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VOLUMEN 1 NÚMERO 1 2014

Revista Internacional de

Ciencia y Sociedad

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Determinados por nosso próprio determinismo


ALEXANDRE QUARESMA

s.com
Determinados por nosso próprio determinismo
Alexandre Quaresma, RENANOSOMA, Brasil

Resumo: No que concerne compreender as relações entre tecnociências e sociedades, perguntamos: Qual o significado
das transformações que as sociedades tecnológicas empreendem, cujas marcas e consequências tecnicistas se reimpri-
mem sobre elas mesmas de maneira profunda e determinante? E, de igual modo: O que significa para uma determinada
cultura ou sociedade poder –através de suas técnicas e tecnologias– emular a vida, a matéria e o próprio mundo natu-
ral? Teremos nós, modernos e pós-modernos, alcançado um ponto de desenvolvimento tecnológico tão complexo e
sofisticado, depois do qual não existem mais retornos possíveis? Este será o foco central de nossa análise crítica das
tecnologias neste paper. Nosso objetivo nesse artigo é contribuir para a construção de uma crítica da tecnologia que seja
de alguma forma eficiente, capaz inclusive de permitir que nos enxerguemos a nós mesmos e as técnicas que criamos,
imbricados que estamos em nossos meios tecnológicos, hiper-empoderados e muitas vezes acríticos, enquanto protagoni-
zadores de uma brutal metamorfose antropossocial de proporções civilizacionais.

Palavras-chave: tecnicização, determinismo tecnológico, crítica da tecnologia

Abstract: Concerning the relationships between technoscience and societies, we may ask: What is the significance of the
changes that technological societies undertake –societies whose technical marks and consequences act on them once and
again so deeply and decisively? And likewise: What it means for a particular culture or society to emulate life, matter
and the natural world itself through its techniques and technologies? Have we –modern and postmodern societies–
reached a point of such a complex and sophisticated technological development that does not allow us to return to previ-
ous situations? This will be the central focus of our critical analysis of technologies in this paper. Our goal in this article
is to contribute to build a critique of technology that is so-to-speak ‘efficient’, taking for granted that we are deeply
intertwined with our technological tools, hyper-empowered, and often uncritical ‘performers’ of anthroposocial meta-
morphosis that may have drastic impacts on our civilizations.

Keywords: Technization, Technological Determinism, Critical Technology

Introdução
Como fazemos as coisas determina quem somos e o que somos.
(Andrew Feenberg, 2010: 207)

T odas as grandes revoluções sociais da história se deram por ruptura. Todavia, a extraordi-
nária revolução tecnológica que empreendemos na Modernidade e Pós-modernidade,
inversamente, dá-se por inércia. Não que não haja pequenas e pontuais rupturas no decor-
rer do próprio processo de revolução, mas em geral há uma auto-potencialização da técnica que
se alimenta quase que autonomamente de si mesma. Só não podemos considerá-la (revolução ou
tecnicização) totalmente autônoma, pois sempre há injeção externa de energia, recursos numerá-
rios, ideias, teorias, estruturações simbólicas, técnicas, dedicação e trabalho de pessoas, para que
o sistema como um todo de fato se potencialize. Todavia, num sentido mais amplo de compreen-
são, podemos afirmar que as tecnociências se auto-organizam autonomamente e dinamizam as
relações socioculturais e sociopolíticas das sociedades em que operam, e que vão se determinan-
do tecnologicamente segundo seus próprios parâmetros e concepções tecnicistas. Referimo-nos
ao fenômeno do desenvolvimento tecnológico global galgante, onde invenções e inovações le-
vam irreversivelmente a outras novas invenções e inovações, que por sua vez levam irreversi-
velmente a outras novas invenções e inovações, de modo contínuo, sem que exista de fato um

Revista Internacional de Ciencia y Sociedad


Volumen 1, Número 1, 2014, <http://ciencia-sociedad.com>, ISSN 2340-9991
© Common Ground España, A. Quaresma. Todos los derechos reservados.
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controle social do que emerge e do que pode emergir deste emaranhado de possibilidades anela-
res que são forjadas nos P&Ds tecnológicos mundo afora. E os frutos deste descontrole tecnicista
são as próprias técnicas e tecnologias –por um lado– extraordinárias, que vão sendo produzidas e
absorvidas socialmente sem nenhum ou com pouquíssimo critério crítico, enquanto que –por
outro– estas mesmas técnicas e tecnologias vão reconfigurando e reestruturando as próprias soci-
edades que as criam num transe acrítico e frenético. Junte-se a isso a exponencial velocidade que
o próprio sistema apresenta em termos de repetir estas retroalimentações, e então teremos o con-
texto de crise instaurada, crise esta que requer a nossa atenção e a nossa crítica, pois o ser huma-
no –neste ínterim– tem sua essência modificada por suas técnicas e tecnologias. Um bom antago-
nizador de imediato perguntaria: As tecnociências, por serem criações humanas, não seriam parte
desta mesma natureza ou essência que agora se altera sob força das técnicas? Nossa resposta é:
A partir do momento em que percebemos o mundo pela ótica tecnicista, tudo nos parecerá nor-
mal e harmonioso. Todavia, se deslocarmos o nosso olhar habitual e juntarmos as pontas deste
enorme emaranhado de técnicas e tecnologias, emergentes e convergentes, que vão se sobrepon-
do umas às outras, celeremente, veremos que estas técnicas e tecnologias estão atuando profun-
damente também sobre nós mesmos; verificaremos também que estamos transformando os obje-
tos, a natureza, aquilo que comemos, como vivemos, como enxergamos o mundo e, objetivamen-
te, até aquilo que somos (ou que éramos) biologicamente por meio das bionanotecnociências; e
que nossa concepção, geração e consubstanciação biológica pode também ser determinada por
outrem na escala molecular da matéria, perceberemos que algo original do humano se perdeu
pelo caminho técnico, que nossa humanidade se encontra em rápida metamorfose, e que despre-
zamos –o que é o pior– no que nos transformaremos.
Quanto à questão da inércia como força revolucionária que empuxa a transformação, o fato
é que progressivamente vamos reenquadrando o mundo, a natureza, nós mesmos e a própria
realidade que nos circunscreve num contexto de profunda tecnicização, onde estas entidades
naturais que mencionamos são esvaziadas de seu simbolismo e potência originários, sendo subs-
tituídas pelas impositivas forças das técnicas e tecnologias, que são, sem dúvida, a nossa própria
criação e, de certa forma, um reflexo claro daquilo que somos enquanto civilização. Neste senti-
do –afirmamos– somos o que criamos e construímos. Todavia, devido à significativa ampliação
dos níveis de interferência técnica possíveis, somos agora também determinados segundo este
mesmo tipo de lógica e prática tecnicista. A afirmação de Andrew Feenberg (2010: 207) encontra
eco em nossa reflexão: “Como fazemos as coisas determina quem somos e o que somos”. Pode-
mos dizer também que o ser humano milenarizado, arguto diante de seu desmesurado poder,
indaga-se se é lícito ou não fazer o que faz com a natureza e o mundo a seu redor. E o que ele
descobre –através desta inércia distraída, deste tudo poder fazer, deste transe tecnólatra sem limi-
tes que protagonizamos, irresponsável e acefalamente– é que a referida revolução se consuma e
se torna realidade irreversível. E é também por meio desta boa predisposição das massas para
tudo o que é tecnológico, sempre visto como bom e edificante, que consubstancia esta cultura
extremamente tecnicista que criticamos neste artigo, e que indubitavelmente caracteriza nossas
sociedades tecnológicas atuais, que se transformam distraidamente –afirmamos– ao sabor das
próprias transformações tecnológicas que operam.

Uma prática ancestral


No mais, não é de hoje que utilizamos tecnologias em nossa interface com o mundo como forma
de aumentar e dinamizar o nosso poder de ação. O advento de tais fenômenos, ou seja, a adoção
de técnicas e tecnologias teve consequências revolucionárias para a própria espécie sapiens que
nascia nestes tempos imemoriais. Esta revolução teve o seu início no fim do período Neolítico –
com a pedra lascada e o domínio do fogo, nossas primeiras tecnologias–, e desde então não pa-
ramos mais de nos potencializar e empoderar por meio delas; e, estudando o passado, o que ve-
mos é a transformação do próprio filo humano que prevalece perante as demais espécies, por

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força também de suas tecnologias, espalhando-se pelos quatro cantos do planeta, com tudo de
bom e de mau que isso possa significar. Foi, até agora, como um caminho natural para o Homo
sapiens, o dito homem sábio que, descontrolada e contraditoriamente, a despeito de sua própria
sapiência autoinferida, destrói a natureza e extingue as demais espécies vivas, pondo em risco a
própria biosfera que o contém. O domínio da natureza, a intrusividade das técnicas no corpo
humano, corpo decifrado e instrumentalizado, a própria concepção de corpo e natureza que, sob a
ótica tecnicista, se altera com o desencantamento que experimentamos ao explorarmos e contro-
larmos tecnologicamente tudo; enfim, isto significa que a tecnologia –que nós aparentemente
comandamos e que teoricamente depende em tudo de nós, pois é nossa criação– está fugindo de
nosso controle, reimprimindo suas marcas sobre nós e nossas sociedades. Não é à toa que nos
tornamos uma civilização tecnológica. Todavia, há uma aceleração no processo de adoção destes
métodos na Modernidade e Pós-modernidade, onde as técnicas e tecnologias passam a ocupar
espaços cada vez maiores e mais importantes nas sociedades onde se consolidam e se capilari-
zam, nas rotinas diárias das pessoas, na compreensão e lógica do mundo, na globalização da
informação digital, enfim, reconfigurando a própria conjuntura em que vive e opera o humano.
De certo modo, com a tecnicização, roubamos as rédeas da natureza em sua infinita aleatorieda-
de, e fomos impondo a nossa lógica dominadora e exploratória de controle e exaurimento, supri-
mindo os ambientes e formas de vida naturais, e repovoando-os com seres vivos geneticamente
modificados, algoritmos evolucionários, redes neurais, satélites, naves espaciais e aceleradores
de partículas. Abdicamos das tradições de reprodução e procriação sexual natural em prol de
práticas ditas modernas, como inseminação in vitro, clonagem, manipulação genética, e, pouco a
pouco, vamos perdendo nossa humanidade em meio às técnicas e tecnologias que nós mesmos
criamos. Referimo-nos ao esvaziamento simbólico da vida, da natureza e de nós mesmos em
nosso corpo carnal. Não queremos dizer que casais, teoricamente inférteis, não devam tentar ter
seus filhos por meios tecnológicos, mas sim que essa tecnicização acontece em larga escala, em
vários setores importantes da vida social humana, que isso se dá de forma distraída, e que vamos
absorvendo e adotando como normais tecnologias, práticas e técnicas, que modificam nosso filo
estruturalmente. Um exemplo crasso destes problemas bioéticos, que emergem junto com as
técnicas e tecnologias de bioengenheiramento, é a questão da simetria entre todos os seres huma-
nos que se quebra quando adotamos técnicas de melhoramento genético. Trata-se, sem dúvida, de
uma reestruturação do humano. Jürgen Habermas (2004: 76) parece concordar conosco quando
afirma que:

Após as ofensas ao nosso narcisismo, que Copérnico e Darwin nos infligiram com a destruição de
nossa imagem geocêntrica e antropocêntrica do mundo, talvez passemos a acompanhar com mais
serenidade a terceira descentralização de nossa imagem do mundo – a submissão do corpo vivo e
da vida à biotécnica.

O que queremos dizer –consoantes com Feenberg e Habermas– é que a maneira como
fazemos as coisas diz muito a respeito de nós mesmos. Somos também –afirmamos– aquilo que
produzimos, construímos, praticamos, e isso vale igualmente para as nossas tecnologias. E se
podemos produzir até mesmo a vida humana, se podemos também modificá-la, alterá-la, cloná-la
e finalmente misturá-la com as demais formas de vida existentes na natureza, passamos a deter-
minar muito mais do que simplesmente o alimento que modificamos geneticamente, o sistema
biológico que nos personifica, a natureza e a vida a nosso redor, passamos a determinar tecnolog-
icamente também a nossa própria realidade, tornando-nos assim predominantemente tecnólatras e
tecnocêntricos. Frise-se que, quando fazemos isso (modificações genéticas e transgenias), esta-
mos executando em laboratório transformações e mutações que demorariam milênios para acon-
tecer na prática em ambientes naturais, e cujas consequências em longo prazo também
desconhecemos. Além disso, quando dizemos que podemos teórica e tecnicamente, não quer
dizer, absolutamente, que devamos moral e bioeticamente fazer este algo. Este tipo de conflito
pode até parecer trivial no âmbito das tomadas de decisão cotidiana –e o são, já que tomamos
estas decisões com base num código moral antropossociologicamente adquirido, preexistente na
vida gregária pregressa com os demais membros da espécie humana–, mas adquire relevância e

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impacto, quando analisamos as ciências de fronteira, por exemplo, onde as interferências técnicas
começam a se acirrar, e onde a técnica –ironicamente– começa a determinar aquele que a criou.

Conceitos-chave
Antes de avançar em nossa reflexão, tenhamos claros os conceitos que estamos evocando para
estruturar as nossas argumentações teóricas. Entendemos o fenômeno da tecnicização –no caso
aqui da natureza e da biologia humana– assim como Jürgen Habermas (2004: 33), que afirma que
tecnicização é um processo de imposição da técnica sobre o mundo natural, que agora ultrapassa
significativamente os limites também do corpo humano e da própria vida nele contido. Ou como
Andrew Feenberg (2010: 301) coloca: “Hoje a dominação se perpetua e se estende não apenas
através da tecnologia, mas como tecnologia, que provê a ampla legitimação para a expansão do
poder político, ao mesmo tempo em que absorve as esferas da cultura”. Estamos consoantes
também com Gilbert Hottois (1993: 162) quando este postula que:

O poder associado às tecnociências afigura-se carregado de novos perigos para as liberdades indi-
viduais. A virulência manipuladora da tecnociência parece comportar riscos para a igualdade e a
dignidade do ser humano, que é objetivado e tecnicizado.

Hottois faz menção a aspectos de avanço da técnica que vão sobrepujando nossa natureza
biológica e o mundo natural, ao mesmo tempo em que instauram um ambiente de crise para este
mesmo humano, que se tecnicisa e se empodera, e que opera interferências profundas nele mes-
mo e em suas sociedades, por força sempre de tecnologias de brutal impacto social –como a
clonagem e as peripécias biotecnológicas possíveis a partir do nosso DNA recombinante, por
exemplo– procedimentos que vão reestruturando a ordem das relações antropossociais do hu-
mano, sua simbologia, e reordenando também as sociedades segundo lógicas e padrões deter-
minantemente biotecnológicos. De fato, como já escrevemos em Alexandre Quaresma (2011:
55): “Somos agora uma civilização tecnológica, o que vale dizer que somos predominantemente
tecnológicos, ou seja, é através também das tecnologias que nos determinamos enquanto civili-
zação”. E é por esse motivo que Gilbert Hottois (1993: 163) também acrescenta:

A ‘liberdade científica’ duramente conquistada contra os dogmatismos de todas as espécies,


nomeadamente éticos, parece transformar-se num ‘imperativo tecnicista’ onipotente e amoral, se-
gundo o qual ‘é necessário fazer tudo o que for possível, realizar todas as experiências’.

Nós nos preocupamos com essas questões e tentamos, por meio de nossas reflexões críticas,
lançar luz também sobre o discurso que perfaz e sustém as práticas tecnológicas, tornando-as –
em tese – confiáveis, válidas e aceitáveis no campo operativo das interações sociotécnicas, como
se encontra também em Alexandre Quaresma (2011: 6-7):

O discurso tecnocientífico –seja o do próprio objeto técnico, seja o de seus fomentadores e entusi-
astas– é sempre otimista, idealizado e tendencioso. Otimista porque sempre prevê o futuro de
maneira predominantemente boa com a aplicação das tecnologias; idealizado porque pressupõe
um progresso indiscriminado, ordenado, linear e crescente para toda a humanidade com a
aplicação dessas mesmas tecnologias; e tendencioso porque acredita possuir a verdade absoluta do
desenvolvimento humano, e a partir dessa verdade tenta guiar os rumos da própria história segun-
do sua lógica prepotente e mercantilista que nunca contempla os aspectos sociais, humanos e am-
bientais.

Todavia, como fundamentação, o que importa é que tecnicização significa mais eficiência,
controle e potencializações para o ser humano, de uma forma bem ampla e geral; mas significa,
igualmente, novos problemas, crises e desarranjos sistêmicos. Ou seja, o empoderamento traz
potência, é óbvio, mas traz, igualmente, descontrole e risco.

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QUARESMA: DETERMINADOS POR NOSSO PRÓPRIO DETERMINISMO

Quanto à nossa segunda palavra-chave, o conceito de determinismo tecnológico se baseia –


segundo Andrew Feenberg (2010: 72)– na suposição de que as tecnologias têm uma lógica fun-
cional autônoma, que pode ser explicada sem se fazer referência à sociedade. Presumivelmente, a
tecnologia é social apenas em relação ao propósito a que serve, e propósitos estão na mente do
observador. A tecnologia se assemelharia assim à ciência e à matemática –conclui Feenberg–
devido à sua intrínseca independência do mundo social. No entanto –prossegue ele– diferente-
mente da ciência e da matemática, a tecnologia tem impactos sociais imediatos e poderosos.
Dá-se o determinismo tecnológico também –afirmamos– quando a tecnologia em si deter-
mina a realidade e a conjuntura, e não apenas o contrário, como seria de se esperar. Ou seja, o
determinismo tecnológico acontece quando a tecnologia vira causa e não efeito, determinando a
própria realidade factual manifesta da sociedade em que opera, a indústria, a produção, o con-
sumo de massa, enfim, quando o mundo, o hábito e a cultura que criou a tecnologia e o próprio
determinismo –enquanto conceito e também enquanto prática– acabam determinados por ele
numa retroação determinadora. E isto pode se dar de diversas maneiras, e em diversos campos da
vida cotidiana de todos os tempos. Exemplos: Drenando os esforços de civilizações inteiras e
extenuando o meio ambiente e a sociedade na construção de pirâmides (exemplos históricos de
culturas antigas do Egito e do México); fazendo o mesmo na degradação do ecossistema natural
de uma paradisíaca ilha perdida no meio do Pacífico, cujos recursos eram limitados, construindo
estátuas e monumentos de pedra dispendiosíssimos do ponto de vista socioambiental (exemplo
do antigo povo da Ilha de Páscoa); incentivando a indústria do automóvel em detrimento de todas
as gravíssimas questões ecológicas e ambientais, ao invés de investir em alternativas de trans-
portes coletivos de qualidade (exemplo atual do Brasil e da China); ou ainda, quem sabe, na
criação de castas de seres ditos ‘superiores’ ou até ‘melhorados’ geneticamente, através de bio-
engenheiramentos da vida e da matéria com as tecnologias já disponíveis (exemplo hipotético
atual e futuro para as nações industrializadas e globalizadas da Pós-modernidade que se vêem
tentadas a fazê-lo). Ora, determinismo tecnológico –então– significa que a tecnologia que deter-
minamos como a mais apropriada, num dado momento, acaba determinando os destinos da pró-
pria sociedade que a determinou. E isso vale também para os contextos econômicos, sociopolíti-
cos e antropossociais das sociedades modernas e pós-modernas que gravitam em torno das tecno-
logias e tecnociências.
Como vemos, a compreensão e aplicabilidade do termo (e conceito) de determinismo tecno-
lógico é ampla e certamente pode se estender ainda mais, além do âmbito puramente sociotécnico
ou socioeconômico, principalmente se mudarmos o nosso recorte e passarmos a considerar tam-
bém, com maior peso na ponderação reflexiva, as próprias culturas e sociedades que são trans-
formadas e determinadas ao sabor de suas próprias determinações tecnológicas (casos do Egito,
México, Brasil, Páscoa e todas as sociedades planetárias que adotaram e adotam tecnologias
através da história). Ou seja, as culturas e sociedades que criam o determinismo tecnológico, de
diversas maneiras, acabam determinadas pelas tecnologias que elas mesmas inicialmente deter-
minaram e elegeram como prioritárias para as suas próprias civilizações. Enfim, podemos afir-
mar na atualidade que –no extremo– somos determinados por nosso próprio determinismo tecno-
lógico, o que gera, segundo o nosso entender, um tecnocentrismo de proporções civilizacionais
bastante significativo, cujas consequências, infelizmente, fogem de nosso controle –também– de
maneiras diferentes, pois, seja nas culturas antigas ou nas atuais, escapam ao controle social. Por
motivos diferentes, é verdade, mas é este descontrole que determina esta autodeterminação
tecnocêntrica que praticamos nos dias atuais. Enfim, a dispendiosa construção de pirâmides e
estátuas, a difusão da cultura exclusivista e degradante ambientalmente dos automóveis, e até
mesmo a tendência de manipulação genética indiscriminada humana e não humana que
começamos a praticar, têm algo em comum. São pontos gravitacionais fortíssimos em torno dos
quais as sociedades envolvidas voltam os seus maiores esforços tecnológicos em termos de
pesquisa, matérias primas, força humana de trabalho, produção, consumo, além de gordas verbas,
constituindo assim uma infraestrutura sociotécnica que gera consequências muitas vezes extrava-
gantes, e até mesmo colapsantes, para as próprias sociedades que as fomentam. No caso específi-
co das bioprospecções, interferências e explorações possíveis através das práticas genômicas,

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extremamente impactantes –frise-se, não só simbólica, mas praticamente também– estas técnicas
e tecnologias vêm par e passo com outras imposições que consideramos moral e bioeticamente
repugnantes, como o patenteamento genético humano, por exemplo. Quanto a isso, encontra-se
em Alexandre Quaresma, Crítica sobre a origem e os fundamentos da nova desigualdade entre
os homens, um explícito sinal de alerta, onde usamos as ideias surpreendentemente atuais do
filósofo iluminista Jean-Jaques Rousseau e seu Discurso sobre a origem e os fundamentos da
desigualdade entre os homens, aplicadas às tecnociências e suas reinstaurações estruturais da
contemporaneidade, em tudo neoparadigmáticas e disruptivas, principalmente no que tange o
patenteamento e a comercialização do DNA humano, atos espúrios e aviltantes –afirmamos– que
atentam contra os nossos bens mais importantes (2012: 4):

Lembremo-nos, irmãos humanos, enquanto ainda há tempo, que a vida pertence a todos os seres
viventes e não pode ser propriedade exclusiva de ninguém em particular! (...) Será que essas
primeiras patentes da vida humana, concedidas aos pedaços e fragmentos, não seriam justamente
esses primeiros impostores fincando suas estacas afiadas [menção ao texto original de Rousseau]
nesses novos e promissores campos da ciência e da tecnologia relacionados à vida?

Todavia, ainda temos a pergunta/problema que não pode e nem deve calar: Podemos nós,
pós-modernos, se não retroceder diante das novas tecnologias, mas, pelo menos, ser capazes de
gerenciá-las de maneira a não causarem risco e dano à civilização que as produz? Na China,
especialmente no caso dos automóveis, as consequências negativas já são bastante visíveis –
como está em Jared Diamond (2006: 435)– pois ela é o país mais populoso do mundo, com cerca
de 1 bilhão e 340 milhões de pessoas, somando um quinto de toda a população mundial, sendo
assim um exemplo emblemático para toda a humanidade em termos de consequências e impactos
de uma determinada tecnologia relativamente simples, como o automóvel:

Em algumas cidades chinesas, a poluição do ar é a pior do mundo, com níveis diversas vezes mais
altos do que os considerados seguros para a saúde das pessoas. Poluentes como os óxidos de ni-
trogênio e dióxido de carbono estão aumentando por causa do número crescente de veículos mo-
torizados (...) A chuva ácida, confinada na década de 1980 a apenas algumas áreas do sul e do
sudoeste, espalhou-se pela maior parte do país e agora ocorre em um quarto das cidades chinesas
durante mais da metade dos dias de chuva de cada ano.

Jared Diamond (2006: 447) chega a ser irônico ao afirmar que:

Os líderes chineses costumavam acreditar que os seres humanos podiam e deviam conquistar a na-
tureza, que o dano ambiental era um problema que afetava apenas as sociedades capitalistas e que
as sociedades socialistas eram imunes a ele. Agora, diante dos sinais gritantes dos sérios prob-
lemas ambientais chineses, mudaram de ideia.

No caso dos habitantes da Ilha de Páscoa, o esgotamento do meio ambiente foi o fator de-
terminante do colapso, como está também em Jared Diamond (2006: 138):

A ilha de Páscoa é o exemplo mais extremo de destruição de florestas no Pacífico, e está entre os
mais extremos do mundo: toda a floresta desapareceu, todas as suas espécies de árvores se extin-
guiram. As consequências imediatas para os insulares foram a perda de matérias-primas, perda de
fontes de caça e diminuição das colheitas.

E o mesmo autor acrescenta (2006: 140): “As consequências posteriores começam com
fome, declínio da população e degradação até o canibalismo”.
São Paulo, no Brasil, também já está sofrendo com os efeitos devastadores dessas determi-
nações tecnológicas que impactam sociedades e meio ambiente de forma não benéfica, gerando
problemas semelhantes aos enfrentados pela China, pois assim como no Brasil, os chineses in-
centivam a produção de automóveis, em detrimento de investir pesado em transporte público de

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QUARESMA: DETERMINADOS POR NOSSO PRÓPRIO DETERMINISMO

qualidade e incentivar hábitos tradicionais não poluentes, sustentáveis e saudáveis como a bi-
cicleta. Ou seja, tecnologias determinadas como prioritárias e úteis num dado momento histórico
de uma civilização ou cultura –repetimos– podem, noutro, determinar crise, declínio e até colap-
so ambiental e civilizacional destas mesmas culturas, além de determinar também uma série de
outras contingências e conjunturas do dia-a-dia. Um ótimo exemplo, não de colapso, mas de
determinismo tecnológico bastante visível, deu-se à época da construção de Brasília, capital fed-
eral do Brasil –como nos relata Ricardo Neder (2010: 9)– onde:

A convicção e a fé na tecnologia industrial do automóvel, por exemplo, nunca estiveram dissocia-


das da política e da esfera pública. Na modernidade dos anos 1950, a empreitada de mudança da
capital política do Brasil com a construção de Brasília prova isto. O traçado urbano, a circulação e
acessibilidade, as linhas de fuga da cidade foram projetadas a partir de uma decisão política. A
mudança e a construção seguiram códigos concretizados pelos sistemas técnicos da indústria au-
tomobilística.

E, acerca deste exemplo que se seguiu, Ricardo Neder (2010: 9) também acrescenta, em
tom conclusivo e convergente conosco, que: “Esta dimensão pragmática e ao mesmo tempo sim-
bólica pode ser tomada como um princípio geral do determinismo tecnológico”. Deste modo, é
correto afirmar então que o determinismo tecnológico extremado faz parte de uma política bas-
tante específica de nossa cultura, que também gera a dinâmica de dependência progressiva e
absorvente da técnica com a própria técnica, fenômeno este que experimentamos nos dias atuais,
como lemos em Herbert Marcuse apud Jürgen Habermas (1975: 306-307, 305):

[...] a ciência, em virtude de seu próprio método, e de seus conceitos, projetou e promoveu um
universo no qual a dominação da natureza permaneceu vinculada à dominação do homem – um
vínculo que tende a ter efeitos fatais para esse universo como um todo. A natureza, cientificamen-
te compreendida e dominada, reaparece no aparato técnico de produção e distribuição que mantém
e aprimora a vida dos indivíduos, ao mesmo tempo que os subordina aos senhores do aparato. As-
sim, a hierarquia racional se funde com a social.

Hoje a dominação se perpetua e se estende não apenas através da tecnologia, mas enquanto tecno-
logia, e esta garante a formidável legitimação do poder político em expansão que absorve todas as
esferas da cultura.

Herbert Marcuse (1975: 309) conclui com sabedoria que “O a priori tecnológico é um a
priori político na medida em que as ‘criações feitas pelo homem’ surgem de um ensemble1 socie-
tal2 e nele reingressam”. Quanto a isso, Andrew Feenberg (2010: 297) também converge, de
modo bastante pertinente, quando escreve que:

[...] a realidade é fundamentalmente reestruturada por essa tecnociência, que a despe


completamente de suas potencialidades intrínsecas e a expõe a uma dominação subordi-
nada a fins subjetivos. O efeito geral desse processo é a destruição do homem e da na-
tureza. Um mundo ‘capturado’ pela tecnologia é radicalmente alienado e hostil.

Andrew Feenberg (2010: 247) complementa, alinhando-se a nós na tônica discursiva, ao


afirmar que:

Essas escolhas definem um mundo dentro do qual as alternativas específicas a respeito das quais
pensamos –como os propósitos, os objetivos, os usos– acabam emergindo. Definem também o su-
jeito que escolhe entre as alternativas: fazemos a nós mesmos ao fazermos o mundo através da
tecnologia. Assim, a mudança tecnológica fundamental muda sua autorreferência.

1
Conjunto.
2
Questões relativas à estrutura, organização ou funcionamento da sociedade.

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E Andrew Feenberg (2010: 209) é significativamente preciso nesta outra passagem onde
cita Martin Heidegger para demonstrar a não neutralidade dos meios técnicos nas interações com
as sociedades, e onde, por ora, encerraremos o detalhamento do conceito determinismo tecno-
lógico:

Sem dúvida, Heidegger tem razão quando declara que a tecnologia moderna é muitíssimo mais
destruidora do que qualquer anterior. E é verdade que os meios técnicos não são neutros, que seu
conteúdo substantivo afeta a sociedade, independentemente dos objetivos a que sirvam. Portanto,
a alegação básica de que estamos presos na engrenagem de nossas próprias técnicas merece toda a
acolhida. (...) Ele nos alerta que a essência da tecnologia não é nada tecnológica – por assim dizer,
a tecnologia não pode ser compreendida por sua funcionalidade, mas apenas por nosso envolvi-
mento especificamente tecnológico com o mundo.

Quanto à crítica da tecnologia, a nossa terceira palavra-chave, ao que consta também na lit-
eratura, esta se encontra diretamente relacionada a um período de tempo específico da história
humana recente, e também aos fundadores da Escola de Frankfurt. Nesse sentido, é também o
sociólogo Ricardo Neder (2010: 12-13) quem clarifica para o amadurecimento desta teoria,
afirmando que a:

Teoria Crítica da Tecnologia, contudo, nascerá do entrechoque das concepções de Adorno e


Horkheimer, além das de J. Habermas sobre racionalidade instrumental. Mas receberá especial
impulso com Marcuse sobre o papel da tecnologia no capitalismo do pós-II guerra. Os fundadores
da escola de Frankfurt viram no fenômeno técnico –tal como Heidegger– um destino inexorável
da sociedade contemporânea.
Feenberg fará também a reelaboração da teoria crítica da Escola de Frankfurt buscando superar a
concepção crítica de racionalismo de Habermas, autor da teoria dos meios em esferas onde pre-
dominam a razão instrumental.

Vários autores importantes se preocuparam com estes assuntos relativos aos avanços das
ciências e técnicas, no sentido de estruturação de uma possível crítica. Um bom exemplo disso é
esta passagem do filósofo Friedrich Nietzsche (1974: 231), onde –referindo-se à ciência e ao
futuro humano– afirma temeroso que:

[...] temos diante de nós uma terra ainda inexplorada, cujos limites ninguém mediu ainda, um
além de todas as terras e rincões do ideal conhecidos até agora, um mundo tão abundante em
coisas belas, estranhas, problemáticas, terríveis e divinas, que nossa curiosidade, assim como nos-
sa sede de posse, ficam fora de si – aí, que doravante nada mais nos pode saciar! Como po-
deríamos, depois de ver tais paisagens [nosso DNA, por exemplo], e com uma tal voracidade na
consciência e na ciência [nas tecnociências], contentar-nos com o homem do presente? (...) o ideal
de um espírito que joga ingenuamente, isto é, sem querer e por transbordante plenitude e poten-
cialidade, com tudo o que até agora se chamou sagrado, bom, intocável, divino; para que o mais
alto, em que o povo encontra legitimamente sua medida de valor, já significaria perigo, declínio,
rebaixamento ou, no mínimo, descanso, cegueira, esquecimento temporário de si; o ideal de um
bem-estar e bem-querer humano-sobre-humano.

Ademais, como nos ensina também Andrew Feenberg (2010: 256):

A crítica da tecnologia como tal é um tema comum não apenas na Escola de Frankfurt, mas tam-
bém em Heidegger, Jacques Ellul e uma multidão de críticos sociais [onde, provavelmente, nós
também nos enquadramos] que poderiam ser descritos, de maneira rude, como tecnófobos.

O certo é que quando nos empenhamos em compreender estas imbricadas relações que
evolvem tecnociências e sociedades, percebemos também, de imediato, contradições fragrantes –
por exemplo– entre poder e dever fazer algo, como já foi dito anteriormente. Uma reflexão bas-
tante rudimentar e aparentemente simples, mas que se potencializa em crises e dilemas profundos

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QUARESMA: DETERMINADOS POR NOSSO PRÓPRIO DETERMINISMO

quando se relaciona com biotecnologias e ciência de fronteira, pois poder realizar algo (tecnica-
mente) não significa necessariamente que devamos (moralmente) fazer este algo! Este tipo de
contingência ética e moral – entre o que pode e o que deve ser feito – pode ser percebido reinci-
dentemente nas análises críticas das tecnologias da contemporaneidade, pois muitas coisas, que
são possíveis tecnicamente, são moralmente irrealizáveis. Todavia, há a Lei de Gabor, cuja máx-
ima diz o seguinte: “Tudo o que é possível será necessariamente realizado!”; ou, dito de outra
forma, a lei de Gabor diz que tudo que pode ser feito (tecnicamente) será feito, e que não adi-
antaria estes rebuscamentos morais, filosóficos e antropossociais refinados para tentarmos refrear
ou mesmo influenciar as técnicas e tecnologias. Nós absolutamente não concordamos com essa
teoria, ainda que ela seja especialmente preocupante quando consideramos a vertiginosa escalada
dos progressos bionanotecnocientíficos humanos, que se dão fragmentados e além de nosso con-
trole, e sem que haja uma reflexão crítica aprofundada sobre o assunto. Faz-se primeiro, pergun-
ta-se pelas razões e consequências depois. Muitas vezes sob proteção de leis de sigilo industrial,
pois podem ser –e de fato são– fontes rentáveis de grandes lucros como novas plataformas tecno-
lógicas industriais exploráveis comercialmente. Quando tais objetos técnicos e tecnologias che-
gam ao mercado, e por conseguinte ao meio ambiente, consagrando o determinismo, pouco ou
nada se pode fazer acerca de refletir ou controlar seus desdobramentos. Ou seja, todos os nossos
esforços sociais – afirmamos – devem estar voltados para a invalidação objetiva desta máxima de
Gabor, no sentido abrangente que uma lei hipoteticamente tem, e no que tange cercear e até
proibir práticas indignas e aviltantes para a nossa espécie, em termos de direitos humanos e inter-
esses da coletividade. Para isso há a bioética. Além disso, como tais eventos se dão de maneira
muito rápida no meio social, e como seus impactos e consequências na cultura se constituem de
modo significativamente profundo e acrítico –tendo em vista que as sociedades sempre enxergam
as tecnologias e tecnociências como fenômenos e forças predominantemente boas para elas
mesmas–, torna-se de suma importância conceber, elaborar e desenvolver modelos críticos que
possam se aplicar a estes mesmos desenvolvimentos tecnológicos que criamos e absorvemos de
maneira desatenta, mas que consolidam o estabilishment tecnoindustrial. Numa só palavra: As
tecnologias podem e devem ser consideradas também como problema (teórico e prático), e não
apenas como solução, como se costuma fazer habitualmente, pois, se por um lado elas nos aju-
dam a resolver e superar alguns empecilhos do cotidiano, por outro, têm gerado e podem vir a
gerar também problemas ainda maiores, mais graves e até mais complicados de resolver do que
aqueles que se propunham inicialmente a solucionar – tecnologicamente.
O que preocupa, do ponto de vista social e também antropossocial, é que dentro deste con-
texto tecnocêntrico de extremado determinismo tecnológico, que constituímos e que agora ana-
lisamos, existe a percepção e significação predominantemente positiva que as sociedades fazem
de si mesmas e de suas tecnologias, como já afirmamos; ou, ironicamente, a não percepção e não
significação que fazem de si mesmas, e a não compreensão do verdadeiro impacto que essas
tecnologias e práticas tecnológicas vão tendo na (re)determinação e na remodelação de nossas
próprias culturas já profundamente deterministas e tecnocêntricas por princípio.

Inteligências artificiais e manipulação genética: frutos da tecnicização


As IA’s ou Inteligências Artificiais são entes maquínicos informático-computacionais (softwares)
animados por algoritmos evolucionários e redes neurais complexas, que operam em ambientes
digitais (hardwares) de extrema potência e podem, dentre outras façanhas cibernéticas, emular
situações bastante semelhantes às do próprio pensamento humano, instaurando um novo tipo de
inteligência. Vale frisar que algumas destas criaturas algorítmicas e informacionais emergem do
próprio sistema, devido –segundo o que consta da literatura– à complexidade deste, e atuam de
maneira muito parecida conosco no que tange apreender com os próprios erros e acertos e, admi-
ravelmente, evoluir. Trata-se de uma emergência neoparadigmática que pode modificar a face do
mundo em que vivemos. Michio Kaku (2001: 119-120) escreve:

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REVISTA INTERNACIONAL DE CIENCIA Y SOCIEDAD

A maioria das pessoas que trabalham com IA e com redes neurais acredita que a consciência é um
fenômeno emergente. Isso quer dizer que pode ocorrer naturalmente quando um sistema se torna
complexo o bastante. Em outras palavras, [quando] o todo já não é mais apenas a soma das partes.

Se isso for verdade, não há porque negar a possibilidade –mesmo que remota– de emergên-
cia de uma consciência inteligente em meio maquínico (ou maquinal) hipercomplexo e sofistica-
do. Sem falar, é claro, que existem outras considerações importantes na hora de analisar tais
eventos. Michio Kaku (2001: 122) explica que:

Por analogia, se um robô [e/ou computador] tiver um desempenho indistinguível do desempenho


de um ser humano, então, para todos os fins e propósitos, ele é consciente. O que está realmente
acontecendo dentro do cérebro [ou processador] do robô é, em grande medida, irrelevante.

Será? Sem dúvida, trata-se de uma excelente colocação conjectural deste autor, mas será
que isso não deve ser objeto de nossa análise crítica mais aprofundada? Será que se trata de algo
tão irrelevante assim? Tudo isso não diz respeito diretamente a nós, enquanto humanidade e
civilização? Todavia, é bom lembrar que existem muitos graus diferentes de consciência, e que
com o tempo os cientistas de IA criarão versões cada vez mais sofisticadas de máquinas ‘con-
scientes’. Isto poderá gerar desdobramentos e consequências devastadoras para a axiologia hu-
mano-maquínica, pois estaríamos –em tese– constituindo as novas formas superiores de in-
teligência no planeta. Sobre isso, lemos também em Michio Kaku (2001: 122):

Esses níveis de consciência provavelmente se desenvolverão de maneira muito semelhante a aque-


la como a evolução produziu seres conscientes na Terra ao longo de bilhões de anos. Embora haja
grandes lacunas no reino animal, talvez exista um contínuo grosseiro de consciência, começando
com meros organismos unicelulares que mais tarde se transformaram em outros crescentemente
mais complexos, inclusive seres humanos. Como os seres humanos evoluíram a partir de formas
menos complexas, parece razoável concluir que há muitos níveis de consciência.

Ainda sobre a progressiva e exponencial evolução técnica das máquinas, é importantíssimo


que estejamos alerta, pois, segundo Daniel Crevier apud Michio Kaku (2001: 160):

Quando as máquinas adquirirem uma inteligência superior à nossa, será impossível contê-las.
Episódios em que o substituto se eleva e se torna o governante efetivo de uma nação ocorreram
incontáveis vezes na história. A própria evolução da vida na Terra não passa de uma história de
quatro bilhões de anos de prole que toma o lugar dos pais. Um progresso inexorável da IA nos
força a formular a pergunta inevitável: será que estaríamos criando a próxima espécie de vida in-
teligente na Terra?

É importantíssimo também estarmos atentos ao iminente risco desses sistemas de IA –


encarregados de controlar funções importantes como gerenciar nossas armas nucleares, nossos
fluxos de informações e dados, nossos suprimentos de dinheiro, água, alimentos, nossos meios de
transportes e até o manejo do meio ambiente– que talvez possam sofrer, por exemplo, com os
circuitos de feedback3, o que, sem dúvida, teria efeitos devastadores para toda a vida humana
civilizada. Esses circuitos de feedback –analogamente– poderiam ser considerados como uma
espécie de insanidade ou loucura comportamentais experimentada pelas máquinas que, devido ao
efeito matemático do feedback (ou problema da estabilidade), podem fugir de controle e agir de
maneiras inesperadas, prejudiciais a nós e nossas infraestruturas tecnológicas. Para explicar
melhor este fenômeno bizarro e recorrente nas dinâmicas das inteligências artificiais, conhecidos
também como efeito mesa, vejamos o que escreve Michio Kaku (2001: 163):

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Circuitos de feedback são os ciclos pelos quais operam os computadores. Eventualmente esses circuitos de feedback
podem gerar anomalias que, por sua vez, podem interferir negativamente no funcionamento operacional desses mesmos
dispositivos.

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QUARESMA: DETERMINADOS POR NOSSO PRÓPRIO DETERMINISMO

Enquanto permanece em sua zona de conforto (isto é, sua área de especialidade), um sistema es-
pecialista opera admiravelmente. No entanto, uma vez forçado a sair, ainda que minimamente,
dessa zona de conforto [...] ele tende a despencar da plataforma, ou mesa. O sistema desmorona.

Daniel Crevier apud Michio Kaku (2001: 162) confirma tal fato:

Embora um computador possa estar funcionando aparentemente de maneira impecável, erros ín-
fimos inerentes a todo mecanismo de feedback podem expandir-se até que o sistema entre em
colapso. Os resultados desses passos irrepreensíveis significarão um comportamento irracional e
desequilibrado: loucura.

Objetivamente, teremos que construir sistemas e dispositivos de segurança capazes de evitar


e até contornar estes eventos indesejáveis oriundos de nossas próprias criações cibernéticas. Se
relegarmos o controle do fluxo de dados e informações –nossos bens mais preciosos na atuali-
dade– e delegarmos a elas (máquinas) o poder de se autoperceberem e autocontrolarem au-
tonomamente, as consequências práticas disso poderão ser enormes. Por isso mesmo, a importân-
cia dos projetos de pesquisa e desenvolvimento de dispositivos de segurança cada vez mais com-
plexos é também enorme, como lemos em Michio Kaku (2001: 164): “O que os cientistas terão
de fazer é projetar mecanismos cada vez mais sofisticados para desligar o sistema antes que ele
enlouqueça”. Há também perguntas que só o tempo irá responder: Serão elas –indagamos–
merecedoras de respeito? Deverão ser dignas de proteção em suas integridades físicas e infor-
macionais? Serão semelhantes a nós na estruturação de suas inteligências? Serão perigosas?
Poderão ser desligadas?
Manipulação genética, como está também na literatura, são todas as ações de interferência,
controle e exploração do genoma humano oriundas do mapeamento deste. Ou seja, trata-se de
interferir, controlar e explorar estes determinantes campos de nossa biologia através das
tecnociências, o que, em tese, permite uma série ações não necessariamente benéficas para os
seres humanos de uma maneira geral. Sobre estas técnicas intrusivas de manipulação do genoma
humano, lemos em Marie-Geneviéve Pinsart (1993: 273) o seguinte:

A manipulação do genoma humano consiste em intervenções nos cromossomos e genes das célu-
las somáticas (as células diferenciadas do corpo humano) ou germinais (gametas) tendo em vista
modificações biológicas do ser humano individual ou genético (transformação hereditária).

Todavia, o que chama a nossa atenção nessas práticas é o modo de assenhoreamento com
que tratamos destas nossas substâncias tão primordiais que organizam e dinamizam a vida, e o
quão impactantes podem ser estas práticas tecnicistas de bioengenheiramento da vida e da maté-
ria. Razões para crises e conflitos bioéticos, nestes contextos, não faltam. Por conseguinte, sua
aplicação indiscriminada pode gerar também problemas, e não apenas soluções, pois, como nos
lembra Francis Fukuyama (2003: 29):

Se pais abastados se virem subitamente diante da oportunidade de aumentar a inteligência de seus


filhos, assim como a de todos os seus descendentes, teremos os ingredientes não apenas de um di-
lema moral mas de uma guerra de classes total.

Isso tudo, sem falar, é claro, do brusco rompimento com o que chamamos –desde Jean-
Jaques Rousseau– de Contrato Social, e que Jürgen Habermas (2004: 79) chama de “universali-
dade das normas válidas”. Ele mesmo nos diz:

Na própria universalidade das normas válidas, é necessária a manifestação de uma coletividade


não assimiladora e livremente intersubjetiva, que leve em consideração a fundada diversidade de
interesses e de perspectivas de interpretação em toda a extensão, ou seja, que não nivele ou repri-
ma a voz dos outros –dos estranhos, dos dissidentes e dos impotentes–, nem a marginalize ou ex-
clua.

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REVISTA INTERNACIONAL DE CIENCIA Y SOCIEDAD

Outro aspecto relevante nesse assunto, que vale a pena ser abordado, é que o processo natu-
ral de concepção e geração da vida guarda, por si, por sua aleatoriedade e equanimidade, uma
extrema justiça quanto aos resultados afetivos e sociais, pois garante sempre que crianças, mes-
mo sem talentos especiais ou qualidades raras (e, quem sabe até com deficiências), tenham suas
famílias, pessoas que as amem, oportunidades iguais, independentemente de seu patrimônio e
bagagem genética.

Conclusão
Estamos protagonizando uma revolução. E as consequências desta revolução tecnofágica serão
os nossos atos e ações tecnicistas de agora, que vão ecoar por diversas gerações adiante, pois não
há mais –ao que parece– como retroceder diante da força impositiva e absorvente das técnicas e
tecnologias. O que nós podemos fazer será guiá-las para fins e aplicações dignas e louváveis,
adicionando na cesta de valores das tecnologias –como diria Feenberg– outros valores que não
só os de mercado. E é por isso que afirmamos que o humano –que um dia criou a técnica, a
tecnologia e o próprio determinismo tecnológico como lógica e como práxis– é agora determina-
do por eles. E é assim também que, ironicamente, deslumbrados e distraídos, acabamos determi-
nados por nosso próprio determinismo tecnológico. A diferença entre nascer e ser produzido, por
exemplo, neste tipo de contexto, pode ser apenas o começo de uma longuíssima sequência de
fenômenos críticos ou –quem sabe, o que seria bem pior– acríticos, como encontramos em Jür-
gen Habermas (2004: 90):

Até o momento, somente as pessoas nascidas, e não as produzidas, encontraram-se em interações


sociais. No futuro biopolítico, prenunciado pelos eugenistas liberais, essa relação horizontal seria
suplantada por um conjunto de ações e comunicações entre as gerações, que se instauraria verti-
calmente por meio da modificação intencional do genoma dos nascituros.

Francis Fukuyama (2003: 111), referindo-se à perda de nossa essência, parece confirmar a
postulação de Habermas e concordar conosco quando falamos de um ser Humano-Pós-Humano
em metamorfose:

Poderíamos assim emergir do outro lado de uma grande linha divisória entre história humana e
pós-humana sem nem mesmo perceber que o divisor de águas fora rompido porque teríamos sido
cegos ao que era essa essência.

As consequências e desdobramentos destes novos modelos de virtude baseadas no maquí-


nico e tecnológico serão sentidos não só no campo simbólico, mas também no campo prático da
vida humana cotidiana, como nos alerta David Le Breton (1990: 386) em seu livro Antropologia
do corpo e modernidade:

Nós estamos no início de um processo, mas este trata de valores centrais. A transferência desses
dados da ordem simbólica para a ordem da técnica e da vontade não acontecerá sem uma reper-
cussão sensível no nível antropológico. Inelutável, uma eclusa se abre lentamente, ela libera for-
ças que podem transformar profundamente a condição humana ou diluir-se com o tempo graças a
novas sensibilidades sociais.

E serão justamente estas novas sensibilidades sociais, indicadas por David Le Breton como
centrais, que propiciarão (ou não) a manutenção do que temos de mais importante e estrutural
enquanto filo: Nossa natureza e nossa essência. Hans Jonas (2006: 353), em seu clássico O
princípio responsabilidade – Ensaio de uma ética para a civilização tecnológica, é conclusivo ao
afirmar –consoante com nossas ideias e argumentações acerca das interações complexas entre
seres humanos e tecnologias– que:

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QUARESMA: DETERMINADOS POR NOSSO PRÓPRIO DETERMINISMO

Guardar intacto tal patrimônio [a essência humana] contra os perigos do tempo e contra a própria
ação dos homens não é um fim utópico, mas tampouco se trata de um fim humilde. Trata-se de as-
sumir a responsabilidade pelo futuro do homem.

Nesta mesma linha de raciocínio encontra-se também o autor do Dicionário da bioética,


Gilbert Hottois (1993: 160), já citado anteriormente neste paper:

[...] a preocupação com as gerações vindouras justifica-se, pelo menos filosoficamente, pelo se-
guinte: força-nos a refletir acerca do que fazemos hoje, a distanciarmo-nos relativamente às nos-
sas evidências, às nossas inelutabilidades e às nossas urgências, a dizer a nós próprios que talvez
pudéssemos ou devêssemos agir de outra forma. Reforça, desse modo, a nossa própria lucidez e a
nossa própria liberdade.

Conclusiva e resumidamente –se é que é possível sintetizar ainda mais uma reflexão tão
complexa e imbricada como esta– tratar-se-á de resguardar às futuras gerações o direito básico,
essencial e estruturante de desfrutar de um ambiente social digno, bem como de uma integridade
física e biológica protegida legalmente por marcos bioéticos, para que esta assim possa abrigar
condignamente a própria manifestação da vida, resguardada de intervenções e experiências
degradantes e aviltantes que possam de alguma maneira deletéria prejudicar o que temos hoje de
mais sagrado e seminal: Nós mesmos e o nosso ser-no-mundo, como diria Martin Heidegger. São
as decisões de hoje –sejam sábias, sejam tolas– que irão dar forma a este amanhã realmente ex-
traordinário que começa a se delinear diante de nós. Não nos cabe –afirmamos– usar o poder das
tecnociências para moldar e determinar o futuro egoística e tecnocentricamente, nos mínimos
detalhes, dos átomos e moléculas às estruturações sociais por castas biológicas, diferentes entre
si, e sim moldar e determinar biopoliticamente um estado social livre, se possível, democrático e
pluralista, que possa atender aos anseios de suas coletividades, minorias e pessoas comuns. Neste
âmbito, a essência humana talvez seja o bem mais sublime e inalienável a ser conservado e
preservado por nossa espécie. Para nós e para as futuras gerações.

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REVISTA INTERNACIONAL DE CIENCIA Y SOCIEDAD

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Rousseau, Jean-Jaques (1754). Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade
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SOBRE O AUTOR
Alexandre Quaresma: é escritor, ensaísta, pesquisador de tecnologias e consequências socioam-
bientais. Autor dos livros Nanocaos e a Responsabilidade Global, Nanotecnologias: Zênite ou
Nadir? e Humano-Pós-Humano - Bioética, dilemas e conflitos da Pós-modernidade. É membro
ativista da RENANOSOMA (Rede de Pesquisa em Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambien-
te) e vinculado à FDB (Fundação Amazônica de Defesa da Biosfera), e também colunista de
cibercultura da revista Sociologia Ciência e Vida no Brasil.

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