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GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA, DESREGUMENTAÇÃO E CRISES GLOBAIS.

Romênia Oliveira de Souza1

Resumo: o termo ‘global’ refere-se à capacidade da grande empresa elaborar, para si e a partir de seus
interesses, uma estratégia seletiva em nível mundial, que seja global para ela, mas integradora ou
excludente para os demais atores. O processo globalizante em curso altera os setores sociais,
acelerando a reorganização e o reordenamento sociocultural, institucional e territorial subordinados à
economia. Também erode a soberania dos Estados, observável na limitação de políticas institucionais
ao âmbito nacional enquanto as dinâmicas financeiras são mundiais. É neste contexto que a
globalização financeira toma um maior vulto e se fortalece em meio a debates calorosos sobre a
regulamentação ou não dos sistemas financeiros. Enquanto predomina a liberdade de ação no
mercado, crises internacionais assombram os países e recaem não apenas sobre especuladores, mas
principalmente sobre espaços e setores mais vulneráveis, inclusive por estarem desprotegidos.
Palavras-chave: globalização, desregulamentação, crises globais.

1. INTRODUÇÃO

Muito já se falou sobre globalização nos meios acadêmicos, nas revistas especializadas
ou não e na imprensa em geral. Também é notório o debate sobre regulação ou
desregulamentação das atividades econômicas. Neste estudo, faz-se uma breve análise do
processo globalizante em curso, inclusive de seus desdobramentos sobre os territórios. Em
seguida, apresenta-se uma síntese do debate entre os defensores da desregulamentação e os
contra. Após essas seções são apresentadas as principais características das crises financeiras
mundiais dos últimos vinte anos. Entre outros fatores, é visível que a desregulamentação tem
uma importante atuação em todos os cenários de calamidades financeiras globais. Trata-se de
pesquisa explicativa, haja vista não apenas descrever o fenômeno, mas tentar explicar as
razões de suas ocorrências. A metodologia adotada é a qualitativa. O texto está disposto em
três seções, além desta introdução e das considerações finais.

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Pós-graduada em Administração Financeira pela URCA e Docente do Departamento de Economia da URCA.
E-mail: romenia@bol.com.br

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2. A (IN) COERÊNCIA DO PROCESSO GLOBALIZANTE EM CURSO

O termo ‘global’ faz referência à capacidade da grande empresa elaborar, para si e a


partir de seus interesses, uma estratégia seletiva em nível mundial, que seja global para ela,
mas integradora ou excludente para os demais atores (países, outras empresas e
trabalhadores). A sociedade tem de se adaptar às novas exigências e obrigações, e, sobretudo
que descartar qualquer ideia de procurar orientar, dominar, controlar, canalizar esse novo
processo. A internacionalização é dominada mais pelo investimento internacional do que pelo
comércio exterior, adaptando as estruturas que predominam na produção e no intercâmbio de
produtos. Evidentemente, a globalização das instituições financeiras e bancárias têm o efeito
de facilitar as aquisições transnacionais (CHESNAIS, 1996).
O processo globalizante em curso provoca alterações em vários setores sociais,
acelerando a reorganização e o reordenamento sociocultural e institucional subordinados à
economia. O Estado, enquanto organização política que controla determinado território foi
imprescindível para a consolidação do capitalismo, em particular no século XIX e primeira
metade do século XX. Havia um alto grau de territorialidade das atividades econômicas,
sejam elas reais ou financeiras. Atualmente, conforma-se um processo de erosão da soberania
dos Estados, observável na limitação de políticas institucionais ao âmbito nacional enquanto
as dinâmicas financeiras são mundiais (DIAS, 2010). Os governos tiveram sua margem de
escolha de políticas e prioridades econômicas restringidas pela necessidade de agradar aos
mercados financeiros (ROBERTS, 2000). A soberania somente existe na medida em que se
atribui a esfera territorial onde o poder é exercido. Isto é, mostra o caráter essencial de
territorialidade da soberania e a importância que assumem a autonomia e a independência
(DIAS, 2010).
Por globalização financeira entende-se a interação de três processos distintos: a
expansão extraordinária dos fluxos financeiros internacionais (empréstimos, financiamentos e
investimentos de portfólio); o acirramento da concorrência nos mercados internacionais de
capitais envolvendo bancos e instituições não bancárias (fundos de pensão, fundos mútuos,
seguradoras); e a maior integração entre os sistemas financeiros nacionais (proporção maior
de ativos financeiros emitidos por residentes nas mãos de não residentes e vice-versa). Seus
determinantes referem-se aos fatores: de ordem ideológica; institucional; políticas econômicas

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dos países desenvolvidos; de ordem tecnológica; sistêmica; e mudanças nas estratégias dos
investidores (BAUMANN et al, 2004).
O primeiro desses determinantes refere-se à ascensão das ideias liberais ao longo dos
anos 1980 quando os governos conservadores incitaram nos meios acadêmicos a corrente que
defende que o desenvolvimento aconteceria espontaneamente a partir do livre funcionamento
dos mercados – a chamada Abordagem dos Mercados, explicada pela Teoria do Equilíbrio
Geral2 (FIANI, 2011). O segundo e o terceiro fatores determinantes da globalização financeira
estão relacionados à própria dinâmica do sistema (instabilidade gerada pela ruptura do sistema
de Bretton Woods) e às políticas monetárias e cambiais dos países desenvolvidos a partir de
então, criando novos instrumentos de proteção frente a riscos e incertezas: o mercado de
derivativos. O quarto fator diz respeito ao progresso tecnológico associado à revolução da
informática e das telecomunicações, reduzindo custos operacionais e de transação em escala
global. O quinto determinante são os fatores de ordem sistêmica caracterizadores das
dificuldades de expansão da esfera produtiva-real. E o sexto determinante refere-se às
mudanças das estratégias dos investidores internacionais e das empresas transnacionais,
aumentando investimentos cruzados dentro dos países desenvolvidos e penetrando no
mercado de capitais dos emergentes (BAUMANN et al, 2004).

3. O SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL E O DEBATE REGULAÇÃO


VERSUS DESREGULAMENTAÇÃO

O sistema financeiro internacional é composto por instituições e mercados


multinacionais, atividades de intermediação, de securitização e de apoio (mercado de
derivativos). Desenvolveu-se espontaneamente nas últimas décadas do século XX, fora da
jurisdição de reguladores nacionais, não havendo, portanto, instituições dotadas de poderes
abrangentes de regulação e uniformização estrutural. As restrições existentes decorrem da
aceitação voluntária de normas prudenciais por parte dos agentes privados participantes e dos
relativamente poucos limites deliberados consensualmente entre nações. As relações dos

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Suas recomendações políticas para o desenvolvimento consistem em privatizações de empresas estatais, liberalização de
fluxos comerciais e financeiros internacionais, favorecimento de investimento direto estrangeiro e redução de todas as
regulamentações que limitem o funcionamento dos mercados. Para estarem em equilíbrio os mercados precisam satisfazer as
hipóteses de perfeita informação, livre mobilidade de recursos econômicos, grande número de vendedores e compradores,
homogeneidade dos produtos e a proposição de que os mercados são completos. Essa última hipótese significa a existência de
mercados para negociar tudo aquilo que se desejasse para entrega em qualquer data futura (FIANI, 2011).
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sistemas financeiros internacionais com os sistemas nacionais dependem diretamente do grau
de abertura destes últimos às operações das instituições financeiras estrangeiras em território
nacional e em termos da existência ou não de controles de capital (CARVALHO et al, 2007).
Isto é, implica que a liberalização e a desregulamentação sejam levadas a sério, que as
empresas tenham absoluta liberdade de movimentos e que todos os campos da vida social
sejam submetidos à valorização do capital privado (CHESNAIS, 1996). Com a
internacionalização do sistema financeiro dentro de espaços integrados (como a União
Europeia) abre-se a possibilidade dos agentes se beneficiarem da arbitragem regulatória. Ou
seja, propiciam a alocação de suas atividades financeiras nos países e regiões de regulação
mais benevolente.
A regulação financeira é um dos fatores determinantes da estrutura financeira à
medida que restringe as possibilidades de ação dos agentes financeiros e define as operações
que podem ser efetivadas, assim como o papel nelas exercidos pelas instituições financeiras.
Julga-se globalmente necessário supervisionar as atividades dos intermediários financeiros
para assegurar o adequado cumprimento de regras estabelecidas. A literatura disponível sobre
as razões para que se busque regular essas operações centram sua atenção sobre duas
características importantes dessa atividade: as externalidades positivas e negativas que
resultam do setor bancário; e a elevada probabilidade das transações financeiras serem
marcadas por fortes assimetrias de informação.
Dentre as externalidades positivas destaca-se a organização e administração de
sistemas de pagamentos, tais como: a construção de sistema alternativo ao da moeda emitida
pelo Banco Central e os efeitos da concessão de crédito sobre a economia como um todo.
Dentre as externalidades negativas citam-se a possibilidade de crises sistêmicas em função da
interação entre instituições financeiras, servindo como correia de transmissão de choques
adversos à primeira. Esse contágio pode se dar em função da perda de confiança do público
em alguma classe de instituição. Portanto, a definição de normas regulatórias visa a
preservação das externalidades positivas e a eliminação das externalidades negativas, ou sua
atenuação.
A livre operação dos mercados é considerada eficiente quando várias condições são
cumpridas, especialmente a transparência das ações (simetria de informações). Mas, com a
percepção de que os riscos cresceram, necessitou-se de normas regulatórias para proteção do

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consumidor de serviços financeiros, a chamada regulação prudencial. Esta tem como meta
impedir a realização de negócios que ameacem a segurança do sistema e que seriam
realizados na ausência desses limites. É certo que regulações causam distorções, mas ainda
assim são justificadas pela constatação de que os mercados financeiros já operam de forma
distorcida (CARVALHO et al, 2007).
Opõem-se a essas ideias aqueles que trabalham com abordagens nas quais qualquer
atuação estatal na economia é percebida como essencialmente nociva ao bom funcionamento
do sistema econômico. Segundo a Teoria da Busca de Renda, a demanda dos agentes privados
por rendas obtidas de privilégios (sejam regras ou regulamentos) que os protejam da
competição3 no mercado, é satisfeita pelo Estado (parlamentares, servidores públicos,
reguladores). Uma vez que o Estado conceda esses privilégios, os agentes privados competem
entre si por meio de lobbies, por exemplo, (FIANI, 2011).
Faz-se lobby quando os grupos privados recorrem a pessoas ou escritórios
especializados e com acesso fácil às autoridades para que intermedeiem na colocação da
demanda e na obtenção de um resultado favorável. Nos Estados Unidos, o lobby se encontra
plenamente incorporado ao sistema politico e representa a oportunidade para milhares de
grupos de interesse ter acesso aos centros de tomadas de decisões, como o Congresso
Nacional (DIAS, 2010).
Ou seja, os agentes privados podem buscar dois tipos de ganhos: lucros ao competir
nos mercados, ou rendas (no sentido de ganhos superiores aos lucros competitivos)
provenientes dos privilégios obtidos junto às intervenções estatais. Este tipo de
relacionamento entre políticos, burocratas e agentes privados cria um ‘mercado político’ que
“compreenderia os eleitores, a mídia, os grupos de interesse, os legisladores, o presidente (a
referência é o sistema político dos Estados Unidos), o judiciário e os burocratas” (TULLOCK,
1993, p. 26 apud FIANI, 2011, p.159). Sendo o quadro institucional condutor do desperdício
aquele resultante da participação estatal na regulamentação da vida econômica (op. Cit.).
O êxito ou fracasso dos grupos de pressão dependerá, entre outros fatores, de haver
uma estratégia capaz de conservar ou harmonizar os interesses dos participantes com aqueles
mais gerais da sociedade em questão. Seus principais elementos de poder são: o número de
membros, o grau de organização, reputação social, posição estratégica que ocupam na

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Essa competição provavelmente consumiria recursos reais da economia reduzindo-os para a produção. Com isso, o bem-
estar social também seria reduzido (FIANI, 2011).
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sociedade, a ação coletiva e individual, e a capacidade financeira ou poder econômico (DIAS,
2010).

4. DESREGULAMENTAÇÃO E EXPLOSÃO DO MERCADO DE AÇÕES NAS


DÉCADAS DE 1980 E 1990: UM PRELÚDIO ÀS CRISES FINANCEIRAS DOS ANOS
1990 E 2000

Desde o início dos anos 1980, a composição da riqueza social sofre modificações:
cresce rapidamente a participação de formas financeiras de posse de riqueza. Nos países
desenvolvidos, as classes médias detêm carteiras de títulos e ações, diretamente ou através de
fundos (de investimento, de pensão e de seguros), além de imóveis e bens duráveis. Também
as empresas ampliaram a posse de seus ativos financeiros, não apenas como reserva de
capitais para futuros investimentos fixos, mas como status permanente na gestão da riqueza
capitalista.
Esse processo não ficou restrito às fronteiras nacionais: cresceu bastante a participação
cruzada de investidores estrangeiros, com a liberalização dos mercados cambiais e a
desregulamentação dos controles sobre os fluxos de capitais. A escalada do volume de riqueza
financeira a um ritmo de pelo menos 15% superou o crescimento produtivo e dos
investimentos em capital fixo. A alta de preço dos ativos financeiros criou nos seus detentores
uma percepção de enriquecimento acelerado. A certeza de sua comercialização realimentava o
circuito de valorização, induzindo parcela crescente de alguns agentes a alavancar suas
carteiras de ativos com base em dívidas tomadas junto ao sistema bancário.
O desenvolvimento de inovações financeiras associados à informatização do mercado
acelerou o volume de transações de curto e curtíssimo prazo. Tais características integradas a
alavancagem fundamentada em créditos bancários explicam o assombroso potencial de
realimentação dos processos altistas (formando bolhas) e os riscos de colapso com os
movimentos baixistas (BELLUZZO, 1999).
Ponderando acontecimentos das últimas décadas, um dos fatores que estimulou o
movimento dos mercados de ações em 1982 foi a fuga dos fluxos financeiros internacionais
dos países subdesenvolvidos. A queda dos mercados de ações mundiais em outubro de 1987
parecia ser o fim dessa história. Temia-se uma repetição da depressão de 1929 que se seguiu à
queda de Wall Street, fazendo com que as autoridades relaxassem as condições monetárias. O

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fato é que este acontecimento se mostrou tão somente como uma interrupção da trajetória
altista de preços das ações.
Os otimistas justificaram economicamente a valorização intensa do mercado acionário
como sendo reflexo: da melhoria da administração econômica dos Bancos Centrais,
especialmente a Reserva Federal americana, que tornara a recessão um fenômeno do passado,
sendo o mercado altista dos anos 1980 e 1990 a incorporação dessa realidade nos preços das
ações. Da qualidade e consistência dos ganhos das empresas devido à menor volatilidade
econômica, à maior flexibilidade de preços e salários e melhor gestão de estoques. Da
ocorrência de um milagre de produtividade devido o impacto das novas tecnologias sobre a
produtividade das empresas; e dos baixos níveis de inflação, haja vista que inflação elevada
reduz seus preços.
Os pessimistas, entretanto, interpretaram a elevação dos valores no mercado acionário
como uma bolha de preços de ativos devida à “bandalheira” de crédito decorrente de
condições monetárias muito especiais. A elevada oferta de moeda associou-se a uma taxa de
inflação controlada. Os investidores tentaram livrar-se do excesso de liquidez comprando
ações, elevando assim seus preços (ROBERTS, 2000).

4.1. As crises financeiras do final da década de 1990

Por gerações, países latino-americanos se caracterizaram pela propensão inigualável a


crises cambiais, a falências bancárias, a hiperinflação e a todas as ‘mazelas monetárias’
modernamente conhecidas. Frágeis governos eleitos e regimes militares se alternando no
poder buscaram legitimidade através de programas populistas para além de seus recursos.
Financiaram suas iniciativas com empréstimos concedidos por banqueiros estrangeiros
imprudentes (resultando em crises no balanço de pagamentos) ou com o aumento da oferta de
moeda (resultando em hiperinflação).
Após as reformas neoliberais, privatizaram-se empresas estatais, suspenderam-se
barreiras às importações e eliminaram-se déficits orçamentários. O controle inflacionário
tornou-se prioridade e esses esforços foram recompensados pela maior eficiência adquirida e
pelo retorno da confiança dos investidores estrangeiros (KRUGMAN, 2009). As baixas taxas

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de juros americanas também levaram investidores a se voltarem para o exterior. Com isso, o
México foi o país que mais recebeu capital.
No mesmo período, as economias do leste asiático cresceram aceleradamente. Os
recursos financeiros foram providos pelo sistema bancário internacional e pelos mercados
financeiros globais, resultando em alto endividamento externo. A crise se iniciou em 1997 na
Tailândia, quando suas reservas internacionais estavam praticamente exauridas e o governo
deixou o câmbio flutuar. Este despencou, quebrando o mercado de ações e provocando o
colapso do preço de outros ativos. Logo, Malásia, Indonésia, Filipinas, Hong Kong,
Cingapura e Taiwan passaram por problemas semelhantes. Isso porque credores e investidores
passaram a duvidar da capacidade de pagamento dos devedores, a confiança acabou assim
como o crédito.
A corrida para vender moedas e ativos financeiros agravou ainda mais as quedas
vertiginosas das moedas e a quebra dos mercados acionário e imobiliário. A falta de crédito
levou até empresas mais sólidas à falência, o investimento cessou e o crescimento diminuiu
(ROBERTS, 2000). Explicações alternativas para tal colapso foram dadas, como a do
primeiro ministro da Malásia de que especuladores estrangeiros manipularam os mercados e
atacaram as moedas da região (em especial o financista e bilionário George Soros).
Mas Krugman (2009, p.96) ressalta que o contágio da crise entre todos os países do
leste asiático se deu por causa das chamadas profecias autorrealizáveis: um ciclo de
deterioração econômico-financeira e de perda de confiança, não importando se essas
economias eram pouco interligadas em termos de fluxos comerciais. “As conexões existiam
na mente dos investidores” e “quando uma economia é vulnerável ao pânico auto validável, a
crença se converte em realidade”. As crises asiáticas minaram a confiança depositada nos
países endividados. Na Rússia, além do caos político, da corrupção crescente e do banditismo,
ocorreu uma corrida contra o rublo em maio de 1998. Os países sul-americanos
experimentaram fuga de capitais e desvalorizações de suas moedas. A ancoragem ao dólar foi
abandonada pela maioria dos países, inclusive Brasil, México e Rússia, adotando a livre
flutuação cambial.
O Banco Central americano reagiu às crises e ao quase colapso do LCTM (um dos
maiores fundos de hedge) reduzindo as taxas de juros no final de setembro de 1998 para
diminuir o custo do crédito e restaurar a confiança do sistema financeiro internacional. As

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ações coordenadas entre os bancos centrais e o FMI funcionaram, e em meados de 1999 a
maioria das nações emergentes do leste asiático e da América latina crescia novamente.
Entretanto, a elevação dos preços dos ativos nas economias ocidentais, lideradas pela cotação
das ações em Wall Street sinalizava uma bolha prestes a explodir (ROBERTS, 2000).

4.2. A crise financeira de 2008

A maioria das crises começa com uma bolha na qual o preço de um ativo supera seu
valor real. Muitas vezes, as bolhas de ativos são simultâneas aos acúmulos excessivos de
endividamentos, consequências de empréstimos tomados por investidores ansiosos para
participar do boom. Não por acaso, estão associadas ao crescimento exagerado da oferta de
crédito, consequência ou de uma supervisão e de uma regulamentação negligentes do sistema
financeiro. Ou de uma política fiscal expansionista do banco central. Contudo, podem se
desenvolver mesmo antes de um boom creditício, alimentadas por expectativas de aumentos
futuros de preços. Ou mesmo, devido expectativas geradas por grandes inovações
tecnológicas (criação da internet e do cartão de crédito). Muitas bolhas, embora alimentadas
por avanços tecnológicos concretos, também ganham um grande impulso devido a mudanças
na própria estrutura financeira (ROUBINI et al, 2010).
Independentemente de como um boom começa, ou dos canais usados pelos
especuladores para participarem dele, alguns ativos tornam-se foco de intenso
interesse especulativo. Pode ser qualquer coisa, embora a especulação em ações, em
construção e em bens imóveis sejam as mais comuns. Quando o preço dos ativos
dispara, otimistas tentam de forma apaixonada justificar tal supervalorização.
Quando confrontados com recessões anteriores, os otimistas alegam que “desta vez é
diferente” (Idem, pp. 25 e 26).

A bolha de ações da década de 1990 reflete o extremo otimismo sobre o potencial de


geração de lucro da tecnologia da informação e a crença que os dias de graves recessões
haviam passado. “As bolhas de ativos são como correntes da felicidade naturais, em que se
ganha dinheiro enquanto houver otários que entrem com dinheiro. Mas, um dia, faltam otários
e todo o esquema desaba” (SHILLER apud KRUGMAN, 2009, p. 154). As taxas de juros
estavam muito baixas nos anos iniciais da década de 2000, tornando atraente a compra de
moradias. O aumento da demanda justificou parte do aumento dos preços.
Sabe-se que os compradores de imóveis não devem contrair financiamentos cujas
prestações estejam acima de sua capacidade financeira, que devem pagar um alto valor de
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entrada com recursos próprios para que os valores líquidos (valor de mercado menos o saldo
devedor do financiamento) se mantenham positivos mesmo em caso de leve queda no
mercado acionário. Contudo, o que aconteceu foi o abandono desses princípios. Famílias
resolveram entrar de qualquer maneira no mercado. E, mais importante ainda, houve
mudanças nas práticas de concessão de empréstimos. Boa parte desses empréstimos se
enquadrava na categoria subprime, mas o fenômeno era mais amplo (op. Cit.).
(...) a inovação financeira tornou irrelevante a questão de saber se os credores se
davam o trabalho de calcular o risco: em vez de conceder empréstimos e de mantê-
los em carteira de cobrança, os bancos e outras instituições financeiras emprestavam
dinheiro sem examinar se os tomadores eram dignos de crédito e tratavam de
repassar os empréstimos – hipotecas, financiamentos de automóveis, créditos
educativos e até mesmo dívidas de cartões de crédito – para Wall Street, onde eles se
transformavam em títulos de valores mobiliários cada vez mais complexos e
esotéricos vendidos em todo o mundo a investidores crédulos incapazes de avaliar o
risco inerente dos empréstimos originais. O nome do jogo era securitização, e os
bancos e outras empresas de Wall Street ganhavam gordas comissões para transferir
o risco aos investidores desavisados. As várias agências de classificação de risco de
títulos de crédito – Fitch, Moody’s, Standard & Poor’s – poderiam e deveriam ter
evitado que isso acontecesse. Mas elas também ganharam gordas comissões com a
securitização, e estavam mais do que dispostas a transformar os empréstimos podres
em títulos mobiliários folheados a ouro, que davam retornos livres de risco
(ROUBINI et al, 2010, pp. 42-43).

Com a expansão do sistema bancário paralelo, se igualando ou mesmo ultrapassando


em importância o sistema bancário tradicional, políticos e autoridades do governo deveriam
ter reagido com o aumento da regulamentação e com o reforço da rede de segurança
financeira, abrangendo também as novas instituições. Mas, a ideologia da administração
George W. Bush se revelou fechada à regulação (KRUGMAN, 2009).
Quando os proprietários de residências deixaram de pagar seus financiamentos
imobiliários, o valor dos títulos derivados desses empréstimos entrou em declínio e a explosão
começou. As perdas sofridas pelas instituições financeiras altamente alavancadas obrigaram-
nas a diminuir seus negócios e a reduzir sua exposição ao risco. Como em todo colapso, os
bancos adotaram medidas exageradas drasticamente: reduziram seus empréstimos e
deflagraram uma abrangente redução da liquidez e uma escassez de crédito. Pessoas físicas e
jurídicas não podiam mais rolar suas dívidas, muito menos gastar dinheiro em bens e serviços,
e a economia começou a se contrair. O que começou como uma crise financeira atingiu a
economia real, causando muitos efeitos colaterais (ROUBINI et al, 2010).

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cada episódio de turbulência financeira gera denúncias contra especuladores e leva o


governo a um maior controle sobre o poder dos mercados por meio de uma maior
coordenação internacional de políticas econômicas, pela reintrodução dos controles de capital,
pela criação de um imposto sobre movimentação financeira e pelo fortalecimento das
instituições existentes. Ou mesmo pela criação de novas instituições multilaterais. Por trás
destas propostas está a ideia de que os mercados financeiros não deveriam ter maior
influência sobre a política econômica do que os governos democraticamente eleitos, já que
esses são separados da atividade produtiva e indiferentes às questões sociais e às medidas de
longo prazo. A disciplina externa dos mercados financeiros impõe aos políticos um saudável
rigor, limitando suas tendências à irresponsabilidade e aos abusos de poder (ROBERTS,
2000).
Ponderando as crises financeiras internacionais dos últimos vinte anos, todas
apresentaram elementos em comum: foram originadas no setor financeiro onde, se encontram
predominantemente, investimentos improdutivos, de alto risco e lucratividade, onde havendo
êxito nas transações realizadas um investidor pode tornar-se milionário da noite para o dia. A
ideologia neoliberal em vigor garantiu os interesses dos grandes especuladores e investidores,
ao afrouxar as regras e coordenar políticas econômicas que favorecessem as atividades
financeiras. Ao contrário do que avaliam os economistas adeptos à teoria da busca de renda,
não foi a regulamentação que trouxe problemas ao bem-estar social. Mas a
desregulamentação, à medida que, na ausência de limites, os agentes privados puderam lutar
pelos seus interesses, enquanto os políticos e reguladores foram corrompidos pelas
compensações oferecidas. A regulamentação seria um grave problema se as economias reais
fossem perfeitamente competitivas.
Após a crise de 2008, os grandes bancos internacionais foram socorridos pelos
governos federais, afinal a falência desses empreendimentos provocaria um efeito em cadeia
para os demais setores. E muitos dos responsáveis diretos pela crise (economistas do governo
a serviço do capital financeiro e donos de instituições financeiras diversas) multiplicaram suas
fortunas enquanto o mundo era penalizado pela assimetria das informações. Não se está
dizendo que, a regulação dos mercados teria evitado as crises, mas certamente teria pelo

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menos amenizado seus efeitos, haja vista um maior rigor nas operações realizadas e na
classificação dos títulos (muitos compraram ações que não tinham o menor valor no mercado
simplesmente porque estas receberam uma alta classificação, enquanto isso, os próprios
reguladores especulavam contra tais títulos, obtendo fortunas em detrimento da falência de
outrem).
Por mais que a regulação limite o funcionamento dos mercados e gere uma menor
eficiência econômica, ela consegue, em termos relativos, proteger os consumidores e reduzir
os impactos de crises principalmente sobre os menos abastados. Nos países onde o Estado
mais interviu na economia, a crise recaiu menos sobre a população de baixa e média renda, e
esses conseguiram sair mais rápido da turbulência. Infelizmente, para os mais desenvolvidos e
também mais afetados, a ideologia neoliberal, ou a Abordagem dos Mercados permanece. E
mesmo os Estados Unidos sob a presidência de Barack Obama (defensor de regulações mais
severas durante as eleições presidenciais), relutaram em intervir e conservaram no governo
políticos e consultores ferrenhamente defensores da desregulamentação.
Também é preciso enfatizar que foi a atuação estatal sobre seus territórios que prestou
socorro as economias em crise. Países adeptos ao neoliberalismo demoraram em tomar
medidas necessárias e a sair da grave recessão. Países com um grau maior de intervenção
estatal saíram mais rápido da crise e os seus efeitos sobre setores produtivos mais populares
foram menores do que sobre setores de bem de luxo. Ou seja, a exemplo do que ocorreu no
Brasil, o governo manteve um nível mínimo de demanda agregada (reduzindo impostos sobre
produtos industrializados), que consequentemente manteve a produção e o emprego nos
setores de bens de consumo duráveis e não duráveis populares.

Referências

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experiência brasileira. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. 9ª reimpressão.

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DIAS, R. Ciência política. São Paulo: Atlas, 2010.

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