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STF - Segundo AgRg na Rcl 27.229 - 2.ª Turma - j. 15/6/2018 - julgado por Luiz Edson Fachin - DJe
27/6/2018 - Área do Direito: Constitucional; Penal
RECLAMAÇÃO – Colaboração premiada – Indeferimento dos pedidos deapresentação de
informações e de acesso a meio de obtenção de prova –Inadmissibilidade – Acordos
preliminares dos corréus colaboradores quenão formalizados, tornando a prova
inexistente – Defesa, ademais, queteve plena ciência probatória, não violando a ampla
defesa e a SúmulaVinculante 14 do STF.
Ementa Oficial:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO. MATÉRIA CRIMINAL. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO À SÚMULA
VINCULANTE
14. SUCEDÂNEO RECURSAL. INVIABILIDADE. COLABORAÇÃO PREMIADA. INEXISTÊNCIA DE
CELEBRAÇÃO DE ACORDO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE ELEMENTOS DE CORROBORAÇÃO.
AUSÊNCIA DE ADERÊNCIA ESTRITA. AGRAVO DESPROVIDO.
1. A inexistência de argumentação apta a infirmar o julgamento monocrático conduz à manutenção
da decisão recorrida.
2. A reclamação constitucional pressupõe relação de aderência estrita entre o ato impugnado e o
paradigma invocado como violado, bem como “não se qualifica como sucedâneo recursal nem
configura instrumento viabilizador do reexame do conteúdo do ato reclamado, eis que tal finalidade
revela-se estranha à destinação constitucional subjacente à instituição dessa medida processual”
(Rcl 4381 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 22/06/2011).
3. A teor da Súmula Vinculante 14, constitui “direito do defensor, no interesse do representado, ter
acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório
realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de
defesa”, sendo que, conforme a jurisprudência desta Suprema Corte, tal prerrogativa não alcança
diligências em formação ou em andamento. Precedentes.
4. No caso concreto, as instâncias ordinárias, o Ministério Público e a própria defesa do reclamante
apontaram a inexistência de celebração de acordo de colaboração premiada cujo acesso é postulado,
de modo que não se verifica demonstração de sonegação à defesa de elementos de prova já
documentados em procedimento investigatório, conforme exigência expressa do comando sumular.
5. Quanto à inovadora alegação veiculada em sede de agravo regimental, tem-se que os corréus
foram inquiridos em Juízo sob o crivo do contraditório, ocasião em que, segundo as instâncias
ordinárias, teriam adotado postura colaborativa. A regularidade da concessão de sanção premial em
decorrência da reconhecida colaboração, mesmo sem a formalização de ato negocial envolvendo o
Ministério Público, bem como a alegação de ausência de apresentação de elementos de
corroboração, não traduzem relação de perfeita identidade a legitimar o exame em sede de
reclamação da alegada violação ao paradigma tido como violado, resguardando-se ao interessado,
por óbvio, a impugnação pela via adequada.
6. Agravo regimental desprovido.
15/06/2018
SEGUNDA TURMA
SEGUNDO AG.REG. NA RECLAMAÇÃO 27.229 DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
AGTE.(S) :LUIZ INACIO LULA DA SILVA
ADV.(A/S) :CRISTIANO ZANIN MARTINS
AGDO.(A/S) :NÃO INDICADO
COMENTÁRIO
Cadeia de custódia na delação premiada. Transparência e accountability. A possibilidade
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além da polícia e da perícia, estendendo-se aos momentos de trâmite desses objetos da fase do
processo criminal, tanto no ministério público quanto na própria justiça. Os procedimentos da cadeia
de custódia devem continuar até o processo ter transitado em julgado.Muitas situações já são
conhecidas sobre fatos dessa natureza, nas quais é levantada a suspeição sobre as condições de
determinado objeto ou sobre a própria certeza de ser aquele o material que de fato foi apreendido
ou periciado. Assim, o valor probatório de uma evidência ou documento será válido se não tiver sua
origem e tramitação questionada. Qualquer questionamento acarretará prejuízo para processo como
um todo.”. (PRADO, Geraldo. Prova penal e sistema de controles epistêmicos: a quebra da cadeia de
custódia das provas obtidas por métodos ocultos. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 77 e 79-80.) Em
sentido contrário: “7. Ausência de prova de cadeia de custódia é questão de peso e não de validade
da provaComo vimos, a cadeia de custódia é um dos métodos de autenticação de evidência que é
comumente usado no caso de itens fungíveis. Além disso, sustentamos que existe uma presunção
de boa-fé e de regularidade da prova, e que estas podem, junto a indicativos de identidade e
conservação, prestar-se a “autenticar” a prova, isto é, comprovar que ela é o que se diz que ela é,
independentemente de uma prova detalhada da cadeia de custódia.Entender diferente,
demonstramos, exigiria um regresso infinito de provas, o que é absolutamente inviável, porque não
só a prova estaria sujeita à demonstração da cadeia de prova, mas essa mesma demonstração
estaria sujeita a nova prova, e assim por diante. Notamos que mesmo que fosse demonstrada de
modo perfeito a cadeia de custódia, por hipótese (pois isso seria impossível), sempre continuariam
existindo infinitas possibilidades de falsidade da prova, e por isso, insistimos, dependemos dos
princípios vigentes de boa-fé e regularidade da prova. Observamos, ainda, como decorrência disso
tudo, que é da defesa o ônus de apontar concretamente falhas da cadeia de custódia, que não
podem se resumir em mera especulação, para que a prova tenha seu valor decrescido.Vamos,
agora, um pouco além. Mesmo nos casos em que a cadeia de custódia se faça relevante (nos casos
de itens fungíveis), eventual problema na sua higidez é resolvido como questão de peso (valoração
da prova) e não de validade. O rompimento na demonstração da cadeia de custódia em uma ou
mais das suas conexões (links), ainda que gere lacunas, não ensejará no Brasil, jamais, a
inadmissibilidade da prova, mas deverá ser objeto de análise no âmbito da valoração do peso
daquela prova ou, mais tecnicamente, do peso da hipótese que é suportado por aquela hipótese.A
importação metonímica e acrítica de uma construção teórica já sedimentada no direito estrangeiro,
porém incipiente no território pátrio, pode provocar distorções científicas capazes de obnubilar a
percepção dos aplicadores do Direito. Apoiamos a adoção de institutos que funcionam em sistemas
de justiça criminal eficientes, em prol da melhoria de nosso sistema que peca por extrema
ineficiência; não obstante, isso deve passar por reflexão crítica.Nessa linha de intelecção, é
manifesto o erro quando advogados militantes e acadêmicos reportam-se ao direito anglo-saxão –
frequentemente invocado como paradigma de sistema jurídico desenvolvido – para apresentar ao
cenário nacional as bases da tese da comprovação da cadeia de custódia da prova, porém
arrematam seus arrazoados com a assertiva de que a quebra de um dos elos da corrente de
rastreamento acarrete, em qualquer caso, a exclusão da evidência no processo penal.Semelhante
percepção apresenta-se deveras reducionista e infiel à principiologia que inspira a matéria desde sua
gênese. Como anteriormente se explicou, no sistema norte-americano a “autenticação” da prova –
de que a comprovação da cadeia de custódia é uma modalidade – é um requisito de admissibilidade
da prova apenas porque lá, e não cá, existe um filtro prévio, pelo juiz togado, das provas que serão
exibidas perante o júri. É para evitar desperdício de tempo e confusão dos jurados, que são leigos,
que tal filtro é realizado.” (DALLAGNOL, Deltan Martinazzo; CÂMARA, Juliana de Azevedo Santa
Rosa. A cadeia de custódia da prova. In: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro
de. A prova no enfrentamento à macrocriminalidade. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 381-382.)
A cadeia de custódia da prova deve ser exigida também em relação aos meios de obtenção de
prova. Verifica-se, claramente, que a documentação das fases preliminares é positiva para o MP e
para a defesa. Poder-se-ia pensar que o delatado não tem interesse em ter acesso a essa fase, uma
vez que deve se defender das provas trazidas pelo delator e não da palavra do delator e muito
menos de um acordo incompleto.
Em verdade, a ampla defesa não pode se resumir nesse aspecto. Um exemplo importante seria a
possibilidade de arguição de suspeição do membro do Ministério Público, situação em que a
documentação das tratativas do acordo serviria de importante meio de prova ou o acesso às
tratativas pode demonstrar outras linhas de investigação para a acusação ou para a defesa.
No caso julgado pelo STF em comento, não existiu a documentação das tratativas, razão pela qual
foi entendido que nada havia a ser mostrado à defesa.
A lógica do acórdão é que, sem a celebração formal do acordo, não há documentos que devam ser
apresentados em juízo. Nas páginas 7 e 9 do acórdão, a questão central se revela:
[...] existem conversas com o Ministério Público, não há a formalização de um acordo, muito menos
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a homologação deste acordo pelo Judiciário, mas há sim conversas estabelecidas por este advogado,
e pelos advogados hoje que atuam em nome de Léo Pinheiro, com o Ministério Público, é isso, aliás
isso seria dito textualmente pela defesa.[...]
[...] Ministério Público Federal: - Não há nenhum acordo informal do Ministério Público, seja com
esse réu ou quaisquer dos outros já interrogados, o que há são negociações de acordo de
colaboração com alguns executivos da empreiteira OAS, como já foi afirmado inclusive na audiência
em que foi inquirido Léo Pinheiro.[...]
A grande questão nesse ponto é o significado jurídico de conversas do MP com um possível delator.
A informalidade tolerada pelo acórdão é prejudicial ao Estado Democrático de Direito.
Não existe juridicamente a figura de “conversas”, trata-se por óbvio de uma tratativa de
colaboração premiada que deve ser documentada de modo a atender também ao princípio da
impessoalidade.
Uma questão relevante que deve ser igualmente destacada é a validade da concessão do benefício
mesmo que não haja a formalização do acordo. O relator afirmou expressamente às fls. 12:
No caso concreto, os corréus teriam colaborado mesmo sem a formalização de acordo de
colaboração. Ocorre que tal comportamento processual, cuja legalidade e aptidão probatória não se
encontram em exame nesta ocasião, não representa violação ao comando da Súmula Vinculante 14.
O STF não apreciou no caso concreto a validade de prêmio sem acordo de delação. Todavia, é
direito sim do colaborador, independentemente de homologação ou acordo, se houver o
fornecimento de provas relevantes para o esclarecimento do caso, ter os benefícios da lei
reconhecidos de ofício pelo juiz.
3. Portanto, a ampla defesa do delatado não dependerá da existência ou não de um acordo de
colaboração premiada ou da validade ou invalidade da decisão que o homologa. O contraditório será
exercido em relação às provas decorrentes dos atos de delação (unilateral) ou de colaboração
(bilateral). Em outras palavras, o delatado não se defende do acordo nem da homologação. O
delatado se defende das provas que o procedimento colaborativo produzir [...]Considerando a
existência de benefícios penais que independem de ajuste bilateral (acordo), a invalidação, de ofício
ou por provocação de terceiro da decisão de homologação, terá escasso efeito prático (falta de
interesse de agir), pois as utilidades buscadas pelo terceiro (parte ilegítima e sem interesse) com tal
medida poderão ser por ele obtidas na discussão probatória encetada pelo próprio terceiro
(delatado), no procedimento cautelar ou na ação penal que sofrer: “O acordo de colaboração
premiada – que se constitui em negócio jurídico personalíssimo, firmado entre a acusação e o
colaborador – tem, portanto, existência autônoma em relação aos elementos de convicção
fornecidos pelo colaborador.” (STJ, Recl. 31.629/PR, Corte Especial, rel. Min. Nancy Andrighi, j.
20.09.2017.)Se o colaborador de boa-fé efetivamente cumprir o acordo, não importa se a
homologação judicial foi ilegal, pois terá ele direito a benefícios por sua prestação positiva à
apuração (direito subjetivo público), sejam os da Lei 12.850/2013, sejam os residuais previstos nas
várias leis de delação premiada ou no diploma genérico, a Lei 9.807/1999.O colaborador eficiente e
de boa-fé com homologação invalidada por fato de outrem tampouco sofrerá prejuízo, se não deu
causa a isso, em função dos princípios da confiança, da legalidade e da moralidade. O juiz da
sentença está obrigado a conceder os benefícios legais ajustados e homologados, se houver
efetividade da colaboração, que só este juiz pode avaliar e ponderar, ouvido o Ministério Público,
autor da ação penal.No instante do julgamento de mérito, salvo no tocante à competência para
homologar e à atribuição para pactuar, não pode o juiz, de ofício, reformar, em desfavor do
colaborador, a decisão de homologação, pois o acordo será ato jurídico perfeito e terá havido
preclusão ou coisa julgada. A homologação tem conteúdo decisório, e o acordo deverá ser
considerado na decisão de procedência ou improcedência da acusação a ser tomada em relação ao
colaborador.A legalidade, a regularidade e a voluntariedade do acordo já homologado são temas que
devem ser vistos sempre no interesse do colaborador, quanto à adjudicação dos benefícios. Para o
Ministério Público, a consideração judicial dessas questões se traduz em invalidação probatória.”
(ARAS, Vladimir. Rescisão da decisão de homologação de acordo de colaboração premiada. In:
GOMES, Luiz Flávio; SILVA, Marcelo Rodrigues da; MANDARINO, Renan Posella (Org.). Colaboração
Premiada: novas perspectivas para o sistema jurídico-penal. Belo Horizonte: Editora D’Plácido,
2018. p. 567-568.)
Pode parecer um paradoxo: qual a vantagem então de se exigir documentação de tratativas se é
possível o benefício direto sem mesmo o MP concordar com a colaboração processual?
Apesar de ser possível o juiz reconhecer o benefício, a celebração do acordo garante melhor a
situação jurídica do réu que pretende colaborar, razão pela qual é mais vantajoso para o réu
celebrar um acordo de delação do que tentar a sorte esperando que o juiz reconheça no seu
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Defesa, concedendo-se prazo razoável para que possa exercer a sua ampla defesa e, somente após
essa fase, seja o processo retomado, com prolação de nova sentença”.
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN (RELATOR): 1. Conforme relatado, o que se discute nos
autos, sob a ótica da preservação da autoridade da Súmula Vinculante 14, é a higidez da decisão
reclamada que, nas palavras da defesa, “indeferiu o pedido de apresentação de informações e de
acesso à parte já documentada relativa a acordos de colaboração premiada negociados com José
Adelmário Pinheiro Filho e Agenor Franklin Magalhães Medeiros”.
O pedido, formulado à luz da Súmula Vinculante 14, volta-se à garantia de “acesso à íntegra das
diligências documentadas referentes aos processos de colaboração premiada que envolvem o
Reclamante”, sendo que o requerimento de suspensão da ação penal até o atendimento do pleito
defensivo possui contornos acautelatórios que não se inserem, ao menos diretamente, no
disciplinado pelo paradigma tido como violado.
Ademais, a pretensão recursal a ser examinada deve guardar simetria com a matéria veiculada pela
defesa e analisada na decisão recorrida. Vale dizer, o que se avalia, nesta ocasião, é a regularidade
da decisão monocrática recorrida que assentou, forte na ausência de formalização de acordos de
colaboração, que o ato reclamado não contrariou o prescrito pela Súmula Vinculante 14.
Cumpre enfatizar, ainda, que a jurisprudência da Suprema Corte é tranquila no sentido da
impossibilidade de inovação recursal em sede de agravo regimental:
“Inadmissível a inovação recursal, mormente em sede de agravo regimental.” (Rcl 27732 AgR,
Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 04/04/2018)
“Não se admite no agravo regimental a inovação de fundamentos.” (ARE 959413 AgR, Relator(a):
Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 06/10/2017)
“A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o agravo interno está
sujeito aos limites da devolutividade delimitados no apelo extremo. Precedente.” (ARE 976508 AgR,
Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 30/09/2016)
“A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que é inviável inovar, em sede de agravo
regimental, os pedidos não contidos no recurso extraordinário.” (ARE 904208 ED, Relator(a): Min.
GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 27/10/2015)
Esse cenário, a meu ver, impede o enfrentamento do pleito anulatório.
Nada obstante, conforme esmiuçado adiante, tenho que a decisão reclamada não configura violação
à Súmula Vinculante 14, providência apta a repelir, integralmente, a insurgência defensiva.
2. Nos termos da Constituição Federal, compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar
originariamente “a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de
suas decisões” (art. 102, I, l).
Enfatizo que a reclamação não se presta ao amplo reexame da higidez constitucional e legal do ato
impugnado, sob pena de conferir-se contornos de sucedâneo recursal ao instrumento, o que é
fortemente repelido pela jurisprudência desta Suprema Corte.
Em idêntico sentido, menciono julgamento de lavra do ilustre decano do STF no sentido de que a
reclamação “não se qualifica como sucedâneo recursal nem configura instrumento
viabilizador do reexame do conteúdo do ato reclamado, eis que tal finalidade revela-se
estranha à destinação constitucional subjacente à instituição dessa medida processual” (Rcl 4381
AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 22/06/2011, grifei).
Cito ainda, por relevante, trecho de ensinamento doutrinário do eminente Min. Marco Aurélio, em
publicação veiculada em homenagem à Professora Teresa Arruda Alvim:
“Ao lado da preservação da competência, o exame a ser realizado na reclamação faz-se
mediante o cotejo entre o ato impugnado e o paradigma apontado como violado. Não se
confunde com a análise recursal, voltada à aferição do acerto, ou não, do entendimento
lançado no pronunciamento recorrido. Descabe utilizá-la como sucedâneo de recurso ou,
até mesmo, de incidente de uniformização de jurisprudência.” (A reclamação no Código de
Processo Civil de 2015 e a jurisprudência do Supremo. In Questões relevantes sobre recursos, ações
de impugnação e mecanismos de uniformização de jurisprudência. Coordenadores: Cláudia Elisabete
Schwerz Cahali, Cassio Scarpinella Bueno, Bruno Dantas e Rita Dias Nolasco. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2017, p. 413, grifei )
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Daí que a Suprema Corte exige, para fins de admissão da reclamação calcada na inobservância de
autoridade de decisão, relação de perfeita aderência entre tais pronunciamentos:
“A aderência estrita do objeto do ato reclamado ao conteúdo das decisões paradigmas é requisito de
admissibilidade da reclamação constitucional.” (Rcl 27685 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI,
Segunda Turma, julgado em 01/12/2017)
“A aderência estrita entre o objeto do ato reclamado e o conteúdo da decisão do STF dotada de
efeito vinculante e eficácia erga omnes apontada pelo reclamante é requisito para a admissibilidade
da reclamação constitucional.” (Rcl 27521 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado
em 07/11/2017)
A partir do requisito atinente à aderência estrita é possível extrair, a meu juízo, a obrigatoriedade de
que o conteúdo do ato impugnado configure desrespeito direto ao anterior pronunciamento da
Suprema Corte.
Em outras palavras: não basta que o ato reclamado vá além; exige-se concreta contrariedade no
que tange à autoridade do paradigma. Pois, como bem mencionado pelo eminente Min. Marco
Aurélio, a reclamação não “se confunde com a análise recursal, voltada à aferição do acerto, ou não
do entendimento lançado no pronunciamento recorrido.”
3. No caso concreto, alega-se que o ato imputável à autoridade reclamada contrariaria a Súmula
Vinculante 14, que prescreve o seguinte:
“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova
que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência
de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”
Como se vê, o verbete sumular disciplina o acesso do defensor a elementos de prova
documentados em procedimento investigatório e que, no interesse do representado, digam
respeito ao exercício do direito de defesa.
Na mesma direção, a jurisprudência do STF compreende que referido enunciado sumular vinculante
assegura ao defensor legalmente constituído o direito de acesso às provas produzidas “e
formalmente incorporadas ao procedimento investigatório, excluídas ,consequentemente, as
informações e providências investigatórias ainda em curso de execução e, por isso mesmo, não
documentadas no próprio inquérito ou processo judicial” (HC 93.767, Rel. Min. CELSO DE
MELLO, Segunda Turma, DJe de 01.04.2014, grifei).
Em idêntico sentido, colho compreensão assentada em voto, de lavra do eminente Min. Cezar
Peluso, proferido na espacialidade da aprovação do verbete sumular vinculante 14, em que
consignado que o acesso do investigado não alcança diligências em andamento ou em fase de
deliberação:
“(…) duas coisas devem ser distinguidas nos inquéritos policiais: uma coisa são os elementos de
provas já documentados. Quanto a estes elementos de prova já documentados, não encontro modo
de restringir o direito dos advogados em defesa dos interesses do cliente envolvido nas
investigações. Outra coisa são todos os demais movimentos, atos, ações e diligências da
autoridade policial que também compõem o inquérito. A autoridade policial pode, por
exemplo, proferir despacho que determine certas diligências cujo conhecimento pode
frustrá-las; a esses despachos, a essas diligências, o advogado não tem direito de acesso
prévio, porque seria concorrer com a autoridade policial na investigação e,
evidentemente, inviabilizá-la. Por isso, da ementa consta textualmente: 'ter acesso amplo aos
elementos que, já documentados. Isto é, elementos de prova. Por isso, tal ementa, a meu ver,
resguarda os interesses da investigação criminal, não apenas das diligências em andamento,
mas ainda das diligências que estão em fase de deliberação. A autoridade policial fica
autorizada a não dar ciência prévia desses dados ao advogado, a qual poderia
comprometer o resultado final da investigação.” (trecho do voto do Min. CEZAR PELUSO,
proferido na PSV 1, Relator(a): Min. MENEZES DIREITO, Tribunal Pleno, julgado em 02/02/2009,
grifei)
Na mesma linha:
“O direito do indiciado, por seu advogado, tem por objeto as informações já introduzidas nos
autos do inquérito, não as relativas à decretação e às vicissitudes da execução de
diligências em curso (...).” (HC 90232, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma,
julgado em 18/12/2006)
A Súmula Vinculante em apreço, portanto, fixa os lindes a fim de que o acusado ou investigado
tenha acesso a determinadas informações e providências investigatórias, excluindo tal possibilidade
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“Não bastasse a farta prova testemunhal e documental acima referida, o caso concreto conta com as
confissões, em Juízo, realizadas por JOSÉ ADELMÁRIO PINHEIRO FILHO (evento 809) e por AGENOR
FRANKLIN MAGALHÃES MEDEIROS (evento 789).
Ambos, diga-se, são réus que não ostentam acordo de colaboração premiada entabulado
com o Ministério Público Federal. Nenhum benefício legal lhes foi previamente outorgado
quando de seu interrogatório e, ainda assim, assumiram sua responsabilidade criminal em face
do magistrado e agora irão responder nos exatos termos da legislação penal brasileira.” (trecho do
voto do Desembargador Federal Leandro Paulsen, grifei) “(...) que a contribuição de AGENOR
FRANKLIN MAGALHÃES MEDEIROS não ocorreu no bojo de um acordo de colaboração em
sentido estrito, cuja natureza negocial e premial tem sido proclamada pelo Supremo
Tribunal Federal.” (trecho do voto do Desembargador Federal Victor Luiz dos Santos Laus, grifei)
Na mesma linha, assentou o Procurador-Geral da República, em manifestação colhida nestes autos,
que “tais acordos não foram celebrados e nada garante que serão.”
A propósito, a própria defesa, ao arrazoar recurso especial interposto, reconhece a ausência de
formalização de acordo de colaboração premiada entre o Ministério Público e os corréus:
“185. Isto porque, embora ainda não tivesse celebrado acordo de colaboração quando
resolveu autodenunciar-se por esse episódio, resta claro que o Léo Pinheiro o fez, a toda
evidência, como delator informal, para ser agraciado pela generosidade do Juiz sentenciante.”
Imperioso assinalar que a reclamação não permite dissenso quanto a essa premissa. Vale dizer,
portanto, que o exame encetado no âmbito desta Suprema Corte, à luz do aduzido nas instâncias
antecedentes, deve partir, a meu ver, da inocorrência de celebração do aludido negócio jurídico
processual personalíssimo.
Não há como reconhecer, nessa ótica, sonegação de fornecimento de elementos de prova
produzidos contra o representado e já documentados em procedimento investigatório, como
expressamente exige o paradigma tido como violado. Em verdade, a defesa insurge-se contra o
indeferimento de acesso a meio de obtenção de prova inexistente ou, no muito, em fase de
formação, o que não se amolda ao escopo do verbete sumular.
Cumpre acrescentar que, conforme já enfatizei em voto proferido na ADI 5508, em que se discute a
extensão da atribuição do Delegado de Polícia nessa ambiência, a colaboração premiada é realidade
jurídica, em si, mais ampla do que o acordo de colaboração premiada. Assentei naquela ocasião o
seguinte:
“Com efeito, há a possibilidade jurídica de um investigado, acusado, ou mesmo alguém já
condenado, colaborar com a Justiça Criminal e obter benefício em forma de sanção premial, sem
que, necessariamente, tenha de celebrar um acordo de colaboração com um agente do Estado.
(…)
A novidade instituída pela Lei 12.850/13 reside no oferecimento de maior garantia ao candidato a
colaborador de que os benefícios decorrentes de sua colaboração efetivamente lhes serão atribuídos.
Antes da regulamentação do acordo, um imputado que desejasse colaborar não contava com a
estipulação prévia, por parte do Estado, dos benefícios a que teria direito caso optasse por
descortinar os fatos nos quais se achasse envolvido numa amplitude maior. Restava ao investigado
colaborar e aguardar para que os benefícios abstratamente previstos na lei lhes fossem
concretizados no momento da sentença.
Com a institucionalização do acordo, estabeleceu-se modalidade de colaboração por meio da qual
direitos e deveres do colaborador são previamente negociados com o Estado, descritos e
estipulados, conferindo-se lhe, desde que cumpra com suas próprias obrigações, direito subjetivo
aos benefícios assentados no termo.”
No caso concreto, os corréus teriam colaborado mesmo sem a formalização de acordo de
colaboração.
Ocorre que tal comportamento processual, cuja legalidade e aptidão probatória não se encontram
em exame nesta ocasião, não representa violação ao comando da Súmula Vinculante 14, o que
impede o acolhimento pretendido:
“Agravo regimental na reclamação. Alegada violação da Súmula Vinculante nº 14 da Corte. Não
ocorrência. Inexistência de identidade fática entre o conteúdo da decisão reclamada e o
comando da súmula vinculante alegadamente desrespeitada. Impropriedade do uso da
reclamação. Pretendida submissão imediata do litígio ao exame direto do Supremo
Tribunal Federal. Impossibilidade. Precedentes. Agravo regimental não provido.” (Rcl 23770
AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 07/02/2017, grifei)
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Ao contrário, tal proceder apenas evidencia que a colaboração teve como norte o exercício da ampla
defesa, sem figurar como fruto de ato negocial ou de meio de obtenção de prova de natureza pré ou
extraprocessual.
Segundo o afirmado pelas instâncias antecedentes, o que foi confirmado pelo Ministério Público, os
corréus teriam colaborado exclusivamente no transcorrer da instrução processual da ação penal,
naturalmente submetida ao crivo do contraditório. Verifico, nessa perspectiva, que não foram
sopesados pelas instâncias ordinárias elementos produzidos pelos corréus fora dessa ambiência
instrutória, a revelar que a defesa teve assegurada plena ciência no que toca aos elementos
supostamente incriminadores fornecidos pelos corréus.
As razões recursais da defesa corroboram essa informação:
“Ainda, quanto ao entendimento do Eminente Relator no sentido de não haver real prejuízo à defesa
por terem sido os interrogatórios prestados em juízo e submetidos ao contraditório, deve-se ter
claro que os depoimentos dos corréus – prestados sem o compromisso de dizer a verdade, nunca
é demais frisar – não foram acompanhados de quaisquer provas de corroboração, não tendo,
assim, sido oportunizado à Defesa submeter qualquer elemento ao contraditório.”
Na mesma linha são as razões veiculadas em sede especial:
“171. A leitura do acórdão recorrido evidencia que o depoimento do corréu Léo Pinheiro, ex-
Presidente da OAS, foi o argumento essencial do decreto condenatório.”
Cito, por oportuno, a seguinte passagem do parecer da Procuradoria-Geral da República:
“Não há nenhum elemento de prova obtido a partir dessas tratativas preliminares já
documentado em qualquer procedimento investigativo que seja.”
Em suma, nos termos do sustentado pela defesa, não há acordo de colaboração formalizado, sendo
que, segundo a defesa, a colaboração dos corréus teria ficado circunscrita à prestação de
declarações orais desacompanhadas de elementos de corroboração.
Não há, nessa ordem de ideias, menção a elemento de prova documentado e incorporado
a procedimento investigatório cujo acesso não tenha sido franqueado ao reclamante.
O que há, a meu ver, é o inconformismo voltado à insuficiência probatória da chamada de corréu.
Vale dizer, questiona-se, ainda que tangencialmente, o valor probante e a própria credibilidade
desses elementos, sobretudo em razão de um alegado caráter decisivo dessas informações,
supostamente colhidas sem corroboração, no equacionamento do conjunto fático-probatório.
Nessa linha, transcrevo segmento das razões do agravo regimental em exame:
“(...) muito embora a sentença não tenha utilizado diretamente acordos de colaboração
premiada desses corréus, porquanto ainda não formalizados, utilizou as suas declarações
como se isso fossem.
(…)
Ainda não se tem notícias dos acordos de colaboração premiada, no entanto, os corréus
foram devidamente recompensados na ação penal em questão.”
O questionamento acerca da higidez da apontada postura colaborativa desacompanhada de acordo
de colaboração, embora afigure- se legítimo, escorreito e relevante, não se insere na destinação
constitucional da reclamação, na medida em que não se vincula ao prescrito pelo paradigma, que é
limitado a garantir o acesso defensivo aos elementos de prova já incorporados à apuração.
Além disso, cabe ressaltar que a reclamação não comporta o reexame de matéria fático-probatória,
de modo que não se revela viável, nesta sede, a pretendida avaliação da decisividade das
declarações fornecidas pelos corréus, tampouco aferir a procedência da alegação de que se trataria
de colaboração despida de elementos materiais que corroborem as informações relatadas em
audiência realizada em sede judicial.
Acrescento ainda que, no caso em apreço, a autoridade reclamada propiciou o fornecimento de
informação à defesa acerca do status da colaboração premiada que, ao tempo da prolação da
decisão, encontrava- se em fase de tratativas. Ou seja, ficou explicitada nos autos a informação no
sentido de que os corréus mantinham diálogos com o Ministério Público e que almejavam a
celebração de acordo de colaboração.
Mais do que isso, a autoridade reclamada impôs à acusação o dever jurídico de informar, antes das
alegações finais da defesa, se existia acordo celebrado ou homologado. Embora isso pudesse
representar eventual adiamento do conhecimento dos termos jungidos ao meio de obtenção de
prova, cumpre reiterar que, na hipótese específica, não houve formalização de acordo, conforme
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