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LAVDAS, K. A.

Interest groups in disjointed corporatism: dialogue in Greece and European


"competitive corporatism". West European Politics, v. 28, n. 2, p. 297-316, março-2005.

O objetivo do artigo é compreender os parâmetros estratégicos e políticos que


influenciam as maneiras pelas quais os principais grupos de interesse se envolvem nas políticas
públicas na Grécia. O autor considera a extensão em que o sistema de mediação de interesses
(interest intermediation) afeta os papéis e o peso dos diferentes interesses em um ambiente
marcado por experiências históricas de corporativismo e politização dos sindicatos uma questão
importante a respeito deste envolvimento, bem como as diferenças entre o "disjointed
corporatism" da Grécia e o corporativismo competitivo (competitive corporatism) da União
Europeia. O sistema grego, denominado desta maneira, nos leva a reconhecer a importância da
herança institucional e das assimetrias de poder, em conjunto com características adquiridas no
curso da Terceira República (p. 298).

A evolução do clientelismo individual para o coletivo, agora envolvendo partidos e seu


controle sobre a alocação de recursos públicos, fortaleceu o papel e influência destas
organizações nas políticas públicas, levando diversos estudos à conclusão de que houve uma
colonização dos grupos de interesse. Estas observações levam a generalizações enganosas
porque diminuem a influência do movimento operário e das empresas, ignoram a capacidade de
conflito de interesses demonstrada pelo elevado número de greves desde 1974 e desconsideram
a lógica da ação coletiva, que pode explicar o motivo pelo qual empregadores dependem menos
de suas associações e tem menos problemas de coordenação e ação coletiva, enquanto
trabalhadores dependem dos sindicatos por não deter poder individual no mercado, o que
também os leva a buscar soluções na esfera política (p. 299 e 300).

Historicamente, foi o desenvolvimento político grego nas primeiras duas décadas do


século XX que favoreceu o despertar da sociedade civil, especialmente em função das
mudanças políticas provocadas pelo golpe de 1909 – entre as associações que se estabeleceram
está a SEV (Federação dos Industrialistas Gregos) - e de 1974 até hoje se evidencia uma nova
onda de pluralismo com a emergência de diversos grupos formais e informais, alguns deles
exemplificando o declínio da influência dos partidos políticos. Os primeiros sindicatos surgiram
na construção naval em 1879, seguido por outros setores até 1910; já o estabelecimento da
“Greek General Confederation of Labour” (GSEE) data de 1918 e deveu muito à atividade dos
liberais, que tentaram controlar a organização. O fim da Primeira Grande Guerra o
fortalecimento dos comunistas e a emergência da questão social resultaram na incapacidade dos
governos de canalizar a atividade do movimento operário, o que resultou em medidas
repressivas e na tentativa de cooptar lideranças e aumentar sua dependência financeira. No pós-
guerra, houve aumento nas interações entre Estado e sindicatos, aumentando sua importância,
refletida em uma alta proporção de sindicalizados. No entanto, estas instituições têm problemas.
Em primeiro lugar, na força de trabalho grega os empregados compreendem a menos de 50% do
total, com elevado número de trabalhadores por conta própria. Em segundo lugar, estes
sindicatos, organizados por categorias ocupacionais e operando em três níveis, contam com
vínculos sistemáticos apenas entre os dois últimos níveis e muitos operam sem qualquer
conexão com o primeiro; isso leva à fragmentação e ao estabelecimento de relações com forças
políticas com o objetivo de assegurar benefícios particulares, em negociações paralelas às
efetuadas pelas confederações (p. 300 a 302).

Por seu turno, as associações de empregadores contrastam com os sindicatos. Estas têm
maior autonomia e um poder considerável em relação às instituições políticas. A SEV
estabeleceu seu papel e posição central em 1949 e nos anos 50 protagonizou, junto à GSEE,
tentativas corporativistas de tomada de decisão coletiva na modernização seletiva empreendida
pelo governo. O poder de cada um variou no período; no entanto, o governo intervinha
fortemente na GSEE, enquanto a SEV reteve um grau maior de autonomia institucional (p. 302
e 303).

Após um regime militar, que durou de 1967 a 1974, a Grécia entrou na Terceira
República com a presença organizacional de diversos interesses sociais que apresentavam uma
combinação continuidades e mudanças. A implantação de novo regime não provocou a criação
de novas associações e nem mudanças significativas na legislação; de um lado, a curta duração
do autoritarismo anterior diminuiu seus impactos e, de outro, o sistema de interesses sobreviveu
à transição com poucas mudanças porque a restauração das instituições democráticas enfatizou
elementos de continuidade com o período anterior à imposição da ditadura em 1967. Outro
evento importante foi a alternância de poder em 1981, com a ascensão do PASOK, que serviu de
estímulo a associabilidade das empresas - após este ano, verificamos esforços do SEV para
aumentar sua autoridade e se distanciar de linhas partidárias específicas. Por último, a adesão à
União Europeia, junto das pressões pela europeização e internacionalização da economia,
provocou mudanças nas políticas de interesse domésticas (p. 304).

Os interesses organizados das empresas estão estruturados em linhas setoriais, variando


em sua relação com o Estado e não dispondo de uma associação de pico distinta, apesar do
esforço empreendido pela SEV desde 1955 para cumprir esse papel. Em nível setorial, o
Sindicato dos Armadores evoluiu cooperando com as instituições do Estado, mas manteve uma
autonomia ausente no sindicato dos trabalhadores. O poder que detém em relação ao Estado
sempre foi considerável, não apenas por ser a maior marinha mercante do mundo, mas também
porque seus membros podem facilmente mudar a bandeira de seus navios; no entanto, este setor
possuía até recentemente todas as características de corporativismo estatal. Sua presença em um
setor marcado pela mobilidade do capital indica que esta forma coercitiva de mediação de
interesses estava associada com o poder das empresas e fraqueza do trabalho ao invés da
dominação da política de interesses pelo Estado (p. 304-305).

A escolha pela adesão à União Europeia, primeiro nos anos 60 e após 1974 surgiu na
forma de uma estratégia que agrupou um número de atores em favor de objetivos
modernizantes, enquanto o campo de debate (field of debate) era estruturado em termos pró-
europeus. Enquanto alguns interesses se tornaram parte desta estratégia e contribuíram para a
formação de suas características particulares, outros permaneceram à margem do processo –
assim se contrapunha capital e trabalho. Na Grécia, bem como em outros países, a adesão à
União Europeia e à suas políticas macroeconômicas forneceu a disciplina externa para medidas
de austeridade internas que os governos falharam em impor ou preferiram não as implementar
por sua iniciativa (p. 305).

O corporativismo de Estado grego foi inerentemente assimétrico e deixou marcas


diferentes nos negócios e no trabalho. Depois de 1974, não há como analisar a Grécia sob esse
prisma; por conta disso, o autor categoriza os padrões de mediação de interesses e “policy-
making” como “disjointed corporatism”, cujo funcionamento traz as marcas desse
corporativismo estatal passado. Neste sistema, a ausência de tradição de concertação,
combinada à fragmentação na mediação de interesses e às descontinuidades do regime político,
resultou em corporativismo baseado no tripartismo que não pode ser descrito nem como
autoritário e nem como liberal no sentido de Schmitter, pois sua fragmentação limitou os
elementos liberais do sistema econômico e ao mesmo tempo dificultou o arranjo de pactos
sociais e acordos intersetoriais que tivessem escopo maior do que a negociação de salários.
Embora presente em setores em que o poder das empresas em relação ao Estado é mais
pronunciado, como o naval, a cultura institucional dominante, a nível de sistema, não pode ser
caracterizada como corporativismo de Estado (p. 306).

Os dois conflitos civis do século XX e a falta de uma cultura de acomodação da elite e


de lideranças conciliatórias privou o desenvolvimento político de um elemento crítico para a
consolidação de arranjos corporativistas sociais de longo prazo capazes de negociar pactos
sociais. Por sua vez, o legado de um protecionismo irregular e politizado e a falta de uma
política consistente de industrialização por substituição de importações tornou o poder político
do Estado fraco e pouco desenvolvido em relação aos interesses das empresas (p. 307).

Após a mudança de regime em 1974, o processo de democratização elevou os custos do


trabalho, enquanto as associações enfrentaram um ambiente político hostil e uma queda em seu
apoio e legitimidade devido à sua identificação com o regime autoritário aos olhos da opinião
pública. O programa de estatização do primeiro democrático provocou tensões com as
empresas, que aumentaram com a ascensão do PASOK em 1981; entretanto, após a crise do
petróleo, os esforços do governo para aprovar um pacote de estabilização econômica, incluindo
diversas medidas de austeridade, foi bem recebido pelo SEV e provocou uma crise interna no
GSEE em 1985-86. Neste cenário, ocorrem mudanças importantes no papel desempenhado por
cada ator do diálogo social, principalmente nos anos 90 com o declínio da intervenção estatal
acompanhado do desenvolvimento de negociações coletivas livres e procedimentos voluntários
de solução de conflitos, enquanto a negociação central continua desempenhando um papel-
chave no estabelecimento de um quadro (framework) geral de negociação nos níveis setoriais,
locais (firm) ou territoriais (p. 308 e 309).

A União Europeia impacta o diálogo social de duas formas: pelo desenvolvimento de


um modelo determinado para os processos domésticos e através de processos mais vastos de
europeização, trazendo mudanças na política nacional que representam limites e oportunidades.
A economia transnacional ganha importância crescente, alterando a estratégia dos grupos de
interesse, e se relata o impacto das políticas europeias e o papel destas e de suas instituições
como variáveis mediadoras ou catalisadoras do desenvolvimento em áreas como mudanças
regulatórias, liberalização e introdução de novas formas de envolvimento público em processos
econômicos mais liberais. Na Europa, em contraste com os arranjos tripartites das décadas de 60
e 70, os ganhos materiais dos trabalhadores estão ligados à aceitação de um compromisso
conjunto pelo sucesso em mercados competitivos. Neste corporativismo competitivo
(competitive corporatism), enquanto existem algumas lideranças sindicais gregas dispostas a
trocar a aprovação de objetivos liberalizantes pela participação na implementação destes, em
conjunto com garantias aos trabalhadores, características estruturais do sistema de mediação de
interesses grego são contrárias a essa possibilidade (p. 310 e 311).

Concluindo, o autor aponta que a natureza limitada do diálogo social na Grécia


demonstra a reprodução de um padrão de relações de poder baseado em um sistema específico
de relações entre instituições políticas e grupos de interesse que se caracteriza pela fraqueza do
Estado e por sua penetração assimétrica nos vários interesses; assim, a política do "stalled social
dialogue" (estagnado?) reflete as dificuldades na construção de instituições políticas menos
porosas combinadas com as aquelas advindas da extensão da estratégia da europeização. Até
hoje, o sistema de mediação de interesses grego é caracterizado pelo legado de um estadismo
assimétrico, por estruturas de interesse fragmentadas, pela resistência à extensão das
negociações em direção a pactos sociais e pela influência dos partidos políticos, configurando o
"disjointed corporatism" (p. 311).

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