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Docentes responsáveis: Prof. Dr. Antônio Donizeti Pires e Profa. Dra. Juliana Santini
Poemas da Negra e Poemas Negros: entender o outro para se entender – a crítica social
nos poemas de Mário de Andrade e Jorge de Lima.
Texto e contexto
O FILHO PRÓDIGO
MULHER PROLETÁRIA
Mulher proletária,
o operário, teu proprietário
há de ver, há de ver:
a tua produção,
a tua superprodução,
ao contrário das máquinas burguesas
salvar teu proprietário.
Mas a carga afetiva sublimada em prece não é o único traço de união entre a poesia
negra e a poesia bíblico-cristã de Jorge de Lima: perpassa por ambas um sopro de
fraternidade, de assunção das dores do oprimido, socialismo inerente a toda
interpretação radical do Evangelho. Nos Poemas Negros, há momentos de ênfase dada à
tensão entre escravo e senhor, aguçada pela oposição entre negro e branco. (BOSI :
1975 : p.504)
Gilberto Freyre, no prefácio de Poemas Negros, afirma que Jorge Lima foi o
representante mais fiel e distintamente nordestino de renovação da cultura brasileira a
partir das letras e das artes. Seus valores se compõem de elementos despercebidos de
outras partes do país,
Em Jorge de Lima, assim como em Mário de Andrade que, não sendo de origem
rigorosamente popular nem principalmente ameríndia ou africana, têm se dedicado ao
estudo, à interpretação e até a expressão dos complexos mais característicos da região,
ferindo nessa interpretação a nota de revolta contra os últimos preconceitos de cor
confundidos com os de classe que mantêm na miséria tantos descendentes brasileiros de
africanos. Para o autor de Casa Grande & Senzala, (...) sua poesia afro-nordestina;
poesia que não é a de um indivíduo pessoalmente oprimido pela condição de
descendente de africano ou de escravo, (...) [é] uma literatura, uma música, ou uma
pintura brasileira, voltada com simpatia para o negro, o índio ou o mestiço. Em
Poemas Negros a sensibilidade aos característicos mais profundos da vida, do passado
e da paisagem das nossas várias regiões forma o eixo em que se manifestam as
intimidades de nossa paisagem humana. Jorge de Lima, segundo Gilberto Freyre, fez da
sua experiência o chão da sua escrita,
(...) gente cuja pobreza conheceu pequeno e mesmo depois de grande; médico de
província, cuja miséria observou, cujo sofrimento sentiu com o poder da empatia que o
anima com relação à sua gente, do mesmo modo que sentiu suas alegrias, suas
esperanças, seus deleites doentios de comedores de barro, seus medos das almas do
outro mundo” .
Por sua vez, Mário de Andrade nos “Poemas da negra” que foram escritos logo
após a viagem ao nordeste, desenha outro Brasil, diferente do sul (da tradição européia),
que inspirou os versos que fazem referências a Recife/Pernambuco. A afetividade do
nortista, tantas vezes referida pelo escritor, parece ser o motor (ou terá sido algum
encontro amoroso?), para essa incursão subjetiva que ao mesmo tempo conserva sua
referência espacial à cultura brasileira. Aquilo que era referência externa, a busca da
identidade cultural brasileira, passa primeiro pelo filtro da subjetividade do poeta. A
verdade que ele busca aqui é a sua, sem a mediação dos espelhos da cultura. As escolhas
do poeta levam à inversão do sentido pressuposto de uma prostituta e,
consequentemente, leva a mulher para fora do contexto de mercadoria e da coisificação.
POEMAS DA NEGRA
III
Você é tão suave,
Vossos lábios suaves
Vagam no meu rosto,
Fecham meu olhar.
Sol-posto.
É a escureza suave
Que vem de você,
Que se dissolve em mim.
Que sono...
Eu imaginava
Duros vossos lábios,
Mas você me ensina
A volta ao bem.
XII
Lembrança boa,
Carrego comigo tua mão...
O calor exausto
Oprime estas ruas
Que nem a tua boca pesada.
As igrejas oscilam
Por cima dos homens de branco.
E as sombras despencam inúteis
Das botinas, passo a passo.
O que me esconde
É o momento suave
Com que as casas velhas
São róseas, morenas,
Na beira do rio.
Dir-se-ia que há madressilvas
No cais antigo...
Me sinto suavíssimo de madressilvas
Na beira do rio.
Falar do amor em Mario de Andrade é o mesmo que falar da poesia/arte em
Mario de Andrade – Poemas da Negra, Tempo da Maria e Girassol da Madrugada
(Livro Azul, 1941). Sempre tentando entender o outro para se entender, a procura, o
percurso tem a ver com a diversidade do país, grande e diverso. Sua vida e obra são
marcadas pelo percurso da viagem e Mario de Andrade procura entender o Brasil, coleta
de dados, participação e integração ao outro que, para eles, sempre são muito relevantes.
Poemas da Negra remete a música lenta e grave dos catimbós, do culto feiticistas, o
“fechamento de corpo”, aí Mario de Andrade oscila entre o intelectual e o primitivo, e a
negra é a detentora do que o poeta intelectual já perdeu: uma determinada ligação
cósmica.
Referências
ANDERSON, B. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do
nacionalismo, SP, Cia das Letras, 2008.
ANDRADE, M. “Poemas da Negra” in Poesias Completas, RJ, Nova Fronteira, 2003, vol. I.
BOSI, A – História Concisa da Literatura Brasileira, 2ª Ed., SP, Cultrix, 1975.
DUARTE, E.A. “O negro na literatura brasileira” in Navegações, v. 6, n. 2, p. 146-153, jul./dez.
2013.
LIMA, J. Novos Poemas, Poemas Escolhidos, Poemas Negros, RJ, Lacerda, 1997.
LIMA, L.C. (org) “A análise sociológica da literatura” in Teoria da literatura em suas fontes,
vol. 2, RJ, Civilização Brasileira, 2002.