIB em 2010.46 Além
disso, abriu linhas de crédito para inovação (Inovação de Capital e Inova-
ção Tecnológica) e por meio de uma vigorosa expansão dos investimentos
públicos em ciência e tecnologia.
O Brasil pretende usar o seu poder produtivo, diplomacia e política
para promover a integração produtiva da América Latina e do Caribe, com
base no Mercosul. Para isso, visa aumentar a articulação de cadeias pro-
dutivas e aumentar o comércio intrarregional para ampliar a escala e a
produtividade da indústria nacional. “Neste contexto, a integração das in-
fra-estruturas logísticas e energéticas na América do Sul mostra-se como
grande desafio e oportunidade”, assinala o BNDES em referência à IIRSA.47
Algo semelhante acontece com a África, continente com o qual se propõe o
aumento do comércio e a presença de grandes empresas brasileiras.

44
Ibid.
45
Ibid.
46
Ibid., p. 24.
47
Ibid., p. 28.

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206 brasil potência

Em 2003, o BNDES modificou seus estatutos para poder apoiar a imple-


mentação de empresas brasileiras no exterior. A primeira grande operação
foi a de apoiar a compra de 85% da Swift Armour, a principal empresa de
carnes da Argentina, por parte da Friboi.48 O apoio para esta camada de
investimentos na região vai de mãos dadas com o papel estratégico que
o Brasil quer desempenhar no mundo, com base em sua hegemonia na
América do Sul. Para construí-la, o aumento das exportações de bens e de
capital é um passo fundamental.
Os resultados são evidentes. O Brasil está em terceiro lugar no ranking
das cem maiores empresas dos países emergentes, atrás da China e da Ín-
dia, com 14 empresas como Petrobras, Vale, as siderúrgicas e empresas de
construção, alguns das quais já duplicaram seu faturamento por conta de
seus negócios na região. Essas empresas são algo emblemático do Brasil
Potência. A expansão dessas multinacionais verde-amarelas tem impacta-
do fortemente seus vizinhos: 20% do investimento estrangeiro na Bolívia
derivam da Petrobras, 80% da soja produzida no Paraguai é de proprieda-
de de fazendeiros brasileiros, na Argentina, 24% das compras de empresas
entre 2003 e 2004 foram feitas por capitais brasileiros.49

Empresários verde-amarelos

Em 11 de maio de 2011, quarta-feira, a presidente Dilma Rousseff instalou


a Câmara de Gestão de Políticas de Desempenho e Competitividade. O
órgão é composto por quatro representantes da “sociedade civil”, “com re-
conhecida experiência e liderança nas áreas de gestão e competitividade”,
segunda anunciou a Presidência.50 Trata-se dos empresários Jorge Gerdau
Johannpeter, que preside o Conselho de Administração do Grupo Gerdau,
Abílio Diniz, proprietário do Grupo Pão de Açúcar, Antonio Maciel Neto,
presidente da Suzano Papel e Celulose, e Henri Philippe Reichstul, ex-pre-

48
Ana Saggioro García, “Empresas transnacionais: dupla frente de luta”, Instituto Rosa
Luxemburg Sitftung, Empresas transnacionais brasileiras, op. cit., p. 14.
49
Ibid., p. 13.
50
O Estado de São Paulo, 11 de maio de 2011, em: <http://economia.estadao.com.br/no-
ticias/Economia+Brasil,dilma-instala-hoje-camara-de-politica-de-gestao,not_66426.
htm>. (Consulta 29/05/2011.)

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As multinacionais brasileiras na América Latina 207

sidente da Petrobras. Pelo governo participam Antonio Palocci,51 ministro


da Casa Civil, Guido Mantega, ministro da Fazenda, a ministra do Plane-
jamento, Miriam Belchior, e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior, Fernando Pimentel.
Gerdau ganhou um gabinete ligado ao de Dilma Rousseff, a quem a
presidenta considera “o ministro de seus sonhos”, segundo seus colabo-
radores.52 Sua posição não é remunerada, porque se trata de um serviço
público relevante. Entre os objetivos da câmara figuram aumentar a com-
petitividade, reduzir a burocracia estatal e estimular as exportações. Em
seu programa semanal de rádio, “Café com a Presidenta”, Dilma disse que
a câmara “vai encontrar meios para reduzir a burocracia que as empresas
enfrentam no comércio com outros países” e que “o governo e as empresas
vão pensar juntos a criação de boas práticas administração”.53
Gerdau foi um dos primeiros grandes empresários a apoiar publicamen-
te Lula em sua campanha eleitoral de 2002, a tal ponto que apareceu na
propaganda eleitoral. Dilma queria nomeá-lo para a Secretaria de Assuntos
Estratégicos ou para o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comér-
cio, proposta que o empresário rejeitou. Durante o governo Lula, Gerdau
aderiu ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do Governo
Federal, e antes integrou o Conselho de Administração da Petrobras e do
Instituto Brasileiro de Siderurgia, além de figurar em outras instituições
estatais e empresariais como o programa de Qualidade e Produtividade do
governo do Rio Grande do Sul. Nunca havia tido um cargo tão alto.
O Grupo Gerdau não é somente uma das principais multinacionais do
país, mas encarna um tipo de empresa familiar tipicamente brasileira. Jor-
ge Gerdau é o bisneto de João Gerdau, fundador da empresa, que emigrou
da Alemanha em 1869, instalando-se em uma pequena cidade no interior
do Rio Grande do Sul, Agudo, onde viviam apenas cinco mil pessoas. Du-
rante anos se dedicou ao comércio, e em 1901, instalado em Porto Alegre,
comprou uma fábrica de pregos, que cresceu rapidamente. No entanto,

51
Antonio Palocci teve que renunciar a seu cargo em 7 de junho de 2011 por denúncias
de enriquecimento ilícito. Foi substituído pela senadora Gleisi Hoffmann, membro do PT.
52
“Dilma corteja empresário Jorge Gerdau para seu governo”, Folha de São Paulo, 30 de
novembro de 2010.
53
Agência Brasil, 16 de maio de 2011, em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/noti-
cia/2011-05-16/dilma-camara-de-politicas-de-gestao-vai-aumentar-competitividade-e
-reduzir-burocracia>. (Consulta 29/05/2011.)

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208 brasil potência

apenas em 1933 construiu uma segunda fábrica de pregos em Passo Fundo,


administrada por Hugo Gerdau, filho de João.
No final da década de 1940, assumiu a empresa seu genro, Curt Johan-
npeter, casado com uma filha de Hugo Gerdau, e comprou a Siderúrgica
Riograndense, ingressando num novo ramo promissor por conta da ex-
pansão industrial que vivia o país. Jorge Gerdau Johannpeter nasceu em
1936, é um dos quatro filhos de Curt. Aos 14 anos, Jorge começou a traba-
lhar na fábrica de pregos durante as férias escolares. Na parte da manhã
trabalhava na fábrica com os funcionários, à tarde no escritório adminis-
trativo e à noite estudava contabilidade. Em 1957, fez um curso como um
aspirante a oficial da reserva do Exército na arma de Cavalaria, e em 1961
estudou Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Na década de 1960, começou a expansão acelerada da empresa em que
Jorge Gerdau exerceu um papel decisivo. Adquiriu a Fábrica de Arames São
Judas, em São Paulo, a Siderúrgica Açonorte, em Pernambuco, e, em 1972,
a Companhia Siderúrgica da Guanabara, todos elas fora do Rio Grande do
Sul, já que a família decidiu que para seguir crescendo deveriam ir além
do estado. Em 1986, Jorge assume a presidência do Conselho de Adminis-
tração. Em 2010, o grupo operava em mais de cem países, contava com 48
unidades siderúrgicas, 21 unidades de transformação, 80 unidades comer-
ciais, quatro linhas extração de minério de ferro, dois terminais portuários
privativos e tinha relações com empresas que totalizavam doze unidades
siderúrgicas e dezenas de outras unidades de processamento e comércio.
Um total de 337 unidades industriais em 14 países, com um valor de mer-
cado de 22 bilhões de dólares.
A Gerdau é uma das empresas mais internacionalizadas do Brasil. Sua
expansão internacional começou em 1980, com a compra de uma pe-
quena empresa no Uruguai, e, em seguida, com a aquisição de usinas no
Canadá, no Chile e na Argentina, mas a iniciativa mais abrangente foi a
aquisição de 75% da Ameristeel, segunda maior produtora de barras de
aço dos Estados Unidos. Isso lhe permitiu triplicar a produção fora do
Brasil e ingressar com força no mercado estadunidense. Em 2001, reali-
zou aquisições na Colômbia e na Europa, com 40% da espanhola Sidenor,
por exemplo. Sua gama de aquisições continuou no Peru, nos Estados
Unidos, onde assumiu a Chaparral Steel, uma das maiores produtoras de
perfis estruturais, e começou a atuar no México, na República Domini-
cana e na Venezuela.

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As multinacionais brasileiras na América Latina 209

É interessante constatar que apesar de ter se tornado uma grande mul-


tinacional, a décima terceira siderúrgica mundial, com uma capacidade
instalada de 26 milhões de toneladas de aço, a direção do Grupo Gerdau
permanece puramente familiar. O Conselho é composto por nove mem-
bros: quatro irmãos Johannpeter nos cargos de presidentes (Jorge) e três
vice-presidentes, e dois filhos que compõem a maioria da organização que
dirige o grupo. Entre os não familiares incluem dois economistas: Affonso
Celso Pastore, que foi presidente do Banco Central de 1983 a 1985; An-
dré Pinheiro de Lara Resende, que também foi diretor do Banco Central
e encarregado de negociar a dívida externa no período do Plano Real de
Fernando Henrique Cardoso, que o levou para à presidência do BNDES
em 1998, posição que teve que abandonar por alegações de corrupção no
processo de privatização da Telebras.
Gerdau ascendeu de uma pequena empresa local para o posto de grande
multinacional aliando-se ao poder político em suas diversas formas, mas
sempre conservando um perfil familiar e brasileiro, da qual nunca se afas-
tou. De fato não é o único caso. Uma parte substancial do empresariado
percorreu o mesmo caminho: as construtoras que, como vimos, nasceram
em regiões onde se construíram grandes obras de infraestrutura, expan-
diram-se na escala nacional e internacional pelas mãos do poder político.
A questão não é menor, pois essas empresas se beneficiam dos contratos
de obras do Estado, tanto por meio do PAC (Programa de Aceleração do
Crescimento) como por obras municipais e dos estados. Em segundo lugar,
como ficou demonstrado na rebelião dos trabalhadores da barragem de Ji-
rau, construída pela Camargo Corrêa, muitas vezes essas obras apresentam
graves irregularidades e são reiteradamente denunciadas junto à Justiça.54
O discurso dos empresários defende as doações como parte de “uma
visão republicana”, como disse a nota enviada pela Odebrecht, já que fa-
vorecem “a democracia e o desenvolvimento econômico e social do país,
respeitando os limites e condições impostas pela legislação”.55 Nesse ponto
todas as empresas mostram um respeito pela a legislação vigente, mesmo
que em suas obras aconteça o contrário. Pior ainda: falam de democracia,
quando cresceram sob amparo do regime militar.

54
Raúl Zibechi, “La rebelión obrera de Jirau”, La Jornada, 8 de abril de 2011; “Rebelión en
La Amazonia brasileña”, Programa das Américas, 12 de abril de 2011.
55
O Estado de São Paulo, 14 de novembro de 2010.

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210 brasil potência

A trajetória da família que controla o Grupo Votorantim, incluindo


José Ermírio de Moraes e seu filho Antônio, o homem mais rico do Brasil,
mostra a estreita relação entre grupos empresariais e o Estado. O avô e fun-
dador da empresa da família, Antônio Pereira Inácio, emigrou de Portugal
para o Brasil em 1886 e aprendeu o ofício de sapateiro em São Paulo. Em
1918, ele comprou uma empresa de tecidos que estava em crise no bairro de
Sorocaba. Foi o início de uma escalada impressionante. Seu neto acumu-
lou uma fortuna de 10 bilhões de dólares, sendo a riqueza número 77 do
mundo.56 Por sua vez, o Grupo Votorantim está entre os cinco principais
grupos econômicos do país, atua com cimento, química, alumínio, papel
e celulose, energia elétrica e siderurgia. Em 2005, ganhou o prêmio como
a melhor empresa familiar do mundo pelo instituto suíço IMD Business
School.57
José Ermírio de Moraes casou-se com a filha de Antonio Pereira depois
de estudar engenharia nos Estados Unidos, e tornou-se o administrador
da empresa, que se tornou o poderoso Grupo Votorantim. A empresa cres-
ceu como outros grupos familiares, aproveitando as oportunidades gera-
das pela crise de 1929, que desencadeou um processo de substituição de
importações, e dando alguns saltos ousados. A biografia de José Ermírio
tem algumas peculiaridades. Em 1955, começou a operar a Companhia
Brasileira de Alumínio (CBA), que foi a primeira indústria desse setor a
atuar no Brasil. Foi o resultado de um duro trabalho iniciado em 1940,
quando ele decidiu produzir alumínio no Brasil em um período de forte
crescimento industrial.
Noventa por cento do projeto foi financiado pela Votorantim, que desde
o início teve o controle acionário da empresa liderada por Antônio Ermí-
rio. Logo apareceram enormes dificuldades com empresas multinacionais,
o que o forçou a adiar o projeto. A estadunidense Alcoa e a canadense
Alcan monopolizavam as vendas de alumínio, e não permitiriam que se
formasse uma empresa nacional fora de seu controle. Ambos faziam parte
do cartel das “seis irmãs” do alumínio, formado em 1901, que controlavam
jazidas de bauxita, a produção e o comércio de um produto que é conside-
rado estratégico na indústria.

<www.riquissimos.com.br/2008/10/>. (Consulta 12/06/2011.)


56

57
<http://www.imd.org/about/pressroom/pressreleases/Brazilian-Company-Votorantim
-Honoured-as-Top-Family-Business-in-the-World.cfm>. (Consulta 12/06/2011.)

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As multinacionais brasileiras na América Latina 211

A primeira dificuldade da CBA foi a compra de equipamentos para a


fábrica por conta do boicote das multinacionais do Norte.58 Conseguiu
trazê-los da Itália por meio de dois engenheiros. Mas a empresa Light, ca-
nadense como a Alcan, tinha o monopólio da energia elétrica, e pôs obstá-
culos para abastecer a indústria de Moraes de eletricidade necessária para
produzir alumínio.
Superou a dificuldade construindo sua própria geradora de energia,
a tal ponto que em 1984 a Votorantim tornou-se o maior produtor pri-
vado de eletricidade do Brasil. O empresário insistiu na transferência de
tecnologia para encontrar a sua independência do empresariado inter-
nacional. Talvez por isso o homem mais rico do Brasil era politicamente
ativo, mas ao lado da esquerda. Participou primeiro da câmara empresa-
rial de São Paulo, e, em seguida, filiou-se ao PDT (Partido Democrático
Trabalhista), sendo eleito senador por Pernambuco em 1962. Em 1964,
foi ministro da Agricultura do governo de João Goulart, e teve relações
conturbadas com o regime militar instalado em 1964, embora a empresa
continuasse a crescer.
Muitos grandes empresários brasileiros tiveram trajetórias semelhan-
tes, ainda que o caso de José Ermírio de Moraes seja excepcional justa-
mente por suas incursões na política partidária. A família de Abilio Diniz,
por exemplo, o oitavo homem mais rico do país e membro da Câmara de
Gestão de Políticas, Desempenho e Competitividade com Jorge Gerdau,
começou em 1948 em uma loja de doces de seu pai, que cresceu até se
tornar o maior varejista e supermercadista do país. Tanto o Pão de Açúcar
como as Casas Bahia, cuja fusão criou a maior rede de varejo nacional,
começaram no mesmo período (1948 e 1952, respectivamente) como em-
presas de pequeno porte. As grandes empresas do Brasil começaram como
empresas pequenas e locais que se ampliaram primeiro na escala nacional
e logo depois para o mundo.
A multinacional Odebrecht é um caso destacado de empresa familiar
de sucesso. Os primeiros membros da família chegaram ao Brasil em 1856,
em uma onda de imigração alemã. O engenheiro Norberto Odebrecht as-

58
Este relato que se encontra em Historianet, “Nacionalismo e imperialismo”, em: <http://
www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=717>. (Consulta 12/06/2011.)
Também em Minha Carta, “Ermírio e as seis irmãs”, na coleção “Retratos do Brasil”, Edi-
tora Política, 1985, p. 83-84. (N.T.)

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sumiu a companhia de seu pai e fundou uma construtora em 1944, na


Bahia, cujo crescimento foi facilitado pela escassez de materiais impor-
tados, devido à Segunda Guerra Mundial. Quase quatro décadas depois,
Emilio sucedeu seu pai, e em 2008, o neto do fundador, Marcelo, de apenas
40 anos, foi eleito presidente da Odebrecht, que se tornou uma das princi-
pais multinacionais brasileiras.
Como todas as grandes empresas, a Odebrecht cresceu em três momen-
tos decisivos para o país: o boom industrial da década de 1950, o milagre
econômico do regime militar nas décadas de 1960 e 1970, e o atual período,
em que o Brasil se lança como a potência global. Nos três momentos, foi o
Estado que impulsionou obras de infraestrutura que levaram a Odebrecht
a colocar-se como a principal empresa de construção brasileira e a primei-
ra empresa mundial em construção de obras hidrelétricas. Em 2010, tinha
130 mil funcionários em todo o mundo e receitas de 32 bilhões de dólares.59
A empresa expandiu e se ramificou, convertendo-se em um grupo eco-
nômico. Só em Angola tem 40 mil empregados.60 Em 1979, a construtora
ingressou no ramo petroquímico com a Braskem, uma das maiores em-
presas petroquímicas do mundo, com 31 fábricas no Brasil e nos Estados
Unidos e com um centro de pesquisa em Pittsburgh, Pensilvânia. Embora
as obras de infraestrutura sigam sendo seu forte, em 2007 expandiu para a
área de biocombustíveis com a ETH Bioenergia, onde a Odebrecht investiu
3 bilhões de dólares a fim de processar 45 milhões de toneladas de cana
em 2015 e liderar o setor.61 Uma das inovações em que está trabalhando a
ETH é iniciar a produção de plásticos a partir do etanol, em vez de petróleo.
Uma das peculiaridades da multinacional é a aplicação da Tecnologia
Empresarial Odebrecht (TEO), criada pelo fundador, que consiste em fo-
mentar o empreendedorismo interno, a delegação de poderes a seus sócios
e a disseminação de conhecimento na rede empresarial. De seus trabalha-
dores exige que se comportem como empresários-sócios, e não como fun-
cionários. A Odebrecht criou fóruns para a divulgação de conhecimento
gerado na empresa mediante as Comunidades de Conhecimento, defini-
das como “ambientes virtuais para compartilhamento de conhecimento,

59
Dados em: <http://www.odebrecht.com.br>.
60
“Marcelo Odebrecht”, Revista Isto é, 10 de dezembro de 2008, em: <http://www.istoedi-
nheiro.com.br/noticias/2547_MARCELO+ODEBRECHT>. (Consulta 07/02/2012.)
61
Ibid.

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As multinacionais brasileiras na América Latina 213

através de redes informatizadas”.62 O crescimento internacional da empresa


foi potencializado pelo esforço em inovação, criação e codificação de co-
nhecimento, uma cultura organizacional que permite obter melhor pro-
veito de seus funcionários que é articulada por meio do Departamento de
Conhecimento e Informação para Apoio ao Desenvolvimento de Negócios.
O atual presidente do Grupo Odebrecht, o terceiro membro da dinastia
da família à frente da empresa, reconheceu a dívida da empresa com o
legado estratégico da Escola Superior de Guerra em declarações ao jornal
da Associação dos Graduados da ESG: “A difusão em seus cursos da Dou-
trina de Planejamento do Estado da ESG vem contribuindo efetivamente
no processo de desenvolvimento nacional”.63

62
Moacir de Miranda Oliveira Júnior, “Transferência de conhecimento e o papel das sub-
sidiárias em corporações multinacionais brasileiras”, em Alfonso Fleury e Maria Tereza
Leme Fleury (orgs.). Internacionalização e os países emergentes. São Paulo: Atlas, 2007. p.
227.
63
Adesg, Revista da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra, Ed. Especial,
2011, p. 20.

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CAPÍTULO 7

A nova conquista da Amazônia

Este país vai se transformar em uma grande potência econô-


mica nos próximos anos. Graças ao pré-sal, graças à Amazônia,
graças à biodiversidade.
Luiz Inácio Lula da Silva

Na tarde do dia 15 de março de 2011, uma violenta discussão entre um ope-


rário de construção e um motorista de ônibus resultou em um levante de
uma parte dos 20 mil trabalhadores que constroem a represa de Jirau sobre
o rio Madeira. Centenas de operários começaram a incendiar os ônibus
que os deslocavam diariamente entre os barracões e as obras. Ao menos 45
ônibus e 15 veículos foram queimados em poucos minutos. Arderam em
chamas também os escritórios da empresa construtora, Camargo Corrêa,
metade dos dormitórios e ao menos três caixas eletrônicos de bancos. Uns
8 mil trabalhadores se refugiaram na selva para escapar da violência. A
polícia perdeu o domínio da situação, e apenas pode proteger os depósitos
de explosivos, que são usados para desviar o leito do rio. A calma somente
chegou quando o governo enviou um contingente de 600 efetivos da Polí-
cia Militar para controlar a situação. Mas os trabalhadores não voltaram
para o local de trabalho, e sim retornaram aos seus locais de origem.1
De forma simultânea, a 150 quilômetros de Jirau, começou uma gre-
ve de 17 mil operários que construíam a usina de Santo Antônio, sobre
o mesmo rio Madeira, próximo de Porto Velho, a capital do Estado de
Rondônia. Em apenas uma semana, a onda de greves nas grandes obras se

1
Instituto Humanitas Unisinos, “A rebelião de Jirau”, em Conjuntura da Semana, São
Leopoldo, 28 de março de 2011, em: <http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_
noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=41771>. (Consulta 24/07/2011.)

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estendeu por vários estados: 20 mil trabalhadores deixaram o trabalho na


refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, outros 14 mil na petroquímica
Suape, localizada na mesma cidade, 5 mil no Pecém, no Ceará. O comum
em todas essas greves é que ocorrem nas gigantescas obras do Programa
de Aceleração de Crescimento (PAC) e que enfrentam as grandes empresas
construtoras do país, as multinacionais brasileiras que trabalham para o
governo.
O rio Madeira é o principal afluente do Amazonas. Nasce da confluên-
cia dos rios Beni e Mamoré, próximo à cidade de Villa Bella, na fronteira
entre Brasil e Bolívia, tem 4.207 quilômetros de comprimento, está entre
os vinte rios mais extensos e é um dos dez mais caudalosos do mundo. Re-
colhe as águas da cordilheira andina no sul do Peru e da Bolívia e conta, no
entanto, com grandes desníveis que o convertem em uma fonte adequada
para a geração de hidroeletricidade.
O Complexo do rio Madeira contempla a construção de quatro represas
hidrelétricas, duas delas já iniciadas, a de Jirau e Santo Antônio, no trecho
brasileiro entre a fronteira e Porto Velho. A usina de Jirau produzirá 3.350
MW, e a de Santo Antônio 3.150 MW. São dois projetos prioritários den-
tro do PAC, que busca a interconexão dos sistemas isolados dos Estados
do Acre (vizinho de Rondônia) e Maranhão (no Atlântico norte) à rede
nacional de distribuição elétrica.2 O objetivo é utilizar o potencial hidro-
elétrico amazônico em benefício das regiões Centro e Sul, as que possuem
os maiores parques industriais, e favorecer o consumo elétrico de setores
que utilizam a energia em forma intensiva como a mineração, a metalurgia
e as indústrias de cimento. Desse modo se apoia também ao setor agroin-
dustrial, “principal impulsor da saída brasileira para o Pacífico”.3
A usina de Jirau foi licitada em maio de 2008, sendo vencedor o consór-
cio Energia Sustentável do Brasil, integrado por Suez Energy, com 50,1%;
Camargo Corrêa, com 9,9%; Eletrosul, com 20%, e Companhia Hidrelé-
trica do São Francisco (Chesf), com 20%. Seu custo inicial era de 5,5 bi-
lhões de dólares, financiados pelo BNDES. A usina esteve desde o começo
envolvida em denúncias. Coloca em risco povos indígenas em isolamento

2
Efraín León Hernández, Energía amazónica. La frontera energética amazónica en el ta-
blero geopolítico latinoamericano, Pós-graduação em Estudos Latinoamericano, México,
Unam, 2007, p. 137.
3
Ibid., p. 138.

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A nova conquista da Amazônia 217

voluntário, e o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos


Naturais Renováveis) concedeu a autorização em julho de 2007, por pres-
sões políticas, indo contra a opinião de seus técnicos. A empresa modificou
o lugar de construção da obra para 9 quilômetros mais abaixo para reduzir
os custos, sem estudos de impacto ambiental. Em fevereiro de 2009, o Iba-
ma decidiu paralisar a obra por usar uma área sem autorização e aplicou
uma forte multa.4 Em junho de 2009, liberou a licença ambiental definiti-
va, em meio a protestos e manifestações de ambientalistas.
A Bolívia também expressou críticas às obras, por sua proximidade à
fronteira, já que se estima que a formação de dois grandes lagos podem
contribuir na proliferação de enfermidades como a malária e a dengue.
Segundo meios de comunicação brasileiros, a malária havia aumentado
63% nos primeiros sete meses de 2009 em relação ao mesmo período do
ano anterior.5
À questão ambiental deve somar-se a social. As duas usinas em constru-
ção empregavam no começo de 2011 cerca de 40 mil trabalhadores, a maior
parte vinda de outros estados, em sua grande maioria peões mal remune-
rados (uns 600 dólares). Chegam às obras isoladas, em plena selva, vindos
de lugares remotos do Nordeste, Norte e inclusive do Sul do Brasil, muitas
vezes enganados por intermediários (chamados de “gatos”) que prometem
salários e condições de trabalho superiores às reais. Todos devem pagar
aos “gatos” por seus “serviços”. Quando chegam na obra já estão endivida-
dos, os alimentos e os medicamentos são mais caros porque devem comprá
-los nos comércios da empresa, muitos se alojam em barracões de madeira,
dormem em colchões no chão, os banheiros ficam distantes e são escassos,
não têm energia elétrica e estão abarrotados. Maria Ozânia da Silva, da
Pastoral do Migrante em Rondônia, diz que os operários “se sentem frus-
trados pelos salários e pelos descontos que os fazem sem explicação”.6
A “revolta dos peões” não foi por salário, mas por dignidade. Entre as
dez principais demandas figuravam: fim à agressividade dos vigilantes e
encarregados, que usam cárceres privados; tratamento respeitoso aos que

4
Folha de São Paulo, 19 de fevereiro de 2009.
5
O Globo, 13 de março de 2009.
6
Entrevista com Maria Ozánia da Silva, IHU Online, 14 de março de 2011, em: <http://
w w w.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18& task=deta-
lhe&id=40843%20>. (Consulta 24/07/2011.)

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218 brasil potência

chegam no alojamento alcoolizados; fim do assédio moral dos capatazes


aos peões; pagar por hora de transporte quando a viagem até a obra é lon-
ga; eficiência nos restaurantes para evitar que a fila para comer consuma
o tempo de descanso; cesta básica que tome em conta os preços locais.7 O
perfil dos peões mudou em meio século: agora usam celulares e internet
e estão informados, têm o orgulho de se vestir bem, reclamam por um
tratamento respeitoso e utilizam com frequência a palavra “dignidade”.
Sentem-se afetados pela precariedade das instalações e dos dormitórios,
sofrem com o isolamento longe de suas famílias e o menor mau trato irrita
os ânimos. Silvio Areco, engenheiro com experiência em grandes obras,
assinalou as mudanças: “Antes o que mandava em uma obra era quase um
coronel, tinha autoridade. Agora isso não funciona, um peão de obra tem
mais autonomia”.8
Em setembro de 2009, o Ministério do Trabalho liberou 38 pessoas que
trabalhavam em situação de escravidão, e, em junho de 2010, constatou
330 infrações na obra de Jirau.9 O principal problema é a insegurança. Os
migrantes se convertem em um alvo fácil dos intermediários e das em-
presas, que abusam, porque estão desprotegidos. O pastor de Jaci-Paraná,
cidade vizinha de Jirau, Aluizio Vidal, presidente do PSOL (Partido Socia-
lismo e Liberdade) de Rondônia, denuncia um aumento da criminalidade
e da prostituição. Entre 2008 e 2010, a população de Porto Velho cresceu
12% (tem meio milhão de habitantes), mas ao mesmo tempo os homicídios
cresceram 44%, e, segundo o juizado da infância, os abusos de menores
aumentaram 76% nesses dois anos.10
Segundo os movimentos sociais da região, agrupados na Aliança dos
Rios da Amazônia, “Jirau concentra todos os problemas possíveis: com um
ritmo descontrolado, trouxe à região o ‘desenvolvimento’ da prostituição,
do uso de drogas entre jovens pescadores e ribeirinhos, a especulação imo-
biliária, o aumento de preços dos alimentos, enfermidades sem atenção, e
violência de todos os tipos”.11 Elias Dobrovolski, membro da coordenação

7
“A luta por respeito e dignidade”, Leonardo Sakamoto, em: <http://www.ihu.unisinos.
br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=41526>. (Consulta
25/07/2011.)
8
Folha de São Paulo, 20 de março de 2011.
9
Leonardo Sakamoto, op. cit.
10
Instituto Humanitas Unisinos, “A rebelião de Jirau”, op. cit.
11
A Aliança está integrada por: Movimento Xingu Vivo para Sempre, Aliança Tapajós

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A nova conquista da Amazônia 219

do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) que acompanha os


trabalhadores desde que começaram as obras, afirma que os municípios
ao redor de Jirau estão passando por problemas muito sérios. “Eram povos
com dois mil habitantes que agora abrigam 20 mil pessoas. Não há estru-
tura para tanta gente. Não há escolas, postos de saúde e policiais suficientes
para dar suporte a toda esta gente que veio com as usinas”.12
Haveria que acrescentar que nas grandes obras do PAC as mortes no
trabalho superam a média internacional. A taxa de mortos por aciden-
te é o dobro da Espanha e dos Estados Unidos, ainda que as grandes
construtoras “tenham tecnologia suficiente para proteger os trabalhado-
res”.13 Por sua vez, o MAB denuncia jornadas de trabalho de até 12 horas,
com situações de epidemia nas obras. Pior ainda: as empresas contra-
taram ex-coronéis, que estariam fazendo sabotagens para criminalizar
os sindicatos.14 A revolta atacou os símbolos do poder: “Os homens que
destruíram os alojamentos incendiaram primeiro o dos encarregados e
engenheiros”.15
A revolta dos peões de Jirau tomou de surpresa a todos: tanto o gover-
no como os empresários e os sindicatos. Víctor Paranhos, presidente do
consórcio empresarial, disse: “É preocupante porque não sabemos qual é
o motivo. Não há sequer líderes”.16 Curiosamente, é muito similar ao que
dizem os sindicalistas. “Nessas revoltas em Jirau percebemos que não exis-
te um líder para negociar uma trégua”, disse Paulo Pereira da Silva, da
Força Sindical.17 A CUT não ficou atrás e defendeu o governo, em vez dos
trabalhadores: “Têm que voltar a trabalhar. Sou brasileiro e quero ver essa
usina funcionando”.18

Vivo, Movimento Rio Madeira Vivo e Movimento Teles Pires Vivo.


12
“O conflito em Jirau é apenas o início do filme”, IHU Online, São Leopoldo, 24 de mar-
ço de 2011, em: <http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemi-
d=18&task=detalhe&id=41666>. (Consulta 30/07/2011.)
13
“Mortes em obras do PAC estão acima dos padrões”, O Globo, 26 de março de 2011, em:
<http://oglobo.globo.com/economia/mat/2011/03/26/mortes-em-obras-do-pac-estao-aci-
ma-dos-pa-droes-24098487.asp>. (Consulta 30/07/2011.)
14
Nota do MAB, 18 de março de 2011, em: <http://www.ihu.unisinos.br/index.php?op-
tion=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=41490>. (Consulta 30/07/2011.)
15
O Estado de São Paulo, 19 de março de 2011.
16
O Estado de São Paulo, 18 de março de 2011.
17
“Dilma quer saída para greves em obras do PAC”, Jornal Valor, 24 de março de 2011.
18
Instituto Humanitas Unisinos, “A rebelião de Jirau”, op. cit.

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O crescimento econômico do Brasil passa a converter a Amazônia e


todos os seus recursos em mercadoria, um projeto que sequer tem oposi-
tores organizados, já que há um consenso entre sindicatos e empresários,
esquerda e direita, governo e oposição. A revolta de Jirau é uma resposta
dos mais pobres, os peões do Brasil, ao ambicioso projeto de modernização
e de aprofundação do capitalismo. Gilberto Cervinski, do MAB, sintetiza
o problema: “Construir as usinas do rio Madeira é abrir a Amazônia a de-
zenas de outras hidrelétricas, sem sequer discutir o que acreditamos ser a
questão fundamental: Energia pra quê? E pra quem?”.19
Apenas três meses depois da revolta de Jirau, a população de Puno, estado
do sul do Peru, protagonizou uma importante rebelião que forçou o governo
de Alan García a paralisar o projeto hidroelétrico de Inambari.20 O levante
se inscreve em um longo processo de crescimento da resistência à mineração
no país e na região. Mas os acontecimentos de Puno parecem estar marcan-
do uma nova tendência. Foi uma luta extensa e intensa: 45 dias de paralisa-
ção nos quais houve seis mortos e 30 feridos. Por duas vezes os manifestantes
tentaram tomar o aeroporto de Juliaca, a principal cidade do estado, com
300 mil habitantes. Conseguiram, mas a repressão fez cinco mortos.
Em resposta as multidões bloquearam a cidade, queimaram a delegacia
do povoado de Azángaro e destroçaram locais de várias transnacionais em
Juliaca.21 No movimento participaram comunidades aimarás e quéchuas,
camponeses, trabalhadores urbanos, comerciantes, estudantes e profissio-
nais que contaram com o apoio de autoridades locais, formando uma vasta
frente social. A Frente de Defesa dos Recursos Naturais do sul de Puno foi
um dos principais referenciais, mas não o único, já que se formou de uma
ampla convergência na qual participaram organizações locais e de base e
outras que integram a Conacami (Confederação Nacional de Comunida-
des Afetadas pela Mineração).
Nessa ocasião, o movimento superou as ações locais focalizadas contra
uma empresa. A resistência teve seu centro em um projeto hidrelétrico
Inambari, um conjunto de cinco represas para prover energia ao Brasil,
que vem sendo questionado há vários anos porque desloca milhares de
camponeses e afeta os ecossistemas. Mas também contra a exploração mi-

19
Ibid.
20
Ver cap. 2.
21
Lucha Indígena, n. 59, Lima, julho de 2011, p. 2.

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A nova conquista da Amazônia 221

neral Santa Ana da canadense Bear Creek Mining. Ademais, uniram-se


à luta as comunidades que querem a limpeza do rio Ramis, contaminado
pela mineração formal e informal, e os que rejeitam outros empreendi-
mentos mineiros em um dos estados mais pobres do país.
O governo se viu forçado a dar um passo atrás e cancelou a licença das
obras de Inambari, que foram definidas pela imprensa brasileira como “a
peça-chave na internacionalização do grupo Eletrobras”.22 Ao que pare-
ce, Alan García decidiu transferir os problemas sociais mais candentes à
Ollanta Humala, que chegou à presidência, entre outras razões, graças ao
fervoroso apoio do governo brasileiro, que se concretizou na presença di-
reta dos assessores pessoais de Lula durante a campanha eleitoral.23 Em
2010, ambos os países assinaram um convênio de integração energética
para o fornecimento de hidreletricidade.24
Um dos eixos atuais da acumulação de capital no Brasil gira em tor-
no do avanço sobre a Amazônia, que se converte em “plataforma para a
exportação de commodities”.25 O processo é uma versão atualizada da
expansão que impulsionou o regime militar na década de 1970: o Esta-
do promove grandes obras de infraestrutura para que o capital “nacional”
desenvolva suas cadeias produtivas direcionadas para a exportação, e não
para o desenvolvimento endógeno da região.
Estimula-se a produção de carne, soja, madeira, cana de açúcar, alumínio
e minério de ferro, para cuja exportação se constroem estradas e hidrovias
e se levantam hidrelétricas para contar com eletricidade abundante e barata.
Os impactos ambientais e sociais não se integram ao preço das commodities
que viajam por meio dos oceanos por grandes corredores que facilitam a cir-
culação de mercadorias entre o Pacífico e o Atlântico, conectam a Amazônia
com os portos que as despacham para o continente asiático.
Graças a essa capacidade de externalizar os custos ambientais e sociais,
o Brasil se converteu no primeiro exportador de carne bovina, em van-

22
“Peru cancela hidrelétrica da OAS e da Eletrobras”, em Jornal Valor, 15 de junho de 2011.
23
El Comercio, Lima, 5 de abril de 2011, em: <http://elcomercio.pe/politica/738151/no-
ticia-aseso-res-brasilenos-ayudan-ollanta-humala-su-imagen_1>. (Consulta 01/08/2011.)
24
Ver cap. 1.
25
“Amazônia: a última fronteira de expansão do capitalismo”, em Conjuntura da Semana,
IHU Online, 6 de junho de 2011, em: <http://www.ihu.unisinos.br/cepat/cepat-conjun-
tura/500017-conjuntura-da-semana-amazonia-a-ultima-fronteira-de-expansao-do-capi-
talismo-brasileiro>. (Consulta 21/12/2011.)

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222 brasil potência

guarda na produção de agrocombustíveis, em grande exportador de soja


e minério de ferro. As grandes represas abastecem de energia as empresas
exportadoras de commodities, como Gerdau, Alcoa, Votorantim, Vale e
CSN. A Vale consome 4,5% da energia do Brasil.26 Está ocorrendo uma
reprimarização da pauta exportadora, em um processo no qual ganham as
multinacionais e perdem os povos amazônicos e o país.
Esse processo depredador não conhece fronteiras. Tem um sentido im-
perialista, na medida em que está desenhado por e para o empresariado
paulista, que é a única burguesia realmente existente na América Latina.
Dois tipos de empreendimentos são os que mais danos produzem: as gran-
des hidrelétricas no Brasil sobre os rios Madeira, Xingu, Tapajós e Teles
Pires, todos amazônicos, e a construção de uma dezena de corredores que
atravessam, interconectam e dessangram a região como parte do projeto
Iirsa. É pertinente destacar que os modos e os resultados desse processo
de acumulação que converte a natureza em mercadoria é idêntico tanto
no interior das fronteiras do Brasil como fora delas. Mais ainda: a expan-
são transfronteiriça segue o padrão da expansão interna. Se existe algum
tipo de imperialismo brasileiro na região sul-americana, é uma extensão
do imperialismo interno, que está convertendo a selva amazônica em um
gigantesco pasto.

As hidrelétricas na Amazônia

Os países emergentes têm sede de energia e muito dinheiro fresco, que


estão investindo em grandes obras de infraestrutura. A China tem 81 pro-
jetos hidrelétricos nos rios Mekong, Yangtsé e Salween, e constrói represas
em muitos países, incluindo alguns latino-americanos.27 O Brasil construi-
rá 24 represas hidrelétricas entre 2016 e 2020, além das que neste momento
estão em processo de construção, sem contar as projetadas na região sul-a-
mericana, como as de Inambari, no Peru, Cachuela Esperanza, na Bolívia,
e Garabí, na fronteira com Argentina. Quase todas serão erguidas em rios

Efraín León Hernández, Energía amazónica, op. cit., p. 136.


26

Mario Osava, “Nuevas potencias emergen sobre aguas ajenas”, IPS, abril de 2011, em:
27

<http://ipsnoticias.net/nota.asp?idnews=97958>. (Consulta 25/07/2011.)

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A nova conquista da Amazônia 223

amazônicos, entre elas a primeira das cinco usinas do complexo Tapajós,


que terá uma potência instalada de 6.133 MW.28
O Brasil é o país mais bem preparado para aproveitar a energia ama-
zônica e “o único que impulsiona uma proposta integral de apropriação
desta riqueza estratégica em curto e médio prazo”.29 Tem projetos para
construir usinas hidrelétricas em sete países da América Latina: Peru, Bo-
lívia, Argentina, Nicarágua, Guiana, Suriname e Guiana Francesa.30 Os
projetos mais importantes estão no Peru e na Bolívia, e estão previstas
duas usinas binacionais com a Argentina sobre o leito do rio Uruguai que
alcançariam 2 mil MW. Inclusive, na pequena Guiana, a estatal Eletrobras
já mapeou o potencial hidrelétrico e estuda a possibilidade de construir a
usina de 1.500 MW. Todos os empreendimentos incluem fortes exporta-
ções de energia ao Brasil, no marco de uma proposta da Cepal, que suporia
duplicar a geração elétrica da região até 2030.31
O regime militar havia realizado um inventário dos rios brasileiros
para aproveitar seu potencial hidrelétrico, mas muitos projetos foram ar-
quivados por serem demasiadamente polêmicos ou por sua inviabilidade
técnica. O governo Lula retomou muitos deles, como o de Belo Monte, e
seguiu um padrão similar ao estudar a fundo as possibilidades de tirar o
maior proveito possível dos rios amazônicos. As razões desse empenho são,
em ambos os períodos históricos, as mesmas: prover de energia as indús-
trias exportadoras, que são grandes consumidoras de água e eletricidade.
Em 2008, o setor industrial consumiu 46% da energia elétrica, enquanto o
setor residencial consumiu apenas 24%.32 Por outro lado, as grandes repre-
sas têm orçamentos gigantescos, e isso representa também enormes lucros
para as empresas construtoras.
Para compreender a nova ofensiva sobre os rios amazônicos e os múl-
tiplos impactos que estão tendo, deve-se deixar de lado a ideia de que as
represas são intervenções localizadas em um espaço geográfico, porque já

28
“Governo prevê até 2020 mais 24 hidrelétricas”, O Globo, 4 de junho de 2011, em: <http://
g1.globo.com/economia/noticia/2011/06/governo-preve-ate-2020-mais-24-hidreletricas.
html>. (Consulta 02/01/20/12.)
29
Efraín León Hernández, Energía amazónica, op. cit., p. 123.
30
“Brasil estuda construir hidrelétricas em 7 países da América Latina”, Folha de São
Paulo , 11 de agosto de 2011.
31
Ibid.
32
Entrevista com Lucía Ortiz e Bruna Engel, Revista IHU, n. 342, São Leopoldo, p. 40-43.

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224 brasil potência

não existem iniciativas isoladas, e sim verdadeiros complexos que incluem


conjuntos de obras inter-relacionadas. Isso supõe atuações múltiplas sobre
um rio, seus afluentes e seu entorno, que além de construir represas em ca-
deia implica a construção de portos e eclusas que os convertem em hidrovias
navegáveis. Estamos então diante de intervenções globais que modificam os
rios como parte de um projeto muito mais ambicioso de converter toda a
região em uma plataforma para o deslocamento de mercadorias e transfor-
mação da natureza em valores de troca. O complexo Tapajós inclui cinco
represas, o complexo Madeira terá quatro represas e obras para a navegabi-
lidade, do mesmo modo que Belo Monte será muito mais que uma grande
represa, ao intervir sobre mais de cem quilômetros do leito do rio Xingu.
O segundo elemento a se levar em conta é a decisão de construir no
futuro “usinas plataforma”, um conceito idealizado pelo Ministério de Mi-
nas e Energia do Brasil para intervir na Amazônia mitigando os impactos
sociais e ambientais, segundo seus promotores. As “usinas plataforma” são
uma resposta política e técnica às críticas dos grupos ambientalistas pelos
enormes resíduos geradas na etapa de construção das represas, mas tam-
bém está dirigida a neutralizar as lutas dos operários, que sempre conver-
teram as grandes obras em espaços de resistência.
A revista Corrente Contínua, da estatal Eletronorte, foi a primeira a
difundir o novo desenho inspirado nas plataformas petrolíferas. Aban-
dona-se a construção de vilas para alojar os operários, que de agora em
diante estarão apenas três dias, ou no máximo uma semana, na constru-
ção, e retornarão aos seus lugares em helicópteros ou em barcaças. Deste
modo, são construídos apenas um pequeno número de moradias, não são
construídos caminhos de acesso às obras, e as máquinas se deslocam por
via fluvial ou aérea.33 A drástica diminuição da infraestrutura tradicional
permite diminuir áreas da selva desmatadas, ao cortar uma menor quan-
tidade de árvores e reduzir o impacto ambiental. Mas a preocupação não
é somente, nem principalmente, ambiental. Humberto Gama, gerente de
Obras da Eletronorte, explica os motivos: “A ideia é retirar os homens de lá.
O empregado vai, cumpre o turno de trabalho, e volta à sua base, que deve
estar na cidade mais próxima”.34

33
“Usina-plataforma, o novo conceito em hidrelétricas”, Corrente Contínua, n. 224, Brasí-
lia, Eletronorte, janeiro de 2009.
34
Ibid ., p. 15.

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A nova conquista da Amazônia 225

A mesma reportagem explica que não são construídas estradas e mora-


dias permanentes porque desse modo se “evita a atração de contingentes
populacionais e a construção de cidades em torno do empreendimento”.35
A primeira intervenção em que se utilizarão as usinas-plataforma será no
complexo Tapajós, no Estado do Pará. Trata-se de cinco usinas que terão
um potencial instalado de 11 mil MW, similar ao de Itaipu.36 Os impactos
de fundo, os menos visíveis, mas os mais permanentes, não são remedia-
dos pelas usinas-plataformas, já que se relacionam com as camadas sociais
das populações afetadas e com a vida nas águas do rio afetado.
O caso do Rio Grande do Sul pode servir como referência, já que é uma
das regiões onde o aproveitamento hidrelétrico chegou mais longe, ainda
que não se trate da região amazônica. A Universidade de Passo Fundo
realizou um estudo sobre os impactos sociais e econômicos das hidrelé-
tricas no alto rio Uruguai, chegando à conclusão de que os indicadores
de desenvolvimento econômico e social tiveram um descenso de 40% e os
ambientais uma queda de 31%.37
Sobre o rio Uruguai foram construídas quatro represas, mas há dez pro-
jetadas, sem incluir as que existem ou que se construirão sobre os afluentes.
Leandro Scalabrin, advogado do MAB e do Movimento Sem Terra, afirma
que na zona norte do Rio Grande do Sul, o Uruguai deixou de ser um rio
para se transformar em “um conjunto de lagos artificial”.38 E algo mais gra-
ve: a quantidade de pessoas assentadas pela reforma agrária nesse estado,
nos últimos 25 anos, é praticamente a mesma das que foram expulsas pelas
represas nos últimos 15 anos.
A proposta de construir usinas-plataforma pode contribuir e resolver
alguns aspectos dos problemas que geram as hidrelétricas. A proposta pa-
rece estar destinada a compatibilizar dois momentos: o prévio ao início das
obras, no qual geralmente surgem as críticas ambientais e a mobilização
dos povos afetados; e em segundo lugar a resistência dos operários durante
a construção, como sucedeu com as revoltas em Jirau e Santo Antônio.

35
Ibid ., p. 14.
36
“Tapajós terá 5 usinas inspiradas nas plataformas de petróleo”, IHU Online, 5 de julho
de 2009, em: <http://www.ihu.unisinos.br/noticias/noticias-arquivadas/23686-tapajos-te-
ra-5-usinas-inspiradas-nas-plataformas-de-petroleo>. (Consulta 02/01/2012.)
37
Entrevista com Lucía Ortiz e Bruna Engel, Revista IHU, n. 342, op. cit., p. 41.
38
Entrevista com Leandro Scalabrin, Revista IHU, n. 341, op. cit., p. 16.

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226 brasil potência

Uma breve análise do complexo do rio Madeira permite aquilatar a im-


bricação de interesses que se esconde atrás de uma usina hidrelétrica. O
complexo consiste em uma série de intervenções, entre as quais se desta-
cam quatro represas: duas grandes usinas rio acima da cidade de brasileira
de Porto Velho (Jirau e Santo Antônio), uma represa em águas binacionais
boliviano-brasileiras (Ribeirão) e uma quarta no rio Beni, no território da
Bolívia (Cachuela Esperanza). As obras têm sido planejadas para a produ-
ção de hidreletricidade (17 mil MW o total) e para a navegabilidade, já que
as represas terão eclusas. Desse modo, completa-se uma hidrovia de 4.200
km que torna possível a navegação pelos rios Madeira, Madre de Dios e
Beni e permite a integração comercial do norte do Brasil, do Peru e da Bo-
lívia com a saída da produção de soja pelos portos do Pacífico.
Esse projeto faz parte da IIRSA e se concretiza nas construções de estra-
das, aeroportos, vias férreas, gasodutos e redes elétricas e de fibra ótica para
facilitar a extração de matérias-primas. Até agora, a navegabilidade do rio
Madeira ocorre desde a sua foz, no rio Amazonas, até Porto Velho, mas no
futuro se poderá navegar pelos rios Madre de Dios e Beni até Puerto Mal-
donado (Peru), onde se conecta com o eixo Peru-Brasil. Pelo rio Beni, será
possível navegar pelo rio Mamoré até o Eixo Interoceânico Central. Com
a hidrovia, os Estados de Mato Grosso e Rondônia poderão aumentar sua
produção de soja de 3 a 28 milhões de toneladas em 7 milhões de hectares,
enquanto a Bolívia poderia alcançar os 24 milhões de toneladas de soja anu-
ais, que em ambos os casos sairão pelo Eixo Peru-Brasil-Bolívia.39
Esse projeto tem seus antecedentes. Em 1971, a ditadura militar identifi-
cou as zonas de Jirau e Santo Antônio como possíveis lugares para se cons-
truir centrais hidrelétricas, e, em 1983, a empresa Eletronorte realizou um
inventário do leito do rio Madeira. Em 2001 e 2002, as brasileiras Furnas
Centrais Elétricas e Norberto Ordebrecht começaram os estudos de viabili-
dade e impacto ambiental. As empresas assinalaram a importância da nave-
gabilidade dos rios para facilitar o transporte de soja e propuseram a amplia-
ção do porto de Itacoatiara, na confluência do Madeira do Amazonas, para
facilitar o transporte de carga de Brasil, Peru, Bolívia, Colômbia e Equador.40

39
Patricia Molina, “El Proyecto de Aprovechamiento Hidroeléctrico y de Navegabilidad
del río Madera en el marco de la IIRSA y del contexto de la globalización!”, em Fobomade,
El Norte Amazónico de Bolivia y el Complejo del Río Madera, La Paz, 2007, p. 32.
40
Jorge Molina Carpio, “Análisis de los estudios de impacto del Complejo Hidroelétrico

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A nova conquista da Amazônia 227

A produção das usinas projetadas será quatro ou cinco vezes superiores


ao consumo de eletricidade da Bolívia. A quem realmente mais interessa
as represas é ao Brasil, que além de tudo se beneficiará com uma conexão
mais direta e veloz com os mercados da China e da Índia. As empresas bra-
sileiras Odebrecht e Furnas terão lucros extraordinários, que foram ava-
liados, antes que elevassem o preço das obras, em 8,4 bilhões de dólares.41

Mapa 5. Represas sobre os rios Madeira e Beni (Santo Antônio e Jirau, em constru-
ção; Guajará Mirim e Cachuela Esperanza, em projeto)

Fonte: Fobomade.

del Río Madera, Hidrología y sedimentos”, em Fobomade, op. cit., p.49.


41
Iván Castellón Quiroga, “Acerca de las represas en la cuenca del río Madera”, em Fobo-
made, op. cit., p. 118.

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228 brasil potência

Na Bolívia está se desenvolvendo uma forte disputa pela construção de


represas, que no princípio o governo do Evo Morales havia negado. Nessa
disputa participam ambientalistas e ONGs, por um lado, e a embaixada do
Brasil, a Corporação Andina de Fomento, o Banco Mundial e o Grupo de
Estudos do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro, por
outro. Em meados de 2011, o vice-ministro de Relações Exteriores, Juan
Carlos Alurralde, expressou preocupação, porque as represas de Jirau e
Santo Antônio podem provocar inundações em territórios bolivianos e
alterar o leito do rio Madeira, chegando a inviabilizar outros projetos hi-
drelétricos.42 Além de Cachuela Esperanza, sobre o rio Beni, que produzirá
900 MW desde 2019, o governo boliviano prevê realizar hidrelétricas em
cascata no trecho binacional do Madeira com um potencial instalado de
aproximadamente 3 mil MW.
O Brasil aposta fortemente nos investimentos em hidrelétricas na Bolí-
via. Segundo o embaixador em La Paz, Marcelo Fortuna Biato, propõe de-
senvolver o potencial dos rios bolivianos, que seria de 40 mil MW, mais de
vinte vezes o consumo atual do país e o terceiro maior potencial da Amé-
rica do Sul.43 A construção dessa represa tem ao menos duas graves con-
sequências além das ambientais: o povoado de Cachuela Esperanza tem
menos de mil habitantes, mas serão necessários 18 mil operários para a
construção, e que deverão chegar de lugares muito distantes, percorrendo
não menos que cem quilômetros. Em segundo lugar, enquanto as represas
construídas no Brasil são financiadas pelo BNDES, as que serão construí-
das na Bolívia para exportar energia para o Brasil não terão financiamento
nacional, por isso o país deverá se endividar, como já aconteceu com o
Paraguai na construção de Itaipu.44
Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES, afirmou que no Complexo Rio
Madeira o “Brasil promove sua própria versão da conquista do oeste da zona
selvagem vizinha ao Peru e à Bolívia, com seu megaprojeto que ilustra os
sonhos de integração da América Latina, em cujas fronteiras está tudo por

42
“Mega represas: ¿exportar y depdredar?”, em: <http://www.ecosistemas.cl/web/noticias/
documentos/1363-megarepresas-iexportar-y-depredar-.htm l>. (Consulta 04/08/2011.)
43
“Los retos de Brasil como economía emergente”, IBCE, em: <http://www.ibce.org.bo/
principales_noticias_bolivia/29072011/noticias_ibce_bolivia.asp?id=21951>. (Consulta
04/08/2011.)
44
“Mega represas: ¿exportar o depdradar?”, op. cit.

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A nova conquista da Amazônia 229

fazer”.45 As hidrelétricas permitem “a geração de energia em quantidades sig-


nificativas e a baixo custo e para a consolidação do Polo de Desenvolvimento
do agrobusiness na região oeste do Brasil e na Amazônia boliviana”, o que
permite a redução dos custos de transporte de grãos e outras commodities.46
As empresas brasileiras serão as únicas compradoras da energia que
produzirá a Bolívia, impondo condições de compra, contratos e preços. Os
investimentos nessas represas beneficiam as brasileiras Odebrecht, Furnas
Centrais Elétricas e o grupo Tedesco Maggi (o maior exportador de soja do
Brasil), que investiu 100 milhões de dólares na navegabilidade do rio Madei-
ra, “onde possui a frota mais importante de barcaça e rebocadores, com uma
capacidade de transporte fluvial de 210 mil toneladas por mês”.47
Observado em perspectiva, projetos como o Complexo Rio Madeira
formam parte de uma geopolítica brasileira de expansão até o oeste e de
ocupação de territórios “vazios”, de controle de recursos estratégicos como
os hidrocarbonetos bolivianos, e confirma a impressão de que “os gover-
nantes brasileiros parecem ter chegado à conclusão que o aumento da com-
petitividade brasileira no mercado internacional depende, em grande me-
dida, da integração da América do Sul”.48 Somente haveria que acrescentar
que se trata de uma integração duplamente subordinada: ao Brasil, por
parte dos países sul-americanos, e do conjunto da região ao mercado e ao
empresariado mundial.

Iirsa: integração na medida dos mercados

Na cúpula de presidentes da região sul-americana realizada entre 29 de


agosto e 1 de setembro de 2000 em Brasília, o presidente Fernando Hen-
rique Cardoso pronunciou um discurso no qual marcou distância com os
países ricos e com a Alca. “Os países mais ricos, os países mais poderosos,
são os que têm mais barreiras comerciais que nos afetam, querem ir muito

45
Patricia Molina, “Bolivia-Brasil: Relaciones energéticas, integración y medio ambiente”,
em Fobomade, Relaciones energética Bolivia-Brasil, La Paz, 2002, p. 29.
46
Ibid .
47
Ibid., p. 30.
48
Guilherme Carvalho, La integración sudamericana y Brasil. Rio de Janeiro: Action Aid,
2006. p. 64.

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230 brasil potência

rápido, sem perceber que nós não podemos, porque nós vamos cair”.49 No
mesmo discurso disse que a Alca somente se justificará quando for um
instrumento para superar os desníveis socioeconômicos das Américas. Na
reunião, em que participaram os doze presidentes sul-americanos e 350
empresários latino-americanos, Cardoso estabeleceu as bases do projeto
Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul Americana (Ii-
rsa) e definiu o objetivo do seu país de “trabalhar juntos”, liderando sem
impor para “resolver nossos problemas internos, que são muitos”.50
O discurso de Cardoso foi quase idêntico ao que anos depois pronun-
ciaria Lula, e mostra a continuidade da política exterior brasileira a respei-
to da integração, ainda que seja evidente que a gestão do PT foi mais con-
tundente e audaz, em uma situação política regional e global pautada pela
crise hegemônica dos Estados Unidos no mundo e pelas consequências dos
atentados de 11 de setembro de 2001.
Na reunião realizada em Brasília, o Banco Interamericano de Desen-
volvimento (BID)51 apresentou, a pedido do governo brasileiro, a proposta
Plano de Ação para a Integração da Infraestrutura da América do Sul, um
ambicioso plano para a execução de projetos físicos e de mudanças nas
legislações, normas e regulamentos nacionais para facilitar o comércio re-
gional e global. O projeto Iirsa é um projeto multissetorial que pretende
desenvolver e integrar as infraestruturas de transporte, energia e teleco-
municações. Trata-se de organizar o espaço geográfico com base no de-
senvolvimento de uma infraestrutura física de transporte terrestre, aéreo
e fluvial; de oleodutos, gasodutos, hidrovias, portos marítimos e fluviais
e redes elétricas e de fibra ótica, entre os mais destacados. Essas obras se
materializam em dez eixos de integração e desenvolvimento, corredores que
concentrarão os investimentos para incrementar o comércio e criar ca-
deias produtivas conectadas com os mercados mundiais. Andrés Barreda
explica o conceito de “corredores” recorrendo a uma metáfora orgânica na
qual as redes de transporte, de comunicação e de energia se interconectam:

49
“América do Sul deve ousar mais, diz FHC”, Folha de São Paulo, 1 de setembro de 2000.
50
“FHC pede reciprocidade em abertura”, Folha de São Paulo, 2 de setembro de 2000.
51
Entre 1961 e 2002 o BID aprovou empréstimos de 18 bilhões e 823 milhões de dólares:
51% destinados a projetos de energia; 46% a transporte terrestre e 3% a telecomunicações,
transporte marítimo, fluvial e aéreo. O Brasil obteve 33% dos recursos.

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A nova conquista da Amazônia 231

Na construção do “autômato global”, estas redes permitem o metabolis-


mo geral da riqueza alimentando e drenando os tecidos econômicos do
planeta. Assim, seguindo a lógica que dá forma aos organismos biológicos,
tendem historicamente a se aglutinarem em artérias ou medulas centrais
ou corredores de integração de transporte, de comunicações, a indústria,
a vida urbana e rural, assim como a da reprodução técnica e social. Podem
ser corredores de infraestrutura, corredores de recurso, ou corredores bio-
lógicos de conservação.52

Segundo o geógrafo Carlos Walter Porto-Gonçalves, a origem teórica


política da Iirsa e do Plano Puebla Panamá se encontra em dois estudos. O
primeiro foi Infraestructure for Sustainable Development and Integration
of South America, realizado por Eliézer Batista da Silva, em 1996, para a
Corporação Andina de Fomento, a Vale do Rio Doce, o Business Council
for Sustainable Development Latin America, o Bank of America e a Com-
panhia Auxiliar de Empresas de Mineração.53 O segundo se denominou
Estudo sobre Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento, de 1997,
promovido pelo BNDES, o Ministério de Planejamento, o banco ABN
Amro, a multinacional estadunidense Bechtel, o Consórcio Brasiliana e
Booz Allen & Hamilton do Brasil Consultores. A leitura de quem financia
estes trabalhos permite deduzir os interesses que carregam. O conceito de
eixos de integração e desenvolvimento substitui o de região como núcleo de
ação governamental, privilegiando os fluxos sobre os territórios habitados
por povos e nações.54
Para poder levar adiante esse megaprojeto, é necessário remover as
“barreiras” físicas, normativas e sociais, o que supõe realizar grandes obras,
harmonizar as legislações nacionais dos doze países implicados na Iirsa e
ocupar os espaços físicos-chaves que geralmente mantêm baixa densida-
de de população, mas guardam as principais reservas de matéria-prima e
biodiversidade.

52
Andrés Barreda, “Análisis geopolítico del contexto regional”, em Patricia Molina
(coord.). Geopolítica de los recursos naturales y acuerdos comerciales en Sudamérica, Fobo-
made, La Paz, 2005, p. 16.
53
Carlos Walter Porto Gonçalves, “Ou inventamos ou erramos. Encruzilhadas de Integra-
ção Regional Sulamericana”, Ipea, 2011 (inédito), p. 12.
54
Ibid., p. 12-13.

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232 brasil potência

Um aspecto-chave da Iirsa, como o assinala o estudo do BID Novo im-


pulso a Integração da Infraestrutura Regional na América do Sul, apresen-
tado em dezembro de 2000, consiste em considerar que o principal proble-
ma para possibilitar a integração física e, portanto, para melhorar o fluxo
de mercadorias, são as “formidáveis barreiras naturais como a Cordilheira
dos Andes, a selva Amazônica e a bacia do Orenoco”.55 Esta mesma con-
cepção é sustentada pelo ex-presidente do BNDES, Carlos Lessa, que afir-
mou: “A Cordilheira dos Andes é certamente uma beleza, mas é um terrí-
vel problema de engenharia”.56 Essa lógica da natureza como “barreira” ou
como “recurso” está presente em todos os aspectos do plano.
No Seminário Sub-regional organizado pelo Comitê de Organização
Técnica da Iirsa, realizado em setembro de 2003, em Lima, definiram-se
três objetivos: apoiar a integração de mercados para melhorar o comércio
intrarregional; apoiar a consolidação de cadeias produtivas para alcançar
competitividade nos grandes mercados mundiais e reduzir o “custo sul-a-
mericano” mediante a criação de uma plataforma logística vertebrada e
inserida na economia global. Segundo os principais estudos disponíveis,
um dos objetivos dessa integração é poder direcionar os recursos naturais
dos países sul-americanos para os mercados norte americano e europeu.
Esses objetivos se observam de modo transparente nos mapas em que
aparecem os eixos de integração e desenvolvimento, que sempre incluem
vários países. Os nove eixos definidos são:

• Eixo Andino (Venezuela-Colômbia-Equador-Peru-Bolívia)


• Eixo do Amazonas (Colômbia-Equador-Peru-Brasil)
• Eixo Interoceânico Central (Peru-Chile-Bolívia-Paraguai-Brasil)
• Eixo de Capricórnio (Chile/Argentina/Paraguai/Brasil)
• Eixo do Escudo das Guianas (Venezuela-Brasil-Suriname-Guiana)
• Eixo Mercosul-Chile (Brasil-Uruguai-Argentina-Chile)
• Eixo do Sul (Talcahuano-Concepción/Chile-Neuquén-Bahía Blanca/
Argentina)
• Eixo Amazônico do Sul (Peru-Brasil-Bolívia)
• Eixo da Hidrovia Paraguai-Paraná

55
Em Elisangela Soldatelli, Iirsa. É esta a integração que nós queremos? , Porto Alegre,
Amigos da Terra, dezembro de 2003, op. cit., p. 4.
56
Guilherme Carvalho, La integración sudamericana y Brasil, op. cit., p. 36.

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A nova conquista da Amazônia 233

Ademais, há um megaprojeto para unir as bacias do Orenoco, do Ama-


zonas e do Prata, por meio da interconexão de 17 rios, o que permitiria
o transporte fluvial entre o Caribe e o Rio da Prata, que se constitui no
décimo eixo.
Cada um dos eixos inclui várias obras. Por exemplo, o Eixo Amazonas
que une o Pacífico ao Atlântico envolve três grandes ecossistemas (costa, ser-
ra andina e selva): deverá unir o Amazonas e seus afluentes com os portos de
Tumaco (Colômbia), Esmeraldas (Equador) e Paita (Peru). Supõe melhorar
as estradas existentes e construir outras. Por outro lado, já que se trata de um
eixo que se funda em uma densa rede de transporte fluvial, deve assegurar
a navegabilidade dos rios por meio da dragagem e retificação de alguns tre-
chos, à medida que se melhoram os portos fluviais. Essas obras e o impor-
tante trânsito geram impactos sobre o ecossistema amazônico.
As zonas atravessadas por esse eixo têm um grande potencial hidrelé-
trico e grandes reservas de petróleo, além de monocultivos e atividades
de extração de madeira, pesca e piscicultura. Este eixo estará interconec-
tado com outros três mais (Andino, Interoceânico Central e Escudo das
Guianas) e conseguirá baratear o transporte dos países do Pacífico até a
Europa e do Brasil até o Japão e a China. Em plena Amazônia brasileira
está contemplada a construção de dois gasodutos: de Coari a Manaus e de
Urucu a Porto Velho, o que permitirá exportar o gás desde pontos-chave
dos eixos Amazônicos e Peru-Brasil-Bolívia. O primeiro inclui o porto de
Manaus, e o segundo, o de Porto Velho (Brasil), que ficaria unido com os
portos peruanos do Pacífico para poder retirar a produção de cereais desta
zona, onde mais estão crescendo os cultivos de soja, milho e trigo, além do
gás de Camisea (Peru).
A maior parte dos eixos está interconectada. Dos dez eixos, quatro en-
volvem a região amazônica e cinco unem os oceanos Pacíficos e Atlântico.
Desta maneira, todas as riquezas naturais do continente ficam à disposição
dos mercados. Os dois grandes objetivos da Iirsa giram em torno de traçar
“as estradas mais adequadas para o transporte de mercadorias” e colocar à
disposição do mercado “as áreas mais importantes em termos de recursos
não renováveis”.57

Mónica Vargas, “Integración de la Infraestructura Regional Sudamericana: Proyectos


57

en Bolivia”, em Patricia Molina (coord.). Geopolítica de los recursos naturales y acuerdos


comerciales en Sudamérica, La Paz, Fobomade, 2005, p. 72.

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234 brasil potência

Mapa 6. Eixos multimodais da Iirsa

Fonte: Departamento de Geografia, Universidade Federal do Rio do Janeiro.

Os investimentos iniciais propostos eram de uns 37 bilhões de dólares,


mas na realidade são muito superiores, ainda que não seja simples quanti-

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ficá-las, já que se executam por partes. O conjunto de projetos da Iirsa será


financiado pelo BID, a Corporação Andina de Fomento (CAF)58 e o Fundo
Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata),59 além
dos importantes aportes brasileiros do BNDES.

Quadro 9. Projetos Iirsa (por Eixo, setor e etapa de execução – janeiro de 2011)

Investimentos
Eixo Projetos Transporte Energia Comunicação Concluídos
US$
Andino 64 49 13 2 10 7.478,0
Capricórnio 72 68 4 0 6 9.421,4
Hidrovia 95 85 7 3 5 6.677,3
Amazonas 58 51 6 1 2 5.400,7
Escudo das Guianas 25 18 6 1 7 1.694,9
Sul 27 24 3 0 3 2.713,0
Interoc. Central 55 51 2 2 6 5.518,1
Mercosul/Chile 107 90 17 0 13 35.836,1
Peru/Brasil/Bolivia 23 17 6 0 1 21.402,3
Total 524 451 64 9 53 96.111,6

Fonte: Iirsa. http://www.iirsa.org/BancoConocimiento/B/bdp_resumen_cartera_por_eje/bdp_re-


sumen_cartera_por_eje.asp?CodIdioma=ESP (Consulta 17/01/2913).

Uma parte importante destes projetos já está em andamento, ainda que


não se mencione que fazem parte da Iirsa. Segundo o Informe Anual da
CAF de 2002, foram identificados naquele momento cerca de 300 projetos

58
Instituição financeira multilateral criada em 1970. Até 1981 aprovou operações por 618
milhões de dólares, mas entre 1995 e 1999 teve uma grande expansão, aprovando opera-
ções na ordem de 12 bilhões e 325 milhões. É o maior agente de financiamento de projetos
de infraestrutura na América Latina. Tem 16 países membros, e é o primeiro financiador
dos países da Comunidade Andina das Nações, além de financiar a Iirsa e o Plano Puebla
Panamá (PPP), e pode chegar a financiar o canal Atrato-Truandó ou Atrato-Cacarica-San
Miguel, que permitirá a conexão entre a Iirsa e o PPP. Ver: <www.caf.com>.
59
Criado em 1971 para financiar projetos de integração nesta bacia. Brasil e Argentina têm
33,3% cada um, Bolívia, Paraguai e Uruguai, 11,1% cada um. Financia projetos de cerca
de um bilhão de dólares em transporte, agropecuária, indústria, exportações e saúde. Ver:
<www.fonplata.org>.

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de integração física da América do Sul.60 Cada ano chegam ao fim e come-


çam novos projetos, e os que estão em execução avançam sem parar. Em
janeiro de 2011, quase uma década depois, já se tratavam de 524 projetos.61
Deste total, 53 projetos já estavam concluídos e havia 176 em execução.
Como se pode ver, a quantidade de projetos cresceu de modo exponencial,
e mais da metade ainda não entrou em fase de construção.
Vencer as barreiras físicas, legais e sociais para poder implementar a
Iirsa supõe redesenhar a geografia, a legislação dos estados e as relações
sociais. Considera-se o continente sul americano como a soma de cinco
“ilhas” que devem ser unidas: a plataforma do Caribe, a cordilheira andina,
a plataforma atlântica, o enclave amazônico central e o enclave amazônico
do sul. Os eixos de integração e desenvolvimento atravessam essas “ilhas”
e rompem sua unidade, o que na linguagem tecnocrática denominam-se
“barreiras” naturais.
O tráfico comercial e portuário do Pacífico se sobrepôs ao do Atlântico,
o que supõe-se reinventar a economia de um oceano a outro. Isso tem feito
com que o canal do Panamá perca sua importância e em seu lugar apare-
çam esses corredores para conectar ambos oceanos. Na América do Sul, o
“gargalo estratégico”, segundo Barreda, é a Bolívia, por onde passam cinco
dos doze corredores.62
Por outro lado, e seguindo o mesmo autor, a região sul-americana é
uma das poucas do planeta que combina os quatro recursos naturais es-
tratégicos: hidrocarbonetos, minerais, biodiversidade e água. Veja-se que
essa profunda modificação da geografia (talvez o projeto mais ambicioso
seja unir os rios Orenoco, Amazonas e Paraná) não tem como objetivo a
integração do continente, e sim sua vinculação com os mercados globais.
Pode-se dizer que se trata de uma integração “para fora”, exógena, em vez
de proporcionar uma integração “para dentro”. Os eixos ou os corredores
devem ter, além disso, certas características: “Para a conexão em tempo
real, a internet é básica. Para a conexão just in time, a intermodalidade é

60
Elisangela Soldatelli, Iirsa. É esta a integração que nós queremos?, op. cit., p. 16.
61
“Resumen de la cartera Iirsa. Atualizado em janeiro de 2011”, em: <www.iirsa.org>.
62
Andrés Barreda, “Geopolítica, recursos estratégicos y multinacionales”, 20 de dezem-
bro de 2005, em: <http://alainet.org/active/10174&lang=pt<font%20color=>. (Consulta
10/08/2011.)

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básica”.63 Portanto, os corredores devem combinar uma moderna platafor-


ma de telecomunicações com a infraestrutura necessária para o transporte
intermodal.
A intermodalidade se baseia na “revolução dos containners”: o sistema
é o mesmo para o transporte terrestre, aéreo e fluvial, e uma mercadoria
deve poder passar de um ao outro com fluidez, o que demanda estradas e
caminhões, aeroportos e aviões, rios e barcos capazes de carregar grandes
containners, que agora substituem o velho conceito de armazém ou depó-
sito. Isto se vincula ao nascimento das “fábricas globais” que funcionam
sobre a premissa just in time: cria-se assim uma sorte de “autômato global”,
já que as grandes empresas têm se deslocado e abarcado todo o planeta
em forma de rede. Mas este autômato global, “integrado industrial e pro-
dutivamente, mantém agora novas relações hierárquicas centro-periferia,
mas de caráter industrial”, como mostram as indústrias maquiladoras.64
A Iirsa é precisamente o elo sul-americano que integra o continente neste
processo, mas de forma subordinada.
Do ponto de vista de superar as barreiras normativas dos Estados, a
Iirsa aprofunda a estratégia neoliberal de desregulamentação e de tornar
mais débeis os Estados nacionais. Adequar as legislações nacionais às ne-
cessidades do comércio mundial supõe homogeneizar as normas. Dessa
maneira, regiões e países perdem sua autonomia frente às multinacionais e
aos Estados do primeiro mundo.

Ganhadores e perdedores

Observando-se o mapa dos projetos da Iirsa com uma perspectiva situa-


da no sul do continente, pode-se admitir uma centralidade que é visível
quando se olhava desde o norte. Tomemos como mirante a cidade de São
Paulo, sede da única burguesia existente na América do Sul, e veremos
como os “eixos de integração e desenvolvimento” são um conjunto de veias
que convergem nessa cidade, ou, se preferir, ela é o ponto de partida dessa
complexa e interconectada teia de aranha. Teremos visto como as enormes

63
Ibid.
64
Ibid.

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obras de infraestrutura conectam os dois grandes oceanos, de modo que


as mercadorias fluam por toda uma rede de rios interconectados entre si
mediante hidrovias, com estradas, portos e aeroportos, alimentados por
grandes represas hidrelétricas. São Paulo é o sexto parque industrial do
mundo, e o Brasil é o primeiro produtor de carne, minério de ferro, e o
segundo de soja. Para que estas mercadorias viagem de forma barata, se-
gura e veloz até a Ásia, é para isso que se constrói essa impressionante in-
fraestrutura. Podemos dizer que a Iirsa é a mostra do triunfo do comércio
Sul-Sul que está remodelando o mapa do mundo.
Esse projeto de integração afeta de modo diferente cada país e cada re-
gião do continente. Em abrangentes distinções, é possível definir “ganha-
dores” e “perdedores” em função dos benefícios e dos danos resultantes
da implementação da Iirsa. Um dos problemas do projeto é, precisamente,
que aprofundará as diferenças entre países, regiões e setores sociais ricos e
pobres, já que todos se integrarão ao mercado mundial de forma desigual,
em função das “vantagens comparativas” que hoje apresentam. Para exem-
plificar estas diferenças, tomaremos em conta dois países: o mais pobre do
continente, a Bolívia, e o mais poderoso, o Brasil.
A Bolívia conta com importantes reservas de hidrocarbonetos, a se-
gunda do continente, após a Venezuela, as primeiras reservas mundiais
de lítio e grandes jazidas de ferro. Tem uma posição geográfica impor-
tante e um território rico em biodiversidade, que vai do altiplano andino
à selva amazônica. O sistema bancário internacional definiu no plano A
Mudança para Todos que a Bolívia devia se converter em “país trânsito
do subcontinente e centro distribuidor de gás e de outros energéticos”. 65
O país se verá compelido à construção de uma nova Rede Fundamental
de Estradas, que deixam zonas inteiras do país isoladas, mas conectam
as reservas de hidrocarbonetos aos mercados mundiais. O país é atra-
vessado por cinco corredores: Eixo Andino, Eixo Interoceânico Central,
Eixo Peru-Brasil, Eixo Peru-Paraguai-Brasil e o Eixo Orenoco-Amazo-
nas-Prata.
O Eixo Interoceânico Central, que une o porto brasileiro de Santos com
os chilenos de Arica e Iquique, atravessa a Bolívia pela zona central e é im-

65
Silvia Molina, “El rol de Bolivia en la integración sudamericana”, em Patricia Molina
(coord.). Geopolítica de los recursos naturales y acuerdos comerciales en Sudamérica, La
Paz, Fobomade, 2005, p. 61.

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prescindível para países como Brasil e Chile, que são os mais interessados
em impulsionar o comércio bioceânico. A Bolívia é objeto de intervenções
que fragmentam seu território.
O Brasil está na situação oposta. Esse tipo de integração exógena lhe
permite avançar em seu desejo de conseguir uma posição dominante na
América Latina, consequência da estratégia desenvolvida desde os anos
1980 de alcançar a liderança regional por meio da incorporação em sua
zona de influência dos países do seu entorno geográfico mais próximo: Ar-
gentina, Uruguai, Paraguai, em seguida Bolívia e Chile, posteriormente os
demais países da Comunidade Andina e logo toda América do Sul, com o
fim de fortalecer sua economia frente a Alca.66
O Brasil está em condições similares aos dos países do primeiro mundo
na hora de tirar proveito da Iirsa. De fato, tem uma relação com os demais
países sul-americanos, com parcial exceção da Argentina, similar à que
têm os países do centro com os da periferia. Em primeiro lugar, o Brasil é o
mais interessado da região em poder exportar a sua produção industrial e
do agronegócio pelo Pacífico. Em segundo lugar, são brasileiras as empre-
sas que constroem parte da infraestrutura. Em terceiro lugar, o BNDES, do
Brasil, é um dos principais financiadores da Iirsa.
Um dos fatos que revelam de modo mais transparente as relações Bra-
sil-Bolívia é o projeto de construir uma estrada que atravessa o Território
Indígena e o Parque Nacional Isiboro Sécure (Tipnis). A zona foi declarada
como parque nacional em 1965, e foi reconhecida como território indígena
no dia 24 de setembro de 1990. Foi uma conquista da marcha indígena
pelo Território, pela Vida e pela Dignidade de 1990, quando os povos da
Amazônia boliviana confluíram em um importante processo organizativo
em torno da Cidob (Confederação dos Povos Indígenas do Oriente Boli-
viano), criada em 1982. A marcha começou no dia 16 de agosto de 1990,
com 300 indígenas que iniciaram uma caminhada desde Trinidad, em
Beni, e finalizou 4 dias depois em La Paz, com 800 pessoas. Visibilizou
dezenas de povos indígenas cujas condições de vida e cultura eram desco-
nhecidas para os bolivianos, e com ela resultou em “um grande e complexo
processo de articulação organizativa das comunidades, capitanias e povos

66
Ibid., p. 64.

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indígenas que haviam resistido de maneira isolada à expropriação de seus


territórios e à exclusão estatal.67
A marcha de 1990 foi um marco do movimento social boliviano. Pro-
duzida em um momento de máxima ofensiva neoliberal e profunda der-
rota do campo popular, foi exitosa, já que arrancou concessões do Estado,
além de fazer visíveis novos atores, e colocou sobre a mesa a demanda ter-
ritorial, ou seja, o reconhecimento dos territórios indígenas que estavam
sendo invadidos por empresas madeireiras, e ainda o reconhecimento de
suas autoridades tradicionais. A centralidade que passa a adquirir o ter-
ritório constitui um divisor de águas na história social recente da Bolívia.
Do ponto de vista simbólico, a marcha assinalou a unidade dos movimen-
tos de camponeses e indígenas de terras baixas com um ato ritual no topo
que separa a puna dos yungas.68 O maior contingente de pessoas em mar-
cha, 190 de 800, provinha de comunidades do Parque Isiboro Sécure, onde
habitam desde tempos remotos os povos moxeños, chimanes e yuracarés.
A grande vitória para eles foi conseguir que o parque nacional fosse além
de tudo declarado como Território Indígena.
Ironias da vida, o governo pelo qual esses mesmos indígenas lutaram
durante décadas se converte em seu carrasco. No dia 7 de maio de 2011, o
presidente Evo Morales assinou a Lei 112, aprovada no dia anterior pela
Assembleia Legislativa Plurinacional, que aprovava a contratação de um
crédito com o BNDES, do Brasil, para a construção da estrada Villa Tu-
nari-San Ignacio de Moxos, um dos projetos da Iirsa, que parte ao meio o
Tipnis sem autorização de seus habitantes, como exige a própria Consti-
tuição. Nos últimos anos, os colonos plantadores de folha de coca têm se
apropriado de uma parte do parque, cortando árvores, sem que o Estado
tenha feito nada. Com a construção da estrada, o parque e o território in-
dígena serão destruídos, e seus povos deverão emigrar ou desaparecer. As
estradas facilitam a colonização e têm múltiplos impactos ambientais e so-
ciais, sobretudo diante de regiões de alta e frágil biodiversidade e de povos
não integrados à economia de mercado.

67
Alvaro García Linera (coord.). Sociología de los movimientos sociales en Bolivia. La
Paz: Diakonía/Oxfam, 2004. p. 218.
68
Félix Patzi Paco. Insurgencia y sumisión. Movimientos indígeno-campesinos (1983-1998).
La Paz: Comuna, 1999. p. 162.

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A nova conquista da Amazônia 241

O Tipnis reúne um parque nacional amazônico onde vivem povos ori-


ginários, por isso possuem uma dupla proteção: como reserva natural e
como território. A superfície inicial é de 1.236.296 hectares, que abrigam
florestas úmidas onde se registram chuvas de 3.500 a 5.700mm anuais,
situados entre três mil metros acima do nível do mar até a planície do
Beni, de quase 200 metros de altitude.69 Esta região é a cabeceira dos rios
amazônicos, e suas florestas regulam as águas que descem até as planícies.
Portanto, se o desmatamento avança com esse nível de precipitação, a terra
sofrerá grande erosão. O Tipnis foi refúgio de flora e fauna durante o Pleis-
toceno, e é, portanto, zona de espécies endêmicas, que conta agora com
mais de 500 espécies de aves e mamíferos.70 Vivem ali 64 comunidades de
três povos originários, umas 10 mil pessoas no total, e na zona colonizada,
que ocupa uns 125 hectares, vivem uns 15 mil colonos agrupados em 45
sindicatos.71
A pressão demográfica da colonização coloca em perigo uma parte do
parque nacional, já que os colonos geralmente extraem madeira, cultivam
folha de coca e estão armados, fato que vem gerando enfrentamentos com
os povos originários. No marco da refundação do Estado, o presidente Evo
Morales entregou aos indígenas mojeños, yuracaré e chimanes em feverei-
ro de 2009 o título coletivo de 1.091.656 hectares, que beneficiam 7 mil ha-
bitantes.72 O território forma parte das chamadas Terras Comunitárias de
Origem (TCO), criadas em 1994, que as declara como indivisíveis, impres-
critíveis, inalienáveis e não embargáveis, propriedade coletiva consolidada
com a nova Constituição, que coloca o Estado como guardião e protetor.73
A estrada Villa Tunari-San Ignacio de Moxos terá 305 quilômetros en-
tre os Estados de Cochabamba e Beni, e sua construção já foi planejada
na década de 1990, por interesses de empresas madeireiras, pecuaristas
e petroleiras. Desde o ano de 2003, a estrada que corta em dois o Tipnis

69
Anuario Sena, “Costos sociales y ambientales de la carretera Villa Tunari-San Ignacio
de Moxos”, Fobomade, 13 de maio de 2011, em: <http://www.fobomade.org.bo/art-116>.
(Consulta 16/08/2011.)
70
Subcentral Tipnis, “Memoria. Foro Departamental: Territorio Indígena y Parque Nacio-
nal Isiboro Sécure”, Cochabamba, Cenda/Fobomade, 2010, p. 17-18.
71
Ibid., p. 30.
72
Rosa Rojas, “Quieran o no habrá carretera”, Ojarasca, n. 172, La Jornada, agosto de 2011.
73
Anuario Sena, “Costos sociales y ambientales de la carretera Villa Tunari-San Ignacio
de Moxos”, op. cit.

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forma parte do corredor bioceânico da Iirsa, que corre paralelamente ao


bloco petroleiro Sécure, sobre o qual a empresa Repsol adquiriu os direitos
de exploração por 30 anos. No dia 22 de setembro de 2006, Evo Morales
promulgou a Lei 3.477, que declara a estrada como “prioridade nacional”,
e, em agosto de 2008, as obras foram entregues à brasileira Construtora
OAS, em um processo que foi questionado, pelos 415 milhões de dólares
financiados, em torno de 80%, pelo BNDES.74
Em abril de 2010, o governo boliviano informou que a OAS já tinha
prontos 50 caminhões na fronteira para iniciar as obras. A OAS recebeu a
concessão de outros projetos na Bolívia, como a estrada Potosí-Uyuni, de
201 quilômetros, que permite o acesso à maior reserva de lítio do mundo, e
também à estrada Potosí-Tarija, de 410 quilômetros ao sul, com crédito do
Banco do Brasil.75 Os empréstimos do Brasil para obras de infraestrutura,
que interessam principalmente a este país, têm como condição que as em-
presas construtoras sejam do país que emite o empréstimo.
O Foro Boliviano sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Foboma-
de) denuncia que “os planos de construção de infraestrutura rodoviária na
Bolívia tiveram pouca relação com as necessidades internas de comunica-
ção e integração do território nacional” e que desde a Colônia estiveram
relacionadas a interesses de empresas estrangeiras e mais recentemente à
“necessidades do capital transnacional”.76 Os ingleses construíram as pri-
meiras linhas férreas para exportar minerais, e os Estados Unidos impul-
sionaram a estrada Cochabamba-Santa Cruz como parte da “Marcha para
o Oriente” que promoviam. Agora o Brasil impulsiona os corredores de
integração da Iirsa.
Várias análises entendem que a Iirsa está estreitamente vinculado à
Alca, a ponto de dizer que são duas caras de uma mesma moeda. “A Alca
determina o jurídico-administrativo em forma mais concreta, e a Iirsa, a
infraestrutura”.77 O Observatório Latinoamericano de Geopolítica susten-
ta que tanto a Iirsa como o Plano Puebla Panamá (PPP), lançado pelo pre-

74
Ibid.
75
Ibid.
76
Ibid .
77
Marcel Achkar e Ana Domínguez, Achkar, “Iirsa: Otro paso hacia la des-soberanía de
los pueblos sudamericanos”, Programa Uruguay Sustentable-Redes Amigos de la Tierra,
Montevideo, 2005, p. 18.

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A nova conquista da Amazônia 243

sidente mexicano Vicente Fox, formam parte de um mesmo projeto de su-


bordinação da região ao mercado global controlado pelos Estados Unidos:
“Dois planos que se anunciam como iniciativas locais de cunho autóctone,
têm a curiosa virtude de abarcar desde a zona mais austral até o México,
vinculando e reorganizando todo o espaço latinoamericano”.78
Sem mais, a Iirsa tem uma particularidade: é um tipo de integração
nascida no Sul, gestionada em grande medida pelas elites do Sul, mas que
beneficia aos setores melhor inseridos no mercado internacional. Dentre
outras conseqüências negativas, a dívida externa dos países da região se-
guirá crescendo e a sobre-exploração dos recursos pode levar a que em
algumas décadas os países que contam com petróleo e gás como sua prin-
cipal riqueza acabem por esgotá-los sem haver obtido nenhuma vantagem.
É certo que o desenho original da Iirsa provém de organismos finan-
ceiros internacionais subordinados aos governos do Norte e às suas mul-
tinacionais. Mas os três governos de cunho “progressista” (os dois de Lula
e o de Dilma Rousseff) adotaram os objetivos e os projetos concretos para
subordiná-los aos objetivos estratégicos do Brasil, ou seja, da nova elite no
poder: essa estranha aliança entre a burguesia paulista, os administrado-
res do capital e os aparatos estatais.
A Iirsa está sendo implementado em silêncio. Assim como em todo con-
tinente houve um amplo debate sobre a Alca e os TLC, os projetos vincu-
lados à Iirsa vêm se realizando sem a participação da sociedade civil e dos
movimentos sociais, sem informação por parte dos governos. Esse estilo
induz a pensar que se busca evitar o debate. Em paralelo, estão se cons-
truindo os projetos em partes para mais tarde enlaçá-los, o que impede a
vigilância e o controle das populações afetadas e facilita que se burlem as
leis ambientais. Formalmente, a Iirsa nasceu no ano 2000, mas boa parte
dos projetos vem dos anos 1990. O aspecto mais perturbador é se a cria-
ção dessa enorme rede de infraestrutura conseguirá, finalmente, impor os
mesmos objetivos da Alca, mas sem esse nome, sem debate, de modo ver-
tical por parte dos mercados e das elites.
O novo tempo histórico que começa a se formar na primeira década do
século XXI supõe uma dupla reconfiguração geopolítica: à escala mundial

78
Ana Esther Ceceña, Paula Aguilar y Carlos Matto, “Territorialidad de la dominación”,
Buenos Aires, Observatorio Latinoamericano de Geopolítica, 2007, p. 12.

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e regional. A virada representada com a Ásia se convertendo em centro da


economia mundial, em detrimento de Estados Unidos e Europa, comple-
menta-se com o novo papel do Brasil como hegemón regional. Em 2001, o
PIB do Brasil era menor que o do resto da América do Sul. Mas, logo após
a crise de 2008, o Brasil superava o resto da região e tem importante supe-
rávit comercial com todos os países sul-americanos – menos com a Bolívia,
pela importação do gás.79
Além dos múltiplos deslocamentos assinalados, a Iirsa supõe uma mu-
dança maior na relação de forças regional. O conceito de América Latina
havia nascido no século XIX em contraposição à América imperialista,
mas agora assistimos a um paulatino deslocamento que coloca no centro
do cenário a ideia de América do Sul, como destaca com acerto Porto-
Gonçalves. A partir do governo Lula, América do Sul se converte em “um
novo espaço de afirmação geopolítica”, que coincide com a crise hegemô-
nica dos Estados Unidos.80 Essa virada esvazia o caráter anti-imperialista
que havia gerado o conceito de América Latina. O resultado é preocupan-
te: América do Sul é o espaço em que se expandem as grandes empresas
brasileiras financiadas pelo BNDES e apoiadas por Brasília, enquanto se
aceita de fato a hegemonia estadunidense na América Central e no Caribe.
América do Sul é um conceito estratégico criado pela Escola Superior de
Guerra que meio século depois foi retomado pelo governo Lula.
Esse deslocamento político vem junto com a emergência de uma nova
geração de lutas e de movimentos sociais. Os conflitos que destacamos
neste capítulo (represas de Jirau e Santo Antônio no rio Madeira, represas
no Inambari, no Peru, e a construção da estrada que atravessa o Tipnis,
na Bolívia), mostram uma nova geografia das lutas sociais que tem como
cenário os corredores da Iirsa. Essa conflitividade supera os marcos do
Estado-nação para se situar ali onde os fluxos do capital afetam povos e
meio ambiente. Um levantamento realizado pelo Laboratório de Estudos
de Movimentos Sociais e Territorialidades da Universidade Federal Flumi-
nense mostra que nos eixos da Iirsa existem 1.347 populações territoriali-
zadas: 664 comunidades indígenas, 247 comunidades campesinas, 146 de

79
José Luis Fiori, “Brasil e América do Sul: o desafio da inserção internacional soberana”,
Brasília, Cepal/Ipea, 2011, p. 18.
80
Carlos Walter Porto-Gonçalves, “Ou inventamos ou erramos. Encruzilhadas de Inte-
gração Regional Sulamericana”, op. cit., p. 20.

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A nova conquista da Amazônia 245

afrodescendentes, 139 comunidades de populações tradicionais (pescado-


res, marisqueiros, junqueiros...), 60 organizações sociais (sem teto, desem-
pregados) e 59 organizações ambientais.81 Para essas comunidades, a Iirsa
é uma iniciativa neocolonial, uma imposição vertical e externa que nada
tem a ver com seus interesses e que as destroem como comunidades. Esse
novo colonialismo afeta tanto as comunidades que vivem no Brasil como
as que estão em outros países da região, e beneficiam um bloco de poder
financeiro e industrial no qual o empresariado brasileiro/paulista ocupa
um lugar central.

81
Ibid., p. 23.

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CAPÍTULO 8

As relações com os países periféricos

O Brasil não deve viver dentro do que já conquistou, mas deve


chegar hegemonicamente ao Pacífico.
Barão do Rio Branco

Aos 70 anos de idade, Ernesto Corrêa da Silva Filho é um empresário tão


desconhecido quanto bem-sucedido. Em 2002, vendeu a fazenda de 15 mil
hectares que tinha no município de Hulha Negra, no Rio Grande do Sul,
cruzou a fronteira e comprou 110 mil hectares no Uruguai e o frigorífero
PUL, na cidade de Cerro Largo. Desde então, vive entre Punta del Este e a
fazenda que possui próximo a Lascano, no departamento de Rocha. De lá
ele dirige seus negócios: a empresa de calçados Paramount, na China, que
se destaca como o maior exportador de calçados do mundo; a rede Inter-
City de hotéis, que rege 14 estabelecimentos em vários estados do Brasil, e
o cartão de crédito Embratec Good Card, com um milhão e trezentos mil
usuários.1
Em 2011, vendeu a PUL por 65 milhões de dólares ao grupo brasileiro
Minerva (havia investido sete milhões por 75% da empresa), comprou 49%
do diário El Observador, mas estima-se que seguirá investindo para ter a
maioria das ações, e anunciou a construção de uma fábrica de cimento que
irá produzir 500 mil toneladas anuais para exportar ao Brasil, já que esse
país tornou-se um grande consumidor de cimento para as obras da Copa

“Sapatos da China, fazendas e hotéis” em Valor, 6 de novembro de 2009 e “Ernesto Cor-


1

rêa: Conheça o empresário mais misterioso do Brasil”, em IG Economia, 27 de abril de


2011, em: <http://economia.ig.com.br/empresas/conheca+o+empresario+mais+misterio-
so+do+brasil/n1300100882833.html>. (Consulta 05/09/2011.)

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do Mundo de Futebol, em 2014, e os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro,


em 2016.2
A história que levou Corrêa a se tornar o maior empresário brasileiro
no Uruguai e o maior latifundiário individual diz respeito ao papel das
lutas sociais como “impulso” para que o capital busque sua acumulação
além das fronteiras nacionais, em um ambiente mais propício a melhores
resultados. É, em todo caso, uma história estimulante.
Ernesto Corrêa não concede entrevistas, nem existem registros para ve-
rificar as dimensões do seu negócio no Brasil, na China e no Uruguai. Du-
rante quatro meses, o periódico IG solicitou entrevistas em suas empresas
e recorreu inclusive aos amigos do empresário, com resultados negativos.
Sabe-se que nasceu em Campo Bom, a 54 quilômetros de Porto Alegre, em
1931, e começou sua trajetória empresarial exportando calçados em sua
cidade natal desde 1980, que nesses anos formava parte de um crescente
centro industrial do Vale dos Sinos. No início da década de 1990, fundou a
Paramount Asa, na cidade chinesa de Dongguam, para aproveitar as van-
tagens oferecidas no país, como uma plataforma de exportações para os
Estados Unidos. A revista Veja afirma que Corrêa levou 800 funcionários
especialistas em fabricação de calçados para China.3 Com seu filho Ricar-
do na direção, as vendas subiram para 1 bilhão de dólares por ano, tornan-
do-se o maior exportador mundial de calçados.4
Decidiu investir na agricultura como forma de diversificar seus negócios.
Comprou a fazenda Ana Paula Agropastoril, uma propriedade de 14.500
hectares na pequena cidade de Hulha Negra, na Campanha Gaúcha, região
pecuária na fronteira do Uruguai. O estabelecimento tinha 15 mil cabeças
de gado de raças britânicas Hereford e Aberdeen Angus, que são abatidos
entre oito e 18 meses para produzir carne magra e macia. A empresa buscou
nichos de mercado para cortes exclusivos, com base em uma marca própria,
convertendo o estabelecimento em um modelo de alta qualidade.
Em 3 de maio de 2002, cerca de 800 integrantes do Movimento dos
Sem-Terra (MST) de vários assentamentos de Hulha Negra, Uruguaiana e

2
“Empresario deja frigorífico por cemento”, El País, Montevideo, 20 de janeiro de 2011,
em: <http://www.elpais.com.uy/110120/pecono-542094/economia/Empresario-deja-fri-
gorifico-porcemento/>. (Consulta 05/09/2011.)
3
Veja, 13 de agosto de 2008. Em: <http://veja.abril.com.br/130808/holofote.shtml>. (Con-
sulta 12/09/2011.)
4
A história de vida de Corrêa está baseada nos artigos citados na nota 1.

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As relações com os países periféricos 249

outros municípios da região ocuparam a fazenda Ana Paula para pressio-


nar o governo estadual de Olívio Dutra (PT) a dar terra aos camponeses.
A fazenda foi ocupada por quatorze dias; a ação teve um impacto enorme,
foi um dos episódios que “redefiniram o papel da luta pela terra na re-
cente história agrária gaúcha, ganhando enorme repercussão nas mídias
estaduais e nacionais, fortalecendo as mobilizações dos latifundiários para
combater as ações do MST”.5
A reação dos proprietários rurais foi contundente. A Federação de
Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) mobilizou seus membros de
Dom Pedrito, Bagé, Caçapava, Livramento e Uruguaiana, que instalaram
uma vigia na porta da fazenda ocupada. O diretor da Ana Paula, Martim
Teixeira da Luz, revelou ao jornalista Diego Casagrande que, a cada ano,
cerca de 300 animais de raça pura eram roubados ou mortos, o que signi-
ficava perda de um milhão e meio de dólares. Teixeira odeia os sem-terra:

Ao redor da fazenda, espalham-se assentamentos improdutivos de integran-


tes do MST, um indício claro da destinação do roubo. É por isso que a dire-
ção da Ana Paula decidiu desativar a área de 20 quilômetros de extensão que
faz divisa com os assentamentos. Vai deixar de produzir carne em 6 mil hec-
tares para dar lugar ao reflorestamento. É inviável lidar com gente terrorista.6

Além dos adjetivos, o diretor da fazenda revela uma situação em que um


estabelecimento se encontra “cercado” por assentamentos formados por mi-
litantes do MST, que tinham, naquele momento, o apoio do governo estadual.
O MST surgiu no final dos anos 1970, na região norte do Rio Grande
do Sul, como resultado da expulsão de agricultores familiares nessas áreas
para a modernização da agricultura. Essa é uma região que havia sido co-
lonizada por imigrantes italianos e alemães que praticavam agricultura de
subsistência em pequenas propriedades. Com a mecanização da agricul-
tura e a construção de barragens no rio Uruguai e seus afluentes, muitos

5
Marcelo Cervo Chelotti, “Novos territórios da reforma agrária na Campanha Gaúcha”,
Campo-Território, revista de geografia agrária, Universidade Federal de Uberlândia, n. 10,
agosto 2010, p. 214.
6
“O fim do Estado de direito II”, 7 de maio de 2002, reprodução da página de Diego Ca-
sagrande (<www.diegocasagrande.com.br>.), em: <http://www.varican.xpg.com.br/vari-
can/Bpolitico/Fimdoestadir.htm>. (Consulta 12/09/2011.)

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250 brasil potência

camponeses se tornaram sem-terra em uma área que tinha registrado um


forte movimento até a ditadura militar.
A ocupação da propriedade Macali, no município Ronda Alta, em 1979,
e o grande acampamento na Encruzilhada Natalino, em 1981, marcam o
nascimento do MST, ocorrido numa região que faz fronteira com o Esta-
do de Santa Catarina, onde conquistou os primeiros assentamentos.7 Em
1985, o acampamento montado por 1.500 famílias na fazenda Anoni, na
mesma região, foi outro marco do movimento.
Ao longo dos anos, a luta pela terra encontrou limites no norte do esta-
do e registrou um deslocamento geográfico para a região central e depois
sul, dominada por grandes propriedades, formada por militares, no perí-
odo colonial, que recebiam terras para defender a fronteira sul do império
português. Em meados da década de 1990, o MST começou a se enraizar
nesta região, na chamada Campanha Gaúcha.8 Ao contrário do norte do
estado, onde havia nascido o movimento, na parte sul a criação de gado e
ovelhas se caracterizava pela baixa produtividade e população escassa. A
produção familiar e camponesa desempenhou ali um papel muito secun-
dário em relação ao latifúndio.
Na década de 1980, a Campanha Gaúcha sofreu um processo de rees-
truturação, uma fuga de investimentos, emigração e empobrecimento, o
que levou, nos anos 1990, o Instituto de Colonização e Reforma Agrária
(Incra) a fazer inúmeras visitas às propriedades consideradas improduti-
vas, para inclusão no plano de reforma agrária, pela qual pressionava o
MST.9 Até 2006, 161 assentamentos foram instalados na Região Sul, com
quase 150 mil hectares. A maioria dos assentamentos se concentrou no sul,
nos municípios de Candiota, Hulha Negra e Santana do Livramento, com
23, 25 e 23 assentamentos, respectivamente.10

7
Mitsue Morissawa, A história da luta pela terra e o MST. São Paulo: Expressão Popular,
2001. p. 123 e ss.
8
Marcelo Cervo Chelotti, “Novos territórios da reforma agrária na Campanha Gaúcha”,
op. cit., p. 202.
9
Marcelo Cervo Chelotti, “Agroecologia em assentamentos rurais: estratégia de reprodução
camponesa na Campanha Gaúcha”, Agrária, Revista do Laboratório de Geografia Agrária,
Universidade de São Paulo, Departamento de Geografia, n. 7, jul-dez. de 2007, p. 95.
10
Flamarion Dutra Alves et al., “Territorialização camponesa, identidade e reproduções
sociais: os assentamentos rurais na metade sul do Rio Grande do Sul”, Campo-Território,
n. 4, Uberlândia, Universidade Federal de Uberlândia, agosto de 2007, p. 90.

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As relações com os países periféricos 251

A chegada maciça de camponeses de outras regiões implicou a difusão


de uma racionalidade diferente do uso da terra, a incorporação de novos
cultivos e a criação de um espaço campesino-familiar. Primeiro, houve um
forte impacto territorial e demográfico. No município de Hulha Negra, onde
está a fazenda Ana Paula, os 25 assentamentos ocupam 21.997 hectares, que
representam 26,7% da superfície do município. Em 2006, dos 6.030 habitan-
tes, cerca da metade, 1.016 famílias, pertenciam aos assentamentos do MST.11
Nos municípios vizinhos a situação é muito diferente. Os assentamentos são
quase contíguos, como denunciava o diretor da Ana Paula, formando quase
uma mancha rural em um território disputado ao latifúndio.
A dinâmica que esse movimento foi adquirindo para o sul foi a resposta
do Incra e do governo estadual à forte pressão do MST no norte, que pro-
vocou um deslocamento de assentamentos, já que não era possível manter
a compra de terras e ainda faltavam assentar as famílias da fazenda Anoni,
ocupada há duas décadas, quando se instalaram os primeiros sem-terra
na Campanha Gaúcha.
Muitos proprietários endividados na década de 1990 concordaram em
vender suas terras para o Estado, e com esses recursos foram adquiridos ou-
tras terras na zona central do Rio Grande do Sul e no Uruguai, onde o pre-
ço era sensivelmente menor. “A hegemonia do espaço latifundiário regional
começou a ser questionada na medida em que ocorreram as primeiras ocu-
pações de terra nas proximidades do município de Bagé”.12 O conflito sobre
a ocupação de Ana Paula, com a qual o MST pressionava para acelerar as
visitas e os estudos dos grandes latifúndios para incluir na reforma agrária,
foi o principal foco da luta pela terra no Rio Grande do Sul.
Em torno da fazenda Ana Paula se registrou a maior batalha jurídica
e política entre o MST e o sindicato rural Farsul, que começou a mobili-
zar-se, formando barreiras com caminhões e tratores cada vez que o MST
ocupava uma fazenda, com equipamento de som e propaganda, tentan-
do configurar o Movimento Vistoria Zero, para impedir a ação do Incra.13

11
Flamarion Dutra Alves, “As faces do desenvolvimento rural no Sul Gaúcho: produção
agroecológica familiar e monoculturas empresariais”, Agrária, n. 7, São Paulo, Laborató-
rio de Geografia Agrária, Universidade de São Paulo, jul.-dez. de 2007, p. 43.
12
Marcelo Cervo Chelotti, “Novos territórios da reforma agrária na Campanha Gaúcha”,
op. cit., p. 212.
13
Ibid., p. 216.

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252 brasil potência

Neste contexto de intensas disputas sociais pela terra, o empresário Corrêa


decidiu atravessar a fronteira.
No início de 2003, menos de um ano após a ocupação de Ana Paula, a
cooperativa PUL, na cidade de Cerro Largo, a 40 quilômetros da fronteira,
decidiu por 179 votos, em 180, a privatização de 75% da empresa Corrêa,
com 7 milhões de dólares, criando uma sociedade anônima.14 Com 600
trabalhadores, a PUL era em 2002 o maior exportador entre os frigoríficos
do Uruguai. Os 100 mil hectares comprados entre 2002 e 2003 proporcio-
naram retornos lucrativos: entre esses anos e 2009, o preço médio da terra
no Uruguai aumentou seis vezes, passando de 500 para 3 mil dólares por
hectare, em média.15
A compra de Corrêa provocou uma corrida entre grandes empresas bra-
sileiras, que aproveitaram a crise de 2002 para abocanhar uma grande fatia
da indústria de carne do Uruguai: o grupo Bertin comprou o frigorífico Ca-
nelones, a Marfrig comprou os frigoríficos Tacuarembó, San José, Colonia
e La Caballada, em Salto, no contexto de várias compras na Argentina e no
Chile. Em 2007, somente a Marfrig controlava 30% do abate e das exporta-
ções de carne do Uruguai, sendo que os invetidores brasileiros controlavam
43% das exportações de carne, o primeiro item do comércio do país.16
A Petrobras adquiriu, em 2004, 51% das ações da Gaseba (Gaz de Fran-
ce), e ao comprar as 89 estações da Shell, em dezembro de 2005, domi-
na 22% do mercado de combustíveis. A empresa gaúcha Camil controla
a metade da colheita e as exportações de arroz; a multinacional Ambev
monopoliza 98% da cadeia de cervejaria desde a produção do malte até
a produção e comercialização de cervejas uruguaias.17 Das dez maiores
empresas exportadores do Uruguai, cinco são brasileiras, uma de arroz e
quatro de carne; uma é finlandesa; uma americana; uma da Argentina e
apenas duas do Uruguai. Este processo de extrangeirização e concentração

14
“Fuerte empresario brasileño capitalizó al frigorífico PUL”, El País, Montevideo, 13 de
abril de 2003, em: <http://www.elpais.com.uy/03/04/12/pecono_37061.asp>. (Consulta
14/09/2011.)
15
Diego Piñeiro, “Dinámicas en el mercado de tierras en América Latina. El caso de Uru-
guay”, Santiago, FAO, setembro de 2010, mimeo.
16
“Carne uruguaya: a melhor do mundo”, El País, 26 de setembro de 2007, em: <http://www.
elpais.com.uy/Suple/Agropecuario/07/09/26/agrope_304912.asp>. (Consulta 14/09/2011.)
17
“La creciente extranjerización de la economía uruguaya”, Brecha, separata, 28 de no-
vembro de 2008; “Uruguai teme a invasão de brasileiros”, Valor, 25 de julho de 2011.

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As relações com os países periféricos 253

de terra, de indústrias frigoríficas, arroz e cerveja, e a de exportações, co-


loca o Uruguai em uma posição muito vulnerável frente ao Brasil. Embora
não tenha ocorrido conflitos com empresas brasileiras, as autoridades uru-
guaias estão preocupados com o controle monopolista que pode permitir
fixar preços que prejudiquem os produtores uruguaios.
A expansão do capital brasileiro na região é tão poderosa que está rede-
senhando a propriedade das grandes empresas e da terra em boa parte dos
países sul-americanos. Seus métodos são muito diferentes: em países como
o Uruguai se manifesta o controle da agroindústria e de uma parte da terra;
no Paraguai passa pela compra massiva de terras para o cultivo de soja e
controle de energia hidrelétrica; na Bolívia monopoliza os hidrocarbonetos e
tem o controle da produção agropecuária em Santa Cruz. Na Argentina, por
exemplo, são investimentos na indústria e no petróleo, e, em todos os países,
é responsável por grandes obras de infraestrutura, onde seus negócios são
tão prósperos que não têm qualquer possibilidade de concorrência na região.
Até agora vimos a projeção externa do Brasil a partir de um olhar, diga-
mos, brasileiro. Agora vamos abordar o mesmo processo a partir de uma
perspectiva centrada nos países que recebem investimentos brasileiros ou
megaprojetos realizados por suas construtoras.

Paraguai, o vizinho mais frágil

Em 17 de outubro de 2008, 10 mil soldados brasileiros começaram exercí-


cios na Fronteira Sul II, na fronteira com o Paraguai, usando aviões, tan-
ques, navios e munições. A imprensa de Assunção informou que as mano-
bras militares e exercícios incluíram a ocupação da barragem de Itaipu e
o resgate de cidadãos brasileiros. O presidente Fernando Lugo se queixou
dias depois diante da Assembleia Permanente da OEA, afirmando que o
Brasil realizou a operação como forma de pressão para as negociações de
Itaipu, na qual o Paraguai pretende revisar o acordo entre os dois países:
“Nenhum tratado é sustentável quando consagra a desigualdade, nem é eti-
camente valioso ao gerar assimetrias resultantes de um esforço conjunto”.18
Outros meios de comunicação da região afirmaram a tese que a operação

18
“Lugo se quejó de Brasil en la OEA”, La Nación, Asunción, 29 de outubro de 2008.

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foi uma reação à decisão de Lugo de proibir a venda de terras aos brasilei-
ros, conhecido como brasiguaios.19
Os fatos confirmaram que realmente se tratava de uma dupla pressão.
Declarações do general José Elito Carvalho Siqueira, chefe do Comando
Militar Sul, não deixaram dúvidas: “Já passou a fase em que nós tínhamos
que esconder as coisas. Hoje, temos de mostrar que somos uma potência, e
é importante que os nossos vizinhos saibam. Não podemos deixar de exer-
citar e mostrar que somos fortes, que estamos presentes e somos capazes
de enfrentar qualquer ameaça”.20 O general disse que a barragem de Itaipu,
que abastece a indústria de São Paulo, deve ser defendida de várias ameaças,
incluindo uma eventual ação de “movimentos sociais”, em clara referência
ao movimento camponês paraguaio. Por sua vez, Kaiser Konrad, editor da
página brasileira Defesanet, especializada em questões militares, disse que
a “Operação Fronteira Sul II quer passar uma mensagem ao governo Lugo,
de que os militares brasileiros estão atentos à situação enfrentada pelos
brasiguaios, que estão sofrendo com as invasões de terras, a perseguição
e as ameaças de perder suas propriedades legalmente adquiridas”.21 No
mesmo dia, o ministro Celso Amorim, que acompanhou a operação perto
da fronteira com o general Carvalho Siqueira, pediu ao governo paraguaio,
sem rodeios, que “controle os excessos” contra os brasiguaios.22
Lugo venceu as eleições em 20 de abril e se tornou presidente em 15 de
agosto de 2008. Pela primeira vez na história do país um esquerdista tor-
nou-se presidente, ao derrotar o poderoso Partido Colorado, que governou
por 60 anos. Assim como Lula construiu sua reputação como trabalhador
e sindicalista, Lugo o fez como um bispo que apoiava os camponeses em
luta pela reforma agrária. Durante a campanha eleitoral prometeu recu-
perar a soberania energética e dar terra aos camponeses. O clima de eu-
foria popular com que chegou à presidência impulsionou uma onda de
ocupações de terra, especialmente nos departamentos fronteiriços de Ita-
púa, Alto Paraná, San Pedro, Concepción, Amambay e Canindeyú. Estes
ricos campos atapetados de soja foram redutos da agricultura familiar e

19
“Tensión por los brasiguayos”, Página 12, Buenos Aires, 25 de outubro de 2008.
20
“Un general brasileño dice que invadirá Itaipú si Lula lo ordena”, Última Hora, Asunci-
ón, 18 de outubro de 2008.
21
Ibid.
22
“Tensión por los brasiguayos”, Página 12, op. cit.

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As relações com os países periféricos 255

da potente tradição camponesa paraguaia, que nutriu a candidatura bem


sucedida de Lugo. Mas estas terras são agora propriedade dos brasileiros.
O brasiguaio mais famoso se chama Tranquilo Favero, o maior produ-
tor individual de soja do Paraguai, com pelo menos 40 mil hectares, 40 mil
cabeças de gado, 1.500 trabalhadores e terras em 13 dos 17 departamentos
do país.23 Favero nasceu no Paraná e se instalou no Paraguai, em 1968,
durante a ditadura, em um momento em que a terra valia dez vezes menos
do que em seu país natal. A maior parte de suas terras está nos departa-
mentos que fazem fronteira com o Brasil, e foram ocupadas por diversas
vezes pelos movimentos camponeses. Em outubro de 2008, cinco semanas
após Lugo tomar posse, cerca de quatro mil camponeses se mobilizaram
na frente de uma das propriedades de Tranquilo Favero, derrubaram as
cercas e ameaçaram queimar um de seus 30 silos.24
A presença de agricultores brasileiros no Paraguai começou na década de
1960. Os números sobre a presença brasileira são muito variados e contradi-
tórios, pois não existem dados conclusivos. Com base no Censo Agropecuá-
rio de 2008, o pesquisador Marcos Glauser realizou um trabalho completo
que permite concluir que cerca de cinco milhões de hectares estão nas mãos
de brasileiros.25 Em relação à população, o Censo de 2002 registrou que há
326 mil pessoas que falam Português, o que pode ser um indicador do nú-
mero de brasileiros que vivem no Paraguai.26 Por outro lado, diversos estu-
dos afirmam que os brasiguaios são responsáveis por 90% da soja paraguaia,
quarto maior exportador do mundo, com 2.800.000 hectares cultivados, e
asseguram que eles possuem 55% da terra cultivável no país.27
Como grande parte dos investigadores paraguaios, Glauser diz que a
dinâmica da colonização brasileira se deu nos marcos do Tratado de Itai-
pu, assinado pelos ditadores Stroessner e Garrastazu Médici, em 1973, e
do Tratado de Cooperação de 1975, que “respaldaram os investimentos
brasileiros no Paraguai e significaram o controle de diversos setores como
a agricultura comercial, o gado, bancos, casas de cambio, serrarias etc.”.28 A

23
“No Paraguai, o rei da soja é brasileiro”, em IG, 23 de março de 2011, em: <http://econo-
mia.ig.com.br/no+paraguai+o+rei+da+soja+e+brasileiro/n1238185176716.html>. (Con-
sulta 14/09/2011.)
24
“Dominios de brasiguayos”, Página 12, Buenos Aires, 22 de novembro de 2008.
25
Marcos Glauser, Extranjerización del territorio paraguayo, Asunción, Base-IS, 2009.
26
“Cerca del Brasil, lejos de Dios”, E´A, n. 14, Asunción, jan.-fev. de 2010, p. 9-16.
27
Ibid., p. 15.
28
Marcos Glauser, Extranjerización del territorio paraguayo, op. cit., p. 30.

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256 brasil potência

chegada de colonos brasileiros, que começou em 1960, com a mecanização


da agricultura no Brasil, aumentou de forma acentuada entre 1970 e 1985.
Em sua maior parte eram médios produtores, com cerca de 500 hectares,
que traziam peões do Brasil. Ao final de 1990, os maiores colonos assenta-
dos do Paraguai começaram a se conformar como grandes proprietários,
em detrimento da população paraguaia.29

Mapa 7. Áreas ocupadas por brasileiros no Paraguai

Fonte: Periódico E´A, n. 14, janeiro de 2010.

29
Ibid., p. 31.

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As relações com os países periféricos 257

A ditadura fez concessão de forma irregular de 12 milhões de hectares,


metade da terra arável do país, que muitas vezes acabou nas mãos de estran-
geiros. Glauser estipula que 32,7% são “terras ilícitas”.30 Mas esse processo
continuou na democracia, já que entre 1989 e 2003 foram concedidos cerca
de um milhão de hectares de forma irregular. Nos departamentos fronteiri-
ços com o Brasil, Alto Paraná, Canindeyú e Amambay, uma parte significa-
tiva do território é dominada por brasileiros, que também têm feito progres-
sos em Concepción, no centro, comprando milhares de hectares para o cul-
tibo de soja. Só nos departamentos de Canindeyú e Alto Paraná, que fazem
fronteira com Paraná e Mato Grosso, os brasiguaios têm 40% da área e 80%
da safra de soja, embora Glauser estime que apenas metade das propriedades
estejam registradas, sendo que os números podem ser ainda maiores. Em
algumas áreas, escuta-se falar português e a moeda mais comum é o real.
Por sua vez, no Alto Paraguai, ao norte, os fazendeiros brasileiros com-
praram muita terra para a criação de gado, “que alimenta diretamente o
processamento de carne do Estado do Mato Grosso do Sul” por meio de
uma fronteira seca, que facilita o contrabando.31
Os brasileiros possuem 13% da área do Paraguai e pouco mais de 20%
da terra arável. Mas são deles a melhor terra agrícola e pecuária. Um bom
exemplo é a produção de soja, o principal produto de exportação. O Pa-
raguai se tornou o quarto maior exportador de soja do mundo. A safra
2011/2012 chegou a 9 milhões de toneladas, crescendo a uma taxa de 20%
anual.32 O que pode dar uma ideia do poder econômico dos fazendeiros
brasileiros no Paraguai.
Mas o fato de que se tenha instalado na fronteira tem grande impacto
social e econômico. Em alguns distritos fronteiriços, como Nueva Espe-
ranza e Katueté, em Canindeyú, 58 e 83% dos proprietários são brasileiros,
respectivamente.33 Isto facilita o contrabando e o controle da segurança
das fronteiras, que é estratégica para a soberania de um país. Esse processo
de ocupação territorial dilui as fronteiras a favor do país e do Estado mais

30
Ibid., p. 32.
31
“Cerca del Brasil, lejos de Dios”, E´A, op. cit., p. 13.
32
“Soja em franca expansão no Paraguai”, Valor, 16 de setembro de 2011, em: <http://
www.valor.com.br/empresas/1008846/soja-em-franca-expansao-no-paraguai>. (Consul-
ta 02/01/2012.)
33
Marcos Glauser, Extranjerización del territorio paraguayo, op. cit., p. 162.

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258 brasil potência

poderoso e enfraquece ainda mais o país que tem cada vez menos instru-
mentos e capacidades para defender e controlar sua riqueza.
Essa assimetria é muito visível na questão energética. A represa binacio-
nal de Itaipu tem uma capacidade instalada de 14 mil MW, dos quais a meta-
de correponde ao Paraguai, como estabelecido pelo Tratado de Itaipu. O país
consome apenas 5% da energia produzida pela barragem e deve exportar
95% para o Brasil a preço de custo. Segundo o tratado, o Paraguai recebe
cerca de 120 milhões de dólares por ano com a venda de energia, bem abaixo
do preço internacional e do custo de reposição, segundo estimativa do enge-
nheiro paraguaio Ricardo Canese, que dedicou uma vasta obra à questão.34
A construção de Itaipu foi negativa por varias razões para o Paraguai:

- Não necessitava dessa energia. Ainda hoje consome apenas 16% da capa-
cidade instalada de Itaipu e Yacyretá (a outra binacional, só que da Argen-
tina). São seus vizinhos que realmente precisavam da energia, particular-
mente o Brasil, que ainda depende de energia elétrica de Itaipu.

- O Paraguai se endividou. O custo inicial da barragem foi de 2 bilhões de


dólares, mas acabou sendo 20 bilhões, dez vezes mais, por superfatura-
mento de empresas brasileiras, corrupção e a usura imposta pela Eletro-
bras, que cobra juros três vezes superiores à taxa Libor, principal referência
internacional.35 Em 2008, a dívida do Paraguai chegou a 20 bilhões, de-
pois de pagar 32 bilhões dólares. Até 2023, os pagamentos programados
são de 65 bilhões, ou seja, 32 vezes o custo inicial estimado.
- O Paraguai não pode dispor livremente de sua energia, sendo obrigado a
vender ao Brasil toda a energia que não consome.

- O Paraguai recebe um preço muito inferior ao de mercado pela energia


que vende ao Brasil. O especialista Ricardo Canese estima que o país deixa
entre 3 e 4 bilhões de doláres anuais de ingressos, calculando o preço do
barril a 60 dólares, por subsidiar a energia para o Brasil e, em menor medi-
da, para a Argentina (porque Yacyretá tem uma capacidade instalada de 3.100

34
Ricardo Canese, La recuperación de la soberanía hidroeléctrica del Paraguay. Assunção:
Editorial El Ombligo del Mundo, 2007. p. 80 e ss.
35
Pablo Herrero Galisto, “Deudas binacionales: el mismo camino de dominación y sa-
queo”, Assunção, Jubileu Sul/Américas, julho de 2008.

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As relações com os países periféricos 259

MW, 22% de Itaipu). O Paraguai deixa de ter um ingresso que representa


aproximadamente 25% do seu PIB.

Lugo assumiu o governo com a vontade expressa de renegociar o Tra-


tado de Itaipu. Não queria ir tão longe como as estimativas de Canese, sus-
tentando que o Paraguai deveria receber 2 bilhões de dólares anualmente.
As negociações foram longas e complexas, e Lugo não poderia obter a re-
visão do Tratado de Itaipu. Em 25 de julho de 2009, firmou com Lula um
aumentou das compensações que o Paraguai recebe do Brasil, de 120 a 360
milhões de dólares, que vigora a partir de 14 de maio de 2011.36

Bolívia, gás e soja

A revolta popular contra o aumento dos preços dos combustíveis, o gasolina-


zo, imposta pelo Decreto 748, no domingo 26 de dezembro de 2010, expôs os
limites da “nacionalização” dos hidrocarbonetos decidida por Evo Morales
em 1 de maio 2006. Seis anos depois de se tornar o primeiro presidente indí-
gena da história da Bolívia, e quase cinco anos da “nacionalização”, a popu-
lação se perguntava nas ruas das principais cidades as razões pelas quais foi
imposto o aumento de 72% no preço da gasolina e de 82% do diesel.
O gasolinazo foi um duro golpe para a economia dos setores populares
e particularmente para os mais pobres, que apoiavam o governo Morales.
Apesar das férias natalinas, começaram imediatamente as manifestações e
ações nos bastiões principais do “evismo”. Nos centros de mineração, onde
o apoio ao governo é enorme e sólido, havia grandes concentrações. Em El
Alto, onde o MAS ganhou 81% dos votos, a multidão atacou as sedes das
organizações que se pronunciaram a favor do Decreto 748, incluindo a Fe-
deración de Juntas Vecinales de El Alto (Fejuve), que protagonizou o levan-
tamento de 2003 contra Gonzalo Sánchez de Lozada, e a Central Obrera
Regional. Eles também atacaram a prefeitura e vários escritórios de grupos
relacionados ao MAS.37

36
“Notas Reversales entraron en vigencia a partir del 14 de mayo”, 16 de maio de 2011, em:
<http://www.itaipu.gov.br/es/sala-de-prensa/noticia/notas-reversales-entraron-en-vigen-
cia-partir-del-14-de-mayo>. (Consulta 17/09/2011.)
37
“Bolivia después de la tormenta”, Raúl Zibechi em Programa das Américas, 3 de feve-
reiro de 2011.

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260 brasil potência

Além disso, as cabines de pedágio em El Alto-La Paz foram incendia-


das, queimaram uma bandeira da Venezuela e retratos de Evo. Em La Paz,
houve uma enorme manifestação de 30 mil pessoas e ataques a policiais
que tentaram impedir a entrada da multidão na Plaza Murillo, a sede do
governo. No dia 31 de dezembro, Evo assistiu na região do Chapare a uma
assembleia dos cocaleiros em busca de apoio, onde pediram para revogar
o aumento dos preços dos combustíveis. Quando havia menos de duas ho-
ras para o fim do ano, em um discurso à nação, o predidente revogou o
Decreto 748.
O aumento brutal dos preços dos combustíveis abriu um amplo debate
sobre as consequências das nacionalizações de 2006 e o verdadeiro estado
atual do setor de hidrocarbonetos, a principal riqueza do país. O governo
disse que a economia perde 380 milhões dólares anualmente por subsídios,
dos quais 150 milhões seriam produto do contrabando. O ex-ministro de
hidrocarbonetos durante os primeiros anos do governo de Evo, Andres
Soliz Rada, um defensor da estatização, disse que o “gasolinazo gerou a sen-
sação de que as companhias de petróleo recuperaram o controle do país”, o
que neutraliza e reverte a nacionalização dos hidrocarbonetos.38
Por sua vez, o antigo vice-ministro de Terras, Alejandro Almaraz, ex-
plicou que a estatal YPFB concordou em pagar às empresas de petróleo o
equivalente a um bilhão e meio de dolares por retorno de investimento,
embora ainda de posse e usufruto destes investimentos, e denunciou: “Os
700 milhões de dólares nós presenteamos anualmente ao Brasil em líqui-
dos associado ao gás que vendemos, na falta da famosa e largamente anun-
ciada planta separadora que custa somente por volta de 150 milhões de
dólares”.39 Agregou que a maior parte dos blocos de petróleo das reservas
disponíveis foram reservados para as mesmas transnacionais, “que já tive-
ram em seu poder mais de 80% das nossas reservas restantes de hidrocar-
bonetos”.40 Ou seja, Petrobras, Repsol e Total são as principais beneficiados
com o aumento dos preços domésticos, exigência para reinvestir em novos
poços de exploração.

38
Andrés Soliz Rada, “Evo, ¿fin de ciclo?”, Bolpress, 15 de janeiro de 2011, em: <http://www.
bolpress.com/art.php?Cod=2011011506>. (Consulta 19/09/2011.)
39
Alejandro Almaraz, “Siete preguntas sobre hidrocarburos, carreteras y otros”, Página
Siete, La Paz, 11 de janeiro de 2011.
40
Ibid.

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As relações com os países periféricos 261

O debate sobre a realidade do gás e do petróleo continua. O que parece


fora de dúvida é que os interesses do Brasil na Bolívia continuam a crescer
de duas maneiras: mediante o crescimento constante da Petrobras e da
produção de soja que é feita pelos agricultores brasileiros instalados no
departamento de Santa Cruz.
Um informe do jornal Folha de São Paulo afirmou que em 2005, ano em
que Evo tomou posse, o Brasil controlava cerca de 18% do PIB da Bolívia.41
O relatório afirma ainda que os fazendeiros brasileiros, cerca de 200 famí-
lias, controlavam 35% da produção de soja e que o Banco do Brasil obteve
700 milhões dólares de lucro em 2004, a maior cifra na região.
Nas duas áreas em que o Brasil tem uma presença forte, gás e soja, o
controle do gigante vizinho se aprofundou sob o governo do MAS. A
produção de soja para 2010, segundo a Fundación Tierra, estimava que
os brasileiros passariam a controlar 40% da produção. Um crescimento
comparado aos índices de 35%, em 2005, e 29%, em 1995.42 Isso indica
que sob o governo de Morales continuou a crescer de forma constante. No
entanto, não só aumentou a porcentagem, mas houve uma enorme expan-
são da fronteira agrícola, que passou de 1.252.956 hectares, em 1990, para
2.960.054 hectares, em 2009, com um crescimento fenomenal da área dedi-
cada à oleaginosa industrial, que aumentou quase cinco vezes.43
De acordo com o mesmo estudo, em Santa Cruz, departamento de
fronteira com o Brasil, soja e outras oleaginosas giram em torno de um
milhão de hectares, dos quais 40% são detidos por fazendeiros brasi-
leiros, aos quais devem ser acrescentadas as áreas dedicadas ao gado. A
quantidade total nas mãos de brasileiros ronda os 700 mil hectares das
melhores terras.
Para os hidrocarbonetos a situação é muito semelhante, embora o
controle da Petrobras seja muito mais elevado. O gás é o principal pro-
duto de exportação da Bolívia, seguido por minérios e soja. O Ministério
do Petróleo disse que a Petrobras chegou em 2010 com uma participação

41
“Império brasileiro emerge na Bolívia”, Folha de São Paulo, 22 de maio de 2005, p. A18.
42
“40% de la soya estaría en manos brasileñas”, La Razón, Santa Cruz, 15 de novembro de
2010, em: <http://www.la-razon.com/version.php?ArticleId=121085&EditionId=2346>.
(Consulta 18/09/2011.)
43
Marco Gandarillas, “La extranjerización del territrorio”, em Petropress, n. 25, Cocha-
bamba, Cedib, junho 2011, p. 11.

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262 brasil potência

no setor de quase 60% (em 2005 era 51%).44 Somando as operações da


Petrobras Energía e da Petrobras Bolívia, atingem 63,8% da produção de
gás e 55,8% da de petróleo.45 Isto sugere que o controle brasileiro do PIB
da Bolívia deve ter crescido além dos 18% que ostentava em 2005. E se-
guirá crescendo com as construções de hidroelétricas e as obras da Iirsa
em andamento.
Chama a atenção que as companhias estrangeiras controlem 80% da
produção de gás e uma porcentagem similar de petróleo, apesar da “nacio-
nalização”. Isto merece uma breve explicação. O Decreto Supremo 28.701,
de 1 de maio de 2006, que decidiu a terceira nacionalização dos hidrocar-
bonetos na Bolívia (as anteriores foram em 1937 e 1969), afirma que não se
trata da expropriação de nenhuma empresa estrangeira, mas sim de novos
contratos, que invertem a porcentagem que corresponde ao Estado 82%
entre royalties e impostos e 18% para as empresas. O decreto prevê que a
YPFB definirá condições, volumes e preços para o mercado interno e para
a exportação e industrialização e controle, com o mínimo de 50% mais
um das ações das empresas Chaco, Andina, Transredes, Petrobras Bolivia
Refinación e Compañia Logística de Hidrocarburos da Bolívia.46
Nenhuma empresa estrangeira processou o Estado, e todas firmaram
novos contratos. De acordo com Soliz Rada, a nacionalização devia ser
gradual, porque não poderia prosseguir com “a expulsão das empresas, se
não iria parar a produção e desabastecer o mercado interno, como a YPFB
carecia da possibilidade de substituí-las imediatamente”.47 O governo de-
cidiu realizar auditorias independentes das empresas estrangeiras, e en-
controu fortes diferenças entre o que declaravam e a realidade, mas nunca
agiu sobre elas, e, portanto, o Estado se recusou a colocá-las em juízo. Pior
ainda, segundo Soliz Rada, o governo começou as negociações de contra-
tos com a Petrobras sem o conhecimento do ministro, o que precipitou a
sua demissão em setembro de 2006.

44
“Gobierno revela reservas probadas de condensado”, Observatório Boliviano de Indus-
trias Extrativistas, 11 de setembro de 2011, em: <http://plataformaenergetica.org/obie/
content/13685>. (Consulta 19/09/2011.)
45
Pablo Villegas, “La industrialización del gas y la refundación de YPFB en 5 meses”, em
Petropress, n. 24, Cochabamba, Cedib, fevereiro de 2011, p. 36.
46
Gaceta Oficial de Bolivia, La Paz, 1 de maio de 2006.
47
Andrés Soliz Rada, “¿Hubo nacionalización?”, Bolpress, 10 de janeiro de 2011, em:
<http://www.bolpress.com/art.php?Cod=2011011005>. (Consulta 18/09/2011.)

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As relações com os países periféricos 263

Evo Morales e Álvaro Garcia acreditaram ser possível afirmar a nacionali-


zação submetendo-se à Petrobras. Grave erro. A única maneira de fazê-lo
era negociar a partir de uma posição de força que tínhamos em virtude
de uma dependência dramática do gigantesco complexo industrial de São
Paulo do gás boliviano, do que não poderia prescindir. A vantagem estra-
tégica foi perdida um ano depois, quando o Brasil alcançou a autossufici-
ência em gas.48

Cinco anos após a “nacionalização”, a Bolívia segue sem exportar o gás


com valor agregado, mas importa gás liquefeito (GLP), gasolina e diesel.
Mas a política boliviana a favor da Petrobras se reflete na assinatura do
quarto adendo do contrato para as exportações de gás para o Brasil, em
dezembro de 2009, que se compromete a vender gás úmido ou rico e não
seco. A diferença é que o gás úmido (9.400 quilocalorias por metro cúbico)
tem um maior poder calorífico do que a seco (kcal/m3 8900) e inclui os
gases nobres, tais como o butano, metano e o propano, que são utilizados
como matéria-prima para a indústria petroquímica. Agora, esses gases são
separados no Brasil, com ganhos de bilhões de dólares anuais.49 Ao entre-
gar esse gás mais rico até 2012, a Bolívia renuncia à construção de uma
usina em Puerto Suarez, como proposto.
A Petrobras é a principal beneficiada, pois do lado brasileiro e argenti-
no conta com indústrias que separam do gás boliviano gasolinas, o GLP
e e outros compostos, e acaba comprando GLP da Argentina.50 A petro-
leira brasileira prepara em Minas Gerais a construção da primeira fábri-
ca de ureia e amônia da América Latina com o gás boliviano por meio de
um ramo do gasoduto Gasbol, de 250 quilômetros, que vai levar o gás ao
“Triângulo Mineiro”, onde se encontram as maiores reservas de fosfato
do Brasil e maiores fábricas que mesclam fertilizantes. Lá começará a
funcionar em 2015 a fábrica de fertilizantes de nitrogênio, em Uberaba,
e também no Estado vizinho de Mato Grosso do Sul, no município de
Três Lagoas. Para este projeto de industrialização de gás é estimado um
investimento de cerca de 2,7 bilhões de dólares, o que permitirá que até

48
Ibid.
49
Jorge Márquez Ostria, “La industrialización de los hidrocarburos. ¿Realidad o ficción?”,
Petropress, n. 21, Cochabamba, Cedib, agosto 2010, p. 31
50
Pablo Villegas, “La industrialización del gas…”, op. cit., p. 38.

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264 brasil potência

2020 o Brasil seja autossuficiente, sem precisar de importações de ureia


e amônia.51
A cadeia de valor do gás natural para a produção de fertilizantes é as-
sombrosa. Uma tonelada de gás natural teria um preço de 200 milhões de
dólares no início de 2011, mas a indústria de petroquímica passa a ter um
preço de 700 milhões, e a conversão em plástico alcança os 3 bilhões de
dólares.52 Para a Bolívia ingressar nessa cadeia industrial seria o mesmo
que começar a reverter sua situação de dependência.

Mapa 8. Indústrias petroquímicas brasileiras processando gás boliviano

Fonte: <HidrocarburosBolivia.com.>.

51
HidrocarburosBolivia, 20 de setiembre de 2011, em: <http://www.hidrocarburosboli-
via.com/nuestro-contenido/noticias/45950-petrobras-adjudico-a-technip-y-haldor-top-
soe-la-ingenieria-basica-para-la-fabrica-de-fertilizantes-que-industrializara-gas-natu-
ral-boliviano-en-uberaba.html>. (Consulta 20/09/2011.)
52
Pablo Villegas, “La industrialización del gas…”, op. cit., p. 51.

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As relações com os países periféricos 265

Um editorial da revista Petropress conclui que “no setor de hidrocarbo-


netos quem manda é a Petrobras, por possuir uma reserva enorme. É uma
situação parecida a da era dos barões de estanho”.53 Analistas de diversas
tendências coincidem em que a presença da Petrobras na Bolívia não foi mo-
dificada pela “nacionalização”. Carlos Arze, da Cedla (Centro de Estudios
para el Desarrollo Laboral y Agrario), recorda que a empresa brasileira foi o
ator principal nas reformas neoliberais de 1996 no setor petroleiro boliviano
e que, além da compra de duas refinarias, não houve nenhuma mudança, no
sentido de que o Estado não recuperou sua capacidade de controlar o setor.54
Mirko Orgaz assegura que o Brasil paga 5,62 dólares por mil pés cúbicos,
preço que deveria duplicar, se incluirmos o valor calórico, e que “o Brasil co-
mercializa esse mesmo volume de gás por 23 dólares, um excelente negócio
para a Petrobras em detrimento da YPFB e do Estado boliviano”.55
Sem dúvida, o Brasil tem um excesso de poder na Bolívia. Já tinha antes
de Evo e o mantém, talvez o esteja aumentando em consequência do declí-
nio dos países desenvolvídos. A Petrobras ingressou na Bolivia em 1995, em
pleno período neoliberal, e se beneficia de concessões excepcionais de expor-
tação por parte do primeiro governo de Gonzalo Sánchez de Lozada (1993-
1997), como parte de uma aposta do Brasil para abastecer os estados do Sul
e Sudeste, entre eles nada menos que a indústria de São Paulo. Desde então
a Petrobras já investiu um bilhão e seiscentos milhões de dólares na Bolívia,
construiu o gasoduto que transporta gás para uma ampla região brasileira, a
obra de infraestrutura energética mais importante na América Latina, che-
gou a controlar os principais campos e refinarias, e foi responsável por cerca
de 20% do PIB boliviano e de 24% das receitas fiscais do Estado.56 Além disso,
o Brasil compra 68% do gás que é capaz de extrair a Bolívia.
Demasiado poder frente a um país pequeno e um Estado débil. A nacio-
nalização dos hidrocarbonetos se viu frente “a dependência técnica e finan-
ceira boliviana para desenvolver de maneira autônoma o setor”, enquanto o
Brasil tem um projeto a longo prazo para obter a energia amazônica.57

53
Petropress, n. 25, Cochabamba, Cedib, maio de 2011, p. 3.
54
Franz Chavez, “Brasil mantiene poderío en producción de gas boliviano”, IPS, 13 de ja-
neiro de 2011, em: <http://ipsnoticias.net/nota.asp?idnews=96978>. (Consulta 19/09/2011.)
55
Ibid.
56
Patricia Molina, “Petrobras en Bolivia: petróleo, gas y medio ambiente”, em Jean Pierre Le-
roy e Juliana Malerba (orgs.). Petrobras, ¿integración o explotación?. Rio de Janeiro: Fase, 2005.
57
Efraín León Hernández, Energía amazónica, op. cit., p. 156-157.

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266 brasil potência

Equador contra as empresas brasileiras

Com a expulsão da construtora Norberto Odebrecht pelo governo de Ra-


fael Correa em outubro de 2008, o Brasil sofreu seu maior revés na região,
ao que devem ser adicionados dois anos depois a retirada voluntária da
Petrobras, ao se recusar a assinar os novos acordos petrolíferos propostos
pelo Estado. O descalabro foi tão grande que os esforços realizados pelo
governo de Dilma Roussef para voltar a posicionar o país ainda não deram
resultados. A China está começando a ocupar o papel que foi deixado pe-
los Estados Unidos e o Brasil.
O caso da Odebrecht foi uma derrota pessoal para Lula, pelas relações
estreitas que mantém com o empresário e por se tratar de uma das princi-
pais multinacionais brasileiras. O principal foco para a expulsão da empre-
sa foram os problemas da represa São Francisco, de 230 MW de potência
instalada, que proveria 12% da eletricidade ao país, por graves falhas nas
turbinas e no túnel que forçou sua paralização apenas um ano depois de
instalada. Essa represa estava destinada a desempenhar um papel estraté-
gico no desenvolvimento do Equador. A breve história da Odebrecht no
Equador está recheada de irregularidades técnicas, jurídicas e financeiras.
Chegou em 1987, para a transferência de águas na península de Santa Hele-
na, para regular e controlar o enorme volume dos rios da Bacia de Guayas
até a sua saída para o mar. Até 2008, envolveu-se em quatro projetos: do rio
Baba, da hidroelétrica Tocachi-Pilatón, do sistema de irrigação Carrizal-
Chone e do aeroporto de Tena.
Graças ao relatório da Comisión para a Auditoría Integral del Crédito
Público (CAIC), composta por membros de organizações sociais e do go-
verno, lançado em novembro de 2008, foi possível conhecer os processos
de endividamento do país entre 1976 e 2006. O relatório final das 172 pági-
nas estabelece que em 1970 a dívida externa era de 240 milhões de dólares
e que em 2007 alcançou os 17,4 bilhões. O relatório assegura que a dívida
do país “tem sido uma ferramenta de saques dos recursos e de submissão
às políticas impostas por organismos multilaterais”.58
As obras de Santa Helena tiveram um custo total de um bilhão e meio
de dólares, 180% a mais que o valor inicial previsto.59 O processo de lici-

58
Eduardo Tamayo, “Las deudas se pagan, las estafas no”, Alai, 20 de novembro de 2008,
em: <www.alainet.org/active/27559>. (Consulta 25/09/2011.)
59
Natalia Landivar, “Os padrões de comportamento das “transbrasileiras” no Equador:
extraterritorializando a responsabilidade do Estado Brasileiro”, em Instituto Rosa Lu-
xemburg Stiftung, Empresas transnacionais brasileiras na América Latina, op. cit., p. 119.

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As relações com os países periféricos 267

tação foi irregular, mas o que o CAIC detectou foi que, além dos três con-
tratos iniciais financiados pelo Banco do Brasil, firmaram-se 13 contratos
adicionais em 15 anos. Os novos contratos modificaram os iniciais, preju-
dicando o Equador, com obras sem qualquer utilidade e danos adicionais
por obras mal executadas.
A represa de São Francisco foi financiada pelo BNDES com um emprés-
timo de 243 milhões de dólares em março de 2000. O contrato foi firmado
entre Odebrecht e Hidropastaza com a modalidade “mão na chave” (tur-
nkey), que permite à empresa construtora realizar mudanças sem aprova-
ção do Estado. Nos anos seguintes alterações foram feitas em 10 adendos
ilegais que “blindaram juridicamente o consórcio construtor de qualquer
responsabilidade pos danos futuros”, e que elevaram os custos da represa
a 357 milhões de dólares, mas o prejuízo total para o Estado por obras não
realizadas superou os 123 milhões.60
A Odebrecht instalou turbinas diferentes das previstas que deixaram
de funcionar por sedimentos transportados pela água e deslizamentos de
terra no túnel de 11 quilômetros que leva as águas do rio Pastaza, já que
não teve revestimentos adequados.61 A represa começou a funcionar com
253 problemas identificados a poucos dias de sua inauguração. A verdade é
que ela não funciona, mas o Estado deverá pagar até o ano de 2018 a dívida
contraída com o BNDES, que eleva o custo total, acrescido dos juros, a 600
milhões de dólares.62
A dívida é uma questão à parte. Os empréstimos do BNDES estão “con-
dicionados a utilização de bens de serviços de origem brasileira e que a
transferência dos fundos de crédito sejam realizados diretamente para a
empresa construtora”.63 Ou seja, o Estado equatoriano nunca teve acesso
a um empréstimo que está obrigado a pagar, por uma obra que não lhe
serve. Não é estranho, então, que o governo de Correa decidiu expulsar
a Odebrecht em 23 de setembro de 2008 e por termo aos quatros projetos
em andamento, por cerca de 670 milhões de dólares, que passaram a ser
finalizados pelo Estado e por empresas privadas.

60
Christian Zurita, “Norberto Odebrecht: monumento a la vergüenza”, em Villavicencio,
Fernando et al., El discreto encanto de la revolucón ciudadana, Quito, 2010, p. 239.
61
Ibid., p. 244
62
Ibid., p. 231.
63
Natalia Landivar, “Os padrões de comportamento das “transbrasileiras” no Equador”,
op. cit., p. 122.

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268 brasil potência

O governo brasileiro, a partir do presidente Lula e do ministro das


Relações Exteriores Celso Amorim, defendeu a Odebrecht, e tentou mi-
nimizar os problemas. Uma semana depois da expulsão, realizou-se em
Manaus a II Conferência Bilateral sobre assuntos energéticos entre Brasil e
Venezuela. O presidente Chávez se destacou na defesa da Odebrecht, “esta
empresa amiga da Venezuela”, que, segundo ele, havia adiantado dinheiro
ao seu governo quando se encontrava em dificuldades.64 A expectativa de
Lula era baixar os decibéis, abrir um período de negociações e superar as
crises para encarar um enorme projeto muito mais importante como o
eixo da IIRSA Manta-Manaus-Belém, que unirá o Pacífico ao Atlântico
pelo rio Amazonas, uma hidrovia de quase 3 mil quilômetros. Trata-se de
uma obra que tem um custo inicial de um bilhão e oitocentos milhões de
dólares, para cuja execução a Odebrecht era uma séria candidata.65 Mas
Correa não recuou.
Para quem se pergunta porque Lula se empenha em defender a Ode-
brecht, é bom saber que por muitos anos a empresa figura como uma das
principais doadoras das campanhas eleitorais do PT. Um estudo de dois
cientistas políticos da Universidade da Califórnia estima que, nos 33 meses
seguintes às eleições, as empresas receberam contratos que multiplicaram
por 8,5 vezes as doações realizadas.66
A Petrobras teve inúmeros problemas, e finalmente se retirou do país.
Chegou ao Equador em 2002, ao comprar a empresa argentina Pérez Com-
panc, que operava os blocos de petróleo 18 e 31. Foi uma aquisição ilegal,
sem ter passado por nenhuma licitação pública, marcada de corrupção,
como se depreende do informe da Comissão Especial do ano de 2007, cria-
da pelo ministro Alberto Acosta no governo de Rafael Correa.67 O bloco 18

64
Christian Zurita, “Norberto Odebrecht: monumento a la vergüenza”, op. cit., p. 229.
65
Ibid., p. 230
66
“Empreiteiras recebem R$ 8,5 por cada real doado a campanha de políticos”, O Globo, 7
de maio de 2011, em: <http://oglobo.globo.com/economia/empreiteiras-recebem-85-por-
cada-realdoado-campanha-de-politicos-2773154>. (Consulta 02/01/2012.)
67
Napoleón Saltos, Fernando Villavicencio y Comisión Especial Caso Petrobras, Ecuador:
peaje global. ¿De la hegemonía de USA a la hegemonía de Brasil?, Quito, PH Ediciones,
2007, p. 43. Para la historia de Petrobras en Ecuador además: Natalia Landivar y Enéas da
Rosa, “Obligaciones extraterritoriales del Estado Brasileño: una breve mirada a las activi-
dades de Petrobras en Ecuador”, em Jean Pierre Leroy y Julianna Malerba, Petrobras: ¿in-
tegración o explotación?, op. cit., p. 49-54; Alexandra Almeida, “A Petrobras no Equador”,
em Instituto Rosa Luxemburg Stiftung, Empresas transnacionais brasileiras na América

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As relações com os países periféricos 269

havia passado a Pérez Companc de modo irregular pela empresa Cayman


-Petromanabí, que sequer foi registrada na Direção Nacional de Hidrocar-
bonetos, e, uma vez que foi concedido em 1995, registrou uma larga lista de
irregularidades antes da sua aquisição pela Petrobras. O desempenho mais
grave foi a do Campo Palo Azul como parte do bloco 18, que tem reservas
de petróleo 20 vezes maiores, o que se fez com a entrega ilegal de informa-
ções privilegiadas da Petroecuador para as empresas privadas.
O relatório oficial afirma que o bloco 18 contava com reservas prova-
das de 2 milhões de barris, uma produção de 170 barris diários (ou seja,
nada), enquanto o bloco Palo Azul teria reservas prováveis de 100 milhões
de barris e uma produção diária de 40 mil barris. Por sua vez, a comissão
constatou que a Petrobras incorreu em uma transferência ilegal de obriga-
ções e solicitou ao Ministério de Petróleo o início do processo de expiração
do contrato do bloco 18 e a reversão do Campo Azul ao Estado. Em 2005,
a Petrobras transferiu 40% de participações do bloco 18 e o Campo Azul à
empresa japonesa Teikoku Oil sem autorização e sem ter os direitos contra-
tuais. Apesar de todas as evidências, o governo do Equador decidiu firmar
um novo contrato com a empresa brasileira, como resultado do acordo bila-
teral firmado por Lula e Correa durante a campanha eleitoral de 2006.
Está provado, com base na correspondência interna do Ministério das
Relações Exteriores e do Ministério da Energia do Equador, que houve
pressões diretas do governo Lula em defesa dos interesses da Petrobras,
que foi difundida para a opinião pública graças à gestão de Alberto Acosta
na frente do ministério, uma situação excepcional pela discrição que ro-
deia este tipo de gestão.68 Em paralelo, alguns autores acusam a Petrobras
de aliar-se a “grupos mafiosos nacionais, como a família Isaías Dasum,
responsável pela quebra da Filanbanco e um prejuízo ao Estado superior a
1,4 bilhão de dólares”.69
Em 31 de outubro de 2008, a Petroecuador e a Petrobras, ou seja, os gover-
nos Lula e Correa, firmaram um novo contrato para o bloco 18 e Palo Azul,
prejudicando o Estado equatoriano, que deveria controlar os 100% das reser-

Latina, op. cit., p. 28-42.


68
Oficio de la canciller María Fernanda Espinosa del 23 de maio de 2007, em Napoleón
Saltos et al. Ecuador peaje global, op. cit., p. 49.
69
Fernando Villavicencio, “Correa, Petrobras y los Isaías”, em El discreto encanto de la
revolución ciudadana, op. cit., p. 184.

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270 brasil potência

vas e a produção desses campos.70 Existem também denúncias sobre viola-


ções ambientais e sociais da empresa em territórios indígenas e amazônicos.
Quanto ao bloco 31, o processo de transferência à Petrobras pela Pérez
Companc teve as mesmas irregularidades que o bloco 18, com a diferença
de que os 70% do bloco se encontram dentro do Parque Nacional Yasuní,
cuja defesa é uma das principais bandeiras dos movimentos equatorianos.
A iniciativa do ex-ministro e ex-presidente da Assembleia Constituinte, Al-
berto Acosta, de deixar o petróleo do campo ITT em terra, afeta também
o bloco 31, já que se encontra junto a esse campo e ambos têm as mesmas
características de compartilhar o mesmo parque nacional.
Em setembro de 2008, a Petrobras e o Estado equatoriano firmaram um
entendimento para finalizar por mútuo acordo o contrato pelo bloco 31 e
sua reversão ao Estado sem indenizações. No entanto, o presidente Correa
não informou que o acordo compromete a Petrocuador a transportar 70
mil barris diários de petróleo por meio de uma cota da Petrobras no Oleo-
duto de Crudos Pesado, privado, com uma tarifa de 1,51 dólares por barril,
quando o transporte custa 0,40 por barril por esse oleoduto. Desse modo,
com a tarifa de transportes o governo devolveu à Petrobras 243 milhões de
dólares por seus investimentos no bloco 31.71
Finalmente, a Petrobras decidiu deixar de operar no Equador, ao se re-
cusar a renegociar seus contratos de exploração de petróleo para ajustar
a um modelo único de prestação de serviços. O governo aprovou uma lei
que entrou em vigor em julho de 2010, ao verificar, no meio da subida dos
preços do óleo nos últimos anos, que alguns contratos não tinham uma
cláusula de ajuste, para que o Estado recebesse parte das receitas extra-
ordinárias. Trata-se da espanhola Repsol-YPF, a italiana Eni, a brasileira
Petrobras e a Andes Petroleum e Petro Oriental, cujos capitais pertencem
a empresas estatais, que em conjunto controlavam 44% dos quase 500 mil
barris diários que o país produz.
A Petrobras decidiu não assinar novos contratos, e, assim, deixa o país
quando produzia 19 mil barris diários, menos de 1% de sua produção total
no mundo. Em meados de 2011, estava negociando a venda ao Estado equa-
toriano de seus ativos, para o que exige 343 milhões, enquanto o Equador

70
Alexandra Almeida, “Petrobras no Equador”, op. cit., 32.
71
Ibid., p. 40; Fernando Villavicencio, “Correa, Petrobras y los Isaías”, op. cit., p. 187.

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As relações com os países periféricos 271

está disposto a pagar somente 168 milhões. Os ministros Antonio Patriota,


do Brasil, e Ricardo Patiño, do Equador, participaram das negociações.72
Aos poucos, o Estado vem recuperando sua participação na indústria
petroleira, à custa do declínio das privadas. No primeiro semestre de 2011,
as estatais Petroecuador e Petroamazonas controlavam 73% da extração
de óleo, enquanto as privadas haviam baixado para 27%.73
No entanto, não está dita a última palavra. O projeto Yasuní-ITT,
anunciado em 2007, ante a Assembleia-Geral das Nações Unidas, impli-
ca o compromisso para manter indefinidamente inexploradas as reservas
de 846 milhões de barris de petróleo no campo ITT (Ishpingo-Tamboco-
cha-Tiputini), equivalentes a 20% das reservas do Equador, localizadas no
Parque Nacional Yasuní, na Amazônia. Foi proposto que a comunidade
internacional contribua com ao menos 3,6 bilhões de dólares, equivalentes
a 50% dos recursos que receberia o Estado em caso de optar pela explora-
ção petroleira, por intermédio de um fundo de capital administrado pelo
PNUD, para evitar a emissão de 407 milhões de toneladas de CO2.74
O primeiro passo era arrecadar 100 milhões de dólares até dezembro
de 2011. Em setembro, atingiu 53 milhões. A Odebrecht contribuiu com
130 mil dólares, uma cifra maior que de vários estados. O Brasil apoia a
iniciativa e está na expectativa diante da evolução da instável situação no
Equador, que pode abrir novamente as portas de suas grandes empresas.
A presença da China vem crescendo no país num ritmo mais rápido que
no resto da região, talvez pela importância estratégica que tem o Equador
como porta de entrada na América do Sul.75 De acordo com o embaixador
do Equador em Pequim, a China gastou 6,5 bilhões de dólares no Equador
em 2011 em diferentes projetos, sobretudo em hidroelétricas e em minas
de cobre, e pode investir na enorme refinaria do Pacífico, que está orçada
em 12 bilhões de dólares.76 O ponto-chave será a implementação do eixo

72
El Universal, Quito, 15 de julho de 2011.
73
Diario Hoy, Quito, 25 de setembro de 2011, em <http://www.hoy.com.ec/noticias-e-
cuador/laproduccion-de-petroleras-privadas-disminuyo-502077.html>. (Consulta
25/09/2011.)
74
Proyecto Yasuní-ITT, em: <http://yasuni-itt.gob.ec/¿que-es-la-iniciativa-yasuni-itt>.
(Consulta 02/01/2012.)
75
Robert Evan Ellis, “El impacto de China en Ecuador y América Latina”, Bogotá, Univer-
sidad Jorge Tadeo Lozano, 2008.
76
Agência Andes, “Cooperación Ecuador-China se fortalece en sectores estratégicos”, 14
de setembro de 2011, em: <http://andes.info.ec/tema-del-dia/cooperacion-ecuador-china-

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272 brasil potência

da IIRSA Manta-Manaus-Belém, que está fadado a modificar o comércio


intra e extrarregional.
A entrada e saída de duas importantes multinacionais brasileiras no
Equador ocorreram em uma conjuntura muito especial, marcada pelas
fortes mudanças políticas provocados pelos movimentos sociais. Desde
1990, o Estado equatoriano viveu uma profunda crise, com a emergência
do movimento indígena, que com suas demandas colocou na defensiva a
classe política tradicional. O auge deste processo, que reconfigurou o país,
se deu desde o final de 1999 até 2006: desde a crise financeira e bancária
que levou à dolarização até a expulsão da empresa estadunidense OXY77 e a
ruptura das negociações para um TLC (Tratado de Livre Comércio).
Esses anos coincidem com um fenomenal ciclo de lutas indígenas e po-
pulares que derrubaram dois governos (Jamil Mahuad, em 2000, e Lucio
Gutiérrez, em 2005), deslegitimando os grupos dominantes, e que abriram
as portas para a vitória eleitoral de Rafael Correa, em novembro de 2006.
Foram registrados os mais importantes levantamentos indígenas, como o
do ano de 2000, com a formação de “parlamentos populares” nas provín-
cias, e do assalto ao poder por parte de um setor dos movimentos apoiados
por um grupo de militares, logo após a falência do sistema financeiro.
Como consequência da crise, produziu-se um ponto de inflexão entre as
classes dominantes, ao passar a hegemonia do capital financeiro de Guaya-
quil (Filanbanco e Banco Pacífico) a Quito (Pichincha, Produbanco), o que
modifica as articulações com o capital agroexportador.78 Para os de baixo,
não houve trégua. O levantamento de 2000, que deu origem a órgãos locais
de poder popular, somou-se o dos “foragidos”, em 2005, que terminou com
o governo de Gutiérrez. Em março e abril de 2006, o movimento indígena
equatoriano paralisou o país durante três semanas, incluindo a tomada de
Quito, um levantamento que forçou a saída da petroleira estadunidense
OXY e pôs fim às negociações de um TLC com os Estados Unidos.79

se-fortalece-en-sectores-estrategicos-91584.html>. (Consulta 02/01/2012.)


77
Occidental Petroleum Corporation (OXY por sua sigla em inglês) operava no Bloco 15
do Oriente equatoriano, extraindo mais de 100 mil barris de petróleo por dia, um terço
do que exploravam as empresas privadas, que nesse momento extraem a maior parte do
petróleo equatoriano. Os movimentos indígenas e sociais consideraram a saída de OXY
como um dos seus maiores triunfos.
78
Napoleón Saltos et al., Ecuador: Peaje global, op. cit., p. 10.
79
Alejandro Moreano, “Ecuador en la encrucijada”, Osal, Buenos Aires, n. 19, jan.-abril
de 2006, p. 65-74.

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As relações com os países periféricos 273

Nesse período de turbulência política, social e econômica, e de profun-


dos realinhamentos internacionais que levaram o Equador a tomar distân-
cia de Washington, houve a chegada da Petrobras. Em um primeiro mo-
mento, os interesses brasileiros se alinharam com o governo de Gutiérrez
e mostraram seu desgosto com sua saída, oferecendo abrigo na embaixada
em Quito para receber asilo político no Brasil. Em um ano e meio que
governou, Alfredo Palácios concretizou a saída da OXY e a ruptura das
negociações da TLC, de modo que quando chegou Correa (no início de
2007) a saída foi completada.
O Brasil fez o possível para se aproximar do governo de Correa, o que
no início parecia ter conseguido, mas a crise com a Odebrecht e a sensibi-
lidade social contrária à conversão do Equador em um novo quintal, agora
do Brasil, desmantelou essa aproximação, que poderia ter sido duradoura.
Nos próximos anos, dar-se-á a reconfiguração do panorama das alianças
regionais. Até agora, as aproximações com a Venezuela e os acordos do
Equador com a PDVSA não deram os resultados esperados, enquanto a
aliança com a China parece se consolidar. O Brasil espera, sabendo que
tem uma carta na manga, o eixo Manaus-Manta, que inclui o porto, a re-
finaria e o aeroporto de Manta, o aeroporto de Tena, na selva equatoriana,
a rodovia Guayaquil-Quito, projetos hidroelétricos e os 846 milhões de
barris de petróleo do bloco ITT.
No entanto, o Equador possui plena consciência do papel do ”peão” que
pode jogar o país em um macroacordo entre a China e o Brasil, ou seja, um
convidado em um jogo em que não pode fazer outra coisa a não ser exercer
um papel secundário.

As “alianças estratégicas”: Argentina e Venezuela

Temos visto que o Brasil decidiu construir uma aliança estratégica com a
Argentina, como forma de arrastar toda a região em seus projetos de inte-
gração e de fortalecimento de sua hegemonia. Na década de 2000, também
definiu como prioridade estabelecer uma sólida aliança com a Venezuela,
que, para além das diferenças com o caso argentino, supõe a aposta a longo
prazo de afiançar o processo bolivariano.
Em torno da crise argentina de 2001, que destruiu boa parte de seu aparato
produtivo, algumas multinacionais brasileiras ficaram com importantes se-

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274 brasil potência

tores da indústria argentina. A Petrobras comprou a Pérez Companc, a maior


petroleira argentina; a JBS Friboi ficou com a Swift Armour e, portanto, uma
parcela significativa da indústria de carnes, a Camargo Corrêa comprou a
Loma Negra, e a Ambev levou a Quilmes. Apenas essas quatro compras dão
uma ideia da importância que adquiriram os negócios brasileiros nesse país.
Como foi explicado no capítulo 3, o Brasil construiu uma sólida alian-
ça estratégica com a Argentina. No entanto, as relações com seu vizinho
nunca foram simples, em grande parte pela instabilidade argentina, que
resultou em uma sucessão de crises econômicas e mudanças do modelo. A
década de 1990 registrou o desmantelamento do Estado e de uma porção
considerável do aparato industrial, que foi fechado ou desnacionalizado.
Um estudo do INDEC (Instituto Nacional de Estadística y Censos) de 2005
enfatiza que o capital estrangeiro controlava naquele ano 80,2% do valor
de produção, que, em 1993, representava cerca 50,5% e aumentou a contra-
tação de 36,4% dos trabalhadores para 57,6%.80
A soma da crise, de crescimento lento, contexto instável e hostil, fez
muitas empresas nacionais “desaparecerem ou serem adquiridas por em-
presas transnacionais estrangeiras”.81O investimento estrangeiro veio
principalmente de países como Espanha, Estados Unidos, França, Países
Baixos, Itália e Alemanha, e em menor grau do Chile e do Brasil. As em-
presas brasileiras optaram por sua internacionalização, para amortecer
o “risco Brasil”, ou seja, a contração e eventuais problemas no mercado
doméstico, enquanto as empresas argentinas desapareceram desde a crise
do início século XXI com investidores externos em grande medida por ter
sofrido “a desnacionalização de grande parte de seu tecido produtivo”.82
Até a crise de 2001, os investimentos brasileiros na Argentina foram
menores e estiveram concentrados em algumas áreas, principalmente pe-
tróleo e gás, onde foram parar 28% dos investimentos entre 1995 e 2006.
Dada a sua dimensão, a entrada da Petrobras está em toda a cadeia: extra-
ção, refino e comercialização de gás e petróleo, química, petroquímica e
energia elétrica. Mas na medida em que a Argentina teve uma indústria

80
Claudio Scaletta, “La retirada de la burguesía nacional”, Página 12, 14 de novembro de
2005.
81
Carlos Bianco, Pablo Moldovan e Fernando Porta, “La internacionalización de las em-
presas brasileñas em Argentina”, Santiago, Cepal, 2008, p. 33..
82
Ibid., p. 34

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As relações com os países periféricos 275

madura e importante, com o amplo desenvolvimento tecnológico e cadeias


produtivas em vários setores, o investimento brasileiro foi também reflexo
desta realidade, tão diferente de outros países da região onde o capital bra-
sileiro se focalizou em recursos naturais ou manufaturas primárias.
Em 1998, a Petrobras investiu 715 milhões de dólares em Mega para
fornecer gás liquefeito ao mercado brasileiro, e em 2000 chegou a um acor-
do com a Repsol, em uma troca de ativos por 500 milhões de dólares para
assumir a empresa de distribuição e refino EG3, que agora controla 12% do
mercado de combustíveis da Argentina.83 A aquisição mais importante veio
em 2002, ao tornar-se como Pecom Energia (da Pérez Companc, que foi re-
nomeada como Petrobras Energia), a petroleira independente mais impor-
tante da região com operações em vários países, desembolsando 1 bilhão
e 30 milhões de dólares. Com esta compra deu um salto, que lhe permitiu
refinar na Argentina 36 mil barris diários, incorporar 102 novas estações de
serviços e ampliar a rede de 7.400 quilômetros de dutos no exterior.
Em 2004, a Petrobras perfurou poços no sul, na província de Santa
Cruz, e adquiriu novas empresas: uma unidade produtora do etanol e a
fábrica de tiosulfato de amônia. Naquele ano, começou a participar na im-
portação de gás da Bolívia, em 2006, começou a exploração em águas pro-
fundas no Mar Argentino a 250 quilômetros de Mar del Plata, e, em 2007,
associa-se para esse fim com a Enarsa e a Repsol-YPF. Assim, a Petrobras
chegou a produzir mais de 50% do combustível elaborado no exterior na
Argentina. No período 1995-2006, a Petrobras foi a líder de investimentos
do Brasil na Argentina, com quase 3 bilhões de dólares.84
No entanto, o governo argentino impôs limites à Petrobras quando ten-
tou vender Transener a uma empresa estadunidense, já que considerava
estratégica para o país, e forçou a abortar a operação. Também ficou sob
pressão sobre o volume de investimentos para manter suas concessões de
exportação, assim como em matéria de preços para o mercado interno. A
política oficial levou a Petrobras a diminuir sua presença nas áreas onde o
Estado exerce intervenção por meio do controle de preços e tarifas, como
a produção e comercialização de combustíveis e a distribuição elétrica. No
início de 2011, a empresa vendeu a refinaria que tinha em San Lorenzo,

83
Ibid., p. 44.
84
Ibid., p. 48.

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276 brasil potência

província de Santa Fé, e 360 estações de serviço a um grupo argentino des-


ses que cresceram sob o governo de Néstor Kirchner e Cristina Fernández.85
Aparentemente, a empresa tende a concentrar seus negócios na Argentina
nos segmentos menos regulados, como a produção de gás e petróleo.
De acordo com a própria Petrobras, no final de 2011, havia investimen-
tos em 17 empresas na Argentina. Em seis tem uma participação majoritá-
ria e o controle das operações: a Atalaya Energy e a Canadian Hunter estão
envolvidas na exploração e produção de gás e petróleo; a EG3, dedicada à
refinação e à distribuição; a World Energy, Enecor e Petrobras Energia In-
ternacional, na área de gás e energia. A Petrobras tem o controle conjunto
de outras quatro, dentre elas a Edesur, com 27,33%, e Transportadora de
Gas del Sur, com 27,65%, e outras sete onde tem participação minoritária,
que incluem refinarias e exploração de gás e petróleo.86
A peculiaridade argentina tem levado o capital brasileiro a se desenvol-
ver de forma destacada na indústria nacional:

- Em 2005, a Camargo Corrêa adquiriu a Loma Negra, a principal empresa


de cimentos da Argentina e grupo estratégico do país, por 1 bilhão de dó-
lares, o que permitiu se fazer dona de nove fábricas, seis indústrias de con-
creto e controlar 46% do mercado argentino. Desse modo, mais da metade
da produção de cimentos da Camargo Corrêa provém da Argentina. Em
2007, aumentou seus negócios na área têxtil com a compra da Alpargatas,
dona da Topper, da Flecha e da Pampero, e tornou-se umas das mais im-
portantes indústrias têxteis do país.

- A multinacional Ambev comprou a Quilmes, a principal cervejaria argen-


tina, por 500 milhões de dólares, ficou com a fábrica de malte e com cinco
fábricas, além dos ativos da Quilmes no exterior, que lhe permitem gerir o
negócio da cerveja na região.

- A Friboi comprou a Swift por 200 milhões de dólares, com o que a Ar-
gentina passa a representar um quarto da produção da maior empresa de
carne do mundo e consegue ter acesso a um dos maiores mercados.

85
Energía del Sur, 10 de fevereiro de 2011, em: <http://energíadelsur.blogspot.com/2011/02/
cristobal-lopez-dueno-del-grupo-casino.html>. (Consulta 30/09/2011.)
86
Petrobras Argentina, em: <www.petrobras.com.ar>.

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As relações com os países periféricos 277

A siderúrgica Gerdau comprou a Sipar e a Sipsa no final da década de


1990, e a Belgo Mineira comprou a Acindar (siderurgia) em várias etapas,
de modo que 97% do mercado argentino está em mãos brasileiras: 55%
com a Acindar-Belgo Mineira e 42% com a Sipar-Gerdau.87
Outras grandes brasileiras, como Agrale, Coteminas, Natura e Ran-
dom se instalaram com força na Argentina. Mas a presença do capital ver-
de-amarelo não se reduz às grandes empresas, e seguiu crescendo ao longo
da primeira década do século XXI, além das oportunidades oferecidas por
causa da crise de 2001. Entre 2002 e 2010, o número de empresas brasilei-
ras instaladas na Argentina cresceu de 60 para 250 e variou desde a Vale e
o Banco do Brasil, que comprou o Banco Patagônia, ao fabricante de bate-
rias Moura, ao laboratório Eurofarma e empresas de informática. Em 2010,
o Brasil liderou os investimentos na Argentina, com 5,3 bilhões de dólares,
ultrapassando a China, que comprou a Pan American Energy, e superou os
4 bilhões que haviam investido os empresários brasileiros em 2009.88
Os investimentos brasileiros têm mudado nos últimos anos. Entre 2002
e 2003, “eram direcionadas principalmente para fusões e aquisições”, apro-
veitando a crise e o endividamento das empresas argentinas, mas em anos
seguintes começaram a realizar “investimentos em projetos novos, desti-
nadas a ampliar a capacidade produtiva”.89 Um dos melhores exemplos é a
Gerdau, que em 2008 investiu 524 milhões de dólares em uma nova fábrica
com 3 mil trabalhadores para produzir um milhão de toneladas anuais de
aço laminado para o mercado interno e para a exportação.90
É evidente que o Brasil tem o interesse em manter uma aliança estra-
tégica com a Argentina, e tomou medidas para fazê-lo, criando grupos
de trabalho em conjunto, estabelecendo acordos que beneficiam ambas as
partes e superando conflitos comerciais como os que foram produzidos na
área automotiva. No entanto, não é uma aliança entre iguais, pois o capital
brasileiro controla setores estratégicos, como o aço, e tem forte presença
na energia e no petróleo. Ainda assim, deve-se destacar tanto a diversidade
de investimentos na Argentina, que contrastam com as que se realizam em
outros países onde estão focalizados em matérias primas e hidrocarbone-

87
Carlos Bianco, Pablo Moldovan e Fernando Porta, op. cit.
88
Cronista Comercial, Buenos Aires, 1 de fevereiro de 2011.
89
“Mayor inversión de Brasil en Argentina”, Clarín, Buenos Aires, 28 de setembro de 2011.
90
“Anunciaron una millonaria inversión brasileña en una planta siderúrgica”, La Nación,
Buenos Aires, 11 de setembro de 2008.

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278 brasil potência

tos, assim como a capacidade do país anfitrião de impor algumas condi-


ções sobre esses investimentos.
A Aliança Estratégica Brasil-Venezuela foi formalmente assinada em
fevereiro de 2005 pelos presidentes Lula e Chávez. Entre 2007 e 2010 fo-
ram realizados encontros presidenciais a cada três meses para aprofundar
acordos e planejar estratégias. Em 2010 se instala em Caracas o Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) para contribuir na formulação
de projetos de integração e formar quadros venezuelanos em planificação,
logo depois se instala a Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias
(Embrapa) e a Caixa Econômica Federal.
Uma das decisiões mais importantes foi a substituição do Eixo Escudo
Güiano pelo Eixo Amazônia-Orenoco dentro da IIRSA, para implemen-
tar projetos de “desenvolvimento integral” que se convertam num “para-
digma brasileiro de cooperação Sul-Sul”, como assinala o IPEA91. Entre
as ações definidas figura a integração do sistema de transporte terrestre,
fluvial e aéreo, a integração elétrica e a possível construção do postergado
Gasoducto do Sul para interconectar Venezuela, Brasil e Argentina.
De fato se trata de estabelecer a interconexão das bacias do Rio Ama-
zonas e do Orenoco e a formação de um espaço econômico comum no
Norte do Brasil e Sul da Venezuela, um espaço de “importância geoestra-
tégica” segundo o relatório do IPEA de maio de 2011. A análise destaca a
importância geopolítica dessa região, “pela quantidade e qualidade de seus
recursos”, entre os quais se inclui a biodiversidade, as bacias hidrográficas,
energia e minério de ferro “entre outros”, que “desperta diversos intereses
e enfrenta uma crescente complexidade de atores”92.
O IPEA aponta que o Eixo Amazônia-Orenoco “cria uma nova fronteira
de aproximação do Brasil com os países da bacia do Caribe em um contexto
em que a política externa para a integração regional amplia sua área de atua-
ção da América do Sul para outras regiões da América Latina e do Caribe”93.
A aliança entre ambos países tem várias leituras possíveis. Venezuela é
a primeira reserva de petróleo do mundo, a terceira de bauxita, a quarta de
ouro, a sexta de gás natural e a décima reserva de ferro do mundo. No es-

91
“A integração de infraestrutura Brasil-Venezuela: A IIRSA o eixo Amazõnia-Orinoco”,
Relatório de Pesquisa, IPEA, Brasília, 11 de maio de 2011.
92
Ibid.
93
Ibid.

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As relações com os países periféricos 279

tado brasileiro de Roraima, fronteiriço com a Venezuela, estão as maiores


reservas de ouro, nióbio e estanho do mundo, além de importantes jazidas
de tório, cobalto, molibdênio, diamantes e titânio, segundo “Inventário
Mineral do Escudo Geológico de Roraima”, realizado pelo Ministério de
Minas e Energía do Brasil em 2003. Porém, mais importante é que essa re-
gião abriga as maiores reservas de urânio do mundo, compartilhadas pelo
Brasil, Venezuela e a Guiana (Esequiba), zona em disputa desde 1966 entre
a Venezuela e República Cooperativa de Güiana, ex Güiana Inglesa. Desde
2009 empresas canadenses exploram jazidas de urânio nessa região, algo
que não é visto com bons olhos por Caracas e por Brasília.
Ocupar e desenvolver essa região de baixa densidade populacional é
também um modo de frear a expansão do Plano Colômbia, ou seja, da
influência dos Estados Unidos na Amazônia. Mas também é um modo
de fortalecer um país como a Venezuela, cuja estabilidade é favorável aos
interesses do Brasil tanto como sua instabilidade favorece ao Comando
Sul (dos EEUU). O Brasil contribui, desse modo, para o desenvolvimento
da Venezuela, e de modo muito especial ao promover políticas produtivas
que diminuam a dependência das exportações de petróleo e a importação
de 70% dos alimentos que ali se consome assim como a maior parte dos
produtos industrializados.
As relações entre Brasil e Venezuela se aprofundaram em 2011. Em 6
de junho, Dilma Rousseff recebeu o presidente Hugo Chávez e reafirmou
a “aliança estratégica” entre Brasil e Venezuela. Além de assinar acordos
para aprofundar a cooperação em áreas como petróleo, ciência e tecnolo-
gia, Rousseff disse que a aliança entre Petrobras e PDVSA (as duas petrolei-
ras estatais) seguirá adiante. Além do petróleo, a prioridade está definida
na área de fronteira, que na opinião da presidente brasileira “merece uma
política e iniciativas de interconexão de nossos sistemas, sejam eles elétri-
cos, de televisão, rodovias e integração das cadeias produtivas”.94 Ambos
os países vêm fazendo um esforço consistente de integração binacional do
eixo Amazônia-Orenoco. A Zona Franca de Manaus (Brasil), com suas
450 indústrias, algumas de alta tecnologia, é a força que impulsa o desen-
volvimento de cadeias produtivas complementares em ambos os países.95

94
Agencia Brasil, 6 de junho de 2011.
95
Ipea, “Região Norte do Brasil e Sul da Venezuela: Esforço binacional para a Integração
das cadeias produtivas”, 11 de maio de 2011, Brasília, p. 6.

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280 brasil potência

Estão trabalhando para que a Venezuela seja provedora de insumos


industriais para o norte do Brasil, de modo que se vão criando cadeias
industriais conjuntas na zona de fronteira em setores como metalomecâ-
nica, agroindústria e vidro. Ela procura a ampliação da produção de coque
na Faixa Petrolífera do Orenoco, produto que o Brasil importa grandes
quantidades, além da exportação de fertilizantes (fosfatados, nitrogenados
e sais de potássio) que a agroindústria do Brasil necessita.
A integração da região fronteiriça irá desempenhar um papel funda-
mental na consolidação do processo bolivariano da Venezuela, para além
do que aconteça com o governo de Hugo Chávez. A aliança dupla do Brasil
com a Argentina e a Venezuela tem o poder suficiente para neutralizar
qualquer potência externa e para atrair os demais países sul-americanos.
Nesse ponto, vale ressaltar as diferenças entre a trajetória brasileira, mo-
vendo-se em um marco de paz e consenso, e as outras potências hegemô-
nicas que escalaram o cume mediante guerras e invasões.

O Brasil está construindo seu próprio “quintal”?

Os vazios que vão deixando a decadência estadunidense na região da Amé-


rica do Sul estão sendo preenchidos por novas potências globais e uma po-
tência regional com ambições de se tornar um jogador global. Na década de
1990, foi o capital europeu (espanhol e francês) que mostrou maior dina-
mismo na América do Sul, adquirindo empresas estatais privatizadas. Mais
recentemente, a China aspira ocupar um lugar como importador de hidro-
carbonetos, soja e metais e como grande investidos em matérias-primas.
Faz muito tempo que o Brasil busca expandir tomando a região como
ponto de apoio. A novidade é que esta expansão gera conflitos como os que
ocorreram no Equador, no Paraguai e na Bolívia. Mas esta conflitividade
vai além do âmbito das relações interestatais para se converter em vários
casos em ações dos movimentos sociais que denunciam a intromissão do
Brasil nos assuntos do país. Convêm separar este aspecto de duas questões:
o papel do capital e o do Estado.
A crescente oposição às empresas brasileiras, como se manifestou na Bo-
lívia em relação ao papel da OAS na construção da estrada que atravessará o
Tipnis, com a Odebrecht no Equador e em relação aos empresários da soja no
Paraguai, talvez sejam o preço a pagar por aquele país por sua expansão co-

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As relações com os países periféricos 281

mercial e econômica. No entanto, a expansão do capital não significa, como


veremos no seguinte capítulo, que estamos em um caso de “imperialismo”.
Em alguns desses conflitos, a potência regional mobilizou tropas para
defender os seus interesses, como sucedeu na fronteira com Paraguai, e
mobilizou toda sua potente e experiente diplomacia para exercer pressões.
Em 3 de outubro de 2008, Lula editou o Decreto 6.952, que regulamenta o
Sistema Nacional de Mobilização, destinado a enfrentar uma “agressão es-
trangeira”. No capítulo 1, o decreto afirma que se considera como agressão
as “ameaças ou atos lesivos à soberania nacional, a integridade territorial,
ao povo brasileiro ou as instituições nacionais, ainda que não signifique
invasão do território nacional”.96
A ambiguidade da descrição das “ameaças” preocupa especialmente dada
a disparidade das forças entre Brasil e seus vizinhos. Até agora o Brasil não
agiu militarmente contra os países da região, com a exceção da invasão do
Haiti, sob a égide das Nações Unidas. No entanto, existem outras formas de
pressão e de intervenção, como a sujeição econômica, capaz de colocar em
aperto qualquer economia dependente de um único produto de exportação.
Por outro lado, deve-se recordar que o Brasil ao longo de sua história
tem praticado um vigoroso expansionismo, do qual se orgulha o setor mi-
litar – que governou o país entre 1964 e 1985 – e também as elites políticas
e empresariais. A impressionante expansão para o oeste que alcançou o
sopé da cordilheira andina e a bacia do Rio da Prata foi encabeçada pelos
colonos de São Paulo, que organizavam grandes expedições para o interior
(bandeirantes) em busca de escravos, ouro e pedras preciosas. Liderados
pelos bandeirantes, os colonos pobres que a partir dessa aventura feita
pelos sertões buscavam um caminho para melhorar as suas condições de
vida foram formando as fronteiras que, em 1822, daria na independência
do Brasil. Mas a expansão seguiu adiante com a república a tal ponto que
entre 1859 e 1950 a “territorialidade amazônica” do Brasil se duplicou, em
detrimento dos seus vizinhos (Bolívia, Peru, Colômbia, Paraguai e Vene-
zuela). A Guerra da Tríplice Aliança (1865-1870) contra o Paraguai e a ane-
xação forçada do Estado do Acre, em 1904, são marcos que se sobressaem
do expansionismo brasileiro.

Decreto 6.592, Presidência da República, em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_


96

Ato2007-2010/2008/Decreto/D6592.htm>. (Consulta 30/09/2011.) O sublinhado é meu.

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282 brasil potência

O caso do Acre é apenas o exemplo histórico mais recente de como se


processou essa “marcha para o oeste”. Mas foi durante a ditadura militar
nascida do golpe de Estado de 1964, do qual o general Golbery do Couto e
Silva foi um dos seus principais inspiradores, que a ocupação da Amazônia
se converteu em uma política do Estado combinada com o que o estrategista
militar denominou como uma “revitalização das fronteiras”.97 A constitui-
ção de 1946 obrigou o governo federal a destinar durante 20 anos 3% da ren-
da tributária à Amazônia. Uma parte considerável desse esforço resultou na
fundação de Brasília, em 1960, como capital do país, na zona central da bor-
da da bacia amazônica, substituindo nesse papel a costa do Rio de Janeiro.
Em 1966, ocorre a declaração de Manaus como Zona Franca, para convertê
-la em um polo comercial e industrial da Amazônia Ocidental. Em 1970, o
Plano de Integração Nacional concebeu a construção de duas estradas, entre
elas a Transamazônica, junto a um vasto plano de colonização.
O Decreto 6.952 parece inserido nessa longa tradição revivida e siste-
matizada durante o regime militar, que teve um ponto de apoio ideológico
na Escola Superior de Guerra, mas cuja influência se estende até nossos
dias. A ideia de que existem fronteiras mortas, “longe de nós, mas também
do adversário”, fronteiras passivas e, sobretudo, fronteiras vivas, parece ser
a mão do “destino manifesto”, reservado para o Brasil.98 Golbery do Couto
e Silva considerava que nunca deve olvidar-se que o “Brasil é um império,
um amplo império compacto, com uma extensa orla marítima e uma dila-
tada fronteira continental”.
A política de “revitalizar as fronteiras” e “ocupar vazios demográficos”
segue sendo um dos eixos das diretrizes da Estratégia Nacional de Defesa,
mas usando outro idioma. Paulo Schilling argumenta que após a ditadura
militar o expansionismo militar brasileiro continua, mas “agora os proje-
tos são desenvolvidos de forma clandestina”, em referência ao projeto fron-
teiriço Calha Norte, implantado na década de 1980 para reforçar o contro-
le dessas áreas.99 Considera que a projeção do Brasil “além de suas frontei-
ras”, como apontava Couto e Silva, coaduna-se à sua teoria da existência de
“satélites privilegiados”, ou seja, países que têm tal grau de assimetria com

97
Golbery do Couto e Silva. Geopolítica del Brasil. México: El Cid, 1978.
98
Ibid., p. 59-62.
99
Paulo Schilling e Luzia Rodrigues, “Além das fronteiras”, Teoria e Debate, São Paulo,
Fundação Perseu Abramo, abril de 1989.

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As relações com os países periféricos 283

o poder regional vizinho e que não têm outra opção a não ser seguir o seu
curso. Nesse sentido, podem ser interpretadas as declarações do presidente
uruguaio José Mujica, quando depois de uma visita de Lula em Montevi-
déu declarou que o Uruguai deve “viajar no estribo do Brasil”.100
O editorial da Defesanet assegura que a aprovação do Decreto 6.952
supõe uma clara mensagem aos países vizinhos: “Uma agressão ou perse-
guição aos cidadãos brasileiros residentes no Paraguai, assim como na re-
gião do Pando, na Bolívia, e uma nova ameaça de corte de fornecimento de
gás e a tomada das instalações e empresas brasileiras operando em outros
países, caracterizarão a partir de agora agressões externas e uma resposta
militar do Brasil passa a ter um amparo legal”.101
Toda vez que acontece uma crise política em países sensíveis para o
Brasil, a diplomacia atua e pressiona. Um dos casos mais claros foi a inter-
ferência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Bolívia para defender
os interesses da Petrobras, quando estava por realizar um referendo sobre
os hidrocarbonetos em 2004. Nessa ocasião, Lula firmou com o presidente
Carlos Mesa, a nove dias do referendo, uma declaração em que ambos os
mandatários esperavam que “os resultados do referendo sobre a política
energética da Bolívia e a futura nova lei para o setor de hidrocarbonetos
do país permitam a continuidade da cooperação bilateral”.102 Foi um forte
apoio para Mesa e um balde de água fria no movimento social, uma parte
do qual pedia um boicote ao referendo.
Em situações de crises, a diplomacia brasileira interveio na Bolívia por
intermédio do assessor internacional de Lula, Marco Aurélio Garcia, “para
avaliar a situação no diálogo com várias forças políticas”.103 No Equador
ocorreu algo similar. Em 7 de julho de 2005, o ministro de Meio Ambien-
te do Equador paralisou as obras da Petrobras no Parque Nacional Ya-
suní. No dia 26 de julho, Lula enviou uma carta ao presidente do Equador:

100
Em: <http://www.espectador.com/1v4_contenido.php?id=181101&sts=1>. (Consulta
01/10/2011.)
101
“Governo brasileiro emite alerta ao continente”, Defesanet, 8 de outubro de 2008.
102
“Declaración Conjunta de los Presidentes de la República de Bolivia, Carlos D. Mesa
Gisbert, y de la República Federativa del Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva”, Nota n. 350, 8
de julho de 2004, Embaixada do Brasil na Bolívia, em: <http://www.brasil.org.bo/n287es.
htm>. (Consulta 01/10/2011.)
103
Mario Osava, “Dilema del gas y de la integración”¨, IPS, 27 de maio de 2005, em: <http://
ipsnoticias.net/print.asp?idnews=33999>. (Consulta 30/12/2011.)

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284 brasil potência

“Desejo manifestar a Vossa Excelência a minha preocupação pela recente


decisão do governo de suspender as atividades da Petrobras no bloco 31,
fato que põe em risco o próprio futuro do projeto”.104 Nas duas semanas
seguintes, no dia 16 de agosto, o ministro brasileiro Celso Amorim viajou
a Quito para “analisar temas de integração regional e a presença da petro-
leira Petrobras na Amazônia equatoriana”.105
Por outro lado, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) abriu em
2005 quatro sedes na América do Sul (só tinha escritórios em Washington
e em Buenos Aires) – na Venezuela, na Colômbia, no Paraguai e na Bolí-
via. Segundo analistas brasileiros, “esta decisão de ampliar o raio de ação
regional da inteligência brasileira é uma espécie de ‘imitação’ da CIA”. O
diretor da agência reconheceu que a expansão da inteligência brasileira
busca “um intercâmbio de informações sobre terrorismo, tráfico de dro-
gas, segurança e também temas de economia”, o que revela a amplitude da
intervenção do serviço de inteligência.106
A questão vai além dos governos eventuais, já que se trata da afirmação
de uma potência emergente como o Brasil para quem suas fronteiras se
transladam para onde estão seus interesses nacionais.
Na visita ao Paraguai que realizou em julho de 2011, a presidente Dilma
Roussef exigiu de Lugo a garantia da segurança dos colonos brasileiros
diante da onda de invasões de terras que estavam sofrendo nesses dias, e
o Itamaraty chegou a questionar uma resolução judicial que amparava os
ocupantes.107
Parece evidente que todas as grandes potências se constroem desse
modo, em uma atitude que sempre se denomina “imperialismo”. Talvez
por isso muitos sul-americanos sentem que o Brasil está construindo seu
próprio “quintal”, seu próprio patio trasero – na consagrada expressão em
língua espanhola.

104
Kintto Lucas, “Disputa geopolítica Brasil-Estados Unidos”, Brecha, Montevideo, 19 de
agosto de 2005.
105
Prensa Latina, Quito, 16 de agosto de 2005.
106
Eleonora Gosman, “El espionaje de Brasil se expande en Latinoamérica”, Clarín, Bue-
nos Aires, 7 de maio de 2005.
107
“En Brasil, la ocupación de tierras de los colonos genera preocupación”, ABC Color,
Asunción, 2 de julho de 2011, em: <http://www.abc.com.py/nota/en-brasil-la-ocupacion-
de-tierras-delos-colonos-genera-preocupacion/>. (Consulta 02/01/2012.)

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CAPÍTULO 9

Rumo a um novo centro e novas periferias

A burguesia industrial brasileira foi conquistada paula­


ti­
na­
men­te pelas teses geopolíticas dos militares da Escola Superior
de Guerra, posto que muitos de seus representantes fizeram o
curso da escola.
Paulo Schilling

Quando Marini formulou a tese do subimperialismo, há quatro décadas,


o mundo e a América do Sul ainda não haviam entrado no processo de
declínio da hegemonia norte-americana e da crise do sistema capitalista
na segunda década do século XXI, que se desdobra com toda potência. Em
1969, ano da primeira edição do Subdesenvolvimento e revolução, ainda
não haviam se mostrado os sinais de deterioração do sistema, que se tor-
naram visíveis em 1973. Inspirados pela análise do historiador Fernand
Braudel, os membros de várias escolas de pensamento argumentam que no
início da década de 1970 o sistema liderado pelos Estados Unidos iniciou
um processo de financeirização como forma de manter a sua hegemonia.1
A viragem do sistema ocorreu nos anos que Marini elaborara sua tese.
Ameaçado em várias frentes, o império retrocede e avança. Os anos que
vão da Revolução Cubana (1959) à derrota no Vietnã (1975) e à Revolução
Iraniana (1979) foram protagonizados por massivas e maciças rebeliões
no terceiro mundo e nos países desenvolvidos, em que se destacaram os
movimentos de direitos civis e pelo pacifismo nos EUA e as lutas operárias
na Europa. Pela primeira vez na história de cinco séculos de capitalismo,

Entre outros, David Harvey. El nuevo imperialismo. Madrid: Akal, 2004; Giovanni Arri-
1

ghi. El largo siglo XX. Madrid: Akal, 1999. Immanuel Wallerstein. Después del liberalismo.
México: Século XXI, 1996.

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286 brasil potência

o conflito social precede e configura de baixo para cima a crise da hege-


monia dos EUA, a intensificação da concorrência entre as empresas e a
rivalidade entre os Estados.2
A disputa com a Europa e o Japão, a soma dos conflitos sociais no pri-
meiro mundo e a rivalidade entre os países do terceiro mundo e os Estados
Unidos levaram a classe dominante da superpotência a mudar de rumo. A
decisão de alterar o foco da acumulação para a esfera financeira causou o
abandono do Estado de bem-estar social, ou seja, a pretensão de integrar
as classes populares. Este contra-ataque notável se plasmou no Consenso
de Washington, que deu vida ao modelo neoliberal. Mas, quando Marini
escreveu sua tese, as classes dominantes do mundo e da região ainda esta-
vam reagindo aos primeiros efeitos das revoltas e revoluções. O golpe de
1964 no Brasil foi a primeira ação dessas classes contra as massas popu-
lares na região. Embora mudanças começassem a tomar forma, a direção
ainda estava firmemente nas mãos do império e da hegemonia dos Estados
Unidos, que ainda era “invencível”, como ele escreveu em 1977.3
Faltariam ainda duas longas décadas para essa hegemonia começa a
fissurar, enfrentando na década de 1990 uma forte contestação de base pela
ativação dos movimentos que conseguiram deslegitimar o modelo neoli-
beral. Entre o Caracazo de 1989 e a segunda Guerra do Gás em 2005, na
Bolívia, as ondas de protestos em toda a região derrubaram dezenas de
governos conservadores e aliados de Washington. Na segunda metade da
primeira década do século XXI, oito governos da América do Sul foram
definidos como progressistas ou de esquerda, tomando distância de polí-
ticas dos EUA.
O primeiro dos três argumentos da tese do subimperialismo sofreu mu-
danças drásticas, a tal ponto que em 2011 apenas a Colômbia agiu como
um “gendarme” dos Estados Unidos, papel que depois de 1964 correspon-
deu inteiramente ao Brasil. Mas as mudanças no cenário regional e global
foram muito mais longe. Logo após a adesão do governo Lula (2003), co-
meçou-se a falar do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China, logo depois se adi-
cionou a África do Sul), sigla que incorpora o acesso de países emergentes,

2
Giovanni Arrighi e Beverly Silver. Caos y orden el sistema-mundo moderno. Madrid:
Akal, 2001. p. 219.
3
Ruy Mauro Marini, “La acumulación capitalista mundial y el subimperialismo”, op. cit.,
p. 1.

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Rumo a um novo centro e novas periferias 287

que são chamados a deslocar as antigas potências. Entre 2009 e 2011, hou-
ve algumas mudanças notáveis: a China deslocou os Estados Unidos como
o maior parceiro comercial do Brasil, lugar que ocupava desde o início do
século XX; a China também ultrapassou o Japão e se colocou como o se-
gundo PIB mundial, e se estima que em 2020 poderá destronar os Estados
Unidos como principal potência econômica do mundo (o FMI prevê que
vai acontecer em 2016).4
É evidente que a hegemonia dos Estados Unidos se viu erodida a extre-
mos antes da crise econômica e financeira de 2008. Esse declínio acelerou-
se com as guerras fracassadas no Iraque e no Afeganistão, que abriram
espaços para a construção de diferentes realidades regionais. A criação da
Unasur e do Conselho de Defesa Sul-americano tem mobilizado o desen-
gajamento político da região em relação aos Estados Unidos. Por intermé-
dio da Iirsa e do BNDES, gerou-se um dinamismo regional que pode levar
à criação de uma moeda regional para os intercâmbios comerciais e uma
nova arquitetura financeira que seria apoiada pelo Banco do Sul, criado
em 2009 como um banco de desenvolvimento. Em poucos anos a região
adquiriu peso e personalidade própria no cenário mundial.

Nem gendarme nem dependente

Se o mundo e a região mudaram drasticamente, o Brasil também expe-


rimentou mudanças profundas. O primeiro foi de natureza demográfica.
Em 1960, tinha 70 milhões de habitantes, mais da metade da população
vivia em áreas rurais e ostentava um elevado crescimento da população,
com taxas próximas a 3% ao ano.5 Em 1970, o Brasil tinha 93 milhões
de habitantes – 56% viviam em cidades. A grande maioria era pobre, e a
desigualdade era enorme. Até ao final do século XX, o Brasil ainda tinha
50 milhões de pobres.6

4
La Vanguardia, Barcelona, 24 de abril de 2011, em: <http://www.lavanguardia.com/eco-
nomia/20110426/ 54144915718/el-fmi-vaticina-que-la-economia-china-superara-a-lade
-ee-uu-en-2016.html>. (Consulta 17/ 06/2011.)
5
César Benjamín et al. A opção brasileira. Rio de Janeiro: Contraponto, 1998. p. 188.
6
Ricardo Paes de Barros et al., “Desigualdade e pobreza no Brasil: retrato de uma estabili-
dade inaceitável”, Texto para discussão n. 800, Brasília, Ipea, 2000, p. 3.

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288 brasil potência

Hoje a situação é completamente diferente. Mais de 80% dos brasileiros


vivem em cidades e menos de 20% no campo. A pobreza caiu dramatica-
mente, mas a virada decisiva é que o Brasil se tornou um país de classes
médias.7 Quando Marini escreveu sua tese sobre o subimperialismo, o
Brasil era um mar de pobres em baixo e uma rica e ostentosa burguesia em
cima, com uma minguada classe média.
Em segundo lugar, recordemos que a tese de Marini destacava que o
Brasil era um “centro mediano de acumulação”, que tinha aceitado ser
um “sócio menor” dos capitais multinacionais como país dependente.8
Se compararmos a situação econômica do país entre os anos 1960 e os
primeiros anos deste século, o contraste também é enorme.
Talvez o aspecto mais notável seja a autonomia adquirida na acumula-
ção de capital e o dinamismo das exportações, que revelam mudanças na
estrutura de produção. Entre 1964 e 1969, as exportações de produtos bá-
sicos eram de 80% do total, enquanto que as manufaturas correspondiam
a cerca de 10%. Entre 2002 e 2008, os produtos básicos variaram entre 28%
e 37% do total das exportações, mas os manufaturados subiram para uma
faixa de 47% a 55%, apesar da “desindustrialização” causada pela concor-
rência da China.9 Em 2005, as exportações de manufaturados atingiram
55%, contra 6% em 1964.
Os fluxos de capitais conheceram uma verdadeira revolução. A década
de 1960 termina com um ingresso de 221 milhões de investimento estran-
geiro direto em 1969, para saltar para 67 bilhões de dólares em 2011. As
reservas internacionais superaram a dívida: alcançando 350 bilhões de dó-
lares em 2011, enquanto a dívida é de 297 bilhões de dólares.10 Em 1960, as
reservas eram de apenas 10% da dívida externa.11
Desde que a crise mundial eclodiu em 2008, o Brasil se tornou um dos
destinos mais atraentes para o investimento estrangeiro, alcançando o quin-
to lugar em 2010, com 48 bilhões de dólares, atrás apenas de Estados Unidos,
China, Hong Kong e Bélgica.12 Além de captar recursos, o Brasil acumulou

7
O Estado de São Paulo, 3 de maio de 2011.
8
Ver capítulo 1.
9
Ipea, “O Brasil em 4 décadas”, Brasília, Ipea, 2010, p. 10.
10
Banco Central do Brasil, “Nota de imprensa”, 25 de outubro de 2010, em: <http://www.
bcb.gov.br/>. (Consulta 12/11/2012.)
11
Ipea, “O Brasil em 4 décadas”, op. cit., p. 12.
12
Ipea, “Monitor da Percepção Internacional do Brasil”, n. 5, agosto de 2011.

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Rumo a um novo centro e novas periferias 289

capital de forma consistente de modo muito particular na última década.


Os ativos dos fundos de pensão das entidades brasileiras foram os que mais
estavam crescendo no mundo na primeira década do século.13 Entre 2000 e
2010, os ativos totais dos fundos aumentaram de 12% para 17% do PIB.14
O maior fundo de pensão do Brasil, Previ, tornou-se o número 24 do mun-
do, quando dois anos antes ocupava o posto 42.15 O crescimento exponencial
do patrimônio do Previ, 80% em três anos, não é um caso isolado. Petros
aumentou seus ativos em mais de 40% entre 2007 e 2010, passando do posto
de 173 para 105 a nível mundial. Funcef subiu da posição de 177 para 131.
A terceira questão são os importantes investimentos brasileiros no ex-
terior, mais particularmente na América do Sul. O BNDES tornou-se o
principal banco de fomento no mundo, e desempenha um papel decisivo
na economia. Em dezembro de 2010, os investimentos diretos brasileiros
no exterior somaram 190 bilhões de dólares, valor que supera o PIB anual
conjunto de Equador, Uruguai, Bolívia e Paraguai.16 De acordo com o Ban-
co Central do Brasil, em 2001, os investimentos brasileiros diretos eram de
49,7 bilhões de dólares, um valor que quadruplicou em uma década.17 Uma
das maiores linhas de apoio do BNDES é dirigida a empresas de constru-
ção brasileiras. Entre 2001 e 2010, o financiamento para obras no exterior
cresceu 1.185%.18 Entre 2011 e 2014, o BNDES planeja investir no Brasil
um bilhão e noventos milhões de dólares, o que representa um aumento de
mais de 60%, respectivamente a 2009.19 Graças a este amplo financiamento,
as construtoras brasileiras se expandem nos cinco continentes: Andrade

13
Revista Fundos de Pensão, Abrapp, São Paulo, n. 374, outubro de 2011.
14
Alexandra Cardoso, “Estudo global de ativos dos Fundos de Pensão 2011”, Towers Wat-
son, 2011, em: <http://www.funcef.com.br/files/Port_TW%20GPAS_2011_20Mai11_final.
pdf>.
15
“Previ é o 24º maior fundo de pensão do mundo”, IG, 6 de setembro de 2011, em: <http://
colunistas.ig. com.br/guilhermebarros/2011/09/06/previ-e-o-24º-maior-fundo-de-pen-
sao-do-mundo>. (Consulta 02/01/2012.)
16
Rodrigo Maschion Alves, “O investimento externo direto brasileiro: a América do Sul
enquanto destino estratégico”, Meridiano 47, Rio de Janeiro, Instituto Brasileiro de Rela-
ções Internacionais, v. 12, n. 127, set.-out. de 2011, p. 28.
17
“Capitais brasileiros no exterior”, Banco Central do Brasil, 23 de agosto de 2011, em:
http://www4.bcb.gov.br /rex/cbe/port/ResultadoCBE2010.asp>. (Consulta 12/11/2011.)
18
Folha de São Paulo, 18 de setembro de 2011.
19
“Brasil terá investimentos de R$ 3,3 trilhões”, O Globo, 28 de fevereiro de 2011, em:
<http: //oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2011/02/28/pais-recebera-3-3-trilhoes-e-
minvestimentosate2014-diz-bndes-366034.asp>. (Consulta 02/01/2012.)

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290 brasil potência

Gutierrez, em 37 países, Odebrecht, em 19, OAS, em 18, Queiroz Galvão,


em 10, e Camargo Corrêa, em 6.20
Uma parte substancial dos investimentos do BNDES foi direcionada
para expansão na América Latina. Em 2009, a Odebrecht recebeu 600 mi-
lhões do BNDES, sendo 80% para contratos na Argentina, na República
Dominicana e em Angola. O modo de financiamento recorda o modo de
operar do Banco Mundial e do BID, entre outros, o financiamento pro-
move as exportações de bens e serviços brasileiros, que representam entre
50% e 80% do valor da obra financiada. O próprio presidente da Odebrecht
na América Latina e em Angola, Luiz Antonio Mameri, reconhece os ob-
jetivos do financiamento: “Há uma interpretação incorreta de que o Brasil
financia obra em outro país, quando financia bens e serviços brasileiros,
gerando impostos e movimentando a economia aqui”.21
O Brasil é o principal investidor estrangeiro na Argentina, onde seus
investimentos somaram 11 bilhões e 189 milhões de dólares em 2011, cor-
respondendo a 25% ao setor industrial, 18% ao petróleo e gás e 11% à mi-
neração,22 dados que indicam a profundidade e a diversidade da presença
brasileira. Somente a mineradora Vale tem previsão de investir 5 bilhões
de dólares em Mendoza, Neuquén e Rio Negro para a extração de potássio,
que inclui a construção de um porto e uma ferrovia. Trata-se de uma am-
pla gama de investimentos em um país medianamente industrializado, o
que anteriormente estava reservado apenas às grandes potências capitalis-
tas. As razões desses investimentos, de acordo com a agência estatal Portal
Brasil, são os mesmos que incentivaram antes os capitais estadunidenses
e europeus: o preço da energia sete vezes menor do que no Brasil, a busca
por mercados e a possibilidade de produzir na Argentina, com custos mais
baixos para vender no mercado brasileiro.23
O outro lado da moeda é a repatriação de capital por multinacionais
brasileiras. Entre 2007 e agosto de 2011, foram repatriados 107 bilhões de

20
“Presença de empreiteiras se multiplica no exterior”, Folha de São Paulo, 18 de setembro
de 2011.
21
“BNDES bate recorde de desembolsos à AL”, Folha de São Paulo, 8 de março de 2010.
22
“Investimentos brasileiros na Argentina disparam nos últimos seis anos”, Portal Brasil, 2
de agosto de 2011, em: <http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2011/08/02/inves­timen­
tos-brasileiros-na-argentina-disparam-nos-ultimos-seis-anos>. (Consulta 12/11/2011.)
23
Ibid.

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Rumo a um novo centro e novas periferias 291

dólares, um movimento que é registrado de forma consistente em 2006.24


Esta é uma autêntica novidade, impensável nas décadas de 1960 e 1970.
Então, hoje podemos afirmar que o capitalismo brasileiro deixou de ser
dependente, o país não é um centro mediano de acumulação e tampouco
desempenha um papel de “subpotência”, como assinala Marini. O conceito
“sub”, tão importante no momento de entender o golpe de 1964 e o papel
do Brasil na região, tornou-se obsoleto. Como observado pela intelectual e
ativista Virgínia Fontes:

O conceito forjado por Marini não abrange, entretanto, modificações


substantivas da concentração de capitais no Brasil, da reconfiguração do
Estado para favorecê-la, do papel que tal expansão capital-imperialista
passa a exercer no conjunto das relações sociais internas ao país, nem das
eventuais tensões interimperialistas decorrentes do contexto internacio-
nal pós-derrocada da União Soviética e da emergência da expansão capi-
tal-imperialista chinesa.25

Debates em curso

A maior parte dos analistas e intelectuais críticos têm optado por continu-
ar a usar o termo “subimperialismo” para dar conta das tendências expan-
sionistas do Brasil. No entanto, começam a surgir outras orientações que
consideram por diferentes motivos que a ascensão do Brasil à categoria de
potência mundial tem um caráter imperialista. Os trabalhos mais abran-
gentes e profundos feitos nos últimos anos chegam a conclusões diferentes:
Mathias Luce Seibel defende a validade da tese de Marini;26 mas Fontes
argumenta que no mundo atual todo capital é “capital-imperialismo”;27 por
último, João Bernardo coincide a partir de um ângulo diferente, sobre o

24
“Multinacionais brasileiras dinamizam a economia”, Valor, 20 de outubro de 2011, em:
<http://www.valor.com.br/opiniao/1060138/multinacionais-brasileiras-dinamizam-eco-
nomia>. (Consulta 02/01/2012.)
25
Virgínia Fontes, O Brasil e o capital-imperialismo, op. cit., p. 359.
26
Mathias Seibel Luce, “O subimperialismo brasileiro revisitado: a política de integração
regional do governo Lula (2003-2007), op. cit.
27
Virgínia Fontes, O Brasil e o capital-imperialismo, op. cit.

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292 brasil potência

caráter imperialista da atual expansão brasileira.28 Todas essas três análi-


ses merecem alguns comentários, ainda que breves.
Luce escreveu sua tese de mestrado antes da crise mundial de 2008.
Enfatiza todos os tópicos de Marini, mas de modo especial o conceito de
“cooperação antagônica” e no caráter dependente do capitalismo brasileiro,
que impede o desenvolvimento autônomo. Observa que a diferença entre
o imperialismo e o subimperialismo consiste em que o segundo é apenas
importador de capital, já que não está em condições de tornar-se exporta-
dor, sendo este “um elemento determinante”.29
Em apoio à sua argumentação, destaca-se o que ele vê como desnacio-
nalização da economia brasileira em benefício do grande capital de matriz
estrangeira e a integração regressiva no mercado mundial como exportador
de commodities para a China e outros países asiáticos. A opção do governo
Lula pela Iirsa e o livre comércio não se opõe ao modelo hegemônico, diz
Luce, e, pelo contrario, “atende às expectativas do grande capital, que encon-
tra na região um ambiente próprio que permite a instalação de plataformas
de exportação de seus produtos, como as montadoras de automóveis”.30
A dependência estaria centrada no papel do agronegócio, já que empre-
sas como Cargill e Monsanto usam o Brasil para se expandir sobre o Para-
guai e a Bolívia. Com a promoção dos biocombustíveis, o papel do subim-
perialismo seria ainda maior: “A disponibilidade do território brasileiro
para converter o etanol em commodity internacional provocará, portanto,
o crescimento da especialização econômica regressiva”.31 Embora a inte-
gração regional beneficie a burguesia brasileira, Luce afirma que o grande
beneficiado é o capital estadunidense, e observa que uma amostra disso
é que seus investimentos estão crescendo na região. Não existem dados,
no entanto, para apoiar essa avaliação. Pelo contrário, desde meados dos
anos 2000, o capital dos Estados Unidos está sendo deslocado pelo capital
brasileiro e chinês. Na verdade, o agronegócio é um das poucas áreas não
controladas por multinacionais brasileiras.
A segunda questão diz respeito à afirmação de que o Brasil trabalha
para os Estados Unidos, ao cooperar na estabilização da região. Para Luce,

28
“Brasil hoje a amanhã”, set.-out. de 2011, em: <http://passapalavra.info>.
29
Mathias Luce, “O subimperialismo brasileiro revisitado”, op. cit., p. 20.
30
Ibid., p. 43.
31
Ibid., p. 44.

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Rumo a um novo centro e novas periferias 293

os Estados Unidos precisam “contar com países-costura como o Brasil,


que cumprem o papel de intermediários na preservação dos interesses
imperialistas no continente, em troca de algumas concessões”.32
Esse é o papel que teria desempenhado o Brasil na crise interna na
Bolívia, em 2009, e, especialmente, por meio da missão militar da ONU no
Haiti (Minustah). A direção da missão e o deslocamento de soldados teriam
evitado um desgaste maior ao Pentágono, que, nesse momento, estava
extremamente ocupado no Iraque. Ele argumenta que os interesses do
Brasil coincidem com a estratégia dos EUA para a América do Sul por uma
“integração hierárquica piramidal”, que permite certa margem de manobra
sem se desligar do conceito de nação-chave para a região. Esta parte do
trabalho de Luce se enquadra no conceito de “gendarme” de Marini, embora
reconhecendo agora que esse papel não é exercido por meio militar, mas
por consenso. Em seu resgate e atualização do conceito de subimperialismo,
enfatiza as continuidades, nas quais insere novas tendências:

Porém, a diferença do período estudado por Marini, que corresponde á


ditadura brasileira nos anos 1960-1970, cujo subimperialismo era forte-
mente marcado pelo militarismo, fazendo pender para a esfera da coerção
toda a dinámica interna do fenómeno para a esfera da coerção, agora o su-
bimperialismo responderia pelo lado oposto da relação coerção-consenso.
Sob o governo Lula, o subimperialismo brasileiro na escala adequada ao
regionalismo sul-americano se desenvolveria fazendo prevalecer a esfera
de consenso. A novidade desta dinâmica, na qual segue vigente o mesmo
protagonismo das corporações e do Estado, se definiria a partir das várias
políticas em que se anuncia o objetivo de reduzir assimetrias no interior
do subcontinente. Seria, portanto, um novo subimperialismo, um subim-
perialismo social-liberal.33

Por outro lado, o trabalho de Virgínia Fontes concentra-se nas mudanças


e nas continuidades. Sua análise gira em torno do conceito de “capital-im-
perialismo”, que em sua opinião é o que caracteriza o movimento do capital
após a Segunda Guerra Mundial, que alterou o caráter do capitalismo pelo

32
Ibid., p. 37.
33
Ibid., p. 116.

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294 brasil potência

predomínio do capital monetário, a dominação da propriedade e o impulso


expropriador avassalador. A forma como o capital se expande nesta nova
fase de caráter imperialista expropria populações inteiras, combinando uma
dupla dominação, interna e externa, reduzindo a democracia a “um modelo
censitário-autocrático, similar às assembleias de acionistas”.34
Em sua opinião, a força motriz do agudo processo de financeirização
foram os fundos de pensão, que geraram um grau sem precedentes de
acumulação (concentração faraônica de recursos) que supera a tradicional
divisão entre capital financeiro e industrial, a tal ponto que foi necessário
remover a regulamentação dos conglomerados tradicionais, que freavam a
circulação e a sucessiva acumulação em uma escala sem precedentes. Em
outras palavras, Virgínia Fontes assinala que as velhas estruturas do ca-
pitalismo impediam a continuidade de acumulação, e isso levou à imple-
mentação do modelo neoliberal. Argumenta que o imperialismo já não
pode mais ser visto como algo que, de fora, entra no país, mas como um
novo tipo de capitalismo, que define como capital-imperialismo, “tenta-
cular e totalitário”, que só pode existir expandindo-se e devorando novos
espaços, apoiando-se na força militar.35
O argumento de Fontes é poderoso, rigoroso, e tem a virtude de polemi-
zar com Marini. Ou melhor, está determinado em atualizar seu legado com
o qual mantém um único vínculo teórico: postula que a burguesia brasileira
e seu capitalismo são dependentes ou subordinados. Se tivesse que apon-
tar algum aspecto polêmico em seu trabalho, é que o capital-imperialismo
aparece sem sujeito, como uma máquina sem timoneiro, como se o próprio
ciclo de acumulação fosse capaz por si mesmo de modelar as sociedades.
No entanto, quando periodiza os conflitos sociais no Brasil, coloca a luta
de classes como a chave fundamental dos processos de intensificação da
acumulação de capital. Isso a leva a sustentar que a “carreira frenética pela
acumulação”, que é mais importante que a produção de bens, é a condição
necessária para que siga existindo a burguesia, uma carreira em que o capi-
tal não pode distrair-se um instante, sob o risco de desaparecer.36

34
Virgínia Fontes, O Brasil e o capital-imperialismo, op. cit., p. 149.
35
Ibid., p. 209.
36
“O imperialismo brasileiro está nascendo?”, entrevista com Virgínia Fontes, em IHU
Online, 7 de maio de 2010, em: <http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_no-
ticias&Itemid=&task=detalhe&id=31982>. (Consulta 12/11/2011.)

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Fontes assegura que o imperialismo brasileiro oferece certa proteção


a um conjunto de países latino-americanos frente à devastação que vem
do capital-imperialista norte-americano. Seriam “contradições sutis” que
oferecem algum alívio aos países e procuram contornar o controle dos Es-
tados Unidos. Ela ressalta que os movimentos sociais “precisam construir
um tratamento mais cauteloso com os governos populares da América do
Sul, e que seja um tratamento constitutivo da relação do Brasil com o ex-
terior”.37 Aceita que essa relação supõe a penetração de capitais brasileiros,
que sempre será de relações agressivas com os movimentos, mas insinua
que pode ser um modo de trabalhar na nova relação de forças. Por momen-
tos parece indicar que a principal tarefa é trabalhar para sair da hegemonia
estadunidense.
Um dos autores mais criativos e críticos, João Bernardo, desdobra em
uma série de artigos publicados no site Passapalavra.info, ao longo de 2011,
suas análises sobre o caráter imperialista do país. Garante que nas últimas
décadas “A economia brasileira acumulou internamente elementos sólidos,
reforçados durante o primeiro governo Lula, dando-lhe internamente mui-
to mais potencial para uma expansão além das fronteiras”.38 Com abundân-
cia de dados, afirma que o Brasil tem sido capaz, a partir de meados do sé-
culo XX, de formar grupos sólidos com condições de competir no exterior,
com altos níveis de produtividade e grande capacidade para projetar um
ciclo de crescimento sustentado, apesar de debilidades inocultáveis.
Em contraste com o que aconteceu com o “milagre econômico” da
ditadura militar – que foi desarticulado pela crise mundial na década de
1980 –, no governo Lula, o país emergente se fortaleceu, ao ponto que a
crise de 2008 “chegou no momento oportuno para o capitalismo brasileiro,
internamente preparado para respondê-la”.39 Na sua opinião, o Brasil
é um dos poucos países onde o Estado pode intervir na economia, por
capacidade e possibilidade, por meio de uma tecnoburocracia que “circula
entre as administrações das empresas, as universidades e as assessorias
dos ministérios e que forma o núcleo mais sólido das classes dominantes”

37
Ibid.
38
João Bernardo “Brasil hoje e amanhã: 6) transnacionalização tardia”, 16 de setembro de
2011, em: <http://passapalavra.info/?p=43992>. (Consulta 12/11/2011.)
39
João Bernardo, “A viagem do Brasil da periferia para o centro: 2) o novo horizonte”, 1 de
maio de 2011, em: <http://passapalavra.info/?p=38693>. (Consulta 12/11/2011.)

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296 brasil potência

e que foi capaz de garantir o crescimento.40 Podemos agregar que essa


burocracia se formou nas escolas militares, como assinala René Dreyfuss:
“Os industriais e os tecno-empresários ligados à estrutura multinacional
transmitiam e recebiam treinamento em administração pública e objetivos
empresariais na Escola Superior de Guerra” compartilhando a ideologia da
segurança nacional e como empresários “viam a disciplina a a hierarquia
como componentes essenciais de um sistema industrial”.41
Este ponto não é nada secundário. João Bernardo nos lembra que as
quatro potências emergentes conhecidas como BRIC têm em comum um
elemento institucional, o “capitalismo burocrático”, já que o Estado de-
sempenha nesses países um papel determinante. Mediante a utilização
de um banco estatal como o BNDES, o Brasil pode dotar-se desde muito
tempo atrás de uma sólida política industrial que o colocou entre as dez
primeiras potências industriais já na década de 1970. Este capitalismo ins-
creve empresários privados (tecnoburocratas) na estrutura estatal, como
já o havia feito a ditadura militar e agora faz o governo do PT. Trata-se de
uma sorte de estatismo apoiado por empresas multinacionais.42
Os governos de Lula e Dilma têm a vantagem de poder promover ele-
vados níveis de coesão interna em grande parte pelas políticas sociais para
reduzir a pobreza e neutralizar o conflito social. Essa coesão social “é um
fator indispensável para uma expansão imperialista eficaz”, sustenta João
Bernardo,43 especialmente num período em que os velhos centros de poder
estão em franco declínio e novos centros começam a disputar seus espaços,
e, necessariamente, devem construir a sua própria periferia.
Um bom exemplo dessa coesão é a percepção da sociedade brasileira so-
bre as forças armadas e a política externa. Uma das metas estabelecidas pela
Estratégia Nacional de Defesa foi precisamente envolver a população nas
discussões acerca do lugar que o país tem na região e no mundo e sobre o
papel das forças armadas. Um grande estudo do Ipea sobre a percepção so-
cial dos brasileiros em relação à defesa ilustra a coesão interna conseguida.

40
Ibid.
41
Renè Dreifuss. A conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe. Rio de
Janeiro: Petrópolis, 1981. p. 80.
42
João Bernardo, “Brasil hoje e amanhã: 5) capitalismo burocrático”, 9 de setembro de
2011, em: <http://passapalavra.info/?p=43953>. (Consulta 12/11/2011.)
43
Ibid.

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Rumo a um novo centro e novas periferias 297

Cerca de 67% da população brasileira acredita que é muito provável


ou razoavelmente provável que o país sofra uma agressão militar de uma
potência estrangeira para se apropriar dos recursos da Amazônia, en-
quanto 63% acreditam que o país pode ser atacado por causa do petróleo
que abriga o pré-sal. 44 O mais interessante ainda é a afirmação de que a
principal ameaça para 35% dos brasileiros (quase a metade quando ex-
cluem os que não respondem) vem dos EUA, e que os principais aliados
estão na região.45
Quando a população é consultada sobre a confiança nas forças armadas,
82% responderam que confiam muito ou bastante e apenas 17% dizem que
confiam pouco ou nada.46 Trata-se de níveis de aprovação e de apoio muito
superiores ao que as forças militares têm em outros países da região, e re-
vela um grau de adesão importante. Algo similar acontece com a pergunta
acerca dos gastos com equipamento militar: 70% dizem que deve aumen-
tar muito ou bastante, contra apenas 4% que dizem que deve diminuir.47
Parece evidente que a sociedade tem uma forte empatia com os objetivos
definidos na estratégia de defesa e que o Estado e a sociedade comparti-
lham uma visão do mundo e do papel do Brasil.

Um cenário aberto

Nos capítulos anteriores mostrei, com base em estudos realizados por vá-
rios autores brasileiros, que na primeira década do século XXI se confor-
mou uma tendência que se havia manifestado com força durante o regime
militar, que foi abandonada para florescer com toda sua intensidade com
o governo Lula. Essa tendência, lentamente amadurecida, é a vontade de
transformar o Brasil em uma potência global, em uma das quatro nações
emergentes que estão mudando a relação de poder em escala mundial. Na
América Latina, excetuando-se e o Brasil, não existem potências interme-

44
Ipea, “Sistema de indicadores de Percepção Social. Defesa Nacional”, Parte I, Brasília, 15
de fevereiro de 2011, p. 5-6.
45
Ibid., p. 8-9.
46
Ipea, “Sistema de indicadores de Percepção Social. Defesa Nacional”, Parte II, Brasília,
26 de janeiro de 2012, p. 5.
47
Ibid., p. 15.

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298 brasil potência

diárias, como em algum momento foram Argentina e México, capazes de


desempenhar um papel importante na reformulação do mapa regional.
Os estrategistas da Escola Superior de Guerra (ESG) foram os primei-
ros a destacar a vocação regional do Brasil e a assinalar que a América
Sul é a região mais importante para a manutenção do domínio global dos
Estados Unidos. A Segunda Guerra Mundial mostrou a importância geo-
política da região na estratégia dos Estados Unidos, porque lhe permitia
não só assegurar fontes de matérias-primas, minerais indispensáveis para
a indústria bélica, mas também para manter a segurança e a retaguarda no
Atlântico Sul.48
Moniz Bandeira considera que o Brasil é o único rival possível à influ-
ência hegemônica dos Estados Unidos na região. Em sua opinião, com-
partilhada pela ESG, o Plano Colômbia foi concebido para controlar o
petróleo naquele país, antes de combater as guerrilhas e o narcotráfico,
razão pela qual entre 10 e 15% das tropas do exército colombiano e asses-
sores militares dos Estados Unidos são mobilizados ao longo dos cinco
oleodutos e outras instalações, para proteger a infraestrutura energética e
as empresas estrangeiras de petróleo. A maior preocupação dos militares
brasileiros consiste no fato de que “o exército da Colombia tornou-se no
maior e mais bem equipado, relativamente, de toda a América do Sul”, o
que ameaça a soberania da Amazônia.49 Moniz Bandeira coincide com as
elites políticas, militares e de empresários na qual a descoberta de gran-
des jazidas de petróleo na plataforma marítima do Brasil é uma das razões
que levaram o presidente George W. Bush “a restaurar a IV Frota para o
Atlântico Sul”.50
Assegura que a criação da Unasur e do Conselho de Defesa Sul-Ameri-
cano desarticula o sistema interamericano criado por Washington com a
OEA, o Tiar (Tratado Interamericano de Assistência Recíproca) e a Junta
Interamericana de Defesa. Finaliza assegurando que em virtude de a Amé-
rica do Sul ser o maior exportador mundial de alimentos, um dos maiores
de petróleo e ter vasta reservas minerais e de água, “não se pode descartar

48
Luiz Alberto Moniz Bandeira, “A importância Geopolítica da América do Sul na Es-
tratégia dos Estados Unidos”, Revista da Escola Superior de Guerra, n. 50, Rio de Janeiro,
jul.-dez., 2008, p. 12.
49
Ibid., p. 23.
50
Ibid., p. 28.

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Rumo a um novo centro e novas periferias 299

a hipótese de guerra com uma potência tecnologicamente superior”, ou


conflitos que afetem a Venezuela e a Bolívia, e, portanto, a sua segurança
nacional.51
Guilherme Sandoval Góes, coordenador da Divisão de Assuntos Geo-
político e Relações Internacionais da ESG, assinala que em 1986 o Brasil
deu um passo significativo para neutralizar a estratégia continental dos
Estados Unidos ao criar a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZP-
CAS), que, em sua opinião, “tem um importante papel para neutralizar
uma possível iniciativa dos Estados Unidos de criar-se a Organização do
Tratado do Atlântico Sul (Otas), que iria consolidar a hegemonia norte-a-
mericana nessa importante região geoestratégica”.52
A estratégia da região sul-americana deve girar, em sua opinião, em
cinco eixos: fortalecer a integração, construir uma identidade sul-ameri-
cana em matéria de defesa, integrar as indústrias de defesa, promover o
crescimento econômico sustentável e tornar a América do Sul um polo
de poder no sistema mundial. Para evitar a subordinação geopolítica da
região, defende “a liderança benigna brasileira na América do Sul”, o que
converte a região em “espaço vital para o fortalecimento internacional do
Brasil” e sua inserção multipolar em várias frentes de cooperação inter-
nacional como a União Europeia e o bloco asiático.53 Se esses passos não
se concretizarem, a América do Sul será apenas um objeto de exploração
econômica de Washington, sem autonomia política.
É interessante constatar a coincidência de fundo entre a visão da ESG
e a do Ipea, dois dos principais centros de pensamento estratégico. Este
centro dedica vários estudos para desenvolver as principais linhas de
atuação do Brasil na região. Em linhas gerais, suas análises coincidem
com a visão de mundo adotada por um amplo aspecto de analistas que
inclui os defensores da teoria do sistema-mundo. O economista José Luis
Fiori, em um trabalho para o Ipea, enfatiza que a derrota no Vietnã, em
1973, levou os Estados Unidos a construir um império militar, acelera-
do logo após a queda da União Soviética, em 1991; aponta a criação de
uma nova geometria política e econômica com predomínio estaduniden-

51
Ibid., p. 35.
52
Guilherme Sandoval Góes, “Por onde andará a Grande Estratégia Brasileira?”, Revista
da Escola Superior de Guerra, Rio de Janeiro, jul.-dez., 2008, p. 60.
53
Ibid., p. 61.

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300 brasil potência

se, mas com o surgimento de novas potências regionais, incluindo nessa


categoria a China.54
A peculiaridade da América do Sul consiste que ao longo do século
XX, não se consolidou um sistema integrado e competitivo de Estados e
economias nacionais, como sucedeu na Ásia depois da descolonização. É
por isso que Fiori diz que “nunca existiu na América do Sul uma disputa
hegemônica entre seus Estados e economias nacionais, e nenhum de seus
Estados disputou a hegemonia continental com as grandes potências”.55 Nos
dois séculos de independência, as novas nações transitaram da hegemonia
britânica para a estadunidense sem fissuras, uma situação que durou até a
hegemonia do Consenso de Washington. No entanto, no final da primeira
década do século XXI, é possível constatar duas grandes transformações
geopolíticas e econômicas: a liderança brasileira na América do Sul e a
crescente importância da China na economia regional.
Desde os anos 1980, o Brasil começou a participar da Agenda sul-ame-
ricana, até que começa a ocupar um lugar central no final de 1990, quando
o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso convoca a cúpula de presi-
dentes na qual surge a Iirsa (2000), para se tornar a “referência prioritá-
ria”, a partir de 2003, com o governo Lula.56 Apesar dessas mudanças, essa
percepção sobre a importância da região ainda não se traduz em políticas
concretas. Ricardo Sennes, coordenador do Grupo de Análise Internacio-
nal da Universidade de São Paulo, assinala que no país prevalece de forma
implícita “a preferência por um padrão de relação regional baseado na pro-
jeção das capacidades políticas e econômicas brasileiras e não um padrão
de integração regional”.57 Neste sentido, a política regional brasileira é
mais parecida com os Estados Unidos (um conjunto de acordos bilaterais
com base nos interesses do hegemón) do que com o modelo europeu, que
construiu integração com base em uma elevada institucionalidade.
O certo é que o Brasil assinou em setembro de 2008 um acordo estra-
tégico militar com a França que alterará a relação do Brasil com os Esta-

54
José Luis Fiori, “Brasil e América do Sul: o desafio da inserção internacional soberana”,
op. cit.
55
Ibid., p. 16.
56
Ricardo Sennes, “Brasil na América do Sul: internacionalização da economia, acordos
seletivos e estratégia de hub-and-spokes”, Revista Tempo do Mundo, Brasília, Ipea, v. 2, n.
3, dezembro de 2010, p. 114.
57
Ibid., p. 115.

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Rumo a um novo centro e novas periferias 301

dos Unidos, ao convertê-lo na maior potência naval no Atlântico Sul, uma


vez que comece a lançar submarinos convencionais e nucleares. A crise
de 2008, aponta Fiori, “aumentou as assimetrias econômicas regionais e
contribuiu para o nascimento de novas divergências e conflitos entre os
governos regionais e o governo brasileiro”.58 Essas mudanças a favor do
Brasil pressupõem problemas e desafios de novo tipo, sem experiência pré-
via de solução na região.
A regionalização, entendida como aumento dos vínculos regionais,
avançou mais rápido do que a integração, passando por acordos institucio-
nais.59 Aparentemente, as elites empresariais e a burocracia estatal estão
bastante atrás da diplomacia e das forças armadas na hora de entender a
importância da América do Sul (conceito espacial cunhado por estrategis-
tas militares) para a decolagem do Brasil como uma potência global.
No entanto, os dados econômicos falam por si. Entre 2001 e 2009, as
exportações do Brasil para o Mercosul passaram de 2,4% para 10,3% do
total de suas exportações, uma porcentagem superada apenas pela China.
Mais interessante ainda é constatar que o grosso das exportações indus-
triais do Brasil são destinados para a América do Sul. Em 2008, 60% das
exportações de equipamentos eletrônicos foram dirigidos para a América
do Sul, assim como 40% das exportações da indústria automotiva, 38%
da indústria têxtil, 32% de máquinas e equipamentos e 31% dos equipa-
mentos elétricos. O mesmo destino tem 28% das exportações de produtos
químicos e petroquímicos, 18% de celulose e papel e 16% da siderurgia.60
No geral, as exportações industriais brasileiras para a região representam
entre um quarto e um terço do total das exportações.
A segunda mudança estratégica importante na região, a impressionante
entrada da China, está fadada a gerar também novos problemas e dese-
quilíbrios. Por ora se trata de um desafio basicamente econômico: entre
2003 e 2008, a China passou a representar de 5,4% a 12% das exportações
da região, mas o seu valor bruto cresceu 700%. Isso levou a uma queda da
participação brasileira em alguns mercados, como o argentino.61 Quanto
aos investimentos chineses, a América Latina tornou-se o segundo destino

58
José Luis Fiori, “Brasil e América do Sul”, op. cit., p. 19.
59
Ricardo Sennes, “Brasil na América do Sul”, op. cit., p. 117.
60
Ibid., p. 132.
61
José Luis Fiori, op. cit. p. 19.

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302 brasil potência

do país, atrás da Ásia. O governo brasileiro observa com preocupação esse


processo, já que as massivas importações chinesas de minerais e soja, e
seus investimentos em compra de terras e hidrocarbonetos, pode causar
“uma perda de densidade na estrutura produtiva nacional e do controle
estratégico sobre fontes de energia (petróleo) e recursos naturais (terras e
minas), além de um aumento de vulnerabilidade externa estrutural”.62
O Ipea conclui que a pressão competitiva dos manufaturados chineses
está reduzindo as exportações industriais do Brasil, gerando um agudo dé-
ficit comercial dos produtos de alta tecnologia e reduzindo a participação
das exportações de maior intensidade tecnologia para terceiros mercados,
como o da América Latina, a Europa e os Estados Unidos.63
Por outro lado, os efeitos da crise de 2008 tendem a retardar o projeto
de integração, já que aprofundam as assimetrias e a concorrência entre
os países. Os quatro principais problemas, que não são novos, mas que se
agravam, são: economias voltadas para a exportação, muito pouco integra-
das e nada complementares; assimetria e desigualdades nacionais e sociais
em cada país e na região; a inexistência de uma infraestrutura continental
eficiente; e a falta de objetivos regionais permanentes capazes de unificar
uma visão estratégica.64 Essas são dificuldades objetivas e estruturais que
só podem ser superadas com uma poderosa vontade política.
A região sul-americana pode prolongar indefinidamente a condição
que lhe foi imposta desde a colônia, de periferia exportadora de produtos
primários, ou apostar no desenvolvimento endógeno que lhe assegure a
construção de um caminho autônomo. Mas essa decisão supõe, como ob-
serva Fiori, “a região endogeneizar seu dilema de segurança”, para deixar
de depender dos guarda-chuvas estadunidenses, para que todos os países
da América do Sul se convertam em aliados estratégicos.65
Neste ponto, o Brasil tem apenas duas alternativas: ou se tornar uma
periferia de luxo ou liderar os países da região para forjar sua autonomia.
Frente aos outros mercados emergentes (Índia, Rússia e China), o Brasil

62
Luciana Acioly, Eduardo Costa Pinto e Marcos Antonio Macedo Cintra, “As relaçôes bi-
laterais Brasil-China: a ascensâo da China no sistema mundial e os desafios para o Brasil”,
Brasília, Grupo de Trabalho sobre a China, Ipea, 2011, p. 50.
63
Ibid., p. 50-52.
64
José Luis Fiori, “Brasil e América do Sul”, op. cit., p. 22.
65
José Luis Fiori, “Brasil e América do Sul”, op. cit., p. 23.

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Rumo a um novo centro e novas periferias 303

tem a enorme vantagem de poder se expandir pacificamente em uma re-


gião sem conflito. Tem, ainda, a sexta reserva mundial de urânio e logo
exportará urânio enriquecido, está entre as cinco maiores reservas de pe-
tróleo do mundo, é a primeira economia em biocombustíveis, três dos dez
maiores bancos do mundo são brasileiros e conta com algumas das maio-
res multinacionais. A trajetória expansiva se deu a partir de 2003, com o
governo Lula, mas seus líderes devem tomar algumas decisões:

Em primeiro lugar, terá que definir o seu projeto mundial e sua especifi-
cidade em relação aos valores, diagnósticos e posições dos europeu e dos
norte-americanos, em relação aos grandes temas e conflitos da agenda in-
ternacional. E, em segundo lugar, o Brasil terá que decidir se aceita ou não
a condição militar de aliado estratégico dos EUA, Grã-Bretanha e França,
com o direito de acesso à tecnologia de ponta, como a Turquia e Israel, mas
mantendo-se em sua zona de influência, proteção e decisão estratégica e
militar dos Estados Unidos e seus principais aliados europeus. Ou seja, o
Brasil vai decidir o seu lugar no mundo.66

O Brasil pode manter uma relação instrumental com a região, do mes-


mo estilo que as definem os estrategistas da ESG e as empresas construto-
ras, que no essencial coincide com uma espécie de expansionismo que su-
bordina a região a seus interesses, ou pode optar por um tipo de integração
mais igualitária, em que a burguesia paulista e a burocracia estatal devem
fazer concessões. A massiva oposição do povo boliviano à construção de
uma estrada financiada pelo BNDES e executada pela construtora da OAS
é o sinal mais palpável da rejeição que provoca um imperialismo “endóge-
no”, seguindo os passos de impérios anteriores.
Existem outras possibilidades. A construção de uma nova arquitetura
regional com base em três pilares como o Banco do Sul, o Fundo do Sul e
fortalecimento das moedas nacionais, mediante a criação de um sistema
monetário Sul-Americano, pode ser um passo necessário para desconectar
a região da área do dólar.67 Mas o Brasil está dilatando a implementação
dessas medidas por mesquinhos interesses nacionais. Uma integração re-

66
Ibid., p. 32.
67
Sofía Jarrin, “Otro modelo financiero ya está en marcha en América Latina”, 14 de ou-
tubro, em: <http://www.bolpress.com/art.php?Cod=2011101404>. (Consulta 24/11/2011.)

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304 brasil potência

gional que desacople do dólar não será obra das empresas transnacionais,
mas dos Estados. Ainda não está claro se a nova elite no poder, em que se
inseriram os quadros do PT e do sindicalismo mergulhado nos fundos de
pensão, terá a coragem política e o necessário discernimento para condu-
zir esse processo em um momento em que o mundo entra em um período
de caos sistêmico.
Para os povos e os pequenos países da região, abrem-se novas oportu-
nidades e desafios maiores. Será necessário colocar limites ao expansio-
nismo imperialista da burguesia brasileira e de seu Estado, assim como foi
feito pelos indígenas bolivianos, impor condições, negociar para impedir
que se repita a história colonial, para que as maiorias não voltem a ser pe-
riferias de um novo centro, agora regional, especializado em acumulação
de capital apropriando-se dos bens comuns. É possível, porque as maio-
rias sul-americanas, incluindo a maior parte do povo brasileiro, sofrem
a mesma tendência modernizadora. Nesse sentido, aqueles que no Brasil
resistem à construção de Belo Monte, à transposição do Rio São Francisco
e às megaobras como Jirau e Santo Antônio podem e devem formar um
bloco de proteção do meio ambiente e da soberania dos povos com os que
defendem o Tipnis na Bolívia, opõem-se às represas de Inambari no Peru
e resistem ao agronegócio no Paraguai.

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CAPÍTULO 10

Os movimentos antissistêmicos
no Brasil Potência

No Brasil, atualmente, não existe reação popular; não existe


esse enfrentamento direto; a luta de classes está se dando
de uma maneira muito particular, de uma forma difusa, e
dificilmente toma formas políticas, é uma luta privada. É
expressão da luta de classes, mas não é uma luta política.
Existem enfrentamentos ocultos, um conflito diário, cotidiano,
mas – e sobretudo entre os pobres – não existe enfrentamento
com os de cima.
Francisco de Oliveira

No dia 12 de novembro, um capataz de obra da represa Belo Monte exigiu


que quatro pedreiros, trabalhadores da obra, carregassem com os próprios
braços grandes troncos de madeira que só podem ser movidas com máqui-
nas. Eles se negaram, porque segundo o contrato firmado não lhes corres-
pondia realizar esse tipo de tarefas. Nesse mesmo dia, foram despedidos.
De imediato, iniciou-se uma forte agitação em toda obra, e os trabalhado-
res “ameaçaram incendiar os alojamentos”.1 No dia seguinte, a empresa
pediu aos trabalhadores que elegessem delegados para entabular conversa-
ções, e sugeriu quatro operários que no dia anterior haviam se destacado
em acalmar os ânimos. Quatro dias depois, 138 trabalhadores foram des-
pedidos e expulsos da obra de modo brutal: 40 membros da polícia de elite
de Belém colocaram à força os operários nos ônibus e os enviaram de volta
ao Maranhão. A direção da empresa acusou os quatro delegados de terem

“Belo Monte: coerção nos canteiros de obras”. Entrevista especial com Ruy Sposato, IHU
1

On Line, 5 de dezembro de 2011, em: <http://www.ihu.unisinos.br/noticias/504572-o-cli-


ma-nocanteiro-de-obras>. (Consulta 02/01/2012.)

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306 brasil potência

sido os responsáveis pelas expulsões, como forma de deslegitimá-los ante


seus companheiros.
Uma semana depois, no dia 25 de novembro, começou uma greve, que
foi suspensa nos primeiros dias de dezembro por pressão do sindicato. O
jornalista Ruy Sposato, do movimento Xingu Vivo para Sempre, que reside
em Altamira, a cidade mais próxima da obra, e acompanha os debates e
a resistência à represa de Belo Monte, relata como os operários decidiram
suspender a greve, aconselhados pelo Sindicato de Trabalhadores da Cons-
trução Pesada do Pará:

O sindicato tomou frente nas negociações porque os trabalhadores não se


sentiram à vontade para montar uma comissão ou um comando de greve
por causa das demissões que ocorreram. Isso gerou uma necessidade de
criar o padrão do anonimato, mas, em contrapartida, isso gera um novo
problema na hora de indicar o caminho das coisas. De acordo com o sin-
dicato, foram realizadas assembleias nos canteiros para poder subsidiar
a pauta de reivindicações que seria protocolada na Superintendência Ge-
ral do Trabalho (...). Após uma tarde de conversa, o sindicato conseguiu
convencer os trabalhadores de que seria melhor suspender a greve do que
negociar, porque a empresa ficou de resolver imediatamente o problema
da água e da comida, mas o restante da pauta só seria discutido se a greve
fosse suspensa.2

O sindicato representa legalmente os operários de Belo Monte, mas


uma parte dos trabalhadores não o reconhece porque a sua direção local
não inclui nenhum trabalhador da obra. “Quando eclodiu a primeira gre-
ve, assegura Sposato, o sindicato não enviou nenhum representante”. Pior
ainda: as negociações com delegados provavelmente eleitos pelo sindicato,
já que não existem registros de que foram realizadas verdadeiras assem-
bleias, foram acompanhadas por Avelino Ganzer, secretário de Articula-
ção Social da Presidência da República, ligado à CUT.
As condições de trabalho na obra são penosas. Eles se levantam às 4 da
manhã, tomam café no restaurante da empresa e às 5 sobem nos ônibus
para ir ao trabalho. Mais recentemente, foi permitido a eles bater o ponto

2
Ibid.

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Os movimentos antissistêmicos no Brasil Potência 307

do ingresso às 7, quando começam as atividades. Trabalham até 17:30, co-


mem e chegam a suas moradias entre 18:30 e 19 horas. O salário é de 500
dólares, as horas extras não são pagas em dobro, e, além disso, reivindicam
a baixada, o tempo de retorno a seus lugares de origem. Exigem tempo de
descanso no Natal e no Ano Novo. A comida é preparada em Altamira, a
50 quilômetros da obra, e os operários asseguram que chega em más con-
dições. Cerca de 250 trabalhadores foram hospitalizados por intoxicações.
Os operários estão isolados da cidade, e, segundo Sposato, o acesso a
internet em Altamira é precário, e estão separados em barracões muito
distantes. É evidente que a empresa aprendeu com a revolta de Jirau e to-
mou medidas para evitar que se repitam as rebeliões. A imprensa guarda
um silêncio absoluto. Para divulgar seus problemas, os trabalhadores apre-
enderam uma caminhonete da empresa para tentar buscar alguém que os
escutasse. Foi desse modo que Sposato entrou em contato com os operá-
rios de Belo Monte.3 Os “delegados” do sindicato foram levados no dia 29,
depois de 4 dias de greve, à Delegacia Regional do Trabalho, onde os di-
rigentes já haviam acordado com a empresa e o representante do governo.
O sindicato pertence à central Força Sindical, que nesse momento
tinha Carlos Lupi como Ministro do Trabalho, que poucos dias depois
da negociação com os operários de Belo Monte teve que renunciar por
denúncias de corrupção em seu ministério. As obras de Belo Monte
haviam começado recentemente quando se deu o conflito, razão pela
qual em novembro de 2011 havia menos de 4 mil operários, ainda que
se estime que chegarão a trabalhar até 20 mil de forma simultânea. O
interessante desses eventos de Belo Monte é que desvelam um padrão de
ação dos operários, que estão dispostos a provocar incêndios para fugir da
escravidão (o mesmo que faziam os escravos das plantações), que optam
antes pelo anonimato que pela representação e rechaçam o sindicato.
Sposato descreve as alianças em ambos os lados:

Esse aparato do sindicato, dizendo que a melhor tática era suspender a


greve, a figura do governo insistindo para que a greve fosse suspensa e
a empresa pressionando, fez com que aquelas manifestações espontâneas
dos trabalhadores acabasse. Então, eles suspenderam a greve, apesar de

3
Ibid.

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308 brasil potência

dizer que ela pode voltar a qualquer momento. Daqui para frente sempre
haverá duas disputas: a dos trabalhadores, que querem melhorias, e a do
sindicato, governo e empresa, que forma um bloco pelo fim da greve”.4

O que acontece em Belo Monte é, por certo, muito similar ao que aconte-
ceu em Jirau e Santo Antônio, mas também em outras obras do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) e em outras obras para a Copa do Mundo
de 2014. Durante todo o ano de 2011 houve grandes conflitos em todas essas
obras, destacando-se os quase 80 mil grevistas dos primeiros meses do ano
em obras do PAC. O tripé da aliança entre sindicato, empresa e governo, que
já havíamos detectado em Jirau, tem sua razão de ser no caso de Belo Monte.
Não se trata de cooptação dos sindicatos ou de que os dirigentes estejam
traindo os operários. A questão é mais complexa. A composição acionária
da empresa Norte Energia, encarregada da construção da represa de Belo
Monte, revela a existência de complexos interesses sindicais.

Quadro 10 – Composição acionária da Norte Energia (2011)

Acionista Porcentagem
Eletrobras 15,00%
Chesf 15,00%
Eletronorte 19,98%
Funcef 10,00%
Petros 5,00%
Caixa Fip Cevix 5,00%
Neoenergia S.A. 10,00%
Amazônia Cemig 9,77%
Outros 0,25%

Fonte: Norte Energia S.A.

As três primeiras são empresas controladas pelo governo federal. Petros


e Funcef são fundos de pensão dos trabalhadores da Petrobras e da Cai-

4
Ibid.

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Os movimentos antissistêmicos no Brasil Potência 309

xa Econômica Federal, ambas empresas estatais. Neoenergia S.A. é uma


empresa em que o Previ, o fundo de pensão dos trabalhadores da estatal
do Banco do Brasil, tem 49% das ações. Em síntese, o governo do Brasil
controla de forma direta ou indireta por volta de 70% das ações da em-
presa que constrói Belo Monte. Por várias vias os sindicatos têm um peso
determinante, seja por meio dos fundos de pensão que controlam cerca de
25% das ações, seja por sua importante presença nos escalões mais altos do
governo federal onde se tomam as decisões sobre as megaobras.
Recordemos que quase metade dos cargos de confiança dos governos
de Lula e Dilma está ligada ao movimento sindical, ocupados prioritaria-
mente por bancários, docentes ou petroleiros, que em sua imensa maioria
provém da CUT.5 Por outro lado, a presença sindical nos três maiores fun-
dos de pensão (Previ, Petros e Funcef) é decisiva.
O BNDES financia 80% da obra de Belo Monte cujo orçamento, segun-
do o Movimento Xingu Vivo para Sempre, alcançará os 17 bilhões de dóla-
res, que serão transferidos para bancos privados com taxas de juros abaixo
do mercado, ou seja subvencionados pelo Estado, para serem devolvidos
em 30 anos.6 Deste modo, a gestão sindical-governamental joga um papel
decisivo na orientação dos empréstimos, na criação dos conglomerados
empresarias como o Norte Energia e nas decisões empresariais. O “bloco”
que menciona Sposato sintetiza a nova configuração de poder. Este poder
empresarial-estatal-sindical não titubeia na hora de chamar a polícia mili-
tar para pôr ordem nas megaobras do Brasil Potência.
A atitude sindical deve atribuir-se à identidade de interesses, ao fato que
a ascensão do país à posição de potência global gerou, e isso foi possível
pela remodelação da classe dominante, que se traduz na configuração de
uma nova elite na qual os quadros sindicais vinculados aos fundos de pen-
são e à administração dos Estados se amalgamam com as elites anteriores.
Os grandes sindicatos, aqueles que agrupam o setor mais especializado e
mais bem remunerado dos trabalhadores, são parte de um bloco de poder,
e não uma aristocracia operária, como considerou o movimento socialista
em outros momentos históricos.

5
“Sindicalistas detêm 43% da elite dos cargos de confiança no governo Dilma”, Folha de
São Paulo, 27 de dezembro de 2010.
6
<www.xinguvivo.org.br/participe/>.

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310 brasil potência

O conceito de aristocracia operária aparece no prefácio que escreve En-


gels em 1892 à edição de A situação da classe trabalhadora na Inglaterra,7
sendo um fenômeno vinculado ao aburguesamento de um setor da classe
trabalhadora como consequência do fenômeno colonial. Posteriormente,
Lenin desenvolve e atualiza esse conceito: “O imperialismo tende a criar
setores privilegiados também entre os operários e a separá-los das amplas
massas do proletariado”.8 Em segundo lugar, considera que uma parte dos
trabalhadores aceita ser dirigida por “homens comprados, ou ao menos
pagos pela burguesia”.9 Para ambos, tratava-se de uma situação passageira
que supunha um benefício material a certos setores da classe operária. Não
se tratava, portanto, de uma nova realidade estrutural, mas sim de um
setor dos trabalhadores que se beneficiavam dos lucros extraordinários do
capital monopolista, seja pelo lugar que ocupavam na produção, seja por
sua capacidade de pressão organizada, ou por ambas.
A partir da criação dos fundos de pensão sucede no mundo algo diferente,
um salto de qualidade. No início do século XX, aparece no seio do movi-
mento sindical uma camada burocrática com interesses próprios. Essa é a si-
tuação que descreve Lenin e que motivou duras disputas na II Internacional
que resultaram em cisões. Na segunda metade do século XX, aparece o que
João Bernardo define como “a transformação dos sindicatos em investidores
capitalistas”.10 Isto quer dizer que os sindicatos realizam investimentos para
proteger e aumentar seus fundos provenientes das cotizações de seus filiados.
Por mais grave que isso possa parecer para aquele, como nós, que está moti-
vado com a emancipação e a revolução, esse passo não é nada frente à apa-
rição dos fundos de pensão que são hoje um dos motores da acumulação do
capital e, sobretudo, da especulação financeira. No mundo todo, e também
no Brasil, os sindicatos têm um papel hegemônico nesses fundos.
Nesta etapa, as cúpulas sindicais que controlam esses fundos e ocupam
lugares estratégicos no aparato estatal, por intermédio dos quais controlam
boa parte das multinacionais brasileiras, fazem parte da classe dominante.

7
Friedrich Engels. Prefácio à segunda edição alemã de 1892. A situação da classe trabalha-
dora na Inglaterra. Obras Escolhidas, t. III. Moscou: Progresso, 1974.
8
Vladimir I. Lenin. O imperialismo, etapa superior do capitalismo. Obras Completas, t.
XXII. Madrid: Akal, 1977. p. 404.
9
Ibid., p. 405.
10
João Bernardo e Luciano Pereira, Capitalismo sindical, op. cit., p. 13.

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Os movimentos antissistêmicos no Brasil Potência 311

Essa é uma mudança qualitativa que não deve ser deixada de lado e que se
manifesta quando aparecem conflitos sérios como Jirau e Belo Monte. Não
é casualidade, nem erro nem cooptação que trabalhem junto com o Estado
e às empresas para evitar greves ou para aniquilá-las.
Os festejos do Primeiro de Maio geralmente são financiados por empre-
sas estatais e privadas. As duas festas que ocorreram no 1º de Maio de 2011
em São Paulo, a da CUT e de outras cinco centrais, que celebraram separa-
damente, tiveram um custo de 2,8 milhões de dólares. A Petrobras contri-
buiu com 350 mil dólares, enquanto a Caixa Econômica Federal, o Banco do
Brasil e a Eletrobras aportaram entre 90 e 120 mil dólares cada uma. As em-
presas privadas também apoiaram. Brahma, Casas Bahia, Carrefour, Pão de
Açúcar, BMG e os grandes bancos Bradesco e Itaú oscilaram entre 50 e 120
mil. As duas festas tiveram espetáculos populares e sortearam 20 carros.11
O ponto que quero destacar é que estamos ante uma nova realidade,
uma ruptura das velhas tendências burocráticas das direções sindicais,
para uma sobre a qual ainda não temos elaborados os conceitos necessá-
rios. Não é, por certo, o único caso, como assinala o sociólogo Francisco de
Oliveira quando aponta em referência aos novos modos de dominação, que
estamos “ante uma revolução epistemológica para a qual ainda não temos
a ferramenta teórica adequada”.12

Estancamento e retrocesso das lutas

Todos os movimentos sociais atravessam um largo período de baixa de


atividade, de lutas defensivas e de processos de estancamento que superam
a vontade dos núcleos dirigentes por reconstruir a capacidade de luta. Sob
o governo Lula, esses dois movimentos se aprofundaram, tanto no movi-
mento sindical quanto nos demais movimentos.
Uma primeira aproximação geralmente passa pela revisão quantitativa.
Se tomamos o movimento sindical, vemos que em 1989 houve quase 4 mil

11
“Estatais financiam 1º de Maio das centrais sindicais”. Folha de São Paulo, 24 de maio
de 2011.
12
Francisco Oliveira. “Hegemonia às avessas: decifra-me ou te devoro!”, em Francisco
Oliveira, Ruy Braga e Cibele Rizek. Hegemonia às avessas. São Paulo: Boitempo, 2007. p.
21-28.

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312 brasil potência

greves no Brasil,13 sendo esse o ponto mais alto de uma década de grandes
e massivas lutas operárias. Já em 1992 as greves haviam caído até 554, e
esse número cairia para a metade nos anos seguintes. A década de 2000 co-
nheceu cifras ainda mais baixas: 420 em 2001, 304 em 2002, para descer a
299 em 2005 e chegar a 411 em 2008.14 Vê-se que, nos oito anos de governo
Lula, houve menos greves que em 1989.
Houve outros caminhos mais significativos. A Força Sindical conver-
teu-se, de forma similar à CUT, em base de apoio do governo Lula e depois
de Dilma Roussef. Nenhuma das manifestações convocadas nesses anos,
com exceção das festas de Primeiro de Maio, congregaram mais que 25
mil trabalhadores, e a maior parte de suas demandas se focalizaram em
defender o crescimento econômico como forma de aumentar as taxas de
emprego e dos salários.15 Desde 2003, houve sucessivas rupturas na CUT
que deram origem à Conlutas (Coordenação Nacional de Lutas) e à Inter-
sindical. Em 2011, os dois setores do movimento sindical, o vinculado ao
governo por meio de cinco centrais e o opositor ou classista, realizaram
encontros para afirmar seus espaços. Vale destacar que os dois encontros
mais importantes, a Assembleia Nacional de Movimentos Sociais, de 31 de
maio de 2010, em São Paulo, e a Conclat16, celebrada em 1º de junho pela
CUT, Força Sindical, UGT, CTB e Nova Central, contaram com a presença
do MST, que geralmente se mobiliza com setores opositores e classistas.
A Conclat convocada pelos setores classistas se realizou nos dias 5 e 6
de junho de 2010 em Santos, e contou com o apoio de Conlutas, Intersindi-
cal, MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), MAS (Movimento
Avançado Sindical), MTL (Movimento Terra, Trabalho e Liberdade) e a
Pastoral Operária de São Paulo. No evento participaram 3.115 delegados,
800 observadores e mais de cem convidados de 25 países.17 O Congresso

13
Marcelo Baradró Matos. Trabalhadores e sindicatos no Brasil. Rio de Janeiro: Vicio de
Leitura, 2002.
14
Roberto Leher et al., “O rumos das lutas sociais no período 2000 –2010”, Osal, Buenos
Aires, Clacso, n. 28, nov. de 2010.
15
Ibid., p. 56.
16
A CONCLAT (Conferencia Nacional da Classe Trabalhadora) foi realizada em 1981 du-
rante o processo de democratização do país e de reorganização do movimento sindical.
Em 2011, tanto oficialistas como opositores ao governo Lula organizaram seus encontros
com essas siglas históricas.
17
Roberto Leher et al. Projetos em disputa, eleições e dilemas da reorganização das lutas
sociais. Osal, Buenos Airess, Clacso, n. 29, maio de 2011.

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Os movimentos antissistêmicos no Brasil Potência 313

fracassou porque os diversos partidos hegemônicos, PSTU e Psol, não che-


garam num acordo quanto ao nome da futura central. O PSTU se mostrou
intransigente em manter o nome de Conlutas, o que provocou que 35% dos
delegados e 5 das 7 organizações convocantes se retirassem do evento. A
divisão dos setores classistas e o êxito do governo em manter o MST como
aliado em toda a campanha eleitoral de 2010 debilitaram o movimento
social opositor e mostraram o peso hegemônico que mantém o projeto de
Lula e do PT entre as bases organizadas.
Como assinala a equipe de Osal-Brasil, “o ciclo de lutas antissistêmicas
protagonizados pelos sindicatos a partir de 1978 perdeu força”, em parte
pelas mudanças estruturais no mundo do trabalho mas, sobretudo, pela
“hipertrofia do papel dos dirigentes profissionalizados e uma crescente ins-
titucionalização dos conflitos”.18 Para as novas organizações sindicais se
apresenta um desafio maior de ser e fazer algo diferente do que vem fazen-
do as centrais e os sindicatos majoritários. O problema principal que de-
vem enfrentar não se relaciona com a linha político-sindical, mas sim com
os setores aos quais se dirigem. Se os sindicatos radicais e anticapitalistas
organizam prioritariamente os trabalhadores com emprego fixo e bem
remunerado, sobretudo de estatais ou de grandes empresas com fundos
de pensões consolidados, estarão forçados a administrar essas enormes e
burocratizadas instituições cujos membros sonham consumir mais, sem
se importar com os demais trabalhadores e sem intenções de mudar um
mundo que, para eles, não vai nada mal.
Entretanto, uma porção importante dos operários brasileiros trabalha
em condições infra-humanas. Falamos das grandes obras como as repre-
sas hidrelétricas, as refinarias e as obras de infraestrutura do PAC. A essa
realidade se podem agregar as condições de trabalho na indústria frigorí-
fica suína, bovina e avícola. No total, elas ocupam uns 800 mil trabalha-
dores, dos quais entre 20 e 25% apresentam problemas de saúde devido ao
tipo de trabalho que realizam. Os trabalhadores, sobretudo no setor de
aves, onde se concentra a maioria dos empregados, trabalham em ritmos
muito superiores aos aceitáveis: realizam de 70 a 120 movimentos por mi-
nuto, quando consideram que os aconselháveis para a saúde é não superar

18
Roberto Leher et al, “Os rumos das lutas sociais no período 2000-2010”, op. cit. p. 65.

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314 brasil potência

os valores de 30 a 35 movimentos.19 A multinacional Brazil Foods, apoiada


com generosos empréstimos pelo BNDES, que responde por 9% das ex-
portações mundiais de proteína animal, aceita que em uma de suas plantas
quase 70% dos trabalhadores sofram dores causadas pelo trabalho, que
30% durmam mal e que entre 12 e 14% pensem em suicidar-se por causa
das pressões a que são submetidos.20
Em diversas entrevistas, os operários, sindicalistas e especialistas nas
condições do trabalho em frigoríficos asseguram que, para competir em
escala internacional, as empresas aceleram o ritmo de trabalho gerando
uma verdadeira epidemia de acidentes, e, sobretudo, de lesões nas articu-
lações, braços, punhos e ombros, por causa da repetitividade do trabalho,
das posturas inadequadas, do frio e da umidade, e da força que devem
fazer em suas operações cotidianas.
Antes da leva de fusões e de internacionalização das empresas movida
pelo governo Lula, os trabalhadores dos frigoríficos padeciam de doenças
a partir do décimo quinto ano de trabalho, sobretudo pneumonias e reu-
matismo. “Hoje, um jovem de 25 a 30 anos, com 5 ou 6 anos de trabalho, já
apresenta dores e lesões irreversíveis”, assegura um sindicalista.21 A diferença
do que sucede com os operários que constroem as represas hidrelétricas, que
vivem isolados na selva em lugares inóspitos e de difícil comunicação, os ope-
rários de frigoríficos estão perto das grandes cidades, chegaram a formar sin-
dicatos, e sua situação é difundida pelos meios de comunicação. Entretanto,
ainda têm dificuldades para fazer valer seus direitos, em alguma medida por
serem empresas onde os grandes sindicatos e o Estado têm investimentos.
Os operários que constroem os estádios e outras obras vinculadas à
Copa do Mundo de 2014 estão também entre os mais afetados pela acele-
ração do crescimento econômico. Apesar de 50% dos recursos para essas

19
“Brazil Foods é multada em quase R$ 5 milhões por descumprir decisão da Justiça que
impõe pausas”. CUT, 13 de dezembro de 2011, em: <http://www.cut.org.br/destaque-cen-
tral/46884/brasil-foods-e-multada-em-quase-r-5-milhoes-por-descumprir-decisao-da-
justica-que-impoepausas>. (Consulta 02/01/2012.)
20
Ibid.
21
A “moderna” indústria brasileira da carne. Produção a custa da saúde e da vida dos
trabalhadores. IHU Online, 23 de setembro de 2011, em: <http://www.ihu.unisinos.br/
entrevistas/500466-a-moderna-industria-brasileira-da-carne-producao-a-custa-da-sau-
de-e-da-vida-dos-trabalhadores-entrevista-especial-com-siderlei-de-oliveira>. (Consulta
02/01/2012.)

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Os movimentos antissistêmicos no Brasil Potência 315

obras provirem do BNDES, que utiliza recursos que provêm do Fundo de


Amparo ao Trabalhador, as leis trabalhistas são sistematicamente violadas.
Até novembro de 2011, a Articulação Nacional dos Comitês Populares da
Copa revelou dez greves em doze estádios, quase sempre por aumentos
salariais, segurança, salubridade e alimentação, e ritmos de trabalho ex-
cessivos. Em Porto Alegre, na obra do estádio do Grêmio, os operários
incendiaram seus alojamentos logo depois de um acidente que custou a
vida de um trabalhador, um padrão de ação similar ao que temos visto na
construção das represas hidrelétricas.22
Nas obras do estádio de Cuiabá, em Mato Grosso, os ajudantes ganha-
vam apenas 587 reais antes da greve (uns 325 dólares); nas obras do estádio
de Belo Horizonte, sua remuneração era de 605 reais; em Pernambuco, 589
reais. Os 3 mil operários que construíram o estádio de Fortaleza, no Ceará,
denunciaram jornadas de trabalho de até 15 horas diárias (de 7 a 22 horas,
de domingo a domingo) para reverter o atraso das obras dirigidas pela
Odebrecht.23 Em várias ocasiões, a polícia militar interveio para evitar as-
sembleias e deter os trabalhadores que se destacam como agitadores. Estes
são os mais afetados pela ascensão do país ao papel de potência global, e é
entre eles que pode desenvolver-se um sindicalismo mais combativo.

Os “sem”: reconfiguração e mudança

Os mais de baixo, os trabalhadores sem teto, sem terra, sem trabalho, sem di-
reitos, os mais pobres do Brasil, são os que necessitam organizar-se para pro-
mover mudanças. Esse setor social pôs em pé um dos mais consistentes movi-
mentos antissistêmicos da América Latina, o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra. Não somente é o movimento mais importante do Brasil,
mas, com sua potente cultura política, foi capaz de transbordar os marcos
organizativos do movimento para converter-se em referência obrigatória de
outros movimentos no Brasil e em outros países da região. Os sem teto e os
desempregados têm estilos de ação, formas e organização inspiradas no MST.

22
Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa. Megaeventos e violações de dire-
tos humanos no Brasil, 2011, p. 34.
23
Ibid., p. 98.

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316 brasil potência

O refluxo das lutas sociais no Brasil afeta todos os movimentos. Entre-


tanto, o refluxo geral afeta de modo diferente os movimentos camponeses
e rurais com relação ao movimento sindical. No campo, houve uma clara
diminuição das ocupações, dos acampamentos e da quantidade de pes-
soas envolvidas, mas crescem os conflitos em torno da terra, o que revela
uma clara ofensiva do agronegócio. No caso do MST e de todos os movi-
mentos dos sem, não se registram os graus de burocratização que existem
no movimento sindical nem participam do bloco que está no poder. Pelo
contrário, o MST é o movimento mais atacado e criminalizado pelas elites
junto com os habitantes das favelas e das periferias urbanas. Por isso, neste
caso não podemos falar de crise, conceito que devemos aplicar quando os
fundamentos de um movimento se desvanecem, mas sim de uma reconfi-
guração e de uma reorientação.
Desde o ponto de vista quantitativo, os dados mais completos surgem
da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que anualmente publica um exausti-
vo informe dos conflitos por terras, incluindo ocupações, acampamentos e
assassinatos. Os dados da última década não deixam dúvidas: os conflitos
em torno da terra mantêm sua intensidade, mas os acampamentos e as
ocupações decaem.

Quadro 11 - Conflitos por terra 2001 - 2011

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Conflitos 366 495 659 752 777 761 615 459 528 638 805
Ocupações 194 184 391 496 437 384 364 252 290 180 200
Acampamentos 65 64 285 150 90 67 48 40 36 35 30

Fonte: Comissão Pastoral da Terra.

Se incluirmos todos os conflitos rurais, os que envolvem conflitos por


terra, água e trabalho, a conflitividade é maior ou igual à média da década,
mas a quantidade de famílias envolvidas decresce: nos conflitos por terras
a partir de 2008 e os conflitos em geral a partir de 2010. Com efeito, a
quantidade de pessoas envolvidas alcançou seu ponto mais alto em 2003,
com 1.198.578 pessoas, manteve-se em níveis similares até 2005 e depois
decresceu. Em 2009, houve 628 mil pessoas envolvidas em conflitos rurais,

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Os movimentos antissistêmicos no Brasil Potência 317

em 2010 esse número foi para 559 mil, e, nos nove primeiros meses de 2011,
somente 342 mil pessoas.24 Ao longo da década os conflitos por terra caí-
ram pela metade, as ocupações são apenas um terço das que ocorreram em
2004 e 2005, e os acampamentos caíram entre cinco e oito vezes.
Há várias razões que explicam esse descenso. A primeira é que as grandes
obras de infraestrutura atraem trabalhadores pobres que vivem nos acam-
pamentos ou estavam interessados em organizar-se para ocupar terras.25
A segunda é a lentidão da reforma agrária, que experimentou um freio
radical na entrega de terras durante o governo Lula, o que desmotiva os
camponeses a ocupar e resistir durante anos em barracos de lonas. No Rio
Grande do Sul, por exemplo, foram entregues 130 mil hectares entre 1995
e 2002, frente a somente 36 mil entre 2003 e 2010.26 A terceira razão se re-
laciona com as políticas sociais. João Pedro Stédile, coordenador do MST,
assinalou que o Bolsa Família melhorou a situação de muitas famílias e
contribuiu para afastá-las da luta pela terra.27
A quarta razão desse declive, provavelmente a fundamental, tem a ver
com as mudanças estruturais registradas no campo. Entre 2003 e 2009,
nas áreas rurais a desigualdade retrocedeu 8% (mais que nas cidades, onde
o fez em 6,5%), a renda média rural cresceu 42% e a pobreza caiu de 35
para 20% da população.28 A transferência de renda das políticas sociais, o
crescimento do emprego e do salário mínimo explicam estas mudanças
que podem se resumir em uma significativa ascensão social das famílias
camponesas. Com essas mudanças, a pressão dos de baixo sobre as terras
diminuiu, e passam a ocupar um lugar central outras demandas, como
educação, saúde, melhoria das estradas e crédito para a produção.
Por outro lado, o extraordinário avanço do agronegócio, apoiado fer-
vorosamente pelos governos Lula e Dilma, fez com que entrasse em crise a

24
Todos os dados da CPT podem ser consultados em: <http://www.cptnacional.org.br>.
25
MST vive crise e vê cair número de acampados. Veja, 28 de março de 2011, em: <http://
veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/mst-vive-crise-e-ve-cair-numero-de-acampados/>.
(Consulta 02/01/2012.)
26
Cidades de lona encolhem no RS. IHU Online, 3 de abril de 2011, em: <http://www.ihu.
unisinos.br/noticias/42037-cidades-de-lona-encolhem-no-rs>. (Consulta 02/01/2012.)
27
Stédile diz que Bolsa Família esvazia MST. IHU Online, 8 de abril de 2011, em: <http://
www.ihu.unisinos.br/noticias/42211-stedile-diz-que-bolsa-familia-esvazia-mst>. (Con-
sulta 02/01/2012.)
28
Renda sobe e classe média vira maioria no campo. Valor, 21 de dezembro de 2010.

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318 brasil potência

luta pela reforma agrária. O geógrafo Bernardo Mançano Fernandes sus-


tenta que a hegemonia do agronegócio está provocando uma forte crise
entre os camponeses, fazendo com que 90% dos agricultores familiares
enfrentem sérias dificuldades econômicas.29 Em sua opinião, não é possível
promover a luta pela terra quando os camponeses vivem em uma situação
de deterioração crescente e encontram soluções temporárias trabalhando
em outros setores da economia. “O modelo de acampamento, consideran-
do o sofrimento das famílias, deve ser repensado”, assinala Mançano Fer-
nandes.30 Uma vez que o programa Bolsa Família melhorou os rendimen-
tos dos camponeses sem terra, eles já não querem viver durante anos nas
margens das estradas passando frio e fome para conseguir algum dia um
pedaço de terra.
Este é um ponto-chave, já que as ocupações são a principal forma de
luta, os acampamentos são o primeiro degrau e a verdadeira escola na luta
pela terra, como é sustentado nos documentos do movimento. Em setem-
bro de 2011, havia 20 acampamentos, com duas mil famílias em todo o
Brasil, frente aos quase 300 que havia em 2003.31 Certamente, o primeiro
degrau já não mais funciona, por isso é certo que o acampamento deve ser
repensado e, com ele, todo o processo de formação do movimento. Um pa-
drão de ação social nascido há mais de três décadas, com as primeiras ocu-
pações no Rio Grande do Sul, até o final da ditadura, mostrou-se efetivo
durante mais de vinte anos: organização, ocupação de terras improdutivas,
produzir e resistir nelas, e a construção de um acampamento quando a po-
lícia os desalojava. No acampamento permanente começava a verdadeira
organização do movimento, que desde baixo era capaz de impregnar toda
a organização.32
A segunda variante desse mesmo problema é a que apontam Porto-
Gonçalves e Alentejano quando assinalam a necessidade de reconfigurar

29
Bernardo Mançano Fernández, “O MST não está em crise, mas, sim, os pequenos agri-
cultores”, IHU Online, 18 de abril de 2011, em: <http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/
42460-omst-nao-esta-em-crise-mas-sim-os-pequenos-agricultores-entrevista-especial-
com-bernardomancano-fernandes>. (Consulta 02/01/2012.)
30
Ibid.
31
Marcel Gomes. “MST aposta em assentados para reforçar a sua base”, Alai, 20 de de-
zembro de 2011, em: <http://alainet.org/active/51705&lang=es>. (Consulta 02/01/2012.)
32
Mitsue Morissawa. A história da luta pela terra e o MST. São Paulo: Expressão Popular,
2001.

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Os movimentos antissistêmicos no Brasil Potência 319

a luta pela terra em luta pela Terra, que é a “casa comum dos diferentes
povos e culturas do planeta”.33 Uma das características principais deste pe-
ríodo é o aumento significativo da violência dos poderes privados à me-
dida que decai o movimento e avança o agronegócio. Uma análise minu-
ciosa da violência no campo em 2010 permite concluir que 96% dos casos
foram protagonizados por fazendeiros, empresários e proprietários ilegais
(grileiros), que são definidos como “segmentos históricos do poder domi-
nante no país”, e com os quais agora se somam as empresas mineradoras.
As vítimas são as populações que sobrevivem fazendo uso tradicional da
terra, de lagos, rios, manguezais e bosques, ou seja, indígenas, pescadores,
coletores, populações ribeirinhas, incluindo assentados da reforma agrá-
ria. Um dado central é que entre os 604 conflitos rurais ocorridos em 2010,
nos quais foi possível identificar seus protagonistas, 57% envolveram “po-
pulações tradicionais”, como as assinaladas acima, e 43% são setores que
tradicionalmente vivem protagonizando a luta pela reforma agrária, como
os sem-terra e os assentados”.34
Estamos diante de uma virada provocada pelo aprofundamento do ca-
pitalismo que converteu em poucos anos os “povos tradicionais” em sujei-
tos da resistência ao modelo. Essa virada impõe repensar a centralidade do
conflito entre a estrutura latifundiária de monocultivos exportadores e o
campesinato com ou sem terra. Impõe-se, portanto, refletir sobre a centra-
lidade da reforma agrária tradicional entendida como repartição de terras.
Nesta nova conjuntura, mais importante que o pedaço de terra são “as con-
dições materiais de reprodução com sinais que afirmam suas diferenças”,35
a luta pelo território como o fazem povos dos diferentes ecossistemas e
seus modos de vida: desde os afrodescendentes, que reivindicam seus qui-
lombos até os produtores de látex, camponeses de comunidades e do sertão,
extrativistas de coco, de castanhas e praticantes das mais diversas formas
de vida. Considerá-los sujeitos supõe ir além de um certo economicismo
que entende os povos, e a vida, apenas como “relações de produção”.

33
Carlos Walter Porto-Gonçales e Paulo Roberto Raposo Alentejano, “A reconfiguração
da questão agrária e a questão das territorialidades”, Alai, 4 de julho de 2011, p. 6, em:
<http://alainet.org/active/47807&lang=es>. (Consulta 02/01/2012.)
34
Ibid., p. 4.
35
Ibid., p. 6.

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320 brasil potência

Os assentamentos da reforma agrária estão sofrendo uma brutal ofensi-


va do agronegócio, que está precarizando sua produção e fazendo com que
se torne dificilmente sustentável a vida num assentamento, a ponto de que
muitos de seus integrantes terminem sendo “mão de obra barata a serviço
do capital”.36 A potência da produção de commodities não somente expulsa
boa parte dos camponeses que praticam agricultura familiar ou formas de
vida tradicionais como também subordina os assentados da reforma agrá-
ria ao forçá-los a trabalhar como peões nos monocultivos, nas cadeias de
soja e de cana-de-açúcar ou nas megaobras do Brasil Potência.
Nos últimos meses de 2011, abriu-se um debate sobre o futuro do mo-
vimento sem terra, como resultado da Carta dos 51 militantes de MST,
MTD, Consulta Popular e Via Campesina.37 O documento está sendo
debatido nos movimentos sociais no Brasil e também em outros países
latino-americanos. Não entrarei nos detalhes do texto nem nas diferen-
tes respostas publicadas. Isso corresponde a cada movimento e a cada
militante. A Carta expressa mal-estar com o curso das lutas sociais no
Brasil e com a atitude a sustentar perante os governos Lula e Dilma. En-
tretanto, não creio que a burocratização e a institucionalização dos mo-
vimentos sejam as razões de fundo dos problemas existentes. Não duvido
que esses traços têm ganhado terreno em todos os movimentos de nossa
região, à medida que vão se convertendo em organizações.38 Entretanto,
tampouco tenho dúvidas de que a maioria da população pobre, o setor
que constitui a base social dos movimentos antissistêmicos, está optando
por melhorar sua vida nas relações de mercado e com apoio do Estado,
ou seja, com trabalho assalariado e políticas sociais, e não por meio da
organização para lutar, como vinha ocorrendo até agora. Diante dessa
profunda corrente histórica, o voluntarismo pouco pode fazer, o que não
quer dizer que deva aceitar sem mais, sem oferecer resistências ou buscar
alternativas.
Francisco de Oliveira, fundador do PT e depois do Psol, crítico dos go-
vernos de Lula, relatou uma anedota que explica essa realidade. Em uma

36
Ibid., p. 7.
37
Carta de saída das nossas organizações (MST, MTD, Consulta Popular e Via Campesi-
na) e do projeto estratégico defendido por elas, em:<http://passapalavra.info/?p=48866>.
(Consulta 27/11/2012.)
38
Abordei este problema no capítulo 2 de Política y Miseria. Buenos Aires: Lavaca, 2011.

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Os movimentos antissistêmicos no Brasil Potência 321

reunião para aprovar a candidatura de Plínio de Arruda Sampaio, do Psol,


nas eleições de 2010, debateu-se uma pesquisa de opinião informal quali-
tativa realizada entre diversos extratos sociais. As conclusões mostravam
que os setores populares não querem expropriar o dinheiro dos ricos por-
que pensam que “eles o juntaram com seu trabalho” e apoiam Lula “por-
que não querem brigar”. Concluiu seu relato com uma frase que resume os
dilemas atuais: “Assim pensam as bases sociais do governo Lula. Contra
isso, defrontam-se os movimentos sociais”.39
Apesar dessas enormes dificuldades, observo no MST vontade de per-
sistir na luta, de superar as dificuldades e abrir novas frentes de ação. Em
2011, na campanha anual Abril Vermelho, os militantes do MST realiza-
ram 70 ocupações em dez estados, a terceira maior ofensiva da década.40
Isso revela a capacidade de mobilização na luta pela terra, apesar de todas
as dificuldades anotadas, o que permite assegurar que o movimento não
abandonou seus objetivos.
Entre um milhão de famílias assentadas, a maior parte delas vinculadas
ao movimento, o MST realiza um trabalho intenso para fortalecer a agri-
cultura familiar, resistir contra sua inclusão nas cadeias de commodities
que promove o agronegócio e potencializar a agroecologia contra o uso de
agroquímicos.41 É um trabalho muito complexo, que inclui a formação po-
lítica dos assentados para promover uma cultura produtiva distinta da he-
gemônica. O MST pode estar caminhando de um movimento pela reforma
agrária a um movimento dos assentados da reforma agrária. Outra linha
de ação prioritária do MST consiste na organização dos pobres urbanos. O
trabalho começou em 1997 com a criação do MTST (Movimento dos Tra-
balhadores Sem Teto). No entanto, chocou-se com enormes e imprevistas
dificuldades, como a feroz competição pelo território com o narcotráfico
e a intervenção de correntes políticas de esquerda que não têm afinidade
com o MST. Em meados da década de 2000, o movimento decidiu orien-
tar-se para a construção de comunas urbanas, cuja primeira e mais exitosa

39
Francisco de Oliveira. “El Brasil lulista: una hegemonía al revés”, Osal, Buenos Aires,
Clacso, n. 30, nov. 2011, p. 71.
40
“MST não dá trégua a Dilma e faz 70 Invasões no Abril Vermelho”, IG, 30 de abril de
2011, em:<http://falario.com.br/2011/04/30/mst-nao-da-tregua-a-dilma-e-faz-70-invaso-
es-no-abril-vermelho/>. (Consulta 02/01/2012.)
41
Marcel Gomes, “MST aposta em assentados para reforçar a sua base”, Alai, 20 de dezem-
bro de 2011, em: <http://alainet.org/active/51705&lang=es>. (Consulta 02/01/2012.)

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322 brasil potência

expressão é a comuna Hélder Câmara, no município de Jandira, na região


metropolitana de São Paulo.
A luta de classes realmente existente parece estar fragmentada entre as
resistências às megaobras e à expansão do agronegócio nas áreas rurais, a
resistência à frenética especulação urbana como consequência da Copa do
Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016. Não se vislumbra, todavia,
nenhum ator capaz de recolher a rica experiência dos camponeses sem
terra, de fazer uma síntese similar à que fez o MST ao recolher a experiên-
cia das ligas camponesas anteriores à ditadura militar e enlaçá-las com as
lutas centenárias dos pobres do campo. Ainda que nesta etapa tão difícil
existam resistências importantes, estão longe de configurar um novo ci-
clo de lutas como o que nasceu nos fins da década de 1970 nas fábricas e
campos brasileiros contra a modernização excludente impulsionada pelo
regime militar.
Mas os ciclos de luta não se inventam nem se impõem artificialmente.
Surgem quando estão dadas as condições, de modo espontâneo, não pro-
gramado nem planificado previamente. Como diz uma conhecida máxima
chinesa: não se pode esticar os brotos para que a planta cresça. Somente
podemos arar a terra, limpar as ervas daninhas e jogar um pouco de água
com esperança, nunca com a certeza, de que cresça a vida. Creio que é isso
o que vem fazendo uma boa quantidade de militantes no Brasil e na Amé-
rica Latina, e cada vez mais em muitas partes do mundo.

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APÊNDICE 1

Lista de siglas

Abacc: Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Ma-


teriais Nucleares.
Abrapp: Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência
Complementar.
AFL-CIO: American Federation of Labor and Congress of Industrial Or-
ganizations.
Alba: Aliança Bolivariana para as Américas.
Alca: Área de Livre Comércio das Américas.
Anapar: Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão.
Aneel: Agência Nacional de Energia Elétrica.
Asean: Associação de Nações do Sudeste Asiático.
Banesprev: Fundo de Pensão dos Trabalhadores do Banco de Santander.
BID: Banco Interamericano de Desenvolvimento.
BNDES: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
BNH: Banco Nacional da Habitação.
Bric: Brasil-Rússia-Índia-China.
CAF: Corporação Andina de Fomento.
CBE: Capitais Brasileiros no Exterior.
Cedla: Centro de Estudos para o Desenvolvimento Laboral e Agrário.
Cepal: Comissão Econômica para América Latina e Caribe.
Cesp: Fundo de Pensão dos Trabalhadores de Empresas Elétricas - SP.
CDS: Conselho de Defesa Sul-Americano.
CGT: Confederação Geral dos Trabalhadores.
Cidob: Confederação de Povos Indígenas do Oriente Boliviano.
CIOSL: Confederação Internacional de Organizações Sindicais Livres.
Clacso: Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais.
Conclat: Conferência Nacional da Classe Trabalhadora.
CNEN: Comissão Nacional de Energia Nuclear.

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324 brasil potência

CTB: Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil.


CUT: Central Única dos Trabalhadores.
DAS: Direção e Assessoramento Superiores.
DEM: Partido Democratas.
Diap: Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar.
EADS: European Aeronautic Defense and Space Company.
END: Estratégia Nacional de Defesa.
ESG: Escola Superior de Guerra.
FAT: Fundo de Amparo ao Trabalhador.
Farc: Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.
Farsul: Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul.
Fejuve: Federação de Juntas Vecinales (Juntas de Vizinhos) de El Alto.
FGV: Fundação Getúlio Vargas.
Fiesp: Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.
Flacso: Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais.
Fobomade: Fórum Boliviano sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.
Fonplata: Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata.
Forluz: Fundo de Pensões dos Trabalhadores de Cemig.
Funcef: Fundo de Pensões dos Trabalhadores da Caixa Econômica Federal.
GLP: Gás Liquefeito de Petróleo.
Ibama: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis.
Ibas: Índia-Brasil-África do Sul.
IDE: Inversão Direta Estrangeira.
Incra: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
IHU: Instituto Humanitas Unisinos.
Iirsa: Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana.
Ipea: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
Itaubanco: Fundo de Pensões dos Trabalhadores do Banco Itaú.
Labgen: Laboratório de Geração Nucleoelétrica.
MAB: Movimento dos Atingidos por Barragens.
MAS: Movimento Ao Socialismo (Bolívia).
Minustah: Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti.
MIR: Movimento de Esquerda Revolucionária.
MST: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
MTD: Movimento dos Trabalhadores Desempregados.
MTL: Movimento Terra, Trabalho e Liberdade.

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APÊNDICE 1 325

MTST: Movimento dos Trabalhadores Sem Teto.


NAE: Núcleo de Assuntos Estratégicos.
NES: Natureza Especial (cargos).
OEA: Organização de Estados Americanos.
OIEA: Organismo Internacional de Energia Atômica.
OMC: Organização Mundial de Comércio.
Otan: Organização do Tratado do Atlântico Norte.
PAC: Programa de Aceleração do Crescimento.
Pasep: Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público.
PCB: Partido Comunista Brasileiro.
PC do B: Partido Comunista do Brasil.
PDT: Partido Democrático Trabalhista.
Petros: Fundo de Pensões dos Trabalhadores da Petrobras.
PIB: Produto Interno Bruto.
PIS: Programa de Integração Social.
Planfor: Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador.
PMDB: Partido do Movimento Democrático Brasileiro.
Polop: Política Operária.
PPS: Partido Popular Socialista.
Previ: Fundo de Pensões dos Trabalhadores do Banco do Brasil.
PSDB: Partido da Social Democracia Brasileira.
Psol: Partido Socialismo e Liberdade.
PSTU: Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado.
PT: Partido dos Trabalhadores.
PV: Partido Verde.
Real Grandeza: Fundo de Pensões dos Trabalhadores de Furnas
Sistel: Fundo de Pensões dos Trabalhadores de Telefonia.
Sivam: Sistema de Vigilância da Amazônia.
Tiar: Tratado Interamericano de Assistência Recíproca.
Tipnis: Território Indígena e Parque Nacional Isiboro Sécure.
TLC: Tratado de Livre Comercio.
TNP: Tratado de Não Proliferação Nuclear.
Unasur: União de Nações Sul-Americanas.
UNCTAD: United Nations Conference on Trade and Development.
Valia: Fundo de Pensões dos Trabalhadores da Vale.
YPFB: Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos.
ZPCAS: Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul.

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APÊNDICE 2

Partidos políticos do Brasil

Partido dos Trabalhadores (PT)


Fundado em 1980, surge dos sindicatos dos operários do cinturão indus-
trial do ABC de São Paulo em um período de greves por volta do final da
ditadura militar. Reivindica o socialismo democrático, a reforma agrária e
a justiça social. Desde que chegou à presidência, em 2003, aposta no cres-
cimento econômico, na estabilidade com controle da inflação e na geração
de empregos. Nas últimas eleições se converteu no maior partido do país,
com 86 deputados (de 513).

Aliados do PT

Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB)


Fundado em 1980, congregou a maioria dos membros que integravam o
MDB durante o regime militar, que era o principal defensor do retorno à
democracia. Ganhou as primeiras eleições pós-ditadura e chegou ao go-
verno com a candidatura de José Sarney, que se converteu em presidente
logo depois da morte de Tancredo Neves, o presidente eleito indiretamente.
Obteve a maior quantidade de governadores e começou seu declínio com
a morte de seu principal dirigente, Ulysses Guimarães. Até as eleições de
2006, foi o maior partido do país. Muitos dirigentes o abandonaram para
integrar-se ao PSDB. Contava com 78 deputados em 2011.

Partido da República (PR)


Criado em 2006 pela fusão do Partido Liberal e do Partido da Reedificação
da Ordem Nacional (Prona). Defende o liberalismo econômico e a dimi-
nuição dos impostos. Tem 41 deputados em 2011.

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APÊNDICE 2 327

Partido Socialista Brasileiro (PSB)


Foi criado em 1947. Defende o socialismo, mas poderia ser definido como
social-democrata. Forma parte da coalizão que apoia os governos do PT e
tem 35 deputados em 2011. Suas principais lideranças nacionais são o ex-
governador Ciro Gomes, do Ceará, e o atual governador de Pernambuco
Eduardo Campos.

Partido Democrático Trabalhista


Criado em 1981, reúne as bandeiras do ex-presidente Getúlio Vargas. De-
fende o nacionalismo, define-se como social-democrata e integra a Inter-
nacional Socialista. Seus redutos políticos estão no Rio de Janeiro e no Rio
Grande do Sul, onde tem significativo apoio popular. Conta com 27 depu-
tados, em 2011, e apoia o governo de Dilma Roussef, que integrou o partido
até 1999.

Partido Social Cristão (PSC)


Fundado em 1985, a partir do Partido Democrático Republicano. É um
dos vários partidos vinculados a crenças religiosas. Tem 17 deputados em
2011.

Partido Comunista do Brasil (PC do B)


Fundado em 1922, como PCB, foi reorganizado em 1962, quando assume o
nome atual. Foi ilegalizado pela ditadura militar (1964-1985), período em
que apostou na luta armada. Defende o socialismo, a reforma agrária e a
igualdade social. Tem 15 deputados em 2011.

Partido Republicano Brasileiro (PRB)


Criado em 2005, foi acusado de estar envolvido com a Igreja Universal
do Reino de Deus, de caráter evangélico. Sua principal figura foi o ex-vice
presidente José Alencar. Tem 8 deputados em 2011.

Partidos de oposição

Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB)


Fundado em 1988 por políticos que saíram do PMDB por discordâncias

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com sua posição ante a nova Constituição. O ex-presidente Fernando Hen-


rique Cardoso e José Serra são seus principais dirigentes. Foi a principal
força de oposição a Lula, e agora ao governo de Dilma. É a única força
capaz de disputar com o PT a hegemonia política no país. Conta com 54
deputados em 2011.

Democratas (DEM) – Antigo PFL (Partido da Frente Liberal)


Partido de centro-direita, herdeiro do PFL (criado em 1984). Foi a base de
apoio dos governos de José Sarney, Fernando Collor e Fernando Henrique
Cardoso. Opõe-se aos governos de Lula e Dilma. Suas principais bases se
encontram no Nordeste. Em 2007, passou a chamar-se DEM. Nas últimas
eleições apoiou a eleição de José Serra e elegeu 43 deputados.

Partido Popular Socialista (PPS)


Depois da queda do socialismo real, o PCB, de caráter pró-soviético, con-
verteu-se em PPS e modificou suas bases ideológicas, aproximando-se da
social-democracia. Sua principal figura é o senador Roberto Freire de Per-
nambuco. Em 2003, apoiou o governo Lula durante alguns meses, e desde
então está na oposição. Em 2010, apoiou a candidatura de José Serra. Tem
12 deputados em 2011.

Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)


Fundado em 1979 com a participação de Ivete Vargas, filha de Getúlio Var-
gas, tendo herdado o mesmo nome do partido criado pelo ex-presidente
em 1945. Atualmente defende o liberalismo. Apoiou a candidatura de José
Serra e tem 22 deputados em 2011.

Outros partidos

Partido Progressista (PP)


Foi criado em 1995 pela fusão do PPR (Partido Progressista Reformador)
com o PP. É herdeiro da Arena, o partido do regime militar. Defende o
capitalismo e a economia de mercado. Entre suas principais figuras, en-
contra-se o ex-governador de São Paulo, Paulo Maluf. Em alguns estados
está aliado ao PT e em outros à oposição. Elegeu 44 deputados em 2011.

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APÊNDICE 2 329

Partido Verde (PV)


Fundado em 1986. Sua principal referência ideológica é a ecologia e o cres-
cimento respeitando a natureza. Marina Silva, ex-ministra de Lula, obteve
em 2010 quase 20% dos votos (mais de 19 milhões de sufrágios), mas seu
partido somente elegeu 13 deputados.

Partido Socialismo e Liberdade (Psol)


Fundado em 2004 por dissidentes do PT, defende o socialismo e se opõe
ao capitalismo. Plínio de Arruda Sampaio foi seu candidato à presidência.
Elegeu 3 deputados e dois senadores em 2011

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APÊNDICE 3

Principais empresas

Petrobras: Sociedade anônima cujo maior acionista é o Estado brasileiro.


Foi fundada em 1953, opera em 28 países na exploração, extração, refino e
comercialização de petróleo. Está situada entre as quatro maiores empre-
sas de petróleo do mundo. Tem 80 mil empregados e em 2011 teve rendi-
mentos de 146 bilhões de dólares.

Vale: Maior produtora de minério de ferro do mundo e segunda maior


empresa mineradora do mundo, atua também em siderurgia e energia.
Empresa estatal fundada em 1942, foi privatizada em 1997 num processo
muito controvertido. No Brasil, possui 10 mil quilômetros de linhas férre-
as e nove terminais portuários. Opera em cinco continentes. Em 2001, teve
o faturamento de 100 bilhões de dólares. Tem 120 mil empregados.

Bradesco: Maior banco privado do país. Tem 104 mil empregados. Em


2011, teve rendimentos de 50 bilhões de dólares.

Banco do Brasil: É um dos cinco bancos estatais junto a Caixa Econômica


Federal, BNDES, Banco do Nordeste e Banco da Amazônia. É o maior ban-
co da América Latina. Com 5 mil agências, está presente em quase todos
os municípios. Tem 119 mil empregados. Em 2011, teve rendimentos de 55
bilhões de dólares.

Itaú S.A.: Holding que controla o Itaú Unibanco (terceiro banco privado
do país) e diversas empresas financeiras, químicas e eletrônicas. É o maior
conglomerado privado do país, controlado por famílias. Tem 127 mil em-
pregados, e obteve 66 bilhões de dólares de vendas em 2010.

Eletrobras: Sociedade de economia mista controlada pelo governo dedica-

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APÊNDICE 3 331

da a geração, transmissão e distribuição de energia. Criada em 1962 para


coordenar todas as empresas do setor elétrico. Possui 26 mil empregados,
e em 2010 faturou 16 bilhões de dólares.

Usiminas: Maior complexo siderúrgico de aços planos da América Latina


e um dos 20 maiores do mundo. Com 25 mil empregados, teve rendimen-
tos de 8 bilhões de dólares em 2010.

Oi-Telemar Norte Leste: Maior empresa de telefonia fixa da América do


Sul, fruto da divisão e privatização da estatal Telebras, em 1998. O controle
corresponde à Telemar Participações, holding cujo capital o BNDES tem
31%, o Previ 13%, o Petro e o Funcef 2,6% cada uma. Possui 37 mil empre-
gados, e em 2010 faturou 25 bilhões de dólares.

Gerdau: Grupo econômico da família Gerdau Johannpeter na área de side-


rurgia. Atua em cem países, conta com 337 unidades industriais e comer-
ciais e é a 14ª em siderurgia no mundo. Possui 47 mil empregados, e em
2011 faturou 19 bilhões de dólares.

CSN (Companhia Siderúrgica Nacional): Fundada em 1941, por Getúlio


Vargas, com uma grande usina em Volta Redonda. Hoje é uma das maiores
siderurgias do mundo. Foi privatizada em 1993. Possui 16 mil empregados,
e faturou 9 bilhões de dólares em 2010.

Cemig: Uma das maiores concessionárias de energia elétrica do Brasil,


controlada pelo governo de Minas Gerais. Empresa de referência no mun-
do por sua capacidade técnica. Possui 16 mil empregados, e faturou 13 bi-
lhões de dólares em 2010.

JBS Friboi: Maior frigorífico de carne bovina do mundo maior e maior


multinacional brasileira em alimentos. Pertence a um grupo familiar.
Comprou a Swift Armour da Argentina e Swift Foods dos Estados Unidos.
Possui 125 mil empregados, e faturou 52 bilhões de dólares.

Odebrecht: Conglomerado de origem familiar que atua, sobretudo, nas


áreas de construção e petroquímica. Controla a Brasken, a maior produto-
ra de resinas termoplásticas das Américas. É uma das empresas brasileiras

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332 brasil potência

com maior presença internacional. Possui 130 mil empregados, e faturou


55 bilhões de dólares em 2010.

Brasil Foods: Resultado da fusão dos grupos alimentícios Sadia e Perdigão.


Com 116 mil empregados, é uma das maiores processadoras de alimentos
do mundo. Faturou 15 bilhões de dólares em 2011.

Embraer: Terceira fabricante do mundo de aviões civis, atrás somente da


Boeing e da Airbus. Foi privatizada em 1994, e entre seus principais pro-
prietários figuram os fundos de pensão Previ e Sistel (do Banco do Brasil
e Telebras). Possui 18 mil empregados, e faturou 8 bilhões de dólares em
2010.

Votorantim: Conglomerado de origem familiar que atua com celulose, pa-


pel, cimento, siderurgia, metais e eletricidade entre outros. Possui negó-
cios em 20 países, emprega 41.500 pessoas, e faturou 28 bilhões de dólares
em 2010.

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O Estado de S. Paulo, São Paulo (2009-2011).
O Globo, Rio de Janeiro (2010).
Valor, São Paulo (2005-2011)
Zero Hora, Porto Alegre (2001, 2005, 2010-2011).

Outros jornais

ABC, Asunción (2008).


La Nación, Asunción (2008)
La República, Lima (2010).
La Primera, Lima (2010).
Los Andes, Juliaca (2009-2010).
Página 12, Buenos Aires (2000-2011).

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Revistas

Brecha, Montevidéu (2000-2011).


Caros Amigos, São Paulo (2001, 2009-2010).
Carta Maior, São Paulo (2006, 2008-2010).
Época, Rio de Janeiro (2009).
Exame, São Paulo (2009-2010).
Istoé, São Paulo (2003, 2009).
Le Monde Diplomatique, Buenos Aires (2003-2011).
Lucha Indígena, Lima (2009-2011).
Novos Estudos, São Paulo (2006)
Osal, Buenos Aires (2000-2011).
Outubro, São Paulo (2006).
Petropress, Cochabamba (2009-2011).
Piauí, São Paulo, (2007-2011).
Revista IHU, São Leopoldo (2009-2011).
Revista Previ, Rio de Janeiro (2010).
Veja, São Paulo (2009).

Outras publicações

Boletim de Economia e Política Internacional, Brasília (2010-2011).


Boletim Sobeet, São Paulo (2008-2011).
Cadernos NAE, Brasília (2004-2007).
Revista da Escola Superior de Guerra, Rio de Janeiro (2003-2006).
Revista do BNDES, Rio de Janeiro (2006-2009).
Revista Tempo do Mundo, Brasília (2009-2011).

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Índices de quadros, mapas e figuras

Quadros
Quadro 1: Evolução das classes de renda (2003-2014) 67
Quadro 2: Dez principais fundos de pensão em 2010 68
Quadro 3: Investimentos do PAC 2 176
Quadro 4: Matriz energética no mundo e no Brasil 177
Quadro 5: Internacionalização das empresas brasileiras 193
Quadro 6: Localização das subsidiárias das empresas brasileiras 196
Quadro 7: Investimento estrangeiro direto em países
da América do Sul e no México 200
Quadro 8: Investimentos diretos no exterior
de países da América Latina 202
Quadro 9: Projetos da Iirsa 235
Quadro 10: Composição acionária da Norte Energia (2011) 308
Quadro 11: Conflitos por terra 2001-2011 316

Mapas
Mapa 1: Amazônia Azul 139
Mapa 2: Bacias petrolíferas de Santos e Campos 166
Mapa 3: Campo de Tupi 167
Mapa 4: Projeto hidroelétrico de Belo Monte 179
Mapa 5: Represas sobre os rios Madeira e Beni 227
Mapa 6: Eixos Multimodais da Iirsa 234
Mapa 7: Áreas ocupadas por brasileiros no Paraguai 256
Mapa 8: Petroquímicas brasileiras processarão gás boliviano 264

Figuras
Figura 1: Avião Militar KC-390 (Embraer) 146
Figura 2: Helicóptero EC-750, fabricado por Helibras 147

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